Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:552/19.1 BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:05/04/2023
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL VS AÇÃO ADMINISTRATIVA
DECISÃO DE RECLAMAÇÃO GRACIOSA
TEMPESTIVIDADE
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
ERRÓNEA INDICAÇÃO DO MEIO DE DEFESA
ARTIGO 37º, Nº4 CPPT
Sumário:I - Tendo a impugnação judicial como objeto imediato o indeferimento da reclamação graciosa, uma coisa se afigura certa, quanto à aferição do prazo de caducidade do direito de ação: a disposição legal aplicável, para estes efeitos, não é a convocada pelo Tribunal, isto é, a alínea a) do nº 1 do artigo 102º do CPPT, já que o início do prazo não corresponde ao “Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte” que aquele preceito prevê.

II - Perante a decisão da reclamação graciosa que não conheceu o mérito dos fundamentos invocados, com fundamento na ilegitimidade, a forma processual adequada a atacar tal decisão era através da ação administrativa, nos termos previstos no artigo 97º, nº1, alínea p) do CPPT.

III - No caso, a forma processual de que o Recorrente lançou mão foi a impugnação judicial, meio processual este que é inadequado para atacar a (concreta) decisão da reclamação graciosa (que não apreciou o mérito da reclamação).

IV – Quer a falta de pedido adequado, quer a não invocação de qualquer fundamento dirigido a atacar a decisão da reclamação graciosa (inidoneidade da petição inicial), obstam à convolação equacionada. No caso, o erro na forma de processo não se mostra passível de sanação, através da convolação na forma adequada.

V – Verifica-se que a AT induziu o Recorrente em erro, levando-o a atuar como atuou, ao comunicar-lhe que a decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa era passível de recurso hierárquico ou de impugnação judicial.

VI - A errada indicação do meio de defesa na notificação efetuada não torna, obviamente, idóneo o meio processual utilizado.

VII - No caso de o tribunal vier a reconhecer como estando errado o meio de reação contra o ato notificado indicado na notificação, poderá o meio de reação adequado ser ainda exercido no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão judicial.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

V.. - …………….. .., LDA, com os demais sinais nos autos, veio deduzir impugnação judicial contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou contra os atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), do ano de 2016, com o valor de € 18.653,78, e do ano de 2017, com o valor de € 8.046,27, bem como os correspondentes juros compensatórios nas importâncias de € 1.071,18 e de € 383,57, respetivamente.

Por sentença de 16/11/22, o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada julgou verificada a exceção de caducidade do direito de ação e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido.

Inconformada com o assim decidido, a Impugnante, apelou para este Tribunal Central Administrativo Sul tendo, na sua alegação, apresentado as seguintes conclusões:

«A - Da sentença recorrida não consta nos “Factos Provados” e “Não Provados”, que no dia 27/02/2019 foi enviada através de correio eletrónico dirigido à Autoridade Tributária, uma procuração subscrita pela gerência da sociedade comercial V….. – ………24H Unipessoal Lda., contendo poderes de mandato tributário, a favor do advogado João …………….., mandatário nos presentes autos.

B - Trata-se de documento em que se torna necessária a junção por virtude do julgamento proferido na 1ª instância, para provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida, daí a sua admissibilidade em sede de recurso.

C - Assim, entende a recorrente e por isso desde já requer, que deve ser AMPLIADA A MATÉRIA DE FACTO a coberto do artigo 662º nº 2 alínea c) 2 ”in fine” com anulação da decisão da 1ª instância.

D - A Fazenda Pública não anexou como prova documental, a procuração emitida pela impugnante e ora recorrente (doc.1) em 10/10/2018 e que deu entrada através de email dirigido à Autoridade Tributária em 27/02/2019 às 8h49m, (doc. 2).

E - A AT estava na posse de procuração, a qual deu entrada no mesmo Serviço onde foi introduzida a reclamação graciosa, durante o período concedido para audição prévia da recorrente.

F - De facto esta procuração foi enviada dentro do prazo concedido pelo ofício da AT

G - A AT tinha conhecimento da introdução da procuração nos seus Serviços, quando notificou a recorrente da decisão de não se pronunciar sobre a temática conexa com a legalidade das liquidações.

H - A mesma teria de ser considerada em termos legais, legitimando o mandatário a praticar todos atos compreendidos nos poderes conferidos pelo mandante.

I - O direito de audição foi analisado ao nível da legalidade em concreto das liquidações.

J - Na matéria dada como provada e não provada, o Juiz do Tribunal “a quo” não deu como provados factos que na sequência temporal deveriam ter sido considerados e alinhados entre os factos dados como provados “E”, “F” e “G” e dados como provados.

L - O Tribunal recorrido, deu como provado a fls. 11 da sentença, no segmento da decisão, que “Em 15 de Março de 2019 foi proferido despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa com fundamento na ilegitimidade do mandatário para apresentar Reclamação Graciosa. Mais, dimana, da informação da AT mas esta afirmação da AT, é contraditória do “modus faciendi” como atuou, porque sem suscitar qualquer questão de legitimidade, a AT analisou a reclamação graciosa ao nível substantivo, decidindo as questões atinentes à legalidade em concreto das liquidações reclamadas e mais tarde impugnadas.

M - E preparou uma decisão que face ao artigo 60º da LGT, foi submetida a audição, a qual perante o não exercício de um direito que se afigura como facultativo, sempre seria definitiva e imodificável, mas após se ter pronunciado, afirma que não se pronuncia, quando de facto já o fez, numa contradição insanável que constituí uma verdadeira preterição de formalidade essencial.

junto da AT.

N - A ilegitimidade, a existir, por hipótese académica que se coloca por mero dever de patrocínio, não permitiria sequer a análise meritória e no plano da legalidade ou não da liquidação constante da petição inicial, nem muito menos a notificação para o direito de audição, sem que estivesse estabilizada a questão da legitimidade da ora impugnante e então reclamante.

O - Ao fazer tábua rasa de um documento que tinha em seu poder, que conferia legitimidade ao mandatário, a AT configura uma exceção inexistente que condiciona o julgador em erro sobre os pressupostos de facto em que se ancorou a decisão de direito, por desconhece.

