Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00840/05
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:04/14/2015
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRC
PROVISÕES
Sumário:I. As provisões constituem um fundo criado pela empresa, levado a custos ou encargos do exercício, destinado a fazer face a prejuízos que se esperam, mas cujo valor não se conhece ainda com precisão. Mais não são, pois, do que montantes retirados da matéria tributável de determinado exercício, que ficam afectos a compensar perdas de montantes incertos imputáveis ao mesmo exercício mas cuja concretização se apurará em exercícios posteriores, ou a fazer face a prejuízos previsíveis advindos da desvalorização das existências.
II. Por força do princípio da especialização dos exercícios, as provisões só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício em que os créditos a que se reportam foram considerado de cobrança duvidosa e como tal contabilizado, e não já dos exercícios posteriores.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


I.RELATÓRIO


O REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (adiante Recorrente) veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datada de 24 de Maio de 2005, na parte em que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por …………………………………., S.A. tendo por objecto o acto de liquidação de IRC referente ao exercício de 1998.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
25º
Dos factos contidos nos autos resulta que:
a) A sociedade requerida fez diligências no sentido de ser paga a dívida, por parte da sociedade ………………….. Lda, durante vários anos;
b) Tanto assim é que, por força dessas diligências, os sócios daquela sociedade devedora por várias vezes fizeram reiteradas promessas de pagamento;
c) Passados tantos anos, e após todas as tentativas informais de resolução do caso, a sociedade requerida convenceu-se de que o seu crédito era de cobrança duvidosa, pelo que o registou na sua contabilidade, na conta 218030 (clientes de cobrança duvidosa), em Dezembro do ano de 1997.
26°
Nos termos do art. 18, n° 1 do CIRC, os custos são imputáveis ao exercício do ano a que digam respeito.
27°
Pelo que, atentos os factos anteriormente descritos, a provisão não poderia ter sido constituído em 1998, motivo pelo qual não aceitou a inspecção tributária tal provisão.

28°
Tendo sido constituída a provisão em 1998, foram violadas as normas legais acima referidas (artºs 18, n° 1, art. 33° e art. 34°, todos do CIRC), pelas razões acima expostas.
29°
Consequentemente, ao conceder provimento à impugnação nesta parte consideramos que fez a douta sentença de que se recorre uma errada interpretação dos factos constantes dos autos, violando também ela aquelas normas legais.


Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, requer-se seja parcialmente revogada a decisão recorrida, na parte em que mandou anular a liquidação nº …………………. por entender ser de aceitar a provisão constituída em 1998, relativamente ao crédito sobre a sociedade "…………………., Lda", e seja substituída por acórdão que declare a impugnação também improcedente nesta parte


Não foram produzidas contra-alegações.

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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de que seja negado provimento ao recurso.
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Foram colhidos os vistos aos Exmos Juízes Adjuntos, pelo que vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso já que nada obsta.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, a única questão a decidir é a de saber se a decisão sob exame violou os normativos contidos nos artigos 18º, n.º 1, 33º e 34º do CIRC.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na decisão recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a fundamentação respectiva que nos seguintes termos:
A.1. A liquidação n.º ……………….. decorre da correcção ao rendimento colectável do ano de 1997 efectuada na sequência de uma acção inspectiva à Impugnante de 29.04.99 a 20.05.99 relativamente aos anos de 1995, 1996 e 1997.
A.2. A Impugnante contabilizou como custo final das provisões para créditos de cobrança duvidosa no montante de 21.909.043$00 contabilizados no exercício de 1997, sendo o crédito de 21.470.589$00 sobre o cliente …………………., Lda e o crédito de 438.454$00 sobre a cliente ………………………….., S. A..
A.3. A Impugnante havia em 25.03.94, intentado contra a ……………………, Lda a acção judicial 74/94 do 4º Juízo do Tribunal Judicial de Portimão, para cobrança do crédito de 21.470.589$00 vencido desde 1992; e em 29.07.93, recebido do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais um aviso para reclamar aí o seu crédito sobre a ………………….
A.4. Os serviços fiscais entenderam que as aludidas provisões deveriam ter sido constituídas em 1993 (…………….) e 1994 (…………….., Ld.)
B.1. Por seu lado as liquidações nºs ………………… e …………….. decorrem das correcções ao rendimento colectável respectivamente do ano de 1998 e 1999 efectuadas na sequência de uma acção inspectiva à Impugnante de 24.04.2001 a 22.05.2001 relativamente aos exercícios de 1998 e 1999.
B.2. A Impugnante constituiu provisões para créditos de cobrança duvidosa no exercício de 1998 relativamente a um crédito sobre …………. e no de 1999 créditos sobre ……………………………., Lda e ………………………….., Lda”.
B.3. Quando foram constituídas essas provisões, já existia mora muito mais de 6 meses e já eles se encontravam na conta 21.8 (créditos de cobrança duvidosa).
B.4. A Impugnante procurou cobrar a dívida intentando a competente acção judicial, para o efeito, em 12 de Novembro de 1998.
C.1. A Impugnante na sua actividade, toma por empreitada obras de grande ou média envergadura normalmente a preços globais, muitas vezes sem possibilidade de qualquer revisão de preços e com pagamentos de acordo com os autos de medição periódica dos serviços efectuados.
C.2. Assim, no preço orçamentado e globalmente ficado para a obra e em consequência também nos preços parcelares atribuídos a cada um dos autos de medição, estão globalmente incluídos todos os custos, nomeadamente as pertinentes ajudas de custo para (necessariamente) os seus trabalhadores.
C.3. De facto atenta a natureza dos trabalhos feitos pelo Impugnante (escavações, movimentações de terras, infra-estruturas urbanísticas, etc.) as obras situam-se necessariamente em locais diferentes e por vezes longe das suas instalações físicas, no Sítio………………….., em S. Bartolomeu de Messines.
C.4. Necessita a Impugnante de deslocar os seus trabalhadores e necessitam estes de tomar as suas refeições na zona de obras.
C.5. Esta fez repercutir tal custo no preço global da obra e também em cada uma das facturas parcelares desse preço correspondente ao valor de cada auto de medição efectuado.

