Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2755/07.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/18/2021
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:RECURSO HIERÁRQUICO NECESSÁRIO;
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR;
DEVER DE ZELO E CORRECÇÃO;
AUTONOMIA DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR FACE AO PROCESSO CRIME;
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE;
SINDICABILIDADE DA MEDIDA DA PENA.
Sumário:
I – Uma decisão tomada no âmbito de um recurso hierárquico necessário que não se pronuncia sobre os efeitos suspensivos de tal recurso ou sobre a impossibilidade do trabalhador retomar ao serviço, não é, por causa disso, uma decisão inválida, nem sofre de invalidades intrínsecas ou próprias decorrentes dessa não pronúncia;
II – A preterição do prazo de 30 dias para a resposta ao recurso hierárquico necessário não implica a invalidade dessa resposta, pois o referido prazo é meramente indicativo;
III – Estando provado que o trabalhador não cumpriu as regras que se lhe impunham, não obedeceu ao seu superior hierárquico, que perseguiu este até casa e o agrediu violentamente, e, ainda, que desferiu um murro na parede do edifício onde trabalhava e provocou um buraco na parede de cerca de 10 cm de diâmetro, estão manifestamente violados os deveres funcionais que se impunham, designadamente, os deveres de zelo e correcção;
IV- O procedimento disciplinar é independente e autónomo do processo criminal, podendo prosseguir independentemente deste. O procedimento disciplinar é também independente no apuramento e sancionamento dos factos, face ao processo criminal;
V- No âmbito da sua actividade, a Administração deve obediência ao princípio da proporcionalidade. Sendo um limite interno da actividade administrativa, este princípio releva autonomamente na apreciação da actividade administrativa discricionária, exigindo que as decisões tomadas sejam as mais adequadas, justas ou consentâneas com os fins que se querem realizar;
VI - Frente a condutas discricionárias, a aplicação daquele mesmo princípio pela Administração só se torna sindicável judicialmente em situações de erro manifesto, grosseiro ou de facto;
VII - A decisão acerca da medida da pena concretamente aplicável apela a competências discricionárias da Administração - por só a ela caber, no leque das várias soluções legalmente possíveis, aferir a que mais se coaduna com o interesse público em causa e os fins que se pretendem atingir com a decisão punitiva - a invocação da violação do princípio da proporcionalidade é aqui sindicável apenas quando se reconduza à invocação de erro manifesto, grosseiro ou de facto;
VIII - Frente à invocação da violação do princípio da proporcionalidade relativamente a um acto punitivo, por a medida da pena ser excessiva, o Tribunal terá de apurar acerca da manifesta desproporcionalidade ou da evidente injustiça e não que aquilatar, em substituição do poder que pertence unicamente à Administração, acerca da medida que, em termos concretos, no leque das soluções legalmente possíveis, melhor salvaguarda o interesse público, porque seja a mais adequada à gravidade dos factos apurados, a mais consentânea com os fins que se pretendam atingir e, em simultâneo, a que introduza menor sacrifício dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares envolvidos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

O Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local (STAL), em representação do seu associado J......, interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou improcedente o pedido de anulação ou de declaração de nulidade da deliberação de 05/09/2007, da Câmara Municipal de Loures (CML), que decidiu manter a pena de demissão a J.......

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:” A. A 26.09.2007, A. instaurou Acção Administrativa Especial de Impugnação da Deliberação de 05,09.2007, contra a Câmara Municipal de loures, Agravada.
B. Notificado o A. da douta sentença do tribunal "a quo" no sentido de "...julgar improcedente..." a acção administrativa e absolver “...a Ré do pedido. ", permitiu-se discordado do veredicto daquele, particularmente no que diz respeito à matéria dos fundamentos de direito invocados, onde é julgado improcedente o pedido de impugnação da referida deliberação que culminou com a pena de demissão do associado do A..
C, Com o devido respeito pela Meritíssima Juiz do tribunal "a quo”, afigura-se-nos que a sentença em causa parece laborar num manifesto equívoco jurídico, por considerar o A. que o acto administrativo de 05.09.2007 está ferido de ilegalidades.
D. Quanto à preterição dos Efeitos Legais do Recurso Hierárquico necessário, com efeito suspensivo:
• D.l. A premissa do tribunal "a quo", entende o A. que a mesma é iníqua, já que no aresto em causa a Meritíssima juiz refere que "...o Autor ..." interpôs "...recurso hierárquico necessário, com efeito suspensivo, fê-lo ao abrigo do disposto no n.° 1 do art. 170° do CPA e que nos termos do art° 175° n°l a ré tinha os deveres de suspender o acto ou decidir da interposição mesmo, no prazo de 30 dias." (vide pag. 21 -1°§ do ponto i) da sentença/sublinhado nosso);
• D.2. No "...ou..." reside a premissa errada; se não vejamos: O que o A., defende é que a Agravada tinha dois deveres legais o cumprir: o de suspender o acto (deliberação de 23 de Maio de 2007, do Conselho de administração dos SMAS de Loures) e o de, no prazo de 30 dias, decidir da interposição do Recurso Hierárquico Necessário. CUMULATIVAMENTEi
• D.3. Deveres estes que não foram cumpridos pela agravada; ao interpor recurso hierárquico necessário para a agravada, deu-se a suspensão da eficácia do acto recorrido, logo o trabalhador não podia ser impedido de retomar o seu trabalho; por outro a agravada não decidiu dentro do prazo legalmente estipulado, para além de ter incorrido numa violação da lei, o recurso foi indeferido tacitamente, já que a interposição do Recurso Hierárquico Necessário foi em 6 de Fevereiro de 2007 (n. ° 3 do art. 1 75a do CPA);
• D.4. Não cabe ao tribunal "a quo" com o devido respeito decidir quando é que é legítimo interpor acção, pelo que improceder o vício alegado por este motivo é iníquo.
Mal esteve a agravada, já que se tivesse cumprido a lei (art. 1 70/1 e 1 75/1 do CPA), os efeitos do Recurso Hierárquico Necessário teriam sido produzidos;
• D.5. A jurisprudência tem sido neste sentido quase sempre unanime, isto é, que das decisões do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados cabe sempre e necessariamente recurso hierárquico impróprio para a Câmara e sempre impugnação necessária (vide Acórdão do TCA Sul, de 09.05.02, Proc. 4562/00 e Acórdão do TCA Sul, de 28.11.02, Proc. 10780/01 in www.dqsi.pt/ista.nsf).
E. Quanto à Omissão de Resposta:
• E.l. Meritíssimos, entende o A. que também aqui foi mal a decisão do tribunal "a quo" ao entender que deveria o A. "...ter lançado mão da intimação para prestação de informações." (vide pag. 22 da sentença 2§);
• E.2. Pergunta-se que se impera: Mas para cada vício que infere num determinado processo administrativo no seu todo e co-relacionados com o procedimento administrativo devem os mesmos ser arguidos em processos judiciais distintos!? Não pode o A. legitimamente lançar mão à forma de processo que resulta ser indicada pelo CPTA para argumentar os vícios que considera possíveis existir no processo administrativo em causal? No caso in concreto a resposta só pode ser afirmativa.
• E.3. Já que a omissão de resposta, não é relativa a qualquer outro assunto, se não ao de que se trata da devida acção, é que o pedido de informação do A. era relativo à situação emergente do Recurso hierárquico necessário, já que tinha haver com o facto de impedirem o associado do A. de retomar ao seu serviço (vide do. 23 junto à Pi);
• E.4. Não parece haver duvidas que houve violação do n.° 3 do art 61° do CPA, já que os pedidos de informação deverão ser facultados "...no prazo máximo de 10 dias" e de acordo com o art. 268° da CfíP, os interessados devem ser "...informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como o de conhecerem as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas".
Quanto a Não Violação Dos Deveres Funcionais:
• F.l. O A. considerava nao ter havido acto susceptível de infracçao, explicitado exaustivamente em sede de matéria factual.
• F.2. Nunca houve por parte do A. confusão entre processo disciplinar e o processo crime, alias é o próprio A. que refere isso na sua p.i. (vide artigo 104°);
• F.3. O A. rejeita as acusações de violações dos deveres funcionais assacados ao seu associado e explicita exaustivamente em sede de p.i. (artigos 90° a 109°) o "porquê":
• F.4, Poderia o tribunal "a quo" ter ouvido as testemunhas arroladas pelo A. numa exigência da descoberta da verdade material vide Acórdão do TCA, de 06.06.2013, Proc. 06850/10 e Acórdão do TCA, de 19.05.2016, Proc. 02173/06, in www. dasi. pt/ista. nsf.
G. Quanto o Violação do Princípio da Proporcionalidade:
• G.l. O A. na p.i. realçou o facto da Instrutora do processo disciplinar ter proposto as penas a aplicar ao trabalhador "...de multa, suspensão, demissão ou aposentação compulsiva" no entanto a pena aplicada foi a mais penosa e sancionatória;
• G.2. O A. considerando a matéria factual, a matéria de direito e as circunstancias atenuantes considera a pena de demissão excessiva e desproporcional;
•G.3. Não pode o tribunal "a quo" assentar a sua decisão, apenas nos indícios apontados pela agravada, dando como ajuizado que o associado do A. violou os deveres que lhe eram assacados, bem como criminalmente responsável sem que para isso houvesse uma sentença recriminatória, pois não existem fundamentos e indícios bastantes para se concluir que o associado do A. é o autor dos factos que lhe são imputados.”