P - A Fazenda Pública entende que a recorrente deveria ter intentado ação administrativa, mas foram os seus próprios serviços que a notificaram para deduzir impugnação judicial.

Q - Houve uma clara sonegação de elementos de facto para a decisão de direito em sede de 1ª Instância, pois foi julgada por verificada a exceção perentória de caducidade do direito de ação, por existir um pressuposto de facto errado.

R - O princípio “pro acione” é um corolário normativo ou uma concretização do princípio constitucional do acesso efetivo à justiça (administrativa), e encontra clara manifestação no artigo 124º do CPPT (o qual está em consonância com o artigo 7º da CPTA) que aponta para a ultrapassagem de escolhos de cariz adjetivos e processual em ordem à resolução do dissídio.

S - Também traça uma osmose com os princípios «in dubio pro habilitate instanciae» ou «in dubio pro favoritate”, sendo que, face a estes princípios a decisão meritória deve ser tomada, já que não pode a recorrente deixar de ter acesso ao direito, por se considerar, em erro, que existe uma exceção dilatória.

Nestes termos, nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, ampliada a matéria de facto e revogada a douta Sentença do Tribunal “a quo”, com todas as consequências legais daí advindas.»


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Não há registo de contra-alegações.

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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

É a seguinte a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«A) A Impugante foi objeto de uma ação de inspeção, a coberto da OI 2018000850, OI 2018000851 e OI 201800274, no âmbito do qual foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária e foram efetuadas correções ao Imposto (IVA) deduzido e ao imposto regularizado a favor do sujeito passivo com referência às declarações periódicas dos períodos compreendidos entre 1612T e 1712T. [cfr. fls. 45 do PA junto a fls. 141 dos autos];

B) Em 3 de Agosto de 2018, na sequência das correções efetuadas, foram emitidas, em nome da Impugnante, as liquidações de IVA e JC respeitantes ao exercício de 2016 e 2017 melhor identificadas no quadro infra:

« Imagem no original»


[cfr. doc. 1 a 4 da contestação];


C) Em 7 de Agosto de 2018 foram emitidas, em nome da Impugnante as demonstrações de liquidação de IVA e acerto de contas descritas no quadro seguinte:

« Imagem no original»



[cfr. doc. 5 a 12 da contestação];


D) Em 16 de Janeiro de 2019, deu entrada no Serviço de Finanças de Setúbal 2, a RECLAMAÇÃO GRACIOSA apresentada contra os atos de liquidação de IVA e JC de 2016 e 2017, melhor identificadas em B) e C). [cfr. fls. 5 do PA junto a fls. 141 dos autos];

E) Foi enviado ao Dr. João ………….. (na qualidade de mandatário de V.- …………… Unipessoal, Lda.), o ofício de 14 de Fevereiro de 2019 com o assunto “notificação de Audiência prévia, com o teor que se reproduz, por extrato:

“Fica por este meio notificado, na qualidade de mandatário do autor identificado, para, no prazo de 15 dias a contar da data em que se concretizou a notificação nos termos do n° 1 do art.° 39° do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT) exercer, querendo, o direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia previsto no art.º 60.° da LGT, devendo para o efeito remeter documento escrito endereçado a estes serviços da Administração Tributária.
Nos termos do n° 5 do já referido artigo 60° da LGT, em anexo envia-se o correspondente projecto de decisão devidamente fundamentado.
Fica ainda, por este meio notificado, nos termos do art. 118° do Código do Procedimento Administrativo e do art. 59° da Lei Geral Tributária para, no mesmo prazo, juntar Procuração em que V--- ………….. UNIPESSOAL LDA, NIPC …………, o constitui seu procurador de modo a poder representá-lo no processo, sendo que, caso a procuração não seja entregue no prazo indicado a reclamação será arquivada por falta de legitimidade.” [cfr. fls. 37 do PA junto a fls. 141 dos autos];

F) Em 15 de Março de 2019 foi proferido, pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Setúbal, Despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada pela Impugnante [D)] em conformidade com o proposto na informação seguinte:
“O sujeito passivo V.. - ………. UNIPESSOAL LDA, NIPC ………, foi notificado a 2019-02-18, na pessoa do seu mandatário, pelo nosso ofício n.° 2091 de 2019-02-14, do PROJETO DE DECISÃO do processo de reclamação graciosa n.° ……………..277 para no prazo de 15 dias exercer, querendo, o direito de audição, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.° 1 do art. 60° LGT.
No mesmo ofício foi ainda notificado o mandatário de que no mesmo prazo, 15 dias, deveria juntar procuração em que V. - ……………….. LDA o constitui seu procurador, de modo a poder representá-lo no processo, sendo alertado que, caso a procuração não fosse entregue no prazo indicado a reclamação seria arquivada por falta de legitimidade.
No prazo indicado, e até à presente data não foi exercido o direito de audição, nem foi junta a procuração.
Ora o n.° 1 do art.º 9º do CPPT determina que "Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários...".
Ora como nos diz Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, 2006, página 118 “A legitimidade a que se reporta este art.º 9.º do CPPT é a responsabilidade procedimental ou processual, que se consubstancia na possibilidade de intervenção nos procedimentos tributários..."
E, nos termos do art.º 65.° conjugado com o n.° 3 do art.º 18°, ambos da LGT, têm legitimidade no procedimento tributário os sujeitos passivos das relações tributárias, que no caso em análise seria V….. - ……………… LDA, por ser ela a pessoa que está vinculada ao cumprimento da prestação tributária em sede de IVA (aqui em discussão).
Por outro lado determina o n.° 1 do art.º 5.º do CPPT que "Os interessados ou seus representantes ilegais podem conferir mandato, sob a forma prevista na lei, para a prática de actos de natureza procedimental ou processual tributária que não tenham carácter pessoal.".
E, nos termos do art.º 1157° do CC, mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra.
Contudo, apesar de solicitada não foi junta a procuração que legitimava o mandatário a praticar os actos em nome de V. - ………………… LDA.
Nestas circunstâncias, e por o que foi aqui referido, o mandatário, não tem legitimidade para apresentar a reclamação graciosa.
Ora a ilegitimidade é uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que, nos termos dos art.º 493.º n.º 2 e 495°, ambos do CPC, obsta ao conhecimento do mérito da causa.
Em face do exposto, não nos pronunciaremos quanto à matéria controvertida, devendo a presente reclamação ser indeferida, por ilegitimidade da respectiva apresentação, nos termos dos normativos supra citados.” [cfr. doc. 1 da petição inicial e de fls. 39 e 40 do PA junto a fls. 141 dos autos];

G) Através de carta registada com o Registo n.º RF ………….. PT foi enviado a “João …………..” o ofício de 18 de Março de 2019 com vista à notificação da decisão final que recaiu sobre a Reclamação Graciosa apresentada. [cfr. fls. 42 do PA junto a fls. 141 dos autos];

H) A presente Impugnação deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, via Sitaf, em 21 de Junho de 2019. [cfr. a fls. 1 dos autos];


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Inexistem factos alegados e não provados, com interesse para a apreciação da exceção invocada.

