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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1820/10.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/12/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NORMAS RELATIVAS À RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CARÁCTER SUBSTANTIVO.
CONCEITO DE GERÊNCIA E DE ACTOS DE GERÊNCIA.
O GERENTE GOZA DE PODERES REPRESENTATIVOS E DE PODERES ADMINISTRATIVOS FACE À SOCIEDADE.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA, NA REDACÇÃO INICIAL, RESULTANTE DO DEC.LEI 398/98, DE 17/12 (EM VIGOR DESDE O DIA 1 DE JANEIRO DE 1999).
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA, NA REDACÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI 30-G/2000, DE 29/12 (EM VIGOR A PARTIR DO DIA 1 DE JANEIRO DE 2001).
ASSOCIAÇÕES.
Sumário:1. As normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária).
2. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.
3. O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
4. Da exegese do artº.24, nº.1, da L.G.T., deve concluir-se que a versão inicial, resultante do dec.lei 398/98, de 17/12 (em vigor desde o dia 1 de Janeiro de 1999) inclui na sua previsão a responsabilidade subsidiária apenas face às sociedades, cooperativas e empresas públicas, na esteira, de resto, da previsão constante do anterior artº.13, nº.1, do C.P.T. A principal alteração efectuada pela Lei 30-G/2000, de 29/12 (em vigor a partir do dia 1 de Janeiro de 2001), respeita à inclusão nos quadros da responsabilidade subsidiária dos administradores, directores ou gerentes que exerçam as suas actividades em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparáveis (associações, fundações, entes públicos dotados de autonomia administrativa e financeira, etc.) para além das sociedades, cooperativas e empresas públicas.
5. Nestes termos, não é possível responsabilizar subsidiariamente os directores de uma associação ao abrigo do artº.24, nº.1, da L.G.T., na redacção inicial, pelas dívidas fiscais constituídas antes de 1 de Janeiro de 2001, pois uma associação (cfr.artº.167, do C.Civil) não é uma sociedade, nem cooperativa ou empresa pública e só relativamente a estes entes colectivos (que não a empresas) estava prevista naquele preceito a responsabilidade subsidiária dos titulares dos órgãos sociais por dívidas fiscais.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.204 a 218 do presente processo que julgou parcialmente procedente a oposição intentada pelo recorrido, H..., visando a execução fiscal nº.... e apensos, a qual corre seus termos no .... Serviço de Finanças de Lisboa, contra o opoente revertida e instaurada para a cobrança de dívidas de I.V.A., dos anos de 2000 e 2002 e no montante total de € 101.009,56.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.234 a 238 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou parcialmente procedente a oposição à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, versando o presente recurso na parte em que foi julgada procedente ao considerar que, face à redacção do art.° 24.° da LGT o oponente não poderia ser revertido porque uma associação não estava contemplada;
2-Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se o oponente, pelo facto de ter presidido à comissão executiva da associação A..., devedora originária, poderia ou não ser revertido face à redacção inicial do art.° 24.° da LGT;
3-O oponente presidiu à comissão executiva da associação, “A... - A...”, doravante A... ou devedora originária, desde Outubro de 1995 a Setembro de 2000 e, a partir de 27/01/2006, nos termos dos art.°s 12.° e 21.°, conforme a acta lavrada em assembleia geral ordinária;
4-Os PEF’s foram instaurados por dívidas da A..., relativos a IVA, no período de 2000 a 2002, no montante de € 101.009,56, isto é, durante o período em que recaiu a sua presidência;
5-Mas, não estando em causa a gerência do oponente mas sim, se a redacção do art.° 24.° da LGT à data dos factos contemplava ou não as associações para se poder efectuar a reversão, sendo esta a questão fulcral a Fazenda dirá que sim em virtude do objecto social e das receitas da A...;
6-As associações são constituídas por pessoas singulares ou colectivas e não visam o lucro, sendo a A... uma associação civil, constituída nos termos dos arts. 157.° a 184.° do Código Civil poderá com fundamento, designadamente na lei fiscal, ser qualificada como “empresa“ nos termos e para os efeitos previstos no n.° 1, do art.° 13° do Código de Processo Tributário (CPT) e do art.° 24.° da LGT;
