Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:756/09.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/08/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO;
POSSE;
INVERSÃO DO TÍTULO.
Sumário:i) Numa situação em que foi celebrado contrato-promessa de compra e venda com entrega do imóvel à promitente-compradora, a falta de celebração do negócio de compra e venda, a falta de pagamento do remanescente do preço ou a falta de pagamento do IMT e IMI relacionados com o bem não constituem, só por si, base suficiente para o afastamento da posse em nome próprio daquela, na medida em que exerça poderes de administração sobre o imóvel, sem qualquer contestação por parte de terceiros.
ii) Existe inversão do título da posse, quando os actos de administração da fracção em causa, praticados pela promitente-compradora em nome próprio, são públicos e notórios e não mereceram qualquer oposição por parte da executada, proprietária da mesma, nem por parte de terceiros.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, que julgou procedente o incidente de embargos de terceiro apresentado por N…., contra o acto de penhora da fracção autónoma designada pela letra C, do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia e concelho de Mafra, sob o artigo n.º 90…., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra, sob o n.º 56…..

A FAZENDA PÚBLICA apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES:
I - Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou parcialmente procedente os embargos de terceiro, intentados por N….., já devidamente identificada nos autos e que, em consequência, reconheceu “a posse da Embargante sobre a fracção autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao primeiro andar esquerdo, do prédio urbano sito na Rua….., n.º…., em Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra, sob o artigo n.º 5…., e inscrito na matriz predial da freguesia e concelho de Mafra, sob o artigo n.º 9…., com o valor patrimonial de € 83.380,00, com efeitos circunscritos ao processo de execução fiscal n.º 3549200…. e apensos”, e em consequência ordenou “o levantamento da penhora sobre o bem imóvel ali identificado, realizada pelo Serviço de Finanças de Sintra 2, junto do processo de execução fiscal n.º 35492…… e apensos, em 02 de Dezembro de 2008”.
II – Entendeu o Tribunal a quo que, tendo sido possível “extrair dos autos indícios suficientes para que a Embargante possa ser qualificada como titular da posse sobre o bem imóvel penhorado “ (…) ”o presente incidente de embargos de terceiro deve ser julgado parcialmente procedente, na medida em que, não obstante não se verificar a usucapião do bem imóvel penhorado a favor da Embargante, nos termos dos arts. 1287.º e seguintes do CC, a mesma é titular do direito de posse sobre esse bem, nos termos e para os efeitos dos arts.1251.º e 1268.º e seguintes do CC”.
III – A sentença em crise deu como provados, entre outros, os seguintes factos:
17. Na sequência do documento identificado no ponto n.º 9 do probatório, ficou por pagar à Executada a quantia de € 20.000,00 (cfr. declarações de parte e depoimento de testemunhas);
18. A quantia de € 20.000,00 não foi paga à Executada por esta não ter procedido à marcação da “escritura definitiva de compra e venda” prevista no documento identificado no ponto n.º 9 do probatório (cfr. depoimento de testemunhas);
19. A “escritura definitiva de compra e venda” prevista no documento identificado no ponto n.º 9 do probatório não foi ainda celebrada (cfr. declarações de parte e depoimento de testemunhas);
20. Ao longo dos anos, a Embargante solicitou inúmeras vezes à Executada, sob a forma verbal, a celebração da “escritura definitiva de compra e venda” prevista no documento identificado no ponto n.º 9 do probatório (cfr. declarações de parte e depoimento de testemunhas);
(…)
32. A Embargante não pagou o Imposto Municipal sobre as Transacções Onerosas de Imóveis (IMT) relativa à fracção descrita no ponto n.º 28 do probatório (cfr. declarações de parte);
33. A Embargante não tem pago o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relativo à fracção descrita no ponto n.º 2 do probatório (cfr. declarações de parte)”.
IV – Cumpre, assim, ter presente que o ónus da prova da posse nos embargos apresentados pende sobre a Embargante, pois que a posse configura-se como um direito que a mesma invoca perante a AT, tendo por isso o ónus de provar os factos constitutivos do direito a que se arroga. É este o sentido de preceitos relevantes do nosso ordenamento jurídico no que toca à repartição do ónus da prova. Nesta senda, estatui o n.º1 do art.º 74 da Lei Geral Tributária (LGT) que “ O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. Por sua vez, e na mesma ordem de ideias, dispõe o n.º1 do art. 342º do Código Civil (C.C.) que “ Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.
V – Ainda que da matéria de facto dada como provada na sentença existam alguns pontos que possam indiciar uma actuação conforme ao exercício do direito de propriedade por parte da Embargante, a verdade é que os pontos acima referidos (17 a 20 e 32-33) vêm precisamente abalar um juízo firme de que a actuação da Embargante em relação ao bem imóvel carregasse consigo o corpus e o animus correspondentes ao exercício do direito de propriedade.
VI – Em primeiro lugar, consta do probatório que ficou ainda por pagar a quantia de € 20.000,00, ou seja, uma parte não desprezível do montante global acordado como preço da venda do imóvel em sede de contrato-promessa de compra e venda (€ 110.000). Ora, a consciência por parte da Embargante de que este montante ainda estava por pagar e a pretensão de só o pagar com a realização da escritura permitem vislumbrar aqui uma atitude pouco convicta quanto ao direito que pretende invocar. Ou seja, sempre esteve ciente de que o negócio translativo da propriedade ainda não estava concluído e, assim, para sentir-se proprietária do imóvel deveria proceder à formalização do negócio prometido. Deste modo, dos factos dados como provados na sentença recorrida retira-se que a Embargante tinha a noção de que o imóvel ainda não lhe pertencia porquanto sabia que faltava realizar a escritura de compra e venda, o contrato prometido, e embora tenha insistido oralmente junto da Embargada pela realização deste contrato, nada fez nos anos que se seguiram ao contrato promessa no sentido de concretizar a expectativa de aquisição dele resultante através da execução específica do mesmo, com o correspondente registo da acção, o que teria evitado a penhora do mesmo imóvel pela Autoridade Tributária.
VII – Por outro lado, e tendo presente os pontos 32 e 33 da matéria de facto dada como provada, o juízo de que teria actuado com o corpus e o animus de um legítimo proprietário torna-se ainda mais destituído de sustentação fáctica, porquanto nos dias que correm é inimaginável ser-se proprietário de bens imóveis sem assumir as obrigações fiscais que desta propriedade decorrem. E tal asserção é permitida pela ausência de preocupações da Embargante no que toca às obrigações inerentes a um efectivo adquirente de um imóvel, designadamente o pagamento de impostos como o IMT e o IMI. O animus do exercício do direito de propriedade de bens imóveis também se assume através da assunção plena das obrigações fiscais que esta implica. Depreende-se de tudo isto que o desinteresse pela vertente fiscal decorrente da propriedade do imóvel penhorado, demonstrado nos autos pela Embargante, tem na sua base a perfeita noção de não ter ainda, de facto e de jure, a sua propriedade.
VIII – Em suma, tendo o ónus de provar os factos constitutivos do seu direito, os factos provados nos autos não permitem uma razoável certeza quanto a uma actuação da Embargante em que se distinga com traços claros e evidentes o animus e o corpus do direito de propriedade que o legislador estatui como requisitos incontornáveis da posse invocável através de Embargos de Terceiro. A dúvida que daqui resulta não permite a conclusão que da douta sentença ora em crise resulta no sentido de que a Embargante logrou provar a posse sobre o imóvel, exercendo-a como se fosse uma legítima proprietária. Os factos provados mais não permitem concluir do que uma mera posse precária, dependente da realização de um contrato definitivo que deveria ser acompanhado pagamento da de € 20.000 e da correspondente assunção das obrigações fiscais que a qualidade de proprietário traz por arrasto.
IX– Os factos provados constantes da douta sentença não permitem concluir que a Embargante tenha exercido uma posse correspondente ao direito de propriedade, mas quando muito, tais factos permitem divisar uma posse precária destituída dos traços característicos de uma posse análoga à do proprietário. Mal esteve o Tribunal a quo ao julgar procedente os presentes Embargos com base em factos que deu como provados, mas que não permitem, sem margem para dúvidas, preencher os requisitos da posse. Dúvidas estas que, não sendo desfeitas, deveriam implicar a improcedência dos Embargos de Terceiro, à luz das regras dos artigos 74º da LGT e 342º do Código Civil.
IX– Face ao exposto, a sentença recorrida evidencia uma errónea subsunção dos factos ao direito, violando de forma frontal o disposto nos seguintes preceitos:
- os art.ºs 342º e 1251.º do Código Civil ; e
- o art.º 74º da Lei Geral Tributária.
XII – Entende a Fazenda Pública que se encontram reunidos os pressupostos para a revogação da sentença recorrida, com a consequente substituição da mesma por outra que julgue improcedente os presentes embargos, ordenando a prossecução da execução fiscal sobre o imóvel penhorado.
****

