Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 9511/16.5 BCLSB |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 10/27/2022 |
| Relator: | VITAL LOPES |
| Descritores: | DECISÃO ARBITRAL IMPUGNAÇÃO PRONÚNCIA INDEVIDA OMISSÃO DE PRONÚNCIA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO |
| Sumário: | I - Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, alíneas a) a d), do RJAT correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil. II - O excesso de pronúncia gerador da nulidade prevista na 2.ª parte da alínea d) do n.º1 do referido artigo 615.º do CPC só tem lugar quando o juiz conhece de pedidos, causas de pedir ou excepções de que não podia tomar conhecimento. III - A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia só acontece quando o acórdão deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra. IV - O principio do contraditório é estruturante do processo arbitral (art.º 16/ al. a) do RJAT). V - Ocorrendo decisão-surpresa, por violação daquele princípio, haverá que anular a decisão e ordenar a remessa dos autos ao CAAD para cumprimento da formalidade processual omitida. |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL 1 – RELATÓRIO S…, S.A., vem, ao abrigo do disposto no artigo 27.º e 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), aprovado pelo D.L. n.º10/2011, de 20 de Janeiro, impugnar a decisão arbitral proferida no processo n.º647/2015–T, pelo Tribunal Arbitral Singular constituído junto do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante CAAD). A Impugnante termina as alegações da impugnação formulando as seguintes e doutas Conclusões: « «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» ». A impugnada AT apresentou contra-alegações, que se transcrevem: « I. O objecto da presente impugnação 1.º Constitui objecto da presente impugnação a decisão arbitral proferida no dia 10 de Março de 2016, e que decidiu "declarar a incompetência deste Tribunal Arbitral Singular para apreciação do pedido formulado pela Requerente, o que obsta ao prosseguimento do processo, bem como à apreciação do mérito da causa, absolvendo-se a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância."2.° É entendimento da Impugnante que a Decisão Arbitral proferida no processo acima identificadoincorre nos vícios de omissão de pronúncia e de violação do princípio do contraditório, previstos na ai. c) e d), do n° 1, do art. 28° do RJAT, assim pugnando pela sua revogação. 3º A Decisão Arbitral não padece, porém, de tais vícios, como se demonstrará, pelo que deverá manter-se.II. Da verificação dos requisitos para a admissibilidade da presente impugnação 4º A decisão objecto da presente impugnação foi proferida na sequência do pedido de pronúncia arbitral formulado por apelo à disciplina instituída pelo Decreto-Lei n.° 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante RJAT), diploma que, no uso de autorização legislativa concedida pelo artigo 124.° da Lei n.° 3-B/2010, de 28 de Abril, introduziu no ordenamento jurídico português a arbitragem tributária, apontada como «meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária».5º Contemplando a lei a possibilidade de recurso das decisões proferidas:- para o Tribunal Constitucional (quando a sentença arbitral recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou aplique uma norma cuja constitucionalidade tenha sido suscitada); - para o Supremo Tribunal Administrativo (quando a decisão arbitral esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo) e, por fim, - para o Tribunal Central Administrativo (com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia e na violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes), tendo em vista a sua anulação. 6.° Sendo este o contexto, será de afirmar que os esquemas revisivos que se encontram gizados na lei possibilitam a colocação em "crise" da decisão arbitral quer por recurso para o Tribunal Constitucional ou para o Supremo Tribunal Administrativo, com os (limitados) fundamentos que se encontram estatuídos na lei, dirigidos ao controlo do conteúdo decisório ou mérito da decisão arbitral, quer por impugnação para o Tribunal Central Administrativo quando se pretenda sindicar a decisão em si, com referência a aspectos de cariz formal e estrutural que tenham conduzido à prolação de uma decisão eivada de vícios e/ou precedida de violação de princípios estruturais do próprio processo arbitral.7º Assim, no que ao caso interessa, de acordo com o n.