O Recorrido não contra-alegou.
O DMMP apresentou a pronúncia no sentido da improcedência do recurso.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos, que se mantêm:
A) Por deliberação de 9 de Janeiro de 2007 foi determinado a instauração de processo disciplinar a J...... (associado do Autor), com a categoria de condutor de máquinas pesadas e veículos especiais do quadro dos Serviços Municipalizados de Loures, com base na participação de fls 2 a 5, do processo instrutor, tendo igualmente sido suspenso por 90 dias das suas funções;
B) Em 21 de Março de 2007 foi elaborada a Nota de Culpa na qual consta:
(...).
- No dia 4 de Janeiro de 2007 o arguido não efectuou uma correcta e verificação da viatura 360 que lhe foi destinada, nesse dia para executar o serviço como devia;
- Como consequência deste facto, após ter saído para efectuar a volta, o arguido regressou com a viatura, cerca das 10 horas, às Oficinas do Fanqueiro com uma avaria no sistema de abertura dos contentores: - O Sr, Eng° V...... solicitou a colaboração do arguido para que colocasse uma cavilha, tendo o arguido negado, dizendo que não era mecânico e que se tratava de umas soldaduras partidas no macaco da grua e que o problema não se resolvia com uma cavilha;
- Face à recusa do arguido, o Sr. Eng°. V...... disse que o arguido era incompetente, tendo colocado a cavilha, tendo o arguido voltado a sair com a viatura, a fim de executar o serviço;
-Contudo, a viatura voltou a regressar às Oficinas do Fanqueiro, cerca das 11,15 horas, dado que o macaco onde tinha sido colocada a cavilha se tinha partido não tendo o serviço sido executado;
- Em face disto, o Sr. Eng°. P...... disse ao arguido, no gabinete da frota, que o arguido era “um incompetente" e que “há motoristas que merecem todo o meu respeito e que eu trago nas palminhas das mãos. mas você não merece nada", tendo o arguido respondido “isso é o que você pensa";
- Tanto o arguido como o Sr. Eng° P...... estavam bastante exaltados, tendo o arguido ficado ressentido, tendo a altercação terminado por iniciativa do Ena° P......;
- O Eng°. P...... foi agredido nesse dia á porta de sua casa. às 19,45 horas por uma pessoa encapuzada que seguia atrás de si e lhe desferiu dois socos no olho esquerdo e vários socos na cabeça, o que lhe provocou uma laceração no couro cabeludo;
- O Sr. Eng°. P...... defendeu-se, apanhando o agressor pela cintura, tendo ambos caído ao chão, tendo sido nesse momento que retirou o gorro ao agressor, tendo reconhecido no agressor, o arguido;
- O arguido levantou-se, nesse momento, e abandonou rapidamente o local ao ser descoberto; - Como resultado da agressão o Sr. Eng°. P...... sofreu traumatismo da face e hematoma perí-orbital e feridas incisas das regiões molar e occipital que foram saturadas no serviço de urgência do Hospital de São Francisco Xavier;
- Além dos ferimentos, o Sr. Eng°. P...... ficou fragilízado quer física quer psicologicamente, tendo tido necessidade de ficar em situação de baixa por um período de 15 dias;
- No mês de Outubro de 2006 o arguido, após uma conversa que ocorreu com o Sr. Eng°. P...... na sequência de o Sr. Eng°. o ter retirado do serviço aos Sábados, desferiu um murro na parede do corredor do edifício da telegestão, tendo provocado um buraco na parede com cerca de 10cm de diâmetro;
- No mesmo mês o arguido tirou fotografias em vários ângulos às traseiras da viatura de serviço que está adstrita ao Sr. Eng°. P......, que se encontrava estacionada em frente à Divisão de Resíduos Sólidos, nas instalações das Sete Casas;
- Com o comportamento descrito nos antecedentes artigos 1o. a 4o, actuou o arguido com negligência grave e grave desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres profissionais, cometendo infracção disciplinar prevista e punida pelo art°.24°. n°.1 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Regional e Local, aprovado pelo D.L. n°.24/84, de 16 de Janeiro, com pena de suspensão;
- Com o comportamento descrito no artigo 13°. da presente nota de culpa, cometeu o arguido em cúmulo infracção disciplinar e criminal, mormente crime de dano, prevista e punida pelo art°23°. al.d) do Estatuto citado com pena de multa;
- Com o comportamento descrito nos antecedentes artigos 8º. e 9°., cometeu o arguido infracção disciplinar grave agredindo e desrespeitando gravemente o seu superior hierárquico, que inviabiliza a manutenção da relação funcional, prevista e punida pelo art.26°. n°s.1 e 2 al.a) do mesmo Estatuto, com pena de demissão ou aposentação compulsiva;
- Milita contra o arguido a circunstância agravante especial da acumulação de infracções, prevista no art°.31°. al.g) do Estatuto citado;
- Milita ainda contra o arguido a circunstância agravante especial prevista no art°.31°. al.b) do referido Estatuto, dado que o arguido não efectuou uma correcta verificação do equipamento, tendo ocorrido prejuízo para o serviço, ao não ter sido feita a recolha, resultado perfeitamente previsível como efeito necessário da sua actuação negligente;
- Não existem circunstâncias atenuantes.
C) O Autor foi notificado da Nota de Culpa e para apresentar, querendo, defesa por escrito, arrolar testemunhas ou requerer outras diligências de prova (fls 63, do PI);
D) O Autor juntou resposta por escrito, junta a fls 72 a 83, do PI, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, propondo o arquivamento do processo disciplinar por inexistência de qualquer infracção disciplinar cometida e desproporcionalidade da pena proposta e os supostos factos que serviram para a qualificação disciplinar de que foi acusado, tendo ainda requerido a audição de testemunhas;
E) Foram inquiridas as testemunhas arroladas pelo ora Autor, dando-se por inteiramente reproduzidas as suas declarações (fls 106 a 110, dos autos);
F) Em 15 de Maio de 2007 foi elaborado o Relatório do qual consta nomeadamente:
(...). - No dia 4 de Janeiro de 2007 o arguido não efectuou uma correcta e verificação da viatura 360 que lhe foi destinada, nesse dia para executar o serviço como devia;
- Como consequência deste facto, após ter saído para efectuar a volta, o arguido regressou com a viatura, cerca das 10 horas, às Oficinas do Fanqueiro, com uma avaria no sistema de abertura dos contentores: - O Sr. Eng V...... solicitou a colaboração do arguido para que colocasse uma cavilha, tendo o arguido negado, dizendo que não era mecânico e que se tratava de umas soldaduras partidas no macaco da grua e que o problema não se resolvia com uma cavilha;
- Face à recusa do arguido, o Sr. Eng. V...... disse que o arguido era incompetente, tendo colocado a cavilha, tendo o arguido voltado a sair com a viatura, a fim de executar o serviço;
- Contudo, a viatura voltou a regressar às Oficinas do Fanqueiro, cerca das 11,15 horas, dado que o macaco onde tinha sido colocada a cavilha se tinha partido não tendo o serviço sido executado;
- Em face disto, o Sr Eng. P...... disse ao arguido, no gabinete da frota que o arguido era "um incompetente" e que “há motoristas que merecem todo o meu respeito e que eu trago nas palminhas das mãos, mas você não merece nada" tendo o arguido respondido “isso é o que você pensa”;
- Tanto o arguido como o Sr. Eng. P...... estavam bastante exaltados, tendo o arguido ficado ressentido, tendo a altercação terminado por iniciativa do En°g P......;
- O Engº, P...... foi agredido nesse dia á porta de sua casa, às 19 45 horas por uma pessoa encapuzada que seguia atrás de si e lhe desferiu dois socos no olho esquerdo e vários socos na cabeça, o que lhe provocou uma laceração no couro cabeludo;
- O Sr. Engº. P...... defendeu-se, apanhando o agressor pela cintura, tendo ambos caído ao chão, tendo sido nesse momento que retirou o gorro ao agressor, tendo reconhecido no agressor, o arguido;
- O arguido levantou-se, nesse momento, e abandonou rapidamente o local ao ser descoberto - Como resultado da agressão o Sr. Eng°. P...... sofreu traumatismo da face e hematoma peri-orbital e feridas incisas das regiões molar e occipital que foram saturadas no serviço de urgência do Hospital de São Francisco Xavier;
- Além dos ferimentos, o Sr. Eng°. P...... ficou fragilizado quer física quer psicologicamente, tendo tido necessidade de ficar em situação de baixa por um período de 15 dias;
- No mês de Outubro de 2006 o arguido, após uma conversa que ocorreu com o Sr. Eng°. P...... na sequência de o Sr. Eng°. o ter retirado do serviço aos Sábados, desferiu um murro na parede do corredor do edifício da telegestão, tendo provocado um buraco na parede com cerca de 10cm de diâmetro;
- No mesmo mês o arguido tirou fotografias em vários ângulos às traseiras da viatura de serviço que está adstrita ao Sr. Eng°. P......, que se encontrava estacionada em frente à Divisão de Resíduos Sólidos, nas instalações das Sete Casas;
- Com o comportamento descrito nos antecedentes artigos 1o. a 4°, actuou o arguido com negligência grave e grave desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres profissionais, cometendo infracção disciplinar prevista e punida pelo art°.24°. n°.1 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Regional e Local, aprovado pelo D.L. n° 24/84, de 16 de Janeiro, com pena de suspensão;
- Com o comportamento descrito no artigo 13°. da presente nota de culpa, cometeu o arguido em cúmulo infracção disciplinar e criminal, mormente crime de dano, prevista e punida pelo art°23°. al.d) do Estatuto citado com pena de multa,
- Com o comportamento descrito nos antecedentes artigos 8o. e 9°, cometeu o arguido infracção disciplinar grave agredindo e desrespeitando gravemente o seu superior hierárquico, que inviabiliza a manutenção da relação funcional, prevista e punida pelo artt>.26°, n°s.1 e 2 al a) do mesmo Estatuto, com pena de demissão ou aposentação compulsiva;
- Milita contra o arguido a circunstância agravante especial da acumulação de infracções, prevista no art°.31°. al.g) do Estatuto citado;
- Milita ainda contra o arguido a circunstância agravante especial prevista no art0.31°. al.b) do referido Estatuto, dado que o arguido não efectuou uma correcta verificação do equipamento, tendo ocorrido prejuízo para o serviço, ao não ter sido feita a recolha, resultado perfeitamente previsível como efeito necessário da sua actuação negligente;
Não existem circunstâncias atenuantes. 
(…) Em 5 de Abril de 2007 foi junta aos autos a resposta à Nota de Culpa, subscrita por advogada com procuração nos autos, alegando, em sintese, que:
- O arguido admite a veracidade de alguns dos factos descritos; no entanto, houve manifestação de factos concretos para que aqueles ocorressem daquela forma;
- E nesse sentido, afastarão qualquer imputabilidade objectiva das infracções que lhe são infligidas;