A Recorrida, apresentou contra-alegações, conforme seguidamente expendido:
I. «O Ilustre Representante da Fazenda Pública, inconformado com a douta Sentença, proferida pelo Tribunal a quo, que julgou parcialmente procedente o pedido realizado no âmbito dos Embargos de Terceiro, apresentados pela Sra. N....., embargante e ora Recorrida, que em consequência reconheceu a posse da Recorrida sobra a fracção autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao primeiro andar esquerdo, do prédio urbano sito na Rua……, nº…., designado por lote 3…., freguesia de M….., descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o nº. 05….., e inscrito na matriz da respectiva freguesia sob o artigo nº. 9064, com efeitos circunscritos ao processo de execução fiscal nº 35492…….

II. O Ilustre Representante da Fazenda Pública alega, para tanto, que a douta decisão de 1a. instância promoveu uma errónea aplicação do direito, ao considerar que a embargante, ora Recorrida, reúne os requisitos “corpus” e “animus” relativamente ao imóvel, para, assim, tratá-la como se proprietária fosse, solicitando, assim, a anulação da d. sentença recorrida.

III. Ora, o entendimento do Recorrente não pode prosperar, porquanto equivocado, não corresponde aos factos provados no decurso do processo, como bem explicitou a brilhante decisão proferida pelo tribunal a quo, que fez justiça à situação jurídica da Recorrida, reconhecendo o exercício da posse sobre o referido imóvel e decretando o levantamento da penhora sobre o mesmo, conforme de seguida se verá.

IV. O Recorrente é incapaz de fazer uma análise global de todos os factos e provas, pois, caso assim o fizesse, chegaria ao bom senso a que chegou a douta decisão, do tribunal a quo, qual seja, de que a Recorrida é legítima possuidora do referido imóvel.

V. O Recorrente conclui no sentido de que o “julgador não poderia retirar a conclusão de estarem preenchidos os requisitos de corpus e animus da posse relativamente ao imóvel penhorado e de que a Embargante tenha agido como se de verdadeira proprietária fosse”.

VI. No entanto, tal conclusão, por parte do Recorrente, vai inteiramente contra a lei, contra a doutrina e contra a jurisprudência, bem como contra as regras de experiência.

VII. Não obstante o ónus da prova da posse pender sobre a Recorrida – como alegado pelo Recorrente nas suas alegações de Recurso, e como decorre da lei – é um facto que a Recorrida logrou demonstrar o respectivo exercício da posse sobre a referida fracção, pelo que se demonstram respeitadas as regras respeitantes ao ónus da prova (artigo 74º, nº 1 da LGT e artigo 342º, nº 1 do CC), no que concerne à Recorrida.

VIII. Se o Recorrente não visou provar o contrário, e se existem normas relativas ao ónus da prova – que o Recorrente chega a invocar e supra mencionadas – tais normas têm de ser aplicadas.

IX. O douto tribunal tomou uma decisão com base nos diversos meios de prova que lhe foram apresentados, quais sejam, declarações de parte, depoimento de testemunhas e prova documental, entre outros.

X. Assim, o Recorrente não pode querer deturpar os factos dados como comprovados, considerando o disposto no artigo 2º, alínea e) do CPPT e o disposto nos artigos 5º, nº 3, 411º, 413º, 414º do CPC e no artigo 202º da Constituição da República Portuguesa.

XI. Se a Recorrida logrou provar determinados factos e se o Recorrente não logrou provar o contrário, terão de se retirar as devidas ilações, as quais estão patentes na d. sentença, a qual reconheceu a Recorrida como legítima possuidora do referido imóvel, e não uma mera detentora precária.