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2. Factos não provados.
Dos relevantes: situação não verificada.»
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B. DO DIREITO
Para julgar procedente a impugnação judicial (deduzida liquidação adicional de IRC n.º ………………, do exercício de 1998), contra a e na parte em que o foi e sobre que versa interposto pela Fazenda Pública, considerou o Mmº Juiz do Tribunal a quo, como legal a constituição da provisão do crédito da sociedade “ ………………, Lda” no exercício de 1998, já que em 12 de Novembro deste mesmo ano, a recorrida intentou acção judicial visando a cobrança do crédito, pese embora o mesmo se encontrar registado na conta 21.8 (créditos de cobrança duvidosa).
E é contra tal entendimento que a recorrente, Fazenda Pública se insurge por entender que o assim decidido viola o artigo 18º e artigos 33.º e 34º do CIRC, na medida em que a incobrabilidade dos créditos foi verificada em exercícios anteriores àquele em que foi constituída a provisão e este facto foi evidenciado na contabilidade no ano de 1997, ano em que deveria ter sido constituída a provisão.
A questão que cumpre apreciar e decidir conforme ficou delineado no ponto II é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que a recorrida, “………………………………., S.A” no apuramento do lucro tributável do ano de 1998 podia deduzir o valor declarado como constituição da provisão para créditos de cobrança duvidosa, relativamente a um crédito sobre a sociedade “………………, Lda” o que, como procuraremos demonstrar adiante e em face das alegações de recurso e respectivas conclusões, passa por indagar se a sentença recorrida assim tendo decidido violou os normativos contidos nos artigos 18º, n.º 1, 33º e 34º do CIRC.
Vejamos, então.
Para efeitos de IRC, consideram-se, nos termos do artigo 23.º n.º 1 CIRC, custos ou perdas «os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.». Segue-se, nas diversas alíneas em que se desdobra este n.º 1, uma indicação, exemplificativa, não taxativa, de encargos que assumem a categoria de custos ou perdas para efeitos do versado tributo, entre os quais, figuram, inequivocamente, “as provisões” - cfr. al. h)-.
Como é sabido as provisões constituem um fundo criado pela empresa, levado a custos ou encargos do exercício, destinado a fazer face a prejuízos que se esperam, mas cujo valor não se conhece ainda com precisão.
Mais não são, pois, do que montantes retirados da matéria tributável de determinado exercício, que ficam afectos a compensar perdas de montantes incertos imputáveis ao mesmo exercício mas cuja concretização se apurará em exercícios posteriores, ou a fazer face a prejuízos previsíveis advindos da desvalorização das existências.
O artigo 34.º, n.º 1, do CIRC, define créditos de cobrança duvidosa como sendo «aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado» e indica, nas suas três alíneas, de aplicação disjuntiva (Neste sentido entre muitos outros vide: acórdão do STA de 02.06.1999, proferido no recurso n.º 23.089), três grupos de situações em que o risco de incobrabilidade se mostra justificado, a saber:
1. «O devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência»,
2. «Os créditos tenham sido reclamados judicialmente»
3. «Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento» (alíneas a), b) e c), respectivamente)».
A fim de perseguir a verdade fiscal e de evitar o casuísmo e a subjectividade, bem como a possibilidade de manobrar de forma ilegítima o lucro tributável, a constituição das provisões tem ainda de conformar-se com o princípio da especialização dos exercícios (cfr. artigo 18.º, n.º 1, do CIRC), o que significa que, logo que verificados os requisitos de qualquer uma das alíneas do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC, o contribuinte que quiser aproveitar a possibilidade de constituir provisões para cobrir o risco de cobrança do crédito e de as deduzir como custo fiscal, terá que o fazer no ano em que esse risco se verificou (e o fez relevar na contabilidade), sob pena de o não poder fazer mais tarde (ainda que ao abrigo de outra alínea).
Ou seja, o contribuinte não goza do poder de livre escolha do exercício em que pretende inscrever um crédito incobrável como provisão e, por isso, não pode esperar pelo momento mais oportuno para o fazer inscrever, tendo a provisão, para ter relevância como custo fiscal, de ser constituída no exercício em que a incobrabilidade foi constatada e reflectida na contabilidade, exercício esse que não tem necessariamente que coincidir com aquele em que a mora dos créditos ultrapassou a duração de seis meses, pois a simples mora do devedor não é indício bastante de que o crédito não virá a obter cobrança, de que o crédito é de cobrança duvidosa.