- Nega o facto de que vem acusado de não ter efectuado uma correcta verificação da viatura 360 que lhe foi destinada, nesse dia para executar o trabalho, como devia”;
- O arguido, dentro das competências que lhe estão adstritas - Despacho n°.38/88, publicado na II série do D.R. de 26 de Janeiro de 1989, entre outras a de “verificar diariamente os níveis de óleo e água e comunicar as ocorrências anormais detectadas nas viaturas”;
- E foi o que aconteceu;
- O facto em causa não constitui infracção disciplinar, já que pelo exposto anteriormente a avaria em causa é relacionada com o 'sistema de abertura dos contentores", tal situação de envergadura mecânica não é da responsabilidade do ora arguido;
- Não constitui infracção disciplinar o facto descrito nos art°s, 2o e 3o da Nota de Culpa:
- O arguido é rotulado pelo seu superior hierárquico de “incompetente";
- Com esta atitude o Sr. Eng° mais não está que a ofender o arguido por injúria;
- Assim, quem teve a responsabilidade de começar um processo de ofensas, foi o seu superior hierárquico:
- Já não era a primeira vez que o Sr. Eng°. P...... tem este tipo “arbitrárias”, “prepotentes” e “agressivas”, quer com o arguido, quer funcionários dos SMAS de Loures:
- O' facto de ter desferido um murro na parede do corredor só ocorreu por motivos de “ansiedade”;
- Não corresponde à verdade o facto descrito no artigo 14°. da Nota de Culpa;
- O arouido nunca tirou fotografias ao veiculo adstrito ao Sr. Eng°. P......; 
- Os factos descritos nos artigos 1o. a 7°. e 13°. e 14°. da Nota de Culpa, mais não foram que o desenrolar de situações que tomaram proporçoes despropositadas e que não podem ser qualificadas como actos dolosos;
- É reconhecido no seio dos seus colegas e do seu superior hierárquico, o profissionalismo, a competência e a responsabilidade com que sempre actuou;
- Nega qualquer imputação de violação dos deveres profissionais (vide art° 15°. da Nota de Culpa), por desinteresse do cumprimento dos mesmos;
- Quanto à violação do dever de correcção, imputado ao arguido no artigo 16°. pelo facto descrito no artigo 13°. da Nota de Culpa, não pode constituir qualquer infracção já que o arguido nunca faltou ao respeito ao seu superior hierárquico,
- Quanto ao facto de ter desferido um murro na parede do corredor o arguido mostra-se arrependido por o ter feito, sendo que o arrependimento constitui uma circunstância atenuante especial nos termos da al. b) do art°.29°. e circunstância derimente nos termos da al.b) do art°.32°. do E.D,
- Quanto aos factos descritos e constantes nos artigos 8o. a 10°. da Nota de Culpa, recusa as acusações graves que lhe são imputadas;
- O arguido encontrava-se nesse mesmo dia (4 de Janeiro de 2007) pelas 19 horas no Ginásio no “body action gym" e lá permaneceu até cerca das 20,30 horas;
- O Ginásio em questão, tem a sua sede em Sintra e o arguido vem acusado de ter cometido a infracção em Lisboa.
O arguido termina a defesa requerendo que o processo seja arquivado alegando inexistência de qualquer infracção disciplinar cometida e desproporcionalidade entre a pena proposta e os supostos factos que serviram para a qualificação da infracção disciplinar de que vem acusado ou, em alternativa, a aplicabilidade de uma outra pena disciplinar de menor grau e que a mesma possa ser suspensa nos termos do art°.33°, do Estatuto Disciplinar.
Contrariamente ao alegado, dos autos decorre que cabe ao arguido verificar e comunicar as ocorrências anormais detectadas nas viaturas, como aliás decorre do alegado pelo arguido na resposta à Nota de Culpa, sendo certo que, de facto, o arguido não verificou nem comunicou, como devia, a anomalia existente na viatura, antes de ter saído para fazer a recolha de eco pontos, o que impediu que o trabalho fosse realizado, tendo actuado, pois, com negligência grave e grave desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres profissionais.
Ao contrário do alegado, o seu superior hierárquico não cometeu qualquer injúria ao ter rotulado o arguido de “incompetente”, já que, legitimamente, avaliou a conduta negligente do arguido, que por isso mesmo não foi competente no desempenho das suas funções.
As alegadas atitudes “arbitrárias”, “prepotentes" e “agressivas” do participante, a que as testemunhas declinam em auto de inquirição em nada contribuem para afastar ou sequer diminuir a culpabilidade do arguido nos factos por que vem acusado, sendo que, além do mais, a maneira de ser do participante nem está em causa em sede do presente processo disciplinar.
Provado ficou igualmente a personalidade do arguido, sendo uma pessoa extremamente agressiva, que controla dificilmente as suas reacções, decorrendo do depoimento da Dra. M............... que supra se transcreveu, que a mesma se apercebeu “de uma certa agressividade bastante contida do arguido e que a qualquer momento era susceptível de desencadear comportamentos violentos” (fls.43), sendo que essa violência veio a manifestar-se no murro que o arguido desferiu na parede, tendo, em sede do presente processo, admitido tê-lo feito, e, na sua forma mais abjecta, tendo ficado ressentido com o que se havia passado de manhã, nas agressões físicas que infligiu ao participante, de que resultaram os ferimentos atestados nos relatórios médicos juntos aos autos a que supra se fez referência. —
----- Ao contrário do alegado, o arguido não logrou provar que tivesse ocorrido a circunstância dirimente prevista na al.b) do art°.32°. nem se verifica a atenuante especial da confissão espontânea da infracção prevista na al.b) do art°.29°. do E.D., aquando do cometimento do crime de dano por que vem acusado, demonstrando outrossim a personalidade violenta e agressiva do arguido.
-— Ao contrário do pretendido, o arguido não logrou provar que no momento da agressão se encontrava no Ginásio “body action gym”. De facto, dos depoimentos das testemunhas arroladas para comprovarem essa alegação, não resulta provado que o arguido tivesse estado naquele Ginásio naquele dia e àquela hora, tendo a testemunha J...... declarado que não se recorda se no dia 4 de Janeiro de 2007 o arguido frequentou o Ginásio e a testemunha P......, que declarou ser amigo de infância do arguido, disse que o arguido frequenta o Ginásio com bastante irregularidade, acontecendo estar vários meses sem o frequentar e que. relativamente ao dia 4 de Janeiro de 2007, o arguido falou consigo no dia seguinte ou nos dias seguintes, dizendo-lhe que estavam a tentar prejudicá-lo no seu emprego e para que ele se recordasse que tinha frequentado o Ginásio naquele dia, dentro do horário que habitualmente frequenta, com inicio às 18,30 horas, 19 horas e termo cerca das 21 horas (fls.109 e 110).
— Importa lembrar aqui as declarações do arguido a fls 54 na parte em que o mesmo declarou “nada ter a dizer relativamente ao que o Sr. Eng°. diz na participação quanto às agressões sofridas nesse dia cerca das 19,45 horas à porta de sua casa", quando, e a ser verdade que tivesse estado no Ginásio, como veio posteriormente a alegar na resposta à Nota de Culpa, expectável seria que o tivesse declarado, quando foi ouvido no decurso da instrução do presente processo, que, e até por isso, não oferece a mínima credibilidade o alegado na resposta á Nota de Culpa.
— Destarte, estes depoimentos e as declarações do arguido, ora citadas, só reforçam a inveridicidade da versão que veio posteriormente a apresentar em sede de defesa,
— Por seu lado, a identificação cabal do arguido que o participante fez no momento da agressão, constitui prova inequívoca quanto ao autor da mesma, tendo-se, em sede do presente processo disciplinar, apurado as circunstâncias de tempo, modo e lugar da prática das infracções por que o arguido vem acusado.
-- Cometeu, pois, o arguido diversas infracções disciplinares, mas a censurar com uma única pena, nos termos do art° 14° do E.D.
— Milita contra o arguido as agravantes especiais da acumulação de infracções prevista na al.g) do art°.31°. e a prevista na al.b) do mesmo art°. do E.D., dado que por o arguido não ter feito uma correcta verificação do equipamento, como era seu dever, ocorreu prejuízo para o serviço, ao não ter sido feita a recolha dos eco pontos, resultado perfeitamente previsível como efeito necessário da sua actuação negligente. Acresce que, a reconhecida credibilidade de que o participante goza no seio dos Serviços Municipalizados, contribui decisivamente para se ter formado a convicção da instrutora quanto ao apuramento da verdade material dos factos por que o arguido vem acusado, pelo que, em face dos factos provados e respectivo enquadramento e considerando todos os critérios a que alude o art°.28°. do Estatuto Disciplinar, e atendendo às agravantes especiais verificadas e essencialmente à especial censurabilidade da conduta do arguido que torna inviável a manutenção, ín casu, da relação funcional, entende-se propor a aplicação de uma pena, em cúmulo jurídico, de demissão, nos termos do n°,1 do art°.26°. do Estatuto citado
G) Em reunião realizada em 23-05-2007 o Conselho de Administração da Ré, deliberou aplicar ao ora Autor a pena de demissão;
H) Pelo ofício datado de 23-05-2007 o Autor foi notificado da decisão de aplicação da pena;
I) Da deliberação referida em G) o representado do Autor interpôs, em 0506-2007 recurso hierárquico, requerendo a revogação da decisão (fls 78 a 91, dos autos);
J) Correu termos no 5° Juízo Criminal de Lisboa o processo n° 15/07.8SFLSB no qual foi arguido o representado do Autor, no âmbito do qual se encontrava acusado pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos art° 143° n° 1 e 132°, n° 2, als h) e i) do CP, praticados na pessoa de V...... que o absolveu por não se ter feito prova "que o arguido nos presentes autos tivesse sido o autor de quaisquer factos descritos na acusação” (fls 149 a 153, dos autos);
K) Após a interposição do recurso hierárquico o representado do Autor apresentou-se ao serviço, tendo sido impedido pela Administração do Réu de retomar ao serviço nos dias 6, 8 e 11 de Junho de 2007;
L) Em 06-08-2007 o representado do Autor informou o Presidente da Câmara Municipal de Loures do impedimento referido no ponto anterior e invocando que a interposição do recurso hierárquico tem como efeito a suspensão da eficácia do acto (fls 106 e 107, dos autos);
M) A Câmara Municipal de Loures deliberou negar provimento ao recurso hierárquico em 05-09-2007, com os fundamentos constantes do Relatório Final (fls 29, dos autos);
N) Em 10-09-2007 o Autor foi notificado do indeferimento do recurso hierárquico interposto;
O) A presente acção administrativa especial deu entrada a 26-09-2007 (fls 3, dos autos).