XII. Neste sentido, os seguintes factos, considerados como provados no âmbito dos presentes autos, e descritos na d. sentença, demonstram, claramente, a existência de corpus e animus, por parte da Recorrida, sobre o imóvel aqui em apreço:

a. “No dia 14 de Junho de 2004, H….. e a Embargante subscreveram um documento designado por «CONTRATO», mediante o qual acordaram, designadamente, que (…)” – como melhor resulta do ponto 8 da Fundamentação de facto da d. sentença;

b. “No dia 15 de Setembro de 2004, a Executada e a Embargante subscreveram um documento designado por «CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA», mediante o qual acordaram, designadamente, que (…)” – como melhor resulta do ponto 9 da Fundamentação de facto da d. sentença;

c. “No dia 29 de Outubro de 2004, H.....passou um cheque, no valor de € 5.000,00, à ordem da Executada (cfr. cheque, de fls. 25 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);”

d. “No dia 01 de Março de 2005, H.....passou um cheque, no valor de € 5.000,00, à ordem da Executada (cfr. cheque, de fls. 26 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);”

e. “No dia 22 de Julho de 2005, H.....passou um cheque, no valor de € 5.000,00, à ordem da Executada (cfr. cheque, de fls. 27 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);”

f. “No dia 09 de Dezembro de 2005, H.....passou um cheque, no valor de € 10.000,00, à ordem da Executada (cfr. cheque, de fls. 28 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);”

g. “No dia 28 de Abril de 2006, H.....passou um cheque, no valor de € 5.000,00, à ordem da Executada (cfr. cheque, de fls. 29 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);”

h. “No dia 30 de Junho de 2006, H.....passou um cheque, no valor de € 5.000,00, à ordem da Executada (cfr. cheque, de fls. 30 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);”

i. “No dia 19 de Dezembro de 2006, H.....passou um cheque, no valor de € 5.000,00, à ordem da Executada (cfr. cheque, de fls. 31 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);”

j. “Ao longo dos anos, a Embargante solicitou inúmeras vezes à Executada, sob a forma verbal, a celebração da “escritura definitiva de compra e venda” prevista no documento identificado no ponto nº 9 do probatório (cfr. declarações de parte e depoimento de testemunhas).”

k. “A Embargante foi residir para a fracção descrita no ponto nº 2 do probatório juntamente com os seus filhos, em 2004, mediante prévia autorização da Executada (cfr. declarações de parte e depoimento de testemunhas);”

l. “A Embargante continua a residir na fracção descrita no ponto nº 2 do probatório (cfr. declarações de parte e depoimento de testemunhas);”

m. “A Embargante pintou as paredes da fracção descrita no ponto nº 2 do probatório (cfr. declarações de parte e depoimento de testemunhas);”

n. “A Embargante mudou o chão dos quartos da fracção descrita no ponto nº 2 do probatório (cfr. declarações de parte);”

o. “A Embargante arranjou a banheira de hidromassagem da fracção descrita no ponto nº 2 do probatório (cfr. depoimento de testemunhas);”

p. “A Embargante tem pago o condomínio relativo à fracção descrita no ponto nº 2 do probatório (cfr. aviso de débito, de fls. 39 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, declarações de parte e depoimento de testemunhas);”

q. “A Embargante tem comparecido em todas as reuniões do condomínio do prédio descrito no ponto nº 2 do probatório (cfr. declarações de parte e depoimento de testemunhas);”

r. “Os contratos de água, electricidade, gás e telecomunicações relativos ao prédio descrito no ponto nº 2 do probatório estão em nome da Embargante (cfr. facturas, de fls. 34 a 37 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);”

s. “A Embargante tem praticado todos os actos descritos nos pontos antecedentes à vista de todos, designadamente, de vizinhos e amigos (cfr. depoimento de testemunhas);”

t. “Ninguém se apresentou junto da Embargante para que abandonasse a fracção descrita no ponto nº 2 do probatório (cfr. declarações de parte e depoimentos de testemunhas);”

u. “Ninguém se apresentou junto da Embargante para que pagasse rendas relativamente à fracção descrita no ponto nº 2 do probatório (cfr. declarações de parte e depoimento de testemunhas);”

XIII. Os factos supra descritos – alegados em sede de embargos de terceiro e considerados como provados e demonstrados em sede de sentença – abonam, inteiramente, a favor do reconhecimento da Recorrida enquanto titular da posse sobre o bem imóvel penhorado.

XIV. Além de que a Executada recebeu, da parte da Recorrida (e do ex-marido desta) quase a totalidade do montante acordado, no momento de celebração do contrato de promessa de compra e venda.

XV. Não obstante o Recorrente entender que a quantia que ficou por pagar – 20.000,00€ (vinte mil euros) – representa uma parte não desprezível do montante global acordado como preço da venda do imóvel em sede de contrato de promessa de compra e venda, a verdade é que o valor em falta representa apenas cerca de 18% de 110.000,00€ (cento e dez mil euros) – montante total acordado.

XVI. Assim, foram pagos 90.000,00€ (noventa mil euros) pela Recorrida à Executada – o que representa uma parte bastante considerável e substantiva do montante total acordado, razão pela qual a Recorrida fixou a sua residência no imóvel supra referido, mediante autorização da Executada.

XVII. Assim, existia plena e clara intenção de celebrar o contrato definitivo, por parte da Recorrida, bem como plena intenção da Recorrida começar a exercer a posse sobre o referido imóvel, a partir de tal momento.

XVIII. E, efectivamente, a partir de tal momento (2004), a Recorrida começou a exercer posse sobre o referido imóvel, nos termos e para os efeitos dos artigos 1251º e 1268º do CC.

XIX. Pelo que, é inteiramente mentira que “(…) a consciência por parte da Embargante de que este montante ainda estava por pagar e a pretensão de só o pagar com a realização da escritura permitem vislumbrar aqui uma atitude pouco convicta quando ao direito que pretende invocar”.

XX. Além de que, no âmbito de um contrato de promessa de compra e venda, é perfeitamente habitual as partes acordarem que uma porção do valor total acordado será pago, aquando da celebração do contrato definitivo.

XXI. Considerando que a celebração do contrato definitivo de compra e venda não se realizou, por motivos imputáveis à Executada e não à Recorrida – como ficou demonstrado e como resulta da d. sentença –, tal falta de pagamento apenas pode ser imputado à Executada, não podendo a Recorrida ser penalizada por tal facto, o qual estava fora do seu controlo.

XXII. Pelo que é plenamente mentira que a Recorrida “(…) nada fez nos anos que se seguiram ao contrato promessa no sentido de concretizar a expectativa de aquisição dele (…)”, como alegado pelo Recorrente.