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A decisão da matéria de facto efetuou-se com base na posição assumida pelas partes nos articulados, no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos – no qual se inclui o PA, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade.»

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- De Direito

Como acima ficou dito, o TAF de Almada julgou “verificada a exceção perentória de caducidade do direito de ação” e, consequentemente, absolveu a Fazenda Pública do pedido.

Para assim concluir, o Tribunal evidenciou que “considerando o disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT, em 21 de Junho de 2019, há muito que havia decorrido o prazo de três meses, contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das liquidações de IVA e JC, impugnadas, o qual ocorreu em 14 de Dezembro de 2018” e, prosseguindo, concluiu que “como a Impugnação Judicial foi apresentada em 21 de Junho de 2019, impõe-se declarar a procedência da exceção da caducidade do direito de impugnação”.

Apesar da aparente simplicidade do decidido, o caso concreto apresenta contornos com especificidades próprias que importa que fiquem cabalmente esclarecidas para a correta decisão do presente recurso jurisdicional e, inclusivamente, para saber da admissibilidade, nesta fase, da junção de dois documentos, tal como peticionado.

Assim, para mais fácil compreensão daquilo que nos vem pedido que apreciemos, começaremos por deixar devida nota, no que para o caso importa, do teor do percurso argumentativo que foi alinhado na sentença recorrida.

Aí se lê, além do mais, o seguinte:

“(…)

Principiemos por chamar à colação o disposto no art.º 99.º do CPPT o qual dispõe que constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, designadamente, a: “a) Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários; b) Incompetência; c) Ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida; d) Preterição de outras formalidades legais.”

Concretizando, o meio processual da Impugnação Judicial, apresentada nos termos do art.º 99.º e seguintes do CPPT, destina-se à apreciação da legalidade dos atos tributários, nomeadamente dos atos de liquidação de tributos, consubstanciando-se o pedido na anulação, declaração de inexistência ou de nulidade de um ato de liquidação, ou de um ato administrativo que comporte a apreciação de um ato de liquidação (indeferimento de reclamação graciosa ou recurso hierárquico e, ato apreciação do pedido de revisão oficiosa), ou ainda de um ato de outro tipo, quando a lei usar o termo “impugnação” em referência ao meio processual a utilizar. Por outro lado, não estando em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação, por haver qualquer obstáculo a tal conhecimento, por exemplo nas situações de intempestividade ou ilegitimidade do requerente ou recorrente o meio de impugnação adequada será a Ação Administrativa como decorre do n.º 2 do art.º 97.º do CPPT. [JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação ao art.º 97.º e 99.º do CPPT, págs. 54 e 108, veja-se, também, neste sentido o Acórdão do STA de 14 de Maio de 2015, proferido no processo n.º 01958/13 e o Acórdão do STA de 2 de Julho de 2014, proferido no processo n.º 1950/13, todos disponíveis em www.dgsi.pt]

A adequação do meio processual utilizado afere-se pelo fim por ele visado, ou seja, o se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstratamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo. [ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, págs. 288/289,]

Ora, no caso em análise, da leitura da petição inicial verificamos que os atos impugnados consistem nos atos de liquidação adicional de IVA do ano de 2016 na quantia de €18.653,78 e do ano de 2017, na quantia de €8.946,27, cuja a anulação é pedida no final. Como resulta, aliás, do artigo 2.º do requerimento resposta à matéria de exceção: “A Impugnante pretende obter a anulação da liquidação”.

É a impugnação judicial o meio próprio para o fim visado pela Impugnante, ou seja, a anulação das liquidações de IVA dos anos de 2016 e 2017.

Vejamos, então, se a impugnação judicial deduzida se mostra extemporânea.

Comecemos por convocar os normativos legais que relevam para o caso dos autos.

Estabelece o artigo 102.º do CPPT sob a epígrafe de “Impugnação Judicial. Prazo de apresentação”, o seguinte:

“1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;

(…)

3 - Se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.” [destaque e sublinhados nossos]

Resulta, assim, que a Impugnação Judicial pode ser deduzida no prazo de 3 meses a contar dos factos descritos no nº 1 do art.º 102.º do CPPT, ressalvadas as situações de nulidade em que a impugnação judicial pode ser apresentada a todo o tempo, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito.

A contagem do prazo para apresentação de Impugnação Judicial deve fazer-se de acordo com o art.º 279.º do CC, ou seja, de forma contínua e sem qualquer desconto dos dias não úteis, mas, quando os prazos terminarem em dia em que os serviços ou os tribunais estiverem encerrados, o seu termo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, em harmonia com o n.º 1 do art.º 20.º do CPPT. [Acórdão do STA de 25 de Outubro de 2017, proferido no processo n.º 01140/16, todos disponíveis em www.dgsi.pt]

Visto o direito regressemos ao caso dos autos.