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs 171.º, n.º 1 e 175.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Administrativo (CPA) porque a interposição do recurso hierárquico necessário relativamente à deliberação de 23/05/2007, do Conselho de Administração (CA) do SMAS, exigiria a suspensão de tal deliberação e a decisão desse recurso em 30 dias, o que não ocorreu no caso, pois o trabalhador em questão ficou impedido de retomar ao trabalho e o recurso foi tacitamente indeferido;
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs. 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 61.º, n.º 3, do CPA, porque ocorreu uma omissão de resposta relativamente ao pedido do trabalhador sobre a situação emergente do recurso hierárquico necessário que havia interposto, o que implica a invalidade do acto impugnado;
- aferir do erro decisório porque o associado do A. não violou quaisquer deveres funcionais, nomeadamente os deveres de zelo e correcção, pois não ficou provado nem no procedimento disciplinar, nem no processo criminal, nem neste processo judicial, que tenha injuriado os seus superiores hierárquicos, sendo que o pedido de produção de prova testemunhal foi indeferido por despacho de 02/03/2015;
- aferir do erro decisório porque a pena aplicada ofende o princípio da proporcionalidade, por ser excessiva e desproporcional.

Vem o Recorrente invocar um erro decisório e a violação dos art.ºs 171.º, n.º1 e 175.º, n.ºs 1 e 3, do CPA, porque a interposição do recurso hierárquico necessário relativamente à deliberação de 23/05/2007, do CA do SMAS, exigiria a suspensão de tal deliberação e a decisão desse recurso em 30 dias, o que não ocorreu no caso, pois o trabalhador em questão ficou impedido de retomar ao trabalho e o recurso foi tacitamente indeferido. Considera o Recorrente que o incumprimento cumulativo destes dois deveres implica a invalidade do acto sindicado.
O Recorrente confunde os efeitos da interposição de um recurso hierárquico necessário e a respectiva exigência de interposição para a garantia da verificação dos pressupostos processuais para a impugnação judicial da decisão punitiva, com a verificação de efeitos invalidantes da decisão tomada nesse recurso, por tal decisão padecer de ilegalidades próprias ou intrínsecas.
Na PI o A. e Recorrente peticionou a anulação ou a declaração de nulidade da deliberação de 05/09/2007, da CML, que decidiu manter a pena de demissão a J......, associado do A.
Tal decisão foi tomada na sequência de um recurso hierárquico necessário interposto pelo A.
Ora, os eventuais efeitos da interposição desse recurso não se confundem com as invalidades imputáveis à decisão tomada no seu termo, proferida em resposta ao recurso interposto.
No caso em apreço, na resposta ao recurso não foi feita qualquer pronúncia relativamente aos efeitos do recurso ou relativamente à impossibilidade do trabalhador retomar ao serviço. Assim, a decisão tomada em resposta ao indicado recurso nada dispõe sobre essas questões. Nessa mesma medida, tal resposta não colide com os efeitos suspensivos que decorriam da interposição desse recurso.
Nesta acção o A. apenas impugna a deliberação de 23/05/2007, do CA do SMAS, deixando incólume a conduta da Administração que na sequência do recurso que interpôs terá impedido o trabalhador de retomar ao trabalho. Pretendendo o A. reagir contra essa conduta da Administração – que não atribuiu efeitos suspensivos ao recurso necessário interposto e não permitiu a retoma de funções pelo trabalhador – teria de ter peticionado o correspondente pedido condenatório, o que não é feito nesta acção.