7-Uma associação, com personalidade jurídica, pelo facto de ser sujeito passivo de relações jurídicas tributárias geradas por factos tributários/actividades exercidas sujeitos a impostos, designadamente a IRC e a IVA, como é o caso, goza de personalidade tributária;
8-Não sendo o devedor originário uma “sociedade de responsabilidade limitada”, não deixará, por isso, de ser havido, para efeitos fiscais e económicos como uma empresa, em sentido objectivo;
9-O termo “empresa“, inserto na norma contida no n.° 1, do art.° 13.° do CPT, não permite uma identificação pura e automática com o tipo de sociedades de responsabilidade limitada, reduzindo o âmbito material de aplicação dessa norma apenas a estas sociedades;
10-O termo “empresa”, na economia da norma, ganha autonomia significante relativamente à forma jurídica das sociedades de responsabilidade limitada;
11-As associações que funcionem como empresas, em função de actividades económicas que desenvolvam, que, como tais estão sujeitas a tributação, cabem no âmbito da aplicação do art.°13.°, n.°1 do CPT e art.° 24.° da LGT;
12-Os administradores de associações que funcionam como empresas, nos termos referidos, podem ser chamados à execução ao abrigo do regime de responsabilidade tributária, previsto nesse mesmo art.° 13.°, n.° 1 do CPT e art.° 24.° da LGT, como é caso do ora oponente, parte legítima substantiva na execução fiscal;
13-Ao operar a douta sentença do Tribunal a quo com uma inadequada interpretação restritiva do n.° 1, do art.° 13.° do CPT, art.° 24.° da LGT - desaplicando essa norma - terá sido violada essa mesma norma, limitando o seu sentido e alcance;
14-O art.° 13.° do CPT consagrava 1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tomou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.
2- A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos membros dos órgãos de fiscalização r revisores oficiais de contas, nas sociedades em que os houver, desde que se demonstre que a violação dos deveres tributários das sociedades resultou do incumprimento das suas funções de fiscalização.;
15-O art.° 24.° da LGT, na redacção inicial, estipulava que "1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, cooperativas e empresas públicas são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a)Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tomou insuficiente para a sua satisfação;
2 - A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos membros dos órgãos de fiscalização e revisores oficiais de contas nas sociedades em que os houver, desde que se demonstre que a violação dos deveres tributários das sociedades resultou do incumprimento das suas funções de fiscalização.”;
16-A A... tinha como objecto “contribuir para o fomento da utilização de tecnologias de informação no reforço da qualidade de gestão e da competitividade empresarial, aprofundar os conhecimentos científicos neste domínio, criar e apoiar iniciativas de formação de recursos humanos e difundir o conhecimento científico na sua área de actividade.”;
17-E, constituem modos de intervenção da A... a Investigação, a Prestação de Serviços e a Formação;
18-A prestação de serviços da A... era às empresas e outras organizações na orientação e execução do desenvolvimento das tecnologias de informação, sendo a prestação de serviços uma actividade económica de uma empresa;
19-As receitas da devedora originária são constituídas: (i) as jóias e quotas a pagar pelos sócios; (ii) rendimento de serviços e bens próprios; (iii) o produto da venda de publicações; (iv) a retribuição de quaisquer outras actividades enquadráveis nos seus objectivos e atribuições; (v) subsídios, legados ou donativos que lhe sejam atribuídos, bem como quaisquer outros permitidos por lei e (vi) juros e rendimentos de bens e actividades da associação;
20-Ora, pelo elenco das actividades a que se propôs a associação bem como às receitas obtidas constata-se que é uma pessoa colectiva, dotada de património e movimentação financeira utilizada nos seus fins e como tal não está sujeita à falência;
21-Contudo, face à actividade da associação, designadamente, a prestação de serviços, embora possa não exercer a título principal uma actividade de natureza comercial pratica factos de comércio, nos termos do art.° 3.°, n.° 1, al. b) do CIRC e art.° 2.° do Código Comercial;
22-Porém, na definição de empresa como uma organização de pessoas e bens que tem por objecto o exercício de uma actividade económica em economia de mercado, não poderá deixar de ser aplicada à devedora originária uma vez que a associação pratica uma actividade económica quer com a venda de publicações quer com a prestação de serviços, sendo um empresa;