XXIII. A Executada agiu em venire contra factum proprium, ao criar expectativas na esfera jurídica da Recorrida, a qual agiu conforme a tais expectativas, e posteriormente, viu tais expectativas totalmente frustradas, nomeadamente, tendo em conta a penhora realizada sobre o referido imóvel.
XXIV. Assim, nos termos Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 24-04-2012, Processo nº 2725/08.3TBLRA.C1 (Relator: Carlos Querido), “O abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium pressupõe: i) uma primeira conduta (que se poderá traduzir numa declaração negocial), entendida como uma tomada de posição vinculante em relação ao futuro e, por essa razão, geradora de uma situação objectiva de confiança; ii) a boa-fé da contraparte que justificadamente confiou nessa conduta; iii) uma segunda conduta, contraditória com a anterior, que frusta a confiança gerada”.
XXV. A Executada, ao acordar com a Recorrida, que o acto de escritura definitiva de compra e venda seria realizado até 90 (noventa) dias, a contar da data da celebração do contrato de promessa de compra e venda, e ao aceitar a entrega dos sucessivos cheques – os quais ascendem a 90.000,00€ (noventa mil euros) – gerou, na esfera jurídica da Recorrida, uma situação objectiva de confiança, de que a escritura definitiva seria, efectivamente, celebrada, nos termos supra descritos.
XXVI. Consequentemente, a Recorrida confiou na conduta da Executada, a qual pressupôs (erroneamente) de boa fé, considerando que o princípio da boa fé representa um pilar no ordenamento jurídico português, respeitado pelos Recorrida, na íntegra.
XXVII. Motivo pelo qual:
a. a Recorrida foi residir para a fracção descrita no ponto nº 2 do probatório, juntamente com os seus filhos, em 2004, após prévia autorização da Executada – o que ficou demonstrado nos presentes autos, mediante prova testemunhal e declarações de parte;
b. A Recorrida pintou as paredes da mencionada fracção– o que ficou demonstrado nos presentes autos, mediante prova testemunhal e declarações de parte;
c. A Recorrida mudou o chão dos quartos da mencionada fracção – o que ficou demonstrado nos presentes autos, mediante prova testemunhal e declarações de parte;
d. A Recorrida arranjou a banheira de hidromassagem da referida fracção – o que ficou demonstrado nos presentes autos, mediante prova testemunhal e declarações de parte;
e. A Recorrida tem pago o condomínio relativo à fracção supra – o que ficou demonstrado nos presentes autos, mediante prova testemunhal, prova documental e declarações de parte;
f. A Recorrida tem comparecido em todas as reuniões do condomínio do prédio em causa – o que ficou demonstrado nos presentes autos, mediante prova testemunhal e declarações de parte;
g. Os contratos de água, electricidade, gás e telecomunicações relativas à fracção mencionada estão em nome da Recorrida ­– o que ficou demonstrado nos presentes autos, mediante prova testemunhal, prova documental e declarações de parte;
h. Os actos anteriormente descritos têm sido praticados à vista de todos, em especial, à vista da Executada– o que ficou demonstrado nos presentes autos, mediante prova testemunhal e declarações de parte.
XXVIII. Contudo, a Executada recusou-se a celebrar a escritura definitiva de compra e venda, apesar das inúmeras solicitações, nesse sentido, por parte da Recorrida.
XXIX. E, como resulta da d. sentença, “(…) pode afirmar-se que a escritura definitiva de compra e venda sobre o bem imóvel penhorado só não se concretizou por culpa da Executada (cfr. pontos nº. 1, 2 e 7 a 20 do probatório)”.

XXX. A inércia por parte da Executada – a qual culminou na penhora sobre o imóvel em apreço –, é manifestamente contraditória com a conduta anterior, tendo frustrado, a confiança gerada na esfera jurídica da Recorrida.
XXXI. Pelo que, tendo em conta os factos expostos, no caso em apreço, verifica-se a existência, quer do corpus, quer do animus, por parte da Recorrida.
XXXII. Acresce que, no caso em apreço, existe prática reiterada, com publicidade, de actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade, pela Recorrida – como resulta dos factos invocados aquando da apresentação dos embargos de terceiro, e que ficaram demonstrados, no âmbito dos presentes autos, mediante prova testemunhal (S….., N….., A….), prova documental e declarações de parte da Recorrida.
XXXIII. Além de que, como já resultava dos factos alegados em sede de embargos de terceiro, verificou-se a existência de tradição da coisa, efectuada pelo anterior possuidor e legítimo proprietário, a favor da Recorrida, a partir de 2004 – considerando a entrega das chaves à Recorrida, a qual ficou demonstrada mediante prova testemunhal e declarações de parte.
XXXIV. Deste modo, após a celebração do contrato de promessa, a Recorrida começou a exercer posse sobre o referido imóvel, de forma contínua e ininterrupta e nos termos dos artigos 1251º, 1257º e 1263º, alíneas a) e b), todos do Código Civil.
XXXV. Assim, desde a tradição do imóvel, a Recorrida tem investido no imóvel e tem procedido à prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade – factos supra referidos, aquando da apresentação dos embargos de terceiro, os quais também resultam da d. sentença, designadamente, nos pontos 21 a 31 da mesma, por terem sido demonstrados e provados, no âmbito dos presentes autos, mediante prova testemunha, prova documental e declarações de parte.
XXXVI. Desde a verificação da tradição do imóvel, a Recorrida usa e frui a fracção como coisa sua, tendo lá fixado a sua residência – facto que comprova o exercício da posse nos termos legais e que ficou demonstrado, no âmbito dos presentes autos, mediante prova testemunhal (S…., N…., A…..) e declarações de parte da Recorrida.
XXXVII. Assim, e relativamente à Recorrida, não existe uma “atitude pouco convicta quando ao direito que pretende invocar” – como alega o Recorrente – considerando que a Recorrida tem praticado actos (supra descritos), exemplificativos da posse que a mesma tem exercido sobre a referida fracção, desde 2004, sendo que tais factos ficaram plenamente demonstrados no âmbito dos presentes autos.
XXXVIII. Acresce que, a posse exercida pela Recorrida é uma posse de boa fé, nos termos do artigo 1260º, nº 1 do Código Civil.
XXXIX. Não há razões para duvidar de que a posse da Recorrida seja de boa fé, tendo em conta que não foram ultrapassados quaisquer limites legais ou de outra natureza, e tendo em conta que os actos praticados pela Recorrida (supra descritos) têm sido praticados à vista de todos, desde 2004– como resulta da prova testemunhal, prova documental e declarações de parte.
XL. Além de que, a Recorrida foi residir para a fracção em apreço, mediante prévia autorização da Executada – o que também ficou demonstrado, mediante prova testemunhal (depoimento das testemunhas H.....e A….) e mediante declarações de parte da Recorrida.
XLI. Acresce que, como resulta da d. sentença, ninguém se apresentou junto da Recorrida para que esta abandonasse a fracção, nem para a mesma proceder ao pagamento de rendas.
XLII. A Recorrida, ao adquirir a posse do imóvel em causa, não sabia que estava a lesar o direito de outrem, até porque o contrato de promessa de compra e venda, foi realizado com o anterior legítimo proprietário.
XLIII. Assim, a Recorrida tem utilizado o imóvel na convicção de ser a legítima possuidora, sem qualquer tipo de oposição.
XLIV. A posse da Recorrida é pacífica, tendo sido adquirida sem violência e sem coacção física ou moral (1261º, nº 1 do Código Civil) – o que também ficou demonstrado no âmbito dos presentes autos.
XLV. A Recorrida tem praticado actos que demonstram que a sua posse é pública, actuando à vista de toda a gente, na convicção de se tratar de coisa sua (artigo 1262º do Código Civil) – como supra mencionado e provado no âmbito dos presentes autos.
XLVI. Actuando, outrossim, à vista da Executada, sem qualquer oposição por parte desta, desde 2004 – pelo que a posse exercida pela Recorrida é anterior à penhora, aqui em causa, registada em 2-12-2008.
XLVII. Além de que, como resulta da fls. 17 da d. sentença “(…) por vezes pode suceder que o promitente-comprador, ao ter acesso ao bem imóvel, decida comportar-se como um verdadeiro proprietário, agindo em nome próprio e zelando pelos seus próprios interesses, (…)”.
XLVIII. Ora, tais palavras descrevem, na íntegra, a situação da Recorrida, desde 2004.
XLIX. A Recorrida dá ainda por integralmente reproduzido o conteúdo da d. sentença no que diz respeito ao entendimento de P…. e A…., na fls. 18 da d. sentença, bem como o conteúdo dos seguintes Acórdãos: Acórdão do STA, datado de 10 de Abril de 2002, referente ao processo nº 026295, e Acórdão do STA, datado de 27 de Outubro de 2010, referente ao processo nº 0453/10, nas fls. 18 e 19 da d. sentença.
L. Relativamente à circunstância de o Recorrente trazer à colacção os pontos 32 e 33 da matéria de facto dada como provada, importa ter em conta que, como bem resulta da d. sentença, “(…) múltiplos são os casos em que os proprietários dos imóveis procuram subterfúgios para evitar o pagamento de impostos sobre o património ou, pelo menos, diminuírem o seu valor. Assim sendo, as eventuais consequências do não pagamento daqueles impostos deverão ser apuradas noutra sede que não a dos presentes autos, não existindo quaisquer ilações a retirar sobre este assunto” (negrito nosso).
LI. O mesmo se diga relativamente ao alegado “desinteresse pela vertente fiscal decorrente da propriedade do imóvel penhorado”, que o Recorrente atribui à Recorrida, por tal ser manifestamente falso.
LII. Do exposto, resulta que o Recorrente não logrou provar factos que demonstrassem o não exercício de posse sobre o referido imóvel, pela Requerida.
LIII. Pelo que, e tendo a Recorrida logrado provar e demonstrar os factos supra descritos, mediante a apresentação dos diversos meios de prova – supra mencionados – dúvidas não restam de que a Recorrida, desde 2004, tem exercido a posse sobre o referido imóvel, como se se tratasse da legítima possuidora e proprietária, praticando, de forma reiterada, actos próprios do titular do direito de posse e propriedade (supra descritos), à vista de todos, e agindo, sempre, de boa fé.
LIV. Fica assim, demonstrado, a existência de corpus e de animus por parte da Recorrida, e relativamente ao imóvel aqui em apreço e supra descrito.