A não ser assim, estaria a permitir-se ao contribuinte escolher o exercício em que lhe fosse mais conveniente diminuir a sua matéria tributável, em flagrante violação do princípio da especialização dos exercícios e do disposto no artigo 18.º n.º 1 do CIRC.
Por força deste princípio da especialização dos exercícios, que se destina a tributar a riqueza gerada em cada exercício independentemente do seu efectivo recebimento, as componentes negativas do lucro tributável são imputáveis ao exercício a que digam respeito, só podendo ser imputadas a exercício posterior quando eram imprevisíveis ou desconhecidas na data de encerramento das contas do exercício a que deveriam ser imputadas.
Ora, sendo as mencionadas provisões uma componente negativa do lucro tributável, eles têm, por força daquele princípio, de ser imputados ao exercício a que dizem respeito, isto é, ao exercício a que a lei reporta o direito de as constituir pelo montante indicado no artigo 34º nº 2 do CIRC.
No mesmo sentido veja-se o elucidativo acórdão do STA de 21.11.2001, proferido no recurso nº 26080, cuja doutrina se encontra sintetizada do seguinte modo:
«I - As componentes negativas do lucro tributável são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios, só podendo ser imputadas a exercício posterior quando, na data de encerramento das contas do exercício a que deveriam ser imputadas, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.
II- Uma vez considerados determinados créditos como sendo de cobrança duvidosa e como tal contabilizados, não se pode falar em imprevisibilidade da necessidade de constituição das provisões respectivas.
III- Por isso, estas provisões só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício em que os créditos a que se reportam foram contabilizados como sendo de cobrança duvidosa.». (disponível no endereço www.dgsi.pt).
Nesta perspectiva, que aqui se acolhe sem reservas, podemos então dar por assente que as provisões só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício em que os créditos a que se reportam foram evidenciados na contabilidade registados em contas apropriadas, e, contabilizando, em sub contas, em função das alíneas a) a c) do n° 1 do artigo 34° conjugado com o artigo 33° al. a) todos do CIRC.
No presente caso, como consta na matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida, não colocada em causa por nenhuma das partes, a recorrida no ano de 1997, evidenciou na contabilidade - conta 21830 (clientes de cobrança duvidosa) - o crédito sobre a sociedade “ ……………, Lda” o que significa que já na data de encerramento das contas relativas ao exercício de 1997 constatara a respectiva incobrabilidade, razão pela qual, o fez evidenciar na contabilidade.
Assim sendo, relativamente a tal crédito, a provisão constituída em 1998 já não pode ser considerada um custo fiscal imputável a esse exercício e, por consequência, bem andou a Administração Tributária e Aduaneira ao não aceitá-lo e fazê-lo acrescer à matéria tributável de harmonia com o disposto no nº 2 do artigo 33º do CIRC, contrariamente ao que decidiu a sentença recorrida.

IV. CONCLUSÕES
I. As provisões constituem um fundo criado pela empresa, levado a custos ou encargos do exercício, destinado a fazer face a prejuízos que se esperam, mas cujo valor não se conhece ainda com precisão. Mais não são, pois, do que montantes retirados da matéria tributável de determinado exercício, que ficam afectos a compensar perdas de montantes incertos imputáveis ao mesmo exercício mas cuja concretização se apurará em exercícios posteriores, ou a fazer face a prejuízos previsíveis advindos da desvalorização das existências.
II. Por força do princípio da especialização dos exercícios, as provisões só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício em que os créditos a que se reportam foram considerado de cobrança duvidosa e como tal contabilizado, e não já dos exercícios posteriores.

V. DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida na parte em que decidiu anular a liquidação impugnada, «relativamente a um crédito sobre a …………….., Lda”.»


Custas pela Recorrida em ambas as instâncias, sem prejuízo da dispensa de pagamento da taxa de justiça devida em recurso.


Lisboa, 14 de Abril de 2015.


[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Cristina Flora]