Do acervo fáctico fixado resulta que:

 Foi emitida em nome da Impugnante, a liquidação de IVA n.º …………….662 referente ao período de 201612T no valor de €18.653,78 e a liquidação de IVA n.º ……………….695 referente ao período de 201703T no valor de €8.046,27, ambas com data limite de pagamento em 14 de Setembro de 2018. [cfr. al. B) e C)]

 Em 16 de Janeiro de 2019 foi apresentada Reclamação Graciosa contra os atos de os atos de liquidação de IVA e JC de 2016 e 2017. [cfr. al. D)]

 Em 15 de Março de 2019 foi proferido despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa com fundamento na ilegitimidade do mandatário para apresentar Reclamação Graciosa. Mais, dimana, da informação da AT que:

“Em face do exposto, não nos pronunciaremos quanto à matéria controvertida, devendo a presente reclamação ser indeferida, por ilegitimidade da respectiva apresentação, nos termos dos normativos supra citados”. [cfr. al. F)]

 Em 21 de Junho de 2019, deu entrada neste Tribunal, a presente impugnação judicial a qual “vem, na sequência do indeferimento da impugnação graciosa (doc.1), deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, contra a liquidação de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), do ano de 2016 na quantia de €18.653,78 e do ano de 2017, na quantia de €8.046,27, bem como os inerentes Juros Compensatórios nas importâncias de €1.071,18 e €383,57, respetivamente, ao abrigo dos artigos 99º e al. a) do n.º 1 do 102º todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)”. [cfr. teor do 1.º§ da petição inicial]

 E, na qual é formulado o seguinte pedido: “deve a presente Impugnação Judicial ser julgada procedente pelas razões elencadas, anulando-se a liquidação efetuada pelos serviços em sede de IVA dos anos de 2016 e 2017, com todas as consequências legais daí advindas”. [cfr. pedido da petição inicial]

Em face do exposto, três conclusões se impõem.

Em primeiro lugar, resulta provado que a decisão final de Reclamação Graciosa, junta pela Impugnante (doc. 1) e reproduzida em F) não se pronunciou quanto ao mérito da matéria controvertida e, por conseguinte, quanto à legalidade das liquidações adicionais de IVA e JC objeto da mesma. Porquanto, foi a mesma indeferida com fundamento na ilegitimidade do mandatário para a apresentação da mesma.

Em segundo lugar, da leitura atenta da petição inicial verifica-se que não é invocado nenhum vício contra a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, sendo que, a única menção à “Impugnação Graciosa” consta no primeiro parágrafo da petição inicial.

Em terceiro lugar, para além da presente Impugnação Judicial vir deduzida “ao abrigo dos artigos 99º e al. a) do n.º 1 do 102º todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)”, visa a anulação das liquidações adicionais de IVA dos anos de 2016 e 2017, emitidas na sequência da ação de inspeção à impugnante, com fundamento na violação das regras da repartição do ónus da prova e na ilegalidade dos atos de liquidação de IVA por preenchimento dos pressupostos do direito à dedução do imposto.

Assim sendo, dúvidas não subsistem, que os atos tributários cuja a apreciação da legalidade se requer, através da presente Impugnação judicial, são os atos de liquidação de IVA e JC dos períodos de 201612T e de 201703T.

Aplicando os conceitos de direito supra expendidos ao cômputo, em concreto, do prazo dos autos resulta que à data em que a ação foi interposta - 21 de Junho de 2019, já havia caducado o direito de ação.

Dito de outro modo, considerando o disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT, em 21 de Junho de 2019, há muito que havia decorrido o prazo de três meses, contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das liquidações de IVA e JC, impugnadas, o qual ocorreu em 14 de Dezembro de 2018.

O prazo fixado para a dedução da ação, porque aparece como extintivo do respetivo direito (subjetivo) potestativo de, «in casu», pedir judicialmente o reconhecimento de um certo direito, é um prazo de caducidade, constituindo uma exceção perentória, que importa a absolvição do pedido da Entidade Demandada, nos termos do n.º 3 do artigo 576.º e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi al. e) do art.º 2.º do CPPT.

Como a Impugnação Judicial foi apresentada em 21 de Junho de 2019, impõe-se declarar a procedência da exceção da caducidade do direito de impugnação. O que se fará, de seguida”.

Tendo desde já em consideração o teor da sentença, vejamos a questão da admissibilidade dos dois documentos juntos com o recurso jurisdicional (questão nem sempre pacífica entre as partes), a qual, no caso, vem justificada precisamente com o decidido em 1ª instância (vide, conclusão B da alegação de recurso).

Importa ter presente que, de acordo com o artigo 651.º, n.º 1 do CPC, “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”. A este propósito, e lançando mão da análise feita pelo STA, no acórdão de 3/06/20, processo nº 2383/07.2BELSB, aí se lê que “envolvendo também o disposto no artigo 425.º do CPC (antigo artigo 524.º) onde, por seu turno, se refere que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”. Na verdade, o disposto no artigo 425.º reitera apenas o conteúdo das regras legais sobre a apresentação de documentos, contempladas no artigo 423.º do CPC (antigo artigo 523.º), que: i) exigem a respectiva apresentação com os articulados em que se aleguem os factos correspondentes (n.º 1); ii) ou até 20 dias antes da realização da audiência final, mediante multa, excepto se a parte provar que não lhe foi possível oferecer os documentos com o articulado (n.º 2); iii) depois daquele prazo limite, apenas podem ser admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, assim como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior (n.º 3).

As regras que acabámos de transcrever correspondem à positivação legal dos princípios fundamentais que informam a produção de prova no processo judicial e que, por seu turno, expressam a efectivação do princípio da garantia da tutela jurisdicional plena e efectiva (artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP). Referimo-nos ao que a doutrina e a jurisprudência constitucional há muito1 designam como a conciliação entre o princípio processual de oferecimento imediato de documentos e o princípio da justiça, ou seja, a garantia fundamental de que a parte não fica privada “em qualquer estado do processo” do direito de juntar todos os documentos que sejam essenciais para o esclarecimento da situação e para habilitar o tribunal a proferir uma decisão justa, com a regra essencial à promoção da actividade jurisdicional (direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas), segundo a qual são punidas – seja com multa, seja com a inadmissibilidade da junção posterior – as condutas, mesmo que negligentes, que levaram à não apresentação atempada dos documentos, sempre que não seja apresentado ou não exista um fundamento legal para a admissibilidade daquela junção tardia. Neste sentido se pronunciou o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 473/94, que confrontou as regras legais processuais antes enunciadas com a garantia fundamental da “proibição da indefesa”, tendo aquele aresto concluído pela conformidade constitucional das referidas regras, uma vez que as mesmas consubstanciam, no entendimento do Tribunal, a conciliação, em termos adequadamente proporcionais, “do interesse público do apuramento da verdade e da realização da justiça, ao qual convém a junção ainda que tardia dos documentos, com a disciplina ideal do processamento da acção que faz impender sobre as partes um dever de diligência e de colaboração com o tribunal”.