23-E, a ser qualificada como empresa, a reversão operada nos termos do art.° 24.° da LGT para o oponente não é ilegítima como o Tribunal a quo alude, mas, sim, legítima, devendo ser revogada a sentença por outra;
24-Neste pendor, o oponente é parte legítima da presente execução;
25-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, com as devidas consequências legais.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.247 a 249 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.206 a 209 dos autos - numeração nossa):
1-Em 15.04.2007, foi instaurado o processo de execução fiscal n. ..., com base nas certidões de dívida n. 2007/76006, 2007/76007, 2007/76008, 2007/76009, 2007/76010, 2007/76011, 2007/76012, 2007/76013, 2007/87140, 2007/87141, 2007/87142, 2007/87143, por dívidas da devedora principal “A... - A...” de Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA), no montante de total de € 101.009,56, correspondente a períodos referentes aos anos de 2000 e 2002 (cfr.documentos juntos a fls.162 a 173 do processo de execução apenso);
2-A devedora principal “A... - A...” foi notificada das liquidações oficiosas de IVA, em 23.11.2006, referente aos períodos 023T, 026T, 029T e 0212T (cfr.documentos juntos a fls.41 a 48 dos presentes autos);
3-Em 10.09.2008 foi efetuada pelo .... Serviço de Finanças de Lisboa, informação das diligências conducentes à reversão da dívida exequenda por inexistência de bens penhoráveis da executada originária (cfr.documento junto a fls.225 do processo de execução apenso);
4-Em 10.09.2008 foi emitido despacho para o exercício do direito de audição do projeto de reversão da dívida exequenda contra o oponente, H..., tendo o mesmo sido devolvido ao remetente, reversão esta que envolvia, além de outras, dívidas de I.V.A. e juros compensatórios relativas aos anos 2000 e 2002 (cfr.documentos juntos a fls.226 a 231 do processo de execução apenso);
5-Em 14.10.2008, o Chefe do .... Serviço de Finanças de Lisboa, emitiu despacho de projeto de reversão contra o oponente, notificando para o exercício do direito de audição prévia, cujo teor se dá por reproduzido (cfr.documento junto a fls.233 do processo de execução apenso);
6-Em 17.10.2008 foi emitido despacho de reversão contra o oponente, cujo montante da dívida exequenda, referente a IVA e impostos englobados em conta corrente se cifrava em € 210.654,37, tendo o registo postal sido devolvido ao remetente (cfr.documentos juntos a fls.236 a 238 do processo de execução apenso);
7-Em 13.11.2008 o ora oponente foi citado pessoalmente, constando da informação que o destinatário «foi notificado de tudo o que consta no ofício n°14163 de 15.10.2008», conforme fls.239 do Processo de Execução Fiscal apenso (cfr.documento junto a fls.246 do processo de execução apenso);
8-Nesta data, 13.11.2008, o oponente foi notificado da informação constante de fls. 243 e seguintes, do Processo de Execução Fiscal apenso, contendo ainda a notificação para exercício do direito de audição, o Despacho de Reversão acompanhado do mapa de identificação e origem das dívidas e períodos a que respeitam (cfr.documento junto a fls.246 do processo de execução apenso);
9-Em 24.11.2008, o oponente efetuou um pagamento, no montante de € 109.644,81, referente a dívida em execução fiscal de IRS, correspondente aos anos de 2004 e 2005, juros compensatórios e juros de mora (cfr.documento junto a fls.281 do processo de execução apenso);
10-O oponente desempenhou o cargo de Presidente da Comissão Executiva da A... nas suas instalações, desde Outubro de 1995 a Setembro de 2000 e, a partir de 27 de Janeiro de 2006, de acordo com o estipulado no artigo Décimo Segundo e Vigésimo Primeiro, conforme Ata lavrada em Assembleia Geral Ordinária (cfr.documentos juntos a fls.111 a 152 dos presentes autos);
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram outros factos com relevância para a presente decisão…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal formou-se com base na prova documental que se encontra juntos aos autos, referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou parcialmente procedente a oposição que originou o presente processo e, em consequência, decretou a extinção da execução fiscal quanto ao opoente, em relação às dívidas de I.V.A. e juros compensatórios relativas ao ano 2000. Mais julgou improcedente a oposição em relação às dívidas de I.V.A. e juros compensatórios relativas ao ano 2002.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
A presente apelação cinge-se ao exame dos pressupostos da reversão face à dívida exequenda de I.V.A. e juros compensatórios relativas ao ano 2000, visto que somente em relação à mesma dívida o recorrente ficou vencido (cfr.artº.631, nº.1, do C.P.Civil).
