Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2091/19.1BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 03/02/2023 |
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Relator: | ANA CRISTINA DE CARVALHO |
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Descritores: | CESE |
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Sumário: | A contribuição extraordinária sobre o setor energético é um tributo com configuração de contribuição financeira, não padecendo de inconstitucionalidade material ou orgânica. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – Relatório O. G., S.A., com os demais sinais nos autos, veio interpor recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa que teve por objecto a autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), relativa ao período de tributação de 2018, no montante de € 126 362,00. Conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: « A. A Recorrente não exerce qualquer actividade no sector electroprodutor, pelo que em nada contribui para o problema da dívida tarifária do SEN, não beneficiando, pois, de nenhuma forma directa ou especial, da actividade do Estado exercida no âmbito do problema em causa (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE). B. Não tendo qualquer relação com a dívida tarifária do SEN, a Recorrente não contribuiu ou beneficiou das circunstâncias que geraram esse problema, pelo que não tem também relação com o consequente desequilíbrio orçamental que o Estado português assumiu como objectivo anular ou atenuar (mais uma vez, o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE). C. A Recorrente não é parte da causa de tal desequilíbrio, nem retirará da actuação estadual nesse aspecto qualquer benefício que não seja partilhado, em princípio na mesma medida, por todos os particulares. D. Relativamente ao financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético, que o legislador também inscreveu formalmente como justificação da CESE, não se conhecem, com um grau mínimo de probabilidade objectiva, qual a natureza, o conteúdo e a importância das mesmas, razão pela qual nunca poderemos dar por suficientemente demonstrada a sua indispensabilidade e, portanto, que os sujeitos passivos do tributo poderão em princípio, alguma vez, ser efectivos beneficiários de uma ou mais das políticas em causa. Ora, se não conseguimos para já vislumbrar uma probabilidade séria desse efectivo benefício, não está por enquanto comprovado o benefício potencial ou presumido. E. Aliás, mesmo que pudéssemos estabelecer uma ligação entre um benefício decorrente das políticas em questão e a actividade das empresas energéticas que não actuam no sector da produção de electricidade – no qual se gerou o problema da dívida tarifária e o consequente desequilíbrio orçamental –, sempre essa ligação seria insuficiente para assegurar a legitimidade da CESE, na medida em que aquelas empresas continuariam a suportar um tributo cuja receita (a restante receita) é afecta a um objectivo com o qual nada têm a ver (a redução da dívida tarifária do sector electroprodutor) e a um outro cuja solução beneficia de igual modo, geral e indiscriminadamente, todos os particulares – para além de ser ele próprio, em parte, uma consequência daquela dívida tarifária (a consolidação orçamental). F. De tudo isto sobra que o único objectivo do tributo à luz do qual a sua exigência à Recorrente é perceptível (ainda que não juridicamente sustentável) é o objectivo da consolidação das contas públicas, um desiderato tipicamente prosseguido através dos tributos unilaterais. G. Em face do exposto, a CESE não cabe no campo dos tributos bilaterais ou sinalagmáticos (taxas ou contribuições financeiras), por não respeitar o princípio da equivalência: os montantes exigidos não o são para o exercício de uma actividade do Estado de que os sujeitos passivos concretamente em causa beneficiem (directa ou indirectamente, efectiva ou presumivelmente, de modo suficientemente distinto da generalidade dos particulares não abrangidos pela incidência do tributo), não sendo sequer possível dizer que a actividade a financiar é originada, específica ou genericamente, pela daqueles sujeitos passivos. H. A CESE é, pois, um verdadeiro imposto – um imposto especial sobre alguns operadores de um sector de actividade específico, em razão da sua alegada capacidade contributiva particular. I. A CESE é um imposto materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, subprincípio