Assim, quer a solução legalmente contemplada, quer a interpretação que destas regras fez o Tribunal Constitucional no respectivo confronto com os princípios fundamentais da ordem jurídica nacional, afiguram-se-nos actuais, adequados, proporcionais e justos, pelo que não encontramos razão para deles divergir.

Ora, resulta desta interpretação jurisprudencial o seguinte: i) constitui um ónus das partes a apresentação dos documentos com os articulados em que sejam alegados os factos que pretendem provar; ii) não obstante aquele ónus, a efectivação do princípio da justiça admite a junção tardia de documentos até 20 dias antes da realização da audiência final, sendo a negligência da parte cominada com o pagamento de uma multa; iii) não haverá lugar a multa sempre que a parte apresente os documentos até 20 dias antes da realização da audiência final e prove que não lhe foi possível oferecer os documentos com o articulado em que foram invocados os factos a provar; iv) após o decurso daquele prazo (20 dias antes da realização da audiência final), a apresentação de documentos apenas é possível se a parte provar que não foi possível apresentá-los antes ou que a sua apresentação apenas se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior, valendo esta regra, também, para a apresentação de documentos com as alegações de recurso.

Em outras palavras, as partes apenas podem juntar documentos às alegações de recurso nas situações excepcionais em que façam prova de que não lhes foi possível promover essa junção ao processo em momento anterior ou quando essa junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Este último pressuposto – ter a junção dos documentos resultado do julgamento proferido na 1.ª instância – tem de ser interpretado no âmbito do sentido da excepcionalidade em que se admite a junção tardia de documentos, ou seja, não se trata de uma necessidade decorrente do resultado ou do desfecho da decisão em 1.ª instância, mas sim de uma necessidade resultante do conteúdo da decisão proferida em 1.ª instância, por a mesma se basear em factos ou interpretações factuais com as quais a parte não poderia razoavelmente ter contado no âmbito da tramitação processual em 1.ª instância, mesmo que tenham sido observadas todas as garantias impostas pelo princípio do contraditório.

Diremos que – para além dos casos em que os documentos a juntar só tenham sido obtidos mais tarde, apesar dos esforços envidados pela parte para promover a sua junção atempada – a junção de documentos só pode ser admitida com as alegações se se mostrar que a mesma foi “imposta” por um facto superveniente, pelo conteúdo da decisão de facto em 1.ª instância, a qual assentou em pressupostos com os quais a parte, por mais diligente que tenha sido na instrução do processo com todos os meios de prova, não teve como antever. É só neste caso – neste limitadíssimo caso, em que o princípio da justiça se pode sobrepor ao princípio processual de oferecimento imediato de documentos ― quando se demonstre que a parte actuou de forma diligente e que existe uma verdadeira necessidade de admitir novas provas ou complementos de prova para dimensões factuais com as quais não era possível ter contado na instrução do processo em primeira instância -, que se pode admitir a junção de documentos com as alegações de recurso”.

No caso concreto, os dois documentos cuja junção é pretendida consistem no seguinte:

(i) cópia de mensagem eletrónica, datada de 27/02/19, com origem no remetente José …………………, Advogado, dirigida ao SF de Setúbal 2, à qual foram anexados três ficheiros, entre eles um com a designação de “Procuração V …………..” e onde se lê:

João ………………., advogado cédula ………….., vem remeter a V.Exª um aditamento ao pedido efetuado ontem por V ………., requerendo a sua análise detalhada mormente a data da instauração do procedimento contraordenacional e das liquidações que lhe estão associadas.

Junta procuração a qual apenas havia sido junta à reclamação graciosa”.

(ii) cópia de documento designado procuração, datado de 10/10/18, emitida pela V---- …………… Unipessoal, Lda., representada por Vitor …………………, a favor do Sr. Dr. João ………….., da qual consta o seguinte teor:

“(…) a quem, confere, os mais amplos poderes gerais permitidos em direito, bem como os poderes especiais para o exercício de mandato tributário, designadamente para a entrega junto da Autoridade Tributária e Segurança Social, de quaisquer requerimentos de natureza administrativo, reclamações, recursos ou petições em matérias fiscal incluindo processos de execução fiscal e de contra-ordenação, bem como acompanhamento de acções de inspecções desencadeadas por Autoridades Administrativas”.

Atento o enquadramento legal citado e a interpretação do mesmo e, bem assim, o teor da sentença que, como se vê, não deixou de considerar, no probatório, a informação produzida pela AT no sentido de que não foi junta, na pendência da reclamação graciosa, procuração emitida a favor do subscritor da mesma, devem os documentos agora juntos ser admitidos. Acrescente-se que, no que para aqui releva, tratam-se de elementos que, na aparência imediata, já deviam constar dos autos, em concreto do processo de reclamação graciosa, pelo que não teriam, à partida, qualquer carácter inovador.

Assim, passamos a fazer constar do probatório o seguinte:

I) Em 27 de fevereiro de 2019, pelas 08:49, João ………………., com o endereço eletrónico ……………….gmail.com, dirigiu ao SF de Setúbal 2, com o endereço eletrónico ………….@at. gov.pt, a seguinte mensagem:

“132/19

Exº Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Setúbal 2

João ……………, advogado cédula …………, vem remeter a V.Exª um aditamento ao pedido efetuado ontem por V ……………, requerendo a sua análise detalhada mormente a data da instauração do procedimento contraordenacional e das liquidações que lhe estão associadas.

Junta procuração a qual apenas havia sido junta à reclamação graciosa.