O recorrente alega, em síntese, que as associações que funcionem como empresas, em função de actividades económicas que desenvolvam, estando sujeitas a tributação, cabem no âmbito da aplicação do artº.24, nº.1, da L.G.T., na redacção inicial. Que a reversão operada nos termos do artº.24, nº.1, da L.G.T., na redacção inicial, é legal, mais sendo o opoente parte legítima na execução, devendo ser revogada a sentença recorrida (cfr.conclusões 1 a 24 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O vício em causa envolve, além do mais, a análise do fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário (ilegitimidade devido a falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda - cfr.artº.286, nº.1, al.b), do anterior C.P.Tributário).
Em primeiro lugar, diremos que as normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.456 e seg.).
No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do oponente deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24, da L.G.Tributária, diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12), levando em consideração o período temporal (anos de 2000 e 2002) a que respeitam as dívidas que constituem o débito exequendo revertido - cfr.nºs.1 e 4 do probatório (cfr.por todos ac.S.T.A.-2ª. Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.).
Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).
A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).
Analisada a plêiade de actos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.
No domínio do artº.16, do C.P.C.Impostos, encontrávamo-nos perante responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, assim dispensando a imputação subjectiva (ao nível do nexo de culpa) baseada num comportamento individual do gerente, antes se ligando ao mero exercício do cargo ou funções de gerência. Verificada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto, incumbindo ao responsável subsidiário, em sede de oposição à execução contra si revertida, o ónus de provar que, apesar da gerência de direito, não a exerceu de facto ou, por outro lado, que não a exerceu de forma culposa no que diz respeito à verificada insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/95, C.T.F.381, pág.311 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.51 e seg.).
Com o dec.lei 68/87, de 9/2, o qual veio submeter a responsabilidade subsidiária consagrada no artº.16, do C. P. C. Impostos, ao regime previsto no artº.78, do C. S. Comerciais, de acordo com a jurisprudência dominante, passou a ser exigível a culpa dos administradores ou gerentes das sociedades para que a mesma se efectivasse. Por outro lado, onerou-se a Fazenda Pública, nos termos do artº.487, nº.1, do C. Civil, com o obrigação da alegação e prova da culpa do responsável subsidiário pela inexistência de bens do devedor originário com vista à satisfação dos créditos fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/97, C.T.F.386, pág.379 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 9/7/97, Acórdãos Doutrinais, nº.432, pág.1467 e seg.).
Com a entrada em vigor do C.P.Tributário (1/7/91), a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada passa a estar consagrada no artº.13, deste diploma. Ao abrigo deste regime, desde logo, se dirá que a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes passou a estar restrita às dívidas ao Estado por contribuições e impostos, quando anteriormente a mesma responsabilidade podia abarcar também multas e quaisquer outras dívidas que não somente as aludidas contribuições e impostos. Por outro lado, contrariamente ao regime resultante do aludido dec.lei 68/87, de 9/2, volta o ónus da prova da actuação sem culpa a pender sobre os administradores ou gerentes. E não é pequena, para os mesmos, esta diferença de perspectiva legal, já que, se era difícil para a Fazenda Pública, face ao regime resultante do dec.lei 68/87, de 9/2, fazer a prova positiva da culpa, mais difícil será para os administradores ou gerentes fazerem a prova negativa de tal factualidade (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.55).