em que se concretiza no campo dos impostos o princípio constitucional da Igualdade (artigo 13º da Constituição), porque a sua base de incidência subjectiva atinge contribuintes que pouco ou nada têm a ver com os fins declarados da “contribuição” (não são de todo beneficiados com as actividades estaduais que a receita pretende financiar nem deram origem aos problemas que aquela é suposto colmatar) – designadamente todos aqueles que não actuam no âmbito do sector da produção de electricidade, como é caso da ora Recorrente. J. Vista como um imposto sobre o rendimento, a CESE viola ainda o princípio da capacidade contributiva por, ao ter como base objectiva o valor dos activos das empresas abrangidas, constituir uma aproximação indirecta ou presumida aos lucros das mesmas – uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: com efeito, a CESE permite ao Estado apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma, ou uma colecta igual ou superior aos lucros efectivamente obtidos. K. Além disso, a CESE tem um efeito de dupla tributação e sobreposição ao IRC que é inaceitável, acentuado pela decisão do legislador de impedir que aquela seja dedutível em sede do referido imposto, o que define com especial clareza a violência do tributo e a sua inconstitucionalidade, mesmo se considerado como um imposto sobre o património ou uma contribuição financeira, pelo menos por violação do princípio da proporcionalidade. L. E, na verdade, a CESE apresenta problemas inultrapassáveis também ao nível do respeito devido pelo princípio da proporcionalidade, o qual é violado, em primeiro lugar, na sua dimensão de idoneidade ou adequação, porque a CESE não é um instrumento tendente a resolver o problema da dívida tarifária do SEN – um dos objectivos legislativamente declarados da medida, ao qual é consignado uma parte importante da respectiva receita: não se trata de uma medida que possa assegurar a eliminação ou sequer uma atenuação séria, estrutural, dessa dívida tarifária (mediante uma alteração das regras vigentes em que assenta a sua existência), mas antes, simplesmente, de uma fonte de receita obtida a fim de o Estado continuar a assegurar o objectivo político central quanto à matéria em causa, ou seja, proteger os consumidores finais de electricidade do esforço de redução da dívida tarifária, impedindo o aumento dos preços em medida pelo menos aproximada à exigida por aquela redução. M. Neste sentido, a CESE é uma medida inócua e indiferente, tendo por referência a sua aproximação ao fim visado, e até contraproducente, porque produz o efeito negativo de adiar a resolução dos desequilíbrios do SEN e, assim, prolongar e acentuar o problema. N. Depois, a CESE viola o princípio da proporcionalidade também porque é consignada em parte ao financiamento de políticas sociais e ambientais no mesmo ano em que, por exemplo e desde logo, foi reduzida a taxa de IRC em dois pontos percentuais, perdendo-se uma receita pública, já existente, que poderia obviamente servir para aquele fim (não está, assim, cumprida a dimensão da necessidade ou exigibilidade em que assenta a regra da proporcionalidade), O. e ainda porque, apesar de os objectivos declarados do legislador serem importantes, nunca poderão ser considerados como pretextos suficientes para justificar o prejuízo económico e patrimonial que a CESE inflige nos seus sujeitos passivos, ainda para mais de modo tão violador do princípio da igualdade: na incidência, lembre-se, são incluídas entidades – como a Recorrente – que pouco ou nada têm a ver com as causas dos problemas que suscitaram a criação do tributo ou que pouco ou nada beneficiarão, directa e especialmente, com a solução de tais problemas (desrespeita-se, assim, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito ou do equilíbrio). P. Por fim, a CESE é ainda inconstitucional por violação do princípio da proibição da consignação de receitas que tem origem no n.º 3 do artigo 105º da Constituição: não só o legislador não esclarece por que razão as específicas finalidades de interesse público por si invocadas não poderão ser prosseguidas com igual grau de eficácia mediante a observância do princípio da não consignação de receitas, como nem do artigo 228º da Lei n.º 83-C/2013 nem da norma da sua prorrogação para o ano do acto aqui contestado resulta o carácter excepcional e temporário da consignação ao Fundo da receita obtida com a cobrança da CESE (esta