° 1 do artigo 27.° do RJAT, «A decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo, devendo o respectivo pedido de impugnação, acompanhado de cópia do processo arbitral, ser deduzido no prazo de 15 dias, contado da notificação da decisão arbitral».8.° Por sua vez, o no 2 do mesmo artigo 27° determina que «ao pedido de impugnação da decisãoarbitral é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso de apelação definido no Código do Processo dos Tribunais Administrativos", O que, na verdade, a Impugnante não está de acordo é com o julgamento de facto e sua valoração, bem como, com a interpretação e aplicação do direito que foi feita na Decisão Arbitral. 9º Esse será realmente o objecto da presente Impugnação.10.º O que não cabe nos fundamentos de impugnação da decisão arbitral previstos no art. 28° doRegime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT). 11.º Razão por que não deve ser admitida.III. A Decisão arbitral 12.° Ainda que assim não se entenda sempre se dirá que, a Recorrente não tem razão nos vícios que atribui à decisão ora impugnada.13.º A ora Recorrente/Impugnante impugna a decisão arbitral proferida no âmbito do supra identificado processo, atribuindo-lhe o vício de pronúncia indevida, constante da alínea c) do n°1 artigo 28° do RJAT.14.º Para tal afirma que a decisão impugnada extravasa os limites legais definidos, traduzindo-senuma pronúncia indevida. 15.º E conclui afirmando que: "Ocorre nulidade da sentença por excesso de pronúncia, em virtudede o Tribunal Arbitral ter conhecido de questão que não é de conhecimento oficioso e que não foi suscitada nos autos por nenhuma das partes, mais precisamente a questão da existência de uma alegada inimpugnabilidade das prestações de liquidação de imposto de selo efectuadas ao abrigo da verba 28.1 da TGIS apontada pelo Tribunal." 16.° Como se verá a Impugnante não tem razão, desde logo, porque, a decisão recorrida encontra-sedevidamente fundamentada e sustenta, e bem, que o objecto do pedido de pronúncia arbitral apenas incluía as prestações já vencidas do imposto, e que, nos termos do n.° 1 do artigo 125° do CPPT, o Tribunal se deve abster de se pronunciar sobre as questões que não deva conhecer. 17.º Além de que, a decisão arbitral defende que estamos perante uma excepção dilatória, e que:«Tais questões processuais são, no processo tributário, as enunciadas no n.° 1 do artigo 98.º, do CPPT. que "podem ser oficiosamente conhecidas ou deduzidas a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da decisão final", nos termos do n.° 2 do mesmo artigo, para além das que constam do artigo 89.°. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.°,n.° 1, alínea c), do RJAT.» 18.° Sendo facto assente no ponto 2.1.4 da decisão impugnada, e a Entidade Impugnada também o salientou em sede de Resposta que a então Requerente impugnou apenas as segundas prestações das liquidações do imposto de selo da Verba 28.1. da Tabela Geral anexa ao Código de Imposto do Selo, do ano de 2014, relativas ao prédio a seguir identificado, num montante total de € 5.255,53.19.º Transcreve-se o seguinte ponto dos factos provados:«2.1.4. As prestações tributárias impugnadas constam das notas de cobrança relativas às 1.ª e 2.a prestações das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2014 (exceto quanto ao 7.º andar, de que só é impugnada a 1ª prestação), de 20 de março de 2015, identificadas pela Requerente artigo 39.º, da p. i.), tiveram por base o VPT de cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente e a taxa de 1%: Identificação do Documento Identificação do Prédio VPT Coleta 2015003466232— 2. Prestação 11… U-001… -1.° €247760,00 €2477,60 2015 003466235— 2. Prestação 11… U-001... -2.° €247760,00 €2477,60 2015 003466238_2.ª Prestação 11… U-001... -3.°€ 255 190,00€ 2551,90 2015 003466241 —2. Prestação 11… U-001...-4.°€255 190.00€2 551.90 2015 003466244— 2. Prestação 11… U-001...-5.° €257670,00 € 2 576.70 2015003466247— 2. Prestação 11… U-001...-6.° €257670,00 €2 576,70 2015 003466231 — 1. Prestação 11… U-001...