Quanto à alegada preterição do prazo de 30 dias para a resposta ao recurso hierárquico necessário, não implica a invalidade dessa resposta, pois o referido prazo é meramente indicativo.
A preterição desse prazo apenas permitia ao Recorrente considerar tacitamente indeferida a sua pretensão.
Em suma, as supra indicadas alegações claudicam e acompanha-se a decisão recorrida designadamente quando nela se indica o seguinte: “O recurso hierárquico constitui um instrumento colocado à disposição dos particulares, proporcionando-lhes um meio impugnatório acessível, gratuito, e que lhes assegura a paralisação temporária dos efeitos da decisão, graças ao efeito suspensivo de que, quando necessário - art. 170º do CPA (anterior).
Ou seja, com a interposição do recurso hierárquico necessário o Autor viu, apenas ser suspenso os efeitos da decisão, não decorrendo necessariamente que o representado do Autor, pudesse regressar ao serviço, garantindo, também a possibilidade de ver suspenso o prazo de impugnação.
Aliás o facto de não ter sido o recurso hierárquico decidido no prazo de 30 dias, formou-se acto tácito de indeferimento e podia o Autor ter logo lançado mão da via contenciosa.
O Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, em geral, que a atribuição do efeito suspensivo a uma dada impugnação anda normalmente associada ao carácter necessário da mesma, e deve ser interpretada como uma obrigação de interposição de um recurso hierárquico prévio como forma de abertura da subsequente via contenciosa (ver AC STA de 01.01.96, procº 38909, AC STA de 18.03.97, procº 34327, e ainda, Parecer da PGR nº 92/92 de 11.02.93 in DR, II série, de 23.09.93).
Não tendo os efeitos pretendidos pelo Autor, improcedendo o alegado vício.”