No entanto, ao abrigo do regime em análise, o constante do artº.13, nº.1, do C.P. Tributário, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec. 1132/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/12/2008, rec.861/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Passemos, agora, à análise do regime consagrado no artº.24, da L.G.Tributária, o qual é aplicável ao caso concreto, conforme mencionado supra.
Do disposto no artº.22, da L.G.Tributária, retira-se que a regra geral da responsabilidade tributária originária sofre duas excepções, sendo elas a responsabilidade solidária (o responsável solidário é um condevedor solidário que, por força da lei, está em igualdade de circunstâncias com o responsável originário, o que implica que possam ser demandados ambos simultaneamente, ou qualquer um deles indistintamente, quanto ao cumprimento da prestação tributária) e a responsabilidade subsidiária (só a impossibilidade de cumprimento do responsável originário pode originar o subsequente chamamento do responsável subsidiário ao cumprimento da prestação tributária), constituindo esta última (a responsabilidade subsidiária) a regra nesta matéria, nos termos do preceituado no nº.3 do referido normativo.
A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.artº.23, nº.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr.nº.4 do mesmo preceito). O nº.5 da disposição legal em causa atribui um privilégio ao devedor subsidiário que, sendo citado para o pagamento da dívida tributária e o efectuar no prazo de oposição, fica isento do pagamento de juros de mora e de custas. Este pagamento, de acordo com o artº.23, nº.6, da L. G. Tributária, tem efeito suspensivo (e não extintivo) da execução fiscal, pois no caso de virem a ser encontrados bens ao devedor principal ou ao responsável solidário, ficam estes obrigados ao pagamento de juros de mora e das custas.
O artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, na redacção inicial, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12 (em vigor desde o dia 1 de Janeiro de 1999), sob a epígrafe “Responsabilidade dos corpos sociais e responsáveis técnicos”, consagrava o seguinte:
“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, cooperativas e empresas públicas, são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.


Preceitua o artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, na redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12 (em vigor a partir do dia 1 de Janeiro de 2001, aplicando-se aos períodos de tributação que se iniciem nessa data - cfr.artº.21, nº.2, da Lei 30-G/2000, de 29/12):

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Da exegese do artº.24, nº.1, da L.G.T., nas duas redacções expostas, deve concluir-se que a versão inicial inclui na sua previsão a responsabilidade subsidiária apenas face às sociedades, cooperativas e empresas públicas, na esteira, de resto, da previsão constante do anterior artº.13, nº.1, do C.P.T. A principal alteração efectuada pela Lei 30-G/2000, de 29/12, respeita à inclusão nos quadros da responsabilidade subsidiária dos administradores, directores ou gerentes que exerçam as suas actividades em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparáveis (associações, fundações, entes públicos dotados de autonomia administrativa e financeira, etc.) para além das sociedades, cooperativas e empresas públicas (cfr.António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, 2000, pág.143 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.238; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465).
Nestes termos, não é possível responsabilizar subsidiariamente os directores de uma associação ao abrigo do artº.24, nº.1, da L.G.T., na redacção inicial, pelas dívidas fiscais constituídas antes de 1 de Janeiro de 2001, pois uma associação (cfr.artº.167, do C.Civil) não é uma sociedade, nem cooperativa ou empresa pública e só relativamente a estes entes colectivos (que não a empresas) estava prevista naquele preceito a responsabilidade subsidiária dos titulares dos órgãos sociais por dívidas fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/01/2007, rec.1049/06; ac.T.C.A.Norte-2ª.Secção, 28/02/2008, proc.0196/06 - Penafiel).
Revertendo ao caso dos autos, do probatório se retira que as dívidas de I.V.A. e juros compensatórios (integrando-se estes na própria dívida de imposto - cfr.artº.35, nº.8, da L.G.T.) revertidas e que constituem objecto do presente recurso são relativas ao ano 2000 (cfr.nºs.1 e 4 da factualidade provada), pelo que carece de base legal a reversão efectuada pela A. Fiscal face a tais dívidas, sendo parte ilegítima na execução o opoente e assim se mostrando preenchido o fundamento previsto no citado artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 12 de Julho de 2017



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)