Com os melhores cumprimentos

João Piedade”

J) Em 10/10/18, foi emitido documento designado Procuração, pela V …………..Unipessoal, Lda., representada por Vitor …………………, a favor do Sr. Dr. João ……………, com o seguinte teor (cfr. doc. 2 junto com o recurso):


PROCURAÇÃO

V ………………. UNIPESSOAL, LDA, pessoa colectiva nº ………., com sede na Av.Dr. ………………., nº51-7º Direito, …….-065 …….., representada por V …………………, com o CC …………….. e NIF …………………., com poderes para o ato vem constituir seu bastante procurador o Sr. Dr. JOÃO …………………, Advogado, com escritórios na Rua …………………….. nº5 2º Dtº ………..-468 Setúbal e Rua …………….. nº92 1100-Lisboa, a quem, confere, os mais amplos poderes gerais permitidos em direito, bem como os poderes especiais para o exercício de mandato tributário, designadamente para a entrega junto da Autoridade Tributária e Segurança Social, de quaisquer requerimentos de natureza administrativo, reclamações, recursos ou petições em matérias fiscal incluindo processos de execução fiscal e de contra-ordenação, bem como acompanhamento de acções de inspecções desencadeadas por Autoridades Administrativas.

Setúbal, 10 de Outubro de 2018


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Adita-se, ainda, ao probatório, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662º, nº2 do CPPT, o seguinte:

L) A notificação a que se reporta o ponto G) supra, apresenta, além do mais, o seguinte teor (cfr. fls. 11 dos autos):

“Fica ainda notificado de que deste despacho pode recorrer hierarquicamente no prazo de trinta dias, nos temos do nº1 e 2 do art.º 66º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) ou interpor impugnação judicial no prazo de três meses, nos termos do artº 97º e do artº 102º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).”


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Estabilizada a matéria de facto e considerando que já deixámos esclarecido o teor da sentença, estamos em condições de nos debruçarmos sobre a mesma, em face do teor das conclusões das alegações de recurso.

Ora, compulsada a p.i de impugnação judicial (em concreto, o seu introito), o que temos é que a mesma vem deduzida imediatamente, não contra as liquidações adicionais de IVA, mas contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa. Por outras palavras, no introito do articulado inicial mostra-se claro que o objeto imediato da impugnação é o indeferimento da reclamação; o objeto mediato são as liquidações do imposto reclamado – ali se lê o seguinte: “V…… – …………. UNIPESSOAL LDA, NIPC …………., com sede social na Avenida Dr. ………….. nº 51 7º Dtº ………-065 ……….., vem, na sequência do indeferimento da impugnação graciosa (doc.1), deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, contra a liquidação de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), do ano de 2016 na quantia de € 18.653,78 e do ano de 2017, na quantia de € 8.046,27, bem como os inerentes juros compensatórios nas importâncias de € 1.071,18 e € 383,57, respetivamente, ao abrigo dos artigos 99º e 102º nº 1 alínea a), todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), baseada nos seguintes factos e fundamentos”.

Assim sendo, tendo a impugnação judicial como objeto imediato o indeferimento da reclamação graciosa, uma coisa se afigura certa, quanto à aferição do prazo de caducidade do direito de ação: a disposição legal aplicável, para estes efeitos, não é a convocada pelo Tribunal, isto é, a alínea a) do nº 1 do artigo 102º do CPPT, já que o início do prazo não corresponde ao “Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte” que aquele preceito prevê. O prazo a ter em conta será o mesmo (de três meses), porém contado da notificação do indeferimento da reclamação graciosa, nos termos do artigo 102º, nº1, alínea f) do CPPT, conjugado com o artigo 97º, nº1, alínea c) do mesmo diploma. Com efeito, como antes dissemos, a impugnação judicial em análise foi deduzida na sequência da notificação da decisão da reclamação graciosa e não da notificação das liquidações de IVA objeto de tal reclamação.

Portanto, até aqui, o que se evidencia é que o raciocínio segundo o qual em 21/06/19 (data em que a impugnação foi apresentada) já teriam sido ultrapassados os três meses, contados do termo do prazo para pagamento voluntário das liquidações adicionais (14/12/18), não se pode manter para efeitos de concluir, tão simplesmente, pela caducidade do direito a deduzir a impugnação judicial.

Diga-se, de resto, que a própria AT, aquando da notificação do indeferimento da reclamação graciosa, notificou o contribuinte, na pessoa do Sr. Dr. João ……………, na qualidade de mandatário do autor, para impugnar judicialmente no prazo de três meses (cfr. ponto L do probatório).

Temos, assim, que a seguinte conclusão, extraída na sentença, não se pode sufragar:

“Dito de outro modo, considerando o disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT, em 21 de Junho de 2019, há muito que havia decorrido o prazo de três meses, contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das liquidações de IVA e JC, impugnadas, o qual ocorreu em 14 de Dezembro de 2018”.

Nesta medida, o raciocínio quanto à intempestividade da impugnação judicial, à verificação da exceção perentória correspondente, como fundamento para a absolvição do pedido da Fazenda Pública, não se manterá.

A sentença incorreu, efetivamente, em erro de julgamento ao concluir pela caducidade do direito de ação, pois o prazo de três meses para deduzir impugnação não pode deixar de ser contado a partir de 21 de março de 2019 (três dias após a data do registo postal referida em G do probatório) e, nessa medida, atenta a data em que foi apresentada a impugnação judicial, 21 de junho de 2019, fica claro que a mesma é tempestiva.

Temos, pois, repete-se, que a sentença, nos termos em que decidiu, não pode manter-se e, como tal, deve ser revogada.

Isso mesmo aqui se determinará.


*

Haverá, agora, que saber se, de acordo com o artigo 665º, nºs 1 e 2, do CPC, se pode aplicar no processo vertente a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste TCA incluem todas as questões que ao Tribunal recorrido era lícito conhecer, tudo ao abrigo do princípio da economia processual.

No caso, a resposta é afirmativa, afigurando-se que os autos contêm todos os elementos para conhecer, desde já, uma outra questão, de conhecimento oficioso, aflorada na sentença e sobre a qual, de resto, o Recorrente não deixou de tomar posição (cfr. conclusão P das alegações), razão pela qual, de resto, considerámos dispensável a notificação prevista no nº 3 do artigo 665º do CPC. Referimo-nos ao erro na forma do processo e à sua eventual sanação, através da convolação na forma processual adequada.

Vejamos, então.

Efetivamente, a questão do conhecimento oficioso que aqui se deve colocar é, não a da tempestividade da impugnação das liquidações (contada do termo do prazo de pagamento voluntário das liquidações de IVA) mas sim o erro na forma do processo utilizada pelo autor, aqui Recorrente.