Vem o Recorrente invocar um erro decisório e a violação dos art.ºs. 268.º CRP e 61.º, n.º 3, do CPA, porque ocorreu uma omissão de resposta relativamente ao pedido do trabalhador sobre a situação emergente do recurso hierárquico necessário que havia interposto, o que, na sua óptica, implica a invalidade do acto impugnado.

Também esta – alegada - invalidade da conduta administrativa não se exterioriza através do acto impugnado. Ou seja, também aqui o acto impugnado nada decide relativamente ao pedido de informação sobre a tramitação e efeitos do recurso interposto. Logo, a alegada invalidade não pode conduzir à invalidade do acto impugnado, pois não se pronunciou sobre tal pedido.
Claudica também esta alegação de recurso.

O A. invoca um erro decisório alegando que o seu associado não violou quaisquer deveres funcionais, nomeadamente os deveres de zelo e correcção, pois não ficou provado nem no procedimento disciplinar, nem no processo criminal, nem neste processo judicial, que tenha injuriado os seus superiores hierárquicos. Mais diz o Recorrente, que o seu pedido de produção de prova testemunhal foi indeferido por despacho de 02/03/2015 e através de tal prova ficaria assente o indicado facto negativo.

Quanto ao despacho de 02/03/2015, não vem agora recorrido.

Por seu turno, a decisão recorrida não indeferiu a produção de quaisquer meios de prova.

Portanto, o recurso carece de objecto quando através do mesmo se queira impugnar uma decisão judicial que tenha indeferido um pedido de produção de prova testemunhal.

De referir, também, que no recurso apresentado não se impugna o julgamento da matéria de facto.