****
Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
****
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
****
II. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Matéria de facto
A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) De Facto

Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1. No dia 17 de Setembro de 2006, o Serviço de Finanças de Sintra 2 instaurou o processo de execução fiscal n.º 35492…. e apensos, em nome da sociedade P…., Lda., por dívidas de Contra-Ordenações, retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS), Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC), relativas aos períodos de tributação de 2006 e 2007, na quantia exequenda actual de € 63.184,63 (cfr.
informação, de fls. 05 a 08 dos autos, e autuaçõ es e certidões de dívida, de fls. 1 a 4 e 71 a 123 do processo de execução fiscal, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
2. No dia 02 de Dezembro de 2008, foi registada a penhora da fracção autónoma

designada pela letra “C”, correspondente ao primeiro andar esquerdo, do prédio urbano sito na Rua…., n.º 1…, em Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra, sob o artigo n.º 05…., e inscrito na matriz predial da freguesia e concelho de Mafra, sob o artigo n.º 9064, com o valor patrimonial tributário de € 83.380,00, para garantia de pagamento das dívidas exigidas no âmbito do processo de execução fiscal descrito no ponto antecedente (cfr. certidão e caderneta predial urbana, de fls. 32 a 46, 50 e 51 do pro cesso de execução fiscal, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido );
3. Por despacho exarado, em 20 de Abril de 2009, o Chefe do Serviço de Finanças de Sintra 2 determinou a venda judicial da fracção descrita no ponto antecedente (cfr. despacho, de fls. 54 do processo de execução fiscal, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

4. No dia 14 de Maio de 2009, foi afixado um edital no local da fracção descrita no ponto n.º 2 do probatório a anunciar a respectiva venda judicial (cfr. edital e certidão, de fls. 66 e 67 do processo de execução fiscal, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
5. No dia 12 de Junho de 2009, a Embargante intentou o presente incidente de embargos de terceiro, junto do Serviço de Finanças de Sintra 2 (cfr. data aposta na petição inicial, de fls. 9 a 14 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
6. No dia 02 de Setembro de 2003, foi registada a favor da Executada a aquisição de um lote de terreno para construção, designado por lote n.º 3…., sito na freguesia e concelho de Mafra e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra, sob o n.º 05…. (cfr. certidão, de fls. 32 a 46 do processo de execução fiscal, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
7. No dia 17 de Dezembro de 2003, H.....passou um cheque, no valor de € 50.000,00, à ordem da Executada (cfr. cheque, de fls. 24 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
8. No dia 14 de Junho de 2004, H.....e a Embargante subscreveram um documento designado por «CONTRATO», mediante o qual acordaram, designadamente, que “(...)

(“texto integral no original; imagem”)

(…).” (cfr. contrato de fls. 17 a 20 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido );

9. No dia 15 de Setembro de 2004, a Executada e a Embargante subscreveram um documento designado por «CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA», mediante o qual acordaram, designadamente, que “


(“texto integral no original; imagem”)

(…).” (cfr. contrato, de fls. 15 e 16 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido );
10. No dia 29 de Outubro de 2004, H.....passou um cheque, no valor de € 5.000,00, à ordem da Executada (cfr. cheque, de fls. 25 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