Antes de avançarmos, voltemos a lembrar que a sentença equacionou o erro na forma processual, ponderando que quando não está em causa “a apreciação da legalidade de um ato de liquidação, por haver qualquer obstáculo a tal conhecimento, por exemplo nas situações de intempestividade ou ilegitimidade do requerente ou recorrente o meio de impugnação adequada será a Ação Administrativa como decorre do n.º 2 do art.º 97.º do CPPT. (…)”, mais dizendo que a “adequação do meio processual utilizado afere-se pelo fim por ele visado, ou seja, se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstratamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo”, assim concluindo que “no caso em análise, da leitura da petição inicial verificamos que os atos impugnados consistem nos atos de liquidação adicional de IVA do ano de 2016 na quantia de €18.653,78 e do ano de 2017, na quantia de €8.946,27, cuja a anulação é pedida no final. Como resulta, aliás, do artigo 2.º do requerimento resposta à matéria de exceção: “A Impugnante pretende obter a anulação da liquidação”.

É, pois, neste plano que interessa que a questão seja apreciada para sermos fiéis aos contornos do caso concreto.

Como dissemos, perante a emissão das liquidações adicionais de IVA a atitude do contribuinte foi apresentar reclamação graciosa. Tal reclamação, contudo, mereceu a decisão que consta referenciada no ponto F) do probatório, ou seja, não foi apreciado o seu mérito. Com efeito, os serviços competentes pela análise da mesma consideraram que “o mandatário não tem legitimidade para apresentar a reclamação graciosa”, que a “ilegitimidade é uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que, nos termos dos artºs 493º, nº2 e 495º do CPC, obsta ao conhecimento da causa” e, como tal, não foi emitida pronúncia “quanto à matéria controvertida, devendo a presente reclamação ser indeferida, por ilegitimidade da respectiva apresentação, nos termos dos normativos citados”.

Significa isto que, perante a decisão da reclamação graciosa que não conheceu o mérito dos fundamentos invocados, com fundamento na ilegitimidade (pelas razões expostas), a forma processual adequada a atacar tal decisão era através da ação administrativa, nos termos previstos no artigo 97º, nº1, alínea p) do CPPT – lê-se em tal preceito, “1 - O processo judicial tributário compreende: p) A ação administrativa, designadamente para a condenação à prática de ato administrativo legalmente devido relativamente a atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como para a impugnação ou condenação à prática de ato administrativo legalmente devido relativamente a outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação, e para a impugnação ou condenação à emissão de normas administrativas em matéria fiscal”. Trata-se de solução amplamente secundada pela jurisprudência que, por essa razão, nos abstemos de mais desenvolver.

No caso, a forma processual de que o Recorrente lançou mão foi a impugnação judicial, meio processual este que é, pelas razões já avançadas, inadequado para atacar a (concreta) decisão da reclamação graciosa (que não apreciou, repete-se, o mérito da reclamação).

O Tribunal a quo equacionou, como lhe competia, a hipótese de operar a convolação no meio processual adequado mas foram vários os óbices encontrados: desde logo o pedido constante da p.i de impugnação (que se restringe à anulação dos atos de liquidação) e, bem assim, a circunstância de não vir expressamente atacada a decisão proferida na reclamação graciosa. Dito por outras palavras, é incontornável que a p.i de impugnação judicial não ataca minimamente o percurso argumentativo alinhado pela AT e que a levou a concluir pela ilegitimidade, limitando-se a reiterar a posição inicial quanto à ilegalidade das liquidações adicionais de IVA. De resto, no articulado de impugnação apenas numa breve passagem o Recorrente se refere à reclamação graciosa e essa referência (inócua, aliás,) limita-se ao intróito da peça processual.

Portanto, diremos que, quer a falta de pedido adequado, quer a não invocação de qualquer fundamento dirigido a atacar a decisão da reclamação graciosa (inidoneidade da petição inicial), obstam à convolação equacionada e que, por essa razão, a impugnação judicial, tal como apresentada, sempre estaria condenada a soçobrar.

Temos, pois, que se verifica o erro na forma de processo e que o mesmo não se mostra passível de sanação, através da convolação na forma adequada.

Ocorrendo erro na forma de processo e não sendo a convolação possível, está-se perante uma situação de nulidade de todo o processo, que conduz à absolvição da instância da Fazenda Pública (artigos 278.º al. b) e 576.º, nº2, do CPC).

Isto mesmo se decidirá a final.

Sem prejuízo de tudo o que ficou dito, os específicos contornos do caso reclamam ainda uma análise que vá mais longe.

É que, como deixámos consignado no aditamento ao probatório oficiosamente efetuado, foi a AT que claramente induziu o Recorrente em erro e que o levou a atuar como atuou. Com efeito, a notificação da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa indicava expressamente que os meios processuais adequados a atacar a decisão da reclamação graciosa eram o recurso hierárquico ou a impugnação judicial, a apresentar no prazo de três meses, nos termos dos artigos 97º e 102º do CPPT.

É verdade, e não se desconsidera, que a errada indicação do meio de defesa na notificação efetuada não torna, obviamente, idóneo o meio processual utilizado. Ainda que a impugnação judicial conste na notificação como meio próprio para atacar a decisão da reclamação, o meio processual adequado não deixa de ser a ação administrativa. Contudo, e como é de elementar justiça, o Recorrente não pode ser prejudicado por uma errada indicação quanto aos meios processuais, quando esse erro é da inteira responsabilidade da Administração.

Com efeito, a lei previu expressamente esta situação ao determinar, no artigo 37º, nº4 do CPPT, a propósito da comunicação ou notificação da decisão insuficiente, que “No caso de o tribunal vier a reconhecer como estando errado o meio de reacção contra o acto notificado indicado na notificação, poderá o meio de reacção adequado ser ainda exercido no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão judicial”. É este precisamente o remédio da lei para quando haja, como aqui, um erro na indicação meio de reação contencioso indicado na notificação e se mostre inviável a convolação, caso em que se faculta ao contribuinte a possibilidade de utilizar o meio de reação adequado, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão.

Sobre este preceito, escreve J. Lopes de Sousa, in CPPT anotado, volume I, 6ª edição, 2011, Áreas editora, página 362, o seguinte:

“No n.° 4 deste art . 37.° pressupõe-se que o uso de um meio de reacção inadequado justifica uma decisão de rejeição.