Portanto, é à luz da matéria factual apurada que há que apreciar do alegado erro de julgamento, por o associado do A. não ter violado quaisquer deveres funcionais.
Na decisão recorrida quanto a esta questão entendeu-se o seguinte: ”Ao associado do Autor vêm imputadas as seguintes infracções disciplinares:
De facto na nota de culpa são imputadas:
- desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres profissionais;
- crime de dano;
As faltas imputadas ao arguido na nota de culpa, enquanto funcionário público, com deveres e obrigações, descritas nos artigos da acusação, consubstanciam o incumprimento dos deveres que estão previstos nas alíneas do nº 4 do artº 3º do ED.
Atento o teor da nota de culpa a instrutora do processo sem passar por esta imputação cominou as infracções (sem as descrever) com a pena de multa prevista na alínea d) do artigo 23º, e a pena de demissão prevista no artº 26º nºs 1 e 2, al a) do ED.
Qualquer destas imputações configuram a violação do dever de zelo, obediência, lealdade e correcção.
Face à matéria de facto elencada na nota de culpa, não se afigura, perante a verificação de que pelo menos alguns comportamentos aí descritos não são negados, não nos parece que aquela sofra com a deficiência o Autor lhe imputa nem que a defesa do seu representado tenha sido, de algum modo, dificultado, quer por razões de compreensão dos factos imputados e suas circunstâncias, quer pelo seu enquadramento legal, cuja falta de indicação dos expressos deveres violados não torna a nota de culpa inepta nem trouxe qualquer limitação à cabal compreensão da acusação.
Assim, qualquer dos factos descritos nos artºs 1º, 2º e 3º, consubstanciam infracção, quando integrados nos deveres a que o representado do Autor está adstrito, sendo esta violação a infracção propriamente dita.
O Autor nega que o seu representado não agrediu o seu superior hierárquico.
E aqui fazendo nota que o representado do Autor foi absolvido no processo crime, decisão que foi junta.
“Ora, como vem sendo assinalado pela doutrina e jurisprudência, o processo disciplinar é independente e autónomo do processo criminal, pois que, não obstante a aplicação ao processo disciplinar (como, de resto, a todos os processos de natureza sancionatória), a título subsidiário, de normas ou princípios do direito criminal, são diversos os fundamentos e os fins das duas jurisdições, bem como os pressupostos da respectiva responsabilidade, em atenção fundamentalmente, à diferente natureza e finalidade das penas nesses processos aplicáveis.
(…) Assim a absolvição do representado do Autor em processo criminal em nada contende, com a aplicação, em sede disciplinar, da referida pena disciplinar.
(…) A sentença penal absolutória não implica automática e forçosamente que, neste processo disciplinar, se devam dar como não provados os mesmos factos que não lograram obter prova suficiente no processo-crime.
Nos autos de processo disciplinar, ouvidas todas as testemunhas da defesa, nada havendo nos autos que permita abalar a prova produzida e dada como provada.
Aliás é o próprio Autor que nos seus artigos 26º a 36º do seu articulado inicial, as condições ou o ambiente de serviço entre o seu representado e o superior hierárquico.
Improcede igualmente o vício alegado.”

Este julgamento é para manter.

Tal como decorre do processo disciplinar e da nota de culpa, ficou provado naquele processo que no dia 04/01/2007 o trabalhador associado do A. não efectuou a correcta verificação da viatura 360, que lhe foi destinada. Ficou também provado que o trabalhador se negou a colocar a cavilha, tal como solicitado pelo superior hierárquico. Mais se provou, que nesse mesmo dia o superior hierárquico foi perseguido e agredido à porta da sua casa pelo referido trabalhador, que se encontrava encapuzado e que lhe desferiu dois socos no olho esquerdo e vários socos na cabeça, que lhe provocaram uma laceração no couro cabeludo. O agredido ficou, também, com um traumatismo na face, um hematoma peri-orbitral e feridas incisivas nas regiões molar e occipital. O referido superior hierárquico defendeu-se, apanhou o agressor pela cintura e retirou-lhe o gorro, identificando o agressor como sendo o trabalhador associado da A. Igualmente, ficou provado que o associado do A. no mês de Outubro de 2006 desferiu um murro na parede do corredor do edifício de telegestão e provocou um buraco na parede de cerca de 10 cm de diâmetro.