-1.° € 247 760.00 €2477,60 2015 003466234— 1 . Prestação 11… U-001...2.° € 247 760.00 €2 477.60 2015003466237— 1. Prestação 11… U-001...-3.° €255 190,00 €2 551,90 2015 003466240— 1. Prestação 11… U-001..._4.º € 255 190.00 €2551,90 2015 003466243— 1.a Prestação 11… U-001...-5.° €257670,00 €2 576,70 2015003466246— l. Prestação 11… U-001...-6.° €257670,00 €2 576.70 2015 003466249— 1. Prestação 11… U-001...-7.° €37010,00 €370,10» 20.° Ora, não pode a Impugnante afirmar que a questão não foi suscitada por nenhuma das partes, e nem que tal matéria não é de conhecimento oficioso.21º Aliás como bem é referido na decisão impugnada: «haverá, desde logo, que delimitar o objecto do processo, para que, posteriormente, se possa aferir da competência do tribunal arbitral para conhecer do mérito do pedido.»22.° E o objecto do processo foi pela então Requerente, devidamente delimitado, quando notificada para esclarecer/proceder a uma melhor identificação dos actos impugnados, veio esclarecer que eram os identificados no artigo 39.º do Requerimento inicial.23.° Na verdade, a Impugnante, havia também formulado inicialmente um pedido subsidiário, e que não incluía o valor global do imposto a pagar. E não se diga que foi um erro da Requerente pois que, em 11/02/2016, quando foi proferido o despacho referido no número anterior já a Requerente havia sido notificada para pagar a terceira prestação.24.° E se a mesma, afirmava que pretendia anular a liquidação de IS de 2014, naturalmente teria de indicar o valor global de impostos a pagar (€15.582,50), o que não fez, mesmo instada para tal, conforme excerto de despacho que se transcreve.25.° Dizia-se no Despacho proferido em 11/02/2016:«II — Por outro lado, formulando a Requerente pedido subsidiário cujo valor equivale ao valor da causa, incompatível com o valor do pedido principal, solicita-se que informe, no prazo de 10 dias a contar da data da notificação do presente despacho, por que pedido pretende que o processo prossiga. III — Ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e formalidade processuais (artigos 19°, n.° 2, e 29°, n.° 2, do RJAT) e, tendo em vista o exercício do contraditório sobre as questões colocadas pela AT na contestação, determina-se que a Requerente se possa pronunciar sobre as mesmas, dentro do prazo de 10 dias acima indicado.» 26.° Foi por isso, consciente do objecto que pretendia para a sua acção, que a Requerente afirmou que os actos eram os identificados no artigo 39° do Requerimento inicial.27.° Perante tal confirmação da delimitação do objecto do processo e tendo em atenção que otribunal arbitral entendeu que apenas é impugnável o acto de liquidação e não apenas as prestações de pagamento vencidas, não podia deixar de se considerar que se estava perante a verificação de uma excepção dilatória nos termos da alínea 1) do n.°4 do artigo 89° do CPTA,28.° Cumpre ainda salientar que a decisão arbitral entendeu que o Tribunal Arbitral era incompetente para anular autonomamente prestações de uma liquidação seguindo outra decisão do CAAD nesse sentido, a 422/2i 14-T, mas não são decisões isoladas, pois no mesmo sentido existem outras, como decisão no Processo n.° 138/2015-T, o qual, analisando a possibilidade de ser feito pedidos de pronúncia arbitral a cada uma das prestações de per si, referente a um único acto de liquidação, defende a indivisibilidade da liquidação, como se retira do excerto que se passa a transcrever:«Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal foi notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), tendo aposto o seu visto. Colhidos os vistos dos Senhores Juízes-Desembargadores Adjuntos, vêm os autos à conferência para decisão. 2 – FUNDAMENTAÇÃO De facto Remete-se para a matéria factual vertida na decisão arbitral impugnada – art.º 663/6 do CPC ex vi do 29.º, alínea e) do RJAT. De direito Como se deixou consignado no acórdão da SCT deste TCAS proferido em 18/04/2018, no proc.º121/17.0BCLSB, «O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT). Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil. No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada. Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso. Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo. Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos [uniformização de jurisprudência], isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A. Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in) constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos [uniformização de jurisprudência]. Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr. artºs.27 e 28, do RJAT). Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23.º, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al. b), do RJAT. Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes: 1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; 2-Oposição dos fundamentos com a decisão; 3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia; 4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma. Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil. E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.)» (fim de cit.). Como também tem sido entendimento deste Tribunal, a decisão arbitral poderá ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na pronúncia indevida. E no conceito de “pronúncia indevida”, para além do excesso de pronúncia, incluem-se as situações em que o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que excedeu a sua competência – vd., entre outros, o Acórdão deste TCA Sul, de 06/09/2016, tirado no proc.º09156/15. Feitos os considerandos julgados pertinentes, passemos ao caso em apreciação. A impugnação da decisão arbitral fundamenta-se em três vícios: pronúncia indevida, na medida em que o TAS (Tribunal Arbitral Singular) conheceu da inimpugnabilidade das prestações de liquidação de Imposto de Selo, questão que não foi suscitada pelas partes, nem é de conhecimento oficioso; violação do contraditório sobre a questão da “impugnabilidade dos actos de liquidação das prestações de Imposto de Selo como fundamento para obstar ao prosseguimento do processo” e omissão de pronúncia, na medida em que o TAS não conheceu das questões atinentes ao mérito do pedido de pronúncia arbitral, quais a de saber “se a sujeição a I.S. nos termos do que dispõe a verba n.º 28 da TGIS, é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afectação habitacional ou se, ao invés, é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponde à soma dos VPT`s dos andares que o compõem; e, saber se a verba n.º 28 da TGIS é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, bem como do disposto no art.º 104.º, n.º 3, da CRP”. Começando pela apreciação do primeiro dos vícios invocados, tal ocorre quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – art.º 615.º, n.º 1 al. d) do CPC. Relaciona-se este vício com o disposto no art.º 608/2 do CPC, segundo o qual, «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras». Como é pacífico na jurisprudência, o excesso de pronúncia gerador da nulidade prevista na 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do referido artigo 668.º (corresponde ao actual 615.º do CPC) só tem lugar quando o juiz conhece de pedidos, causas de pedir ou excepções de que não podia tomar conhecimento – vd. ac. do STJ, de 12/06/2012, proc.º469/11.8TJPRT.P1.S1. Pois bem, a inimpugnabilidade do acto impugnado constitui excepção dilatória de conhecimento oficioso e obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa – art.º 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea i) do CPTA, aplicável por força do disposto no art.º 29.º, n.º 1 alínea c) do RJAT. Assim, contrariamente ao alegado pela impugnante, não se verifica nulidade da decisão arbitral por pronúncia indevida. O TAS conheceu de questão de conhecimento oficioso. Se o TAS decidiu mal, ou contra o direito, ao concluir pela inimpugnabilidade dos actos impugnados – entendidos estes como prestações das liquidações de imposto de selo, que não as próprias liquidações – é questão que se pretende com eventual erro de julgamento, não sindicável em sede de impugnação da decisão arbitral. O alegado vício de pronúncia indevida improcede. Conforme flui claramente da redacção da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia constitui o reverso do excesso de pronúncia. Verifica-se esta nulidade quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação. Ora, como antes se disse, a inimpugnabilidade do acto impugnado constitui