Porém, quando não é caso disso, por se tratar de situação em que o acto impugnado é susceptível de impugnação contenciosa, mas não foi utilizada a forma processual adequada [por exemplo, utilização do processo de impugnação judicial em situação em que deve ser utilizada a acção administrativa especial (645 ), nos termos do art . 97.°, n. º 1, alíneas d) e p), do CPPT], estar-se-á perante um mero erro na forma de processo judicial, que deve ser corrigido, através da convolação do processo para a forma adequada, como impõem os arts 97.°, n.° 3, da LGT e 98.°-, n.° 4, do CPPT, desde que a petição possa ser aproveitada para esse fim .

Porém, se a petição não poder ser aproveitada para o meio processual adequado, deverá aplicar-se também a regra deste n.° 4 do art . 37.°, permitindo ao interessado a correcção do erro, pois, desde há muito que se vem adoptando o entendimento de que os interessados não devem ser prejudicados por erros de entidades públicas competentes, princípio este que tem afloramentos explícitos no n.° 6 do art . 161 .° e no n.° 3 do art . 198.° do CPC.”

No mesmo sentido, entre outros, o acórdão do STA, de 12/04/12, processo nº 122/12, em cujo sumário se lê, além do mais, que “a errónea indicação do meio de defesa na notificação efectuada ao contribuinte não torna idóneo o meio processual utilizado, determinando apenas a aplicação do disposto no artigo 37°, n.º 4 do CPPT no caso de se tornar impossível a convolação no meio processual adequado”.

Será, pois, no meio processual adequado, a apresentar no prazo supra apontado, que o Recorrente se poderá valer de todos os fundamentos e argumentos aptos a evidenciar o acerto da (sua) posição discordante relativamente à decisão da reclamação graciosa, carreando para os autos a prova que considerar pertinente para tal e que aqui, por razões óbvias, não assume o alcance pretendido.

Podemos, assim, fechar o círculo da questão que nos ocupa.

Relembrando: temos que a impugnação judicial não é o meio adequado a pôr em causa uma decisão de reclamação que, por questões de ilegitimidade, não apreciou o mérito da mesma. O meio adequado era, sim, a ação administrativa. No caso, porém, razões que se prendem com o pedido formulado e com a não invocação de fundamentos dirigidos ao juízo de ilegitimidade, obstam à convolação no meio processual adequado. Com efeito, perante a dedução de impugnação judicial, a convolação em ação administrativa constitui um poder/dever vinculado do juiz da causa (artigos 98.º n.º 4 do CPPT e 97.º nº 3 da LGT), “que apenas pode ser afastado quando a convolação se mostre inviável perante a inidoneidade da petição inicial, a manifesta improcedência da pretensão ou a extemporaneidade da petição em função do meio processual adequado” (vide, acórdão citado de 12/04/12). É o caso, como vimos.

Apesar do assim decidido, quanto ao erro na forma processual, à nulidade daí decorrente e à absolvição da instância da parte contrária, nem por isso a posição do Recorrente sai prejudicada. Com efeito, constatada a errónea indicação do meio de defesa na notificação efetuada ao contribuinte, há que fazer apelo ao disposto no artigo 37°, n.º 4 do CPPT, sempre que se mostre inexequível a convolação no meio processual adequado.

O teor da notificação da decisão da reclamação terá sido determinante (ou pode ter sido) na atuação do ora Recorrente, admitindo-se que o mesmo tenha formulado o pedido que formulou (de anulação das liquidações) precisamente por o meio processual indicado pela AT (impugnação judicial) ser destinado a esse fim, não lhe sendo exigível comportamento diferente daquele que teve.

Valem, a este propósito, as palavras escritas no acórdão do STA já ciado, processo nº 122/12, que, numa situação com contornos com algumas semelhanças, fez constar o seguinte: “Disposições legais que mais não são que uma afloração do princípio geral de direito da boa fé – ninguém pode ser penalizado em consequência da falta ou irregularidade que lhe não é imputável – instituídas por exigências evidentes de justiça e que, por isso, devem ser consideradas de aplicação generalizada, não só por imperativo constitucional decorrente do princípio da justiça que decorre da ideia de Estado de Direito democrático consignada no artigo 2.º da Constituição, mas também por serem postuladas pelo próprio princípio do acesso aos tribunais e à justiça (arts. 20.º, n.º 1, e 68.º, n.º 4, da Constituição), que não pode deixar de exigir para sua concretização a concessão de uma possibilidade efectiva e não apenas teórica de utilização dos meios contenciosos de defesa de direitos e interesses legalmente protegidos.

Em suma, o princípio de boa-fé, que funciona como cláusula geral de valoração dos comportamentos dos intervenientes, impõe que o Autor, ora Recorrido, não possa ser prejudicado pelo erro contido na notificação, da responsabilidade de Administração”.

Umas últimas palavras para nos referirmos às custas do processo, sabendo que vale aqui a regra geral da responsabilidade pelo pagamento das custas que assenta, a título principal, no princípio da causalidade.

Ora, a argumentação antes expendida, a propósito do artigo 37º, nº4 do CPPT, serve para fundamentar o entendimento segundo o qual a Fazenda Pública não pode deixar de ser responsável pelas custas deste processo, uma vez que, com a sua atuação errada (veja-se o teor da notificação da decisão da reclamação graciosa) levou a que o Recorrente deduzisse uma impugnação judicial, nos termos em que o fez, ao invés de ter apresentado a ação administrativa legalmente prevista e adequada.




III - Decisão




Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em:


- conceder provimento ao recurso e revogar a sentença que concluiu pela caducidade do direito de ação;


- conhecendo em substituição, julgar verificada a nulidade decorrente do erro na forma do processo, sem possibilidade de convolação, absolvendo da instância a Fazenda Pública, sem prejuízo da possibilidade de aplicação do disposto no nº 4 do artigo 37º do CPPT.


- condenar a Fazenda Pública, ora Recorrida, nas custas.

Registe e notifique.

Lisboa,04/05/23


(Catarina Almeida e Sousa)

(Isabel Fernandes)

(Lurdes Toscano)