Na sua defesa, o trabalhador invocou que dentro das suas competências só se lhe impunha verificar os níveis de óleo e água e comunicar ocorrências anormais detectadas nas viaturas, pelo que não tinha a responsabilidade na correcção da avaria, logo, que não tinha praticado qualquer infracção disciplinar. Mais invocou, que a responsabilidade pelo processo de ofensas era do superior hierárquico, que o apelidou de incompetente, que o murro que deu na parede foi por “ansiedade”, que não faltou ao respeito pelos seus superiores, nem mostrou desinteresse pelo serviço. Alegou, ainda, que os actos que praticou não podiam ser qualificados como dolosos, pois resultaram do desenrolar da situação originada pelo referido superior hierárquico.
Por conseguinte, face à prova feita no procedimento disciplinar - e nestes autos - é manifesto que o trabalhador em questão violou os seus deveres funcionais, nomeadamente de zelo e correcção. Na verdade, o trabalhador não actuou de acordo com as regras que se lhe impunham e as instruções do seu superior, demonstrando possuir e querer “aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho de modo a exercer as suas funções com eficiência e correcção” e, também, não tratou com um mínimo de respeito o seu superior hierárquico, pois perseguiu-o até casa e agrediu-o violentamente – cf. art.º 3.º, n.º 4, als. b), f), 6 e 10 do Estatuto Disciplinar (ED), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16/01.
Ou seja, atendendo à prova feita no procedimento disciplinar e ao julgamento de facto levado a cabo pela decisão recorrida – que não é impugnado no recurso – é manifesto que o trabalhador associado do A. violou os seus deveres funcionais.
Quanto à absolvição do trabalhador em sede de processo criminal, por não ter ficado provado que fosse efectivamente o autor das agressões, não é fundamento suficiente para se concluir que aqueles mesmos factos não podiam ser dados por provados no processo disciplinar.
É entendimento pacifico na jurisprudência e doutrina que o procedimento disciplinar é independente e autónomo do processo criminal, podendo prosseguir independentemente deste (cf. neste sentido, entre muitos, os Acs.do STA n.º 047146, de 21/09/2014, n.º 01079/09, de 27/01/2011, n.º 0223/08, de 07/01/2008, do TCAS n.º 927/12.7BEALM, de 28/06/2018, n.º 03670/99, de 26/0/2008, n.º 0142/05, de 21/04/2005, n.º 0856/03, de 09/10/2003, n.º 037476, de 18/02/1999, ou do TCAN n.º 00804/11.9BECBR, de 03/11/-2017. Na doutrina, vide, ABREU, Luís de Vasconcelos - Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações com o Processo Penal. 1.ª ed. Coimbra: Almedina, 1993, pp. 32-33. MOURA, Paulo Veiga e ARRIMAR, Cátia, Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. 1.ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p. 515. NEVES, Ana Fernanda - O Direito da Função Pública. Em Tratado de Direito Administrativo Especial. Coord. OTERO, Paulo; GONÇALVES, Pedro. 1.ª ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 527. CARVALHO, Ana Sofia de Magalhães e – Responsabilidade Criminal e Procedimento Disciplinar, in CEJ - Direito das Relações Laborais na Administração Pública [Em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2018 [Consult. 12 jun.2019]. Disponível em WWW:<URL:http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_DRLAP_2018.pdf>.p. 682-687).
Conforme se explica no Ac. do STA n.º 0856/03, de 09/10/2003, “o processo disciplinar é independente e autónomo do processo criminal, uma vez que, não obstante a aplicação ao processo disciplinar (como, de resto, a todos os processos de natureza sancionatória), a título subsidiário, de normas ou princípios do direito criminal, são diversos os fundamentos e os fins das duas jurisdições, bem como os pressupostos da respectiva responsabilidade, podendo pois ser diversas as valorações que cada uma delas faz dos mesmos factos e circunstâncias (cfr., por todos, os Acs. deste STA de 24.01.2002 – Rec. 48.147, e do Pleno de 03.04.2001 – Rec. 29.864) Cfr., na doutrina, Eduardo Correia, Direito Criminal, I, p. 38, Marcelo Caetano, Manual, I, p. 803, e Parecer da PGR publicado no DR, II Série, de 29.04.84.
Trata-se, assim, de processos distintos e autónomos, sendo o procedimento disciplinar independente do apuramento e sancionamento eventualmente feito sobre os mesmos factos em processo criminal.
(…) Na verdade, a ponderação e o juízo decisório, perante os elementos do processo disciplinar, da existência de razões suficientes para entender verificada a inviabilização da manutenção da relação funcional, pressuposto nuclear da aplicação das penas expulsivas, maxime da pena de demissão, situam-se, naturalmente, e em exclusivo, no âmbito do processo disciplinar.
Ponderação essa que se concretiza, aliás, através de juízos de prognose, na fixação dos quais a Administração goza de grande liberdade de apreciação, sendo que só os erros manifestos de apreciação na determinação de tais juízos importam a violação de lei que ao tribunal cabe sindicar.
A existência de ilícito disciplinar não está pois prejudicada ou condicionada pela decisão que, sobre os mesmos factos, tenha sido, ou venha a ser, tomada em processo penal.”

Vem o Recorrente invocar, também, um erro decisório, alegando que a pena aplicada ofende o princípio da proporcionalidade, por ser excessiva e desproporcional.
No âmbito da sua actividade, a Administração deve obediência ao princípio da proporcionalidade. Sendo um limite interno da actividade administrativa, este princípio releva autonomamente na apreciação da actividade administrativa discricionária, exigindo que as decisões tomadas sejam as mais adequadas, justas ou consentâneas com os fins que se querem realizar – cf. art.sº 266.º, n.º 2, da CRP e art.º 7.º do CPA.
Porém, frente a condutas discricionárias, a aplicação daquele mesmo princípio pela Administração só se torna sindicável judicialmente em situações de erro manifesto, grosseiro ou de facto.
Assim, porque a decisão acerca da medida da pena concretamente aplicável ao ora Recorrente apela a competências discricionárias da Administração - por só a ela caber, no leque das várias soluções legalmente possíveis, aferir a que mais se coaduna com o interesse público em causa e os fins que se pretendem atingir com a decisão punitiva - a invocação da violação do princípio da proporcionalidade é aqui sindicável apenas quando se reconduza à invocação de erro manifesto, grosseiro ou de facto.
Neste sentido existe uma abundante a jurisprudência superior, v.g, os Acs. do STA n.ºs. 0548/16, de 03/11/2016, 0245/14, de 12/03/2015, 622/11, de 15/11/2012, 412/05, de 29/03/2007, 0329/04, de 03/11/2004, 048149, de 07/02/2002 ou 40579, de 29/04/1999.
Por conseguinte, frente à invocação da violação do princípio da proporcionalidade relativamente a um acto punitivo, por a medida da pena ser excessiva, o Tribunal terá de apurar acerca da manifesta desproporcionalidade ou da evidente injustiça e não que aquilatar, em substituição do poder que pertence unicamente à Administração, acerca da medida que, em termos concretos, no leque das soluções legalmente possíveis, melhor salvaguarda o interesse público, porque seja a mais adequada à gravidade dos factos apurados, a mais consentânea com os fins que se pretendam atingir e, em simultâneo, a que introduza menor sacrifício dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares envolvidos.
Ora, atendendo aos factos provados na acção, não ocorrerá a indicada manifesta desproporcionalidade na aplicação da pena disciplinar de demissão.
As condutas atribuídas ao trabalhador em causa reconduzem-se a uma ofensa grave dos deveres de zelo e respeito que, manifestamente, colocam em causa a relação funcional.
Assim, também aqui falece o recurso e acompanha-se a decisão recorrida, designadamente quando nela se indica o seguinte: ”Considerando o comportamento do representado do Autor, traduzido envolvimentos daquele com o seu superior hierárquico, no local de trabalho e por razões respeitantes ao trabalho, no âmbito de competências em razão dos cargos que cada um ocupa, as agressões a pena abstractamente aplicável seria a aposentação compulsiva ou demissão, tendo-se optado pela demissão, dada a inviabilização da manutenção da relação laboral, não pode considerar-se que a mesma viole o princípio da proporcionalidade na sua vertente de “proibição do excesso”.
Por outro lado o facto do representado do Autor ficar sem base de sustentação económica em virtude da demissão é uma consequência da pena aplicada, não sendo também relevante o facto de funcionário público há cerca de cinco anos e classificação de “Bom”.
Em face dos factos apurados, a pena aplicada ao representado do Autor afigura-se-nos, pois, adequada à protecção da capacidade funcional da Administração e às necessidades de prevenção geral e especial.
Em suma, o presente recurso claudica in totum.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida;
- custas pelo Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 18 de Fevereiro de 2021.
(Sofia David)

O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Dora Lucas Neto e Pedro Nuno Figueiredo.