11. No dia 01 de Março de 2005, H.....passou um cheque, no valor de € 5.000,00, à ordem da Executada (cfr. cheque, de fls. 26 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
12. No dia 22 de Julho de 2005, H.....passou um cheque, no valor de € 5.000,00, à ordem da Executada (cfr. cheque, de fls. 27 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
13. No dia 09 de Dezembro de 2005, H.....passou um cheque, no valor de € 10.000,00, à ordem da Executada (cfr. cheque, de fls. 28 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
14. No dia 28 de Abril de 2006, H.....passou um cheque, no valor de € 5.000,00, à ordem da Executada (cfr. cheque, de fls. 29 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
15. No dia 30 de Junho de 2006, H.....passou um cheque, no valor de € 5.000,00, à ordem da Executada (cfr. cheque, de fls. 30 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
16. No dia 19 de Dezembro de 2006, H.....passou um cheque, no valor de € 5.000,00, à ordem da Executada (cfr. cheque, de fls. 31 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
17. Na sequência do documento identificado no ponto n.º 9 do probatório, ficou por pagar à Executada a quantia de € 20.000,00 (cfr. declarações de parte e depoimento de testemunhas);
18. A quantia de € 20.000,00 não foi paga à Executada por esta não ter procedido à marcação da “escritura definitiva de compra e venda” prevista no documento identificado no ponto n.º 9 do probatório (cfr. depoimento de testemunhas);
19. A “escritura definitiva de compra e venda” prevista no documento identificado no ponto n.º 9 do probatório não foi ainda celebrada (cfr. declarações de parte e depoimento de testemunhas);
20. Ao longo dos anos, a Embargante solicitou inúmeras vezes à Executada, sob a forma verbal, a celebração da “escritura definitiva de compra e venda” prevista no documento identificado no ponto n.º 9 do probatório (cfr. declarações de parte e depoimento de testemunhas);

21. A Embargante foi residir para a fracção descrita no ponto n.º 2 do probatório juntamente com os seus filhos, em 2004, mediante prévia autorização da Executada (cfr. declarações de parte e depoimento de testemunhas);
22. A Embargante continua a residir na fracção descrita no ponto n.º 2 do probatório (cfr. declarações de parte e depoimento de testemunhas);
23. A Embargante pintou as paredes da fracção descrita no ponto n.º 2 do probatório (cfr. declarações de parte e depoimento de testemunhas);
24. A Embargante mudou o chão dos quartos da fracção descrita no ponto n.º 2 do probatório (cfr. declarações de parte);
25. A Embargante arranjou a banheira de hidromassagem da fracção descrita no ponto n.º 2 do probatório (cfr. depoimento de testemunhas);
26. A Embargante tem pago o condomínio relativo à fracção descrita no ponto n.º 2 do probatório (cfr. aviso de débito, de fls. 39 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, declarações de parte e depoimento de testemunhas);
27. A Embargante tem comparecido em todas as reuniões do condomínio do prédio descrito no ponto n.º 2 do probatório (cfr. declarações de parte e depoimento de testemunhas);
28. Os contratos de água, electricidade, gás e telecomunicações relativos ao prédio descrito no ponto n.º 2 do probatório estão em nome da Embargante (cfr. facturas, de fls. 34 a 37 dos atos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
29. A Embargante tem praticado todos os actos descritos nos pontos antecedentes à vista de todos, designadamente, de vizinhos e amigos (cfr. depoimento de testemunhas);
30. Ninguém se apresentou junto da Embargante para que abandonasse a fracção descrita no ponto n.º 2 do probatório (cfr. declarações de parte e depoimentos de testemunhas):
31. Ninguém se apresentou junto da Embargante para que pagasse rendas relativamente à fracção descrita no ponto n.º 2 do probatório ( cfr. declarações de parte e depoimento de testemunhas);
32. A Embargante não pagou o Imposto Municipal sobre as Transacções Onerosas de Imóveis (IMT) relativa à fracção descrita no ponto n.º 28 do probatório (cfr. declarações de parte);

33. A Embargante não tem pago o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relativo à fracção descrita no ponto n.º 2 do probatório (cfr. declarações de parte).»

****

2.2. Do Direito
2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, que julgou procedente o incidente de embargos de terceiro apresentado por N....., contra o acto de penhora da fracção autónoma designada pela letra C, do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia e concelho de Mafra, sob o artigo n.º 9064, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra, sob o n.º 5…..
2.2.2. Para julgar procedente o presente incidente, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«Da análise do elenco dos factos provados retira-se, antes de mais, que o Serviço de Finanças de Sintra 2 instaurou o processo de execução fiscal n.° 35492…… e apensos, em nome da Executada, por dívidas de Contra-Ordenações, retenções na fonte de IRS, IMI e IRC, relativas aos períodos de tributação de 2006 e 2007, na quantia exequenda actual de € 63.184,63 (cfr. ponto n.° 1 do probatório).
Retira-se ainda que, no dia 02 de Dezembro de 2008, o Serviço de Finanças de Sintra 2 procedeu à penhora da fracção autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao primeiro andar esquerdo, do prédio urbano sito na Rua…., n.° 1…, em Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra, sob o artigo n.° 5... e inscrito na matriz predial da freguesia e concelho de Mafra, sob o artigo n.° 9..., com o valor patrimonial de € 83.380,00, para garantia do pagamento da quantia exequenda exigida no processo de execução fiscal supra mencionado (cfr. ponto n.°2 do probatório).
Para além disso, verifica-se que, no dia 15 de Setembro de 2004, o referido bem imóvel foi objecto de um contrato de promessa de compra e venda celebrado entre a Executada e a Embargante, mediante o qual a primeira comprometeu-se a vender e a segunda comprometeu-se a comprar, pelo preço de € 110.000,00 (cfr. pontos n.° 1, 2 e 9 do probatório).
Mais, verifica-se que, nesse mesmo ano, a Embargante e os filhos passaram a residir no bem imóvel penhorado (cfr. ponto n.° 21 do probatório).
E, ainda que a Embargante continua a residir naquele local (cfr. ponto n.° 22 do probatório).
(…)
In casu, não restam dúvidas de que a Embargante detém o corpus sobre o bem imóvel penhorado, desde o momento em que passou ali a residir com os seus filhos, em 2004, pelo que cabe agora averiguar se a mesma também revela o animus relativamente àquele bem, ou seja, a intenção de agir como proprietária do mesmo (cfr. pontos n.°s 1,2, 21 e 22 do probatório).
Neste sentido, como já se deixou antever pela doutrina e jurisprudência apontadas, um dos principais indícios de que o promitente-comprador é titular da posse consiste no pagamento integral ou quase integral do preço estipulado no contrato de promessa, acompanhado do exercício de actos materiais sobre o bem imóvel em causa, em termos equivalentes ao do exercício do direito de propriedade.
E, do elenco dos factos provados é possível extrair que no contrato de promessa sobre o bem imóvel penhorado, datado de 15 de Setembro de 2004, a Executada e a Embargante estipularam o preço de € 110.000,00 (cfr. pontos n.° 1,2 e 9 do probatório).
Mais, verifica-se que, entre os dias 17 de Dezembro de 2003 e 19 de Dezembro de 2006, foi paga à Executada, a esse título, a quantia de € 90.000,00, ficando apenas por pagar a quantia de € 20.000,00 (cfr. pontos n.cs 1, 2, 7 a 17 do probatório).
Assim sendo, é indubitável de que ocorreu o pagamento quase integral do preço estipulado no contrato de promessa (cfr. pontos n.°s 7 a 17 do probatório).
A isto acresce que dos autos retira-se que, ao longo dos anos, a Embargante solicitou inúmeras vezes à Executada, ainda que verbalmente, a celebração da escritura definitiva de compra e venda sobre o bem imóvel penhorado, conforme prometido (cfr. pontos n.°s 1, 2 e 20 do probatório).
E ainda que a quantia em falta para o pagamento integral do preço apenas não foi paga à Executada porque a mesma não procedeu à marcação da escritura, conforme lhe competia, nos termos do contrato de promessa de compra e venda (cfr. pontos n.°s 7 a 19 do probatório).
Deste modo, pode afirmar-se que a escritura definitiva de compra e venda sobre o bem imóvel penhorado só não se concretizou por culpa da Executada (cfr. pontos n.° 1, 2 e 7 a 20 do probatório).
Para além disso, decorre dos autos que a Embargante pintou o bem imóvel penhorado, mudou o chão dos respectivos quartos e arranjou a banheira de hidromassagem, desconhecendo-se se pediu autorização à Executada para esse efeito ou sequer se lhe deu conhecimento do sucedido (cfr. pontos n.°s 1,2 e 23 a 25 do probatório).
Decorre igualmente dos autos que é a Embargante que tem pago o condomínio relativo ao bem imóvel penhorado, assim como é a mesma que tem comparecido nas reuniões do condomínio onde o mesmo de insere (cfr. Pontos n.°s 1, 2,26 e 27 do probatório).
E ainda que os contratos de telecomunicações, electricidade, gás e água referentes ao bem imóvel penhorado encontram-se em nome da Embargante (cfr. pontos n.°s 1, 2 e 28 do probatório).
Para terminar, constata-se que a Embargante tem praticado todos os actos acima descritos à vista de todos, designadamente, de vizinhos e amigos, e que ninguém se apresentou junto da Embargante para que a mesma abandonasse o bem imóvel penhorado ou para que procedesse ao pagamento de qualquer renda para ali residir (cfr. pontos n.°s 29 a 31 do probatório).
Ora, em face da factualidade acima exposta, conclui-se que, efectivamente, a Embargante reúne em si quer o corpus quer o animus relativamente ao bem imóvel».