excepção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa. Tal significa que a apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral, dos fundamentos em que se ancorou, ficou prejudicada pela procedência da indicada excepção dilatória. O que significa que o TAS ao não conhecer das questões de mérito não incorreu no apontado vício de omissão de pronúncia, que também improcede. Por último, quanto à preterição do princípio do contraditório, vejamos. O princípio do contraditório é um dos princípios basilares que enformam tanto o processo civil, como o tributário e o arbitral e visa obviar a que as partes sejam surpreendidas com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração – art.º 3.º, n.º 3 do CPC. Pois bem, pretende a impugnante que o TAS decidiu a excepção de inimpugnabilidade dos actos impugnados sem contraditório prévio, sem lhe dar a possibilidade de expressar a sua posição sobre o tema da impugnabilidade das prestações de pagamento do imposto de selo. Pretende a impugnada AT que o TAS facultou à impugnante contraditório prévio. Será assim? Compulsados os autos, constata-se que por despacho de 11/02/2016 da Mma. Juiz-Árbitro, foi a impugnante ouvida nos seguintes termos (na parte que releva para o tema agora em discussão): «…formulando a Requerente pedido subsidiário cujo valor equivale ao valor da causa, incompatível com o valor do pedido principal, solicita-se que informe, no prazo de 10 dias a contar da data da notificação do presente despacho, por que pedido pretende que o processo prossiga. (…) Ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT) e, tendo em vista o exercício do contraditório sobre as questões colocadas pela AT na contestação, determina-se que a Requerente se possa pronunciar sobre as mesmas, dentro do prazo de 10 dias acima indicado (…)». Ora, a verdade é que, na contestação, a Requerida, aqui impugnada, não suscitou a questão da inimpugnabilidade dos actos impugnados, tendo-se limitado a exprimir a sua posição, alicerçada em argumentos e razões, sobre as questões de mérito colocadas no pedido de pronúncia arbitral. Tanto assim, que conclui por pedir a absolvição do pedido e não da instância (art.º 89/2 do CPTA). Por outro lado, ainda que a Requerente tenha, em resposta ao despacho acima referido, expressamente optado pelo prosseguimento dos autos com relação ao pedido subsidiário – lembrando-se que o pedido principal era anulatório dos “actos tributários respeitantes à segunda prestação do ano de 2014…” e o pedido subsidiário, para valer “caso V. Exa. entenda que o imposto de selo só pode ser impugnado na sua globalidade”, o de “procedência da impugnação de todos os actos tributários de liquidação do ano de 2014 respeitantes ao prédio supra identificado” – a verdade é que tal não permite supor objectivamente que tenha apreendido a posição do TAS quanto à impugnabilidade, ou não, das prestações de imposto de selo e que esse era o tema do contraditório facultado. Com efeito, os actos jurídicos, como são as sentenças e os despachos judiciais, seguem as regras de interpretação e integração previstas nas disposições conjugadas dos artigos 236.º e 295.º do Código Civil, o que obriga o tribunal a expressar-se de modo claro e objectivo, de modo a não defraudar a expectativa que o interessado possa ter legitimamente acalentado, em vista do teor do acto judicial, quanto à decisão a proferir. Quando tal suceda, estamos perante uma decisão-surpresa (art.º 3.º, n.º 3 do CPC), que não se compagina com o princípio do contraditório, estruturante dos processos civil e tributário e que o Tribunal Arbitral deve especialmente observar na condução do processo (artigos 16.º al. a) e 29.º, n.º 1, do RJAT), o que não se verificou no caso em apreço. Procede este fundamento da impugnação. 3 - DECISÃO Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar procedente a presente Impugnação e anular, por violação do princípio do contraditório, a decisão proferida no processo arbitral n.º 647/2015-T, ordenando a remessa dos autos ao CAAD para cumprimento da formalidade omitida. Condena-se a Impugnada em custas. Lisboa, 27 de Outubro de 2022 _______________________________ Vital Lopes ________________________________ Luísa Soares ________________________________ Tânia Meireles da Cunha |