2.2.3. A recorrente assaca à sentença recorrida erro de julgamento, concretamente, erro na apreciação da matéria de facto.
Alega, para tanto, nos termos seguintes.
i) Ainda que da matéria de facto dada como provada na sentença existam alguns pontos que possam indiciar uma actuação conforme ao exercício do direito de propriedade por parte da Embargante, a verdade é que os pontos acima referidos (17 a 20 e 32-33) vêm precisamente abalar um juízo firme de que a actuação da Embargante em relação ao bem imóvel carregasse consigo o corpus e o animus correspondentes ao exercício do direito de propriedade.
ii) Em primeiro lugar, consta do probatório que ficou ainda por pagar a quantia de € 20.000,00, ou seja, uma parte não desprezível do montante global acordado como preço da venda do imóvel em sede de contrato-promessa de compra e venda (€ 110.000). Ora, a consciência por parte da Embargante de que este montante ainda estava por pagar e a pretensão de só o pagar com a realização da escritura permitem vislumbrar aqui uma atitude pouco convicta quanto ao direito que pretende invocar.
iii) Por outro lado, e tendo presente os pontos 32 e 33 da matéria de facto dada como provada, o juízo de que teria actuado com o corpus e o animus de um legítimo proprietário torna-se ainda mais destituído de sustentação fáctica, porquanto nos dias que correm é inimaginável ser-se proprietário de bens imóveis sem assumir as obrigações fiscais que desta propriedade decorrem. E tal asserção é permitida pela ausência de preocupações da Embargante no que toca às obrigações inerentes a um efectivo adquirente de um imóvel, designadamente o pagamento de impostos como o IMT e o IMI.
iv) Em suma, tendo o ónus de provar os factos constitutivos do seu direito, os factos provados nos autos não permitem uma razoável certeza quanto a uma actuação da Embargante em que se distinga com traços claros e evidentes o animus e o corpus do direito de propriedade que o legislador estatui como requisitos incontornáveis da posse invocável através de Embargos de Terceiro.
A presente intenção recursória centra-se na alegação de que a recorrida/embargante não demonstrou os requisitos da posse sobre o imóvel, dado que não foi paga a totalidade do preço e não ocorreu a celebração da escritura do contrato de compra e venda, bem como não diligenciou pelo pagamento do IMI e do IMT relativo ao imóvel em apreço. Donde se extrairia, sustenta a recorrente, a improcedência dos presentes embargos.

Vejamos.
A este propósito cumpre referir o seguinte.
«O possuidor cuja posse seja ofendida por penhora ou diligência ordenada judicialmente pode defender a sua posse mediante embargos de terceiro, nos termos definidos na lei de processo» (artigo 1285.º do Código Civil).
Estabelece o artigo 237.º/1, do CPPT, que «[q]uando o arresto, a penhora ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, pode este fazê-lo valer por meio de embargos de terceiro». O artigo 342.º do CPC estatui que «[s]e a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro».
Não sofre dúvida que «[n]o nosso ordenamento jurídico consagrou-se aquilo que se denomina por concepção subjectiva da posse, ou seja, uma concepção que envolve um elemento objectivo e um elemento subjectivo; um corpus e um animus. O primeiro elemento caracteriza-se pelo exercício de poderes de facto sobre uma coisa; o segundo pela existência de uma intenção de, ao exercer tais poderes, estar a agir como titular do direito a que os actos praticados correspondem.(1).
«São concebíveis situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse; nestas situações excepcionais, em que o promitente-comprador tem uma posse em nome próprio relativamente ao bem que lhe foi prometido vender e que, entretanto, foi penhorado, tal posse fundamentará a procedência dos embargos de terceiro que, com base nela, sejam deduzidos.
Se os embargantes pretendem a defesa da sua posse sobre o prédio penhorado, impõe-se-lhes que aleguem e demonstrem essa posse, seja na vertente material, seja na vertente intencional».(2)
Por outras palavras, «o promitente-comprador pode deduzir embargos de terceiro quando o corpus da posse por si exercida seja acompanhado do respectivo animus possidendi, isto é, quando o promitente-comprador actua com um animus rem sibi habendi. Tal situação verifica-se quando o promitente-comprador se comporta como um possuidor em nome próprio, designadamente, quando já tenha sido liquidada uma parte significativa do preço do imóvel, quando tenha sido requisitada em nome do promitente-comprador a ligação da água, energia eléctrica, telefone, televisão por cabo, quando tenha procedido à realização de obras de remodelação ou de acabamento do imóvel objecto do contrato-promessa ou à instalação de mobiliário, quando participe na administração do condomínio ou quando o promitente-comprador, não obstante se encontrar na posse da coisa, não tenha ainda celebrado o contrato definitivo de compra e venda, nomeadamente porque pretende evitar o pagamento do imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis»(3) .
«Por norma, o promitente-comprador, uma vez obtida a traditio do bem, apenas frui um direito de gozo, autorizado pelo promitente-vendedor e mediante tolerância deste, daí resultando que, nessa perspectiva, seja um mero detentor precário (artigo 1253.º do Código Civil), posto que não age com animus possidendi, praticando apenas meros actos materiais dessa posse(corpus). De facto, como sustentam Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. III, 2.ª edição pag. 6 e Antunes Varela, na RLJ, Ano 124, pag. 124: “O contrato-promessa, só por si, não é susceptível de transferir a posse ao promitente-comprador. Se este obtém a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, adquire o corpus possessório, mas não adquire o animus possidendi, ficando, pois, na situação de mero detentor ou possuidor precário.
São concebíveis, todavia, situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse. Suponha-se, por exemplo, que havendo sido paga já a totalidade do preço ou que, não tendo as partes o propósito de realizar o contrato definitivo, (a fim de v.g., evitar o pagamento da sisa ou precludir o exercício de um direito de preferência), a coisa é entregue ao promitente-comprador como se sua fosse já e que, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade. Tais actos não são realizados em nome do promitente-vendedor, mas sim em nome próprio, com a intenção de exercer sobre a coisa um verdadeiro direito real. O promitente-comprador actua, aqui, uti dominus, não havendo, por conseguinte, qualquer razão para lhe negar o acesso aos meios de tutela da posse”.
Questão que aquele último autor retoma na RLJ, a fls. 128, nos seguintes termos:
“...O promitente-comprador investido prematuramente no gozo da coisa, que lhe é concedido na pura expectativa da futura celebração do contrato prometido, não é possuidor dela, precisamente porque, sabendo ele, como ninguém, que a coisa pertence ainda ao promitente-vendedor e só lhe pertencerá a ele depois de realizado o contrato translativo prometido, não pode agir seriamente com a intenção de um titular da propriedade ou de qualquer outro direito real sobre a coisa”.

Significa isto que a posse conferida pela traditio da coisa para o promitente-comprador será, em regra, meramente precária, sem excluir, contudo, que face ao probatório se possa concluir ter actuado de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade e, dessa forma, configurada uma verdadeira situação possessória»(4).
No caso em exame, do probatório resultam os elementos seguintes:
a) Do total do preço de €110.000,00, ficou por pagar a quantia de €20,000,00, a qual não foi paga à executada, por esta não ter procedido à marcação da escritura definitiva de compra e venda, prevista no contrato promessa de compra e venda – n.ºs 17 a 20, do probatório.
b) A escritura de compra e venda não foi outorgada porque a executada, promitente-vendedora, não marcou, como lhe competia a data da sua celebração – n.ºs 19, 20 e 9, do probatório.
c) A embargante habita a fracção em causa com a sua família, desde 2004 – n.ºs 21 e 22, do probatório.
d) A embargante realizou obras de remodelação da fracção em causa – n.ºs 23 a 25, do probatório.
e) A embargante tem pago o condomínio e participado nas respectivas reuniões, em relação a fracção em apreço – n.ºs 26 e 27, do probatório.
f) Os contratos de água, electricidade, gás, telecomunicações relativos à fracção em causa estão em nome da embargante – n.º 28 do probatório.
g) Todos os actos praticados pela embargante sobre fracção em causa foram-no à vista de todos, sem qualquer contestação – n.ºs 28 a 31, do probatório.
Perante a factualidade descrita, a recorrente invoca erro na apreciação da matéria de facto, pois considera que falta, no caso, a demonstração da intencionalidade no exercício da posse. Apontam nesse sentido, sustenta, a falta de pagamento da integralidade do preço, bem como a falta de pagamento dos impostos relativos ao imóvel em apreço.
Salvo o devido respeito pela opinião contrária, não se vê que tais elementos sejam suficientes, só por si, para descaracterizar a posse em nome próprio da embargante, exercida sobre a fracção em causa. A falta de formalização da investidura da embargante na posse do prédio é imputável à promitente vendedora, dado que não marcou a data da escritura do contrato de compra e venda; da referida falta de formalização resulta o não pagamento do IMT e IMI relacionados com a fracção em causa, dado que não foram realizadas as correspondentes inscrições e descrições no registo predial e na matriz. Uma vez que se trata de factos não imputáveis à embargante, que, de resto, tem diligenciado em vão nesse sentido(5), não se vê que, por essa via, seja descaracterizada a inversão do título da posse (artigo 1265.º do Código Civil) que no caso ocorreu.
Por outras palavras, «[a] inversão do título da posse pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía». Devem existir actos inequívocos de que o detentor quer possuir para si» e «os actos de inversão devem ser praticados na presença ou com o conhecimento daquele a quem se opõem» e «é necessário que a inversão não seja repelida pelo possuidor»(6). No caso, os actos de administração da fracção em causa, em nome próprio, por parte da embargante, são públicos e notórios e não mereceram qualquer oposição por parte da executada, proprietária da mesma, nem por parte de terceiros.
Recorde-se que a posse adquire-se pela prática reiterada, com publicidade, dos actos correspondentes ao exercício do direito (artigo 1263.º/1), do Código Civil).
No caso, perante o exercício pela embargante, em nome próprio, dos poderes de administração do imóvel, acima recenseados, a invocação da falta de pagamento do remanescente do preço ou a falta de pagamento do IMT e IMI relacionados com o bem não constitui base suficiente para o afastamento da posse em nome próprio, dado que a embargante exerce poderes de administração sobre o referido bem, sem qualquer contestação por parte de terceiros.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece censura, devendo manter-se na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
****
Custas pela Recorrente


D.n.
Lisboa, 08/05/2019.


Jorge Cortês

Lurdes Toscano

Catarina Almeida e Sousa


-----------------------------------------------------------------------------------------

(1) Acórdão do TCAS, de 19.05.2016, P. 09492/16
(2) Acórdão do TCAS, de 19.05.2016, P. 09492/16.
(3) Marco Carvalho Gonçalves, Embargos de terceiro na acção executiva, Coimbra Editora, 2010, pp. 151/152,
(4) Acórdão do STA, de 27.10.2010, P. 0453/10.
(5) N.º 20 do probatório.
(6) Manuel Rodrigues, A posse, Estudo de Direito Civil português, Almedina, Coimbra, 1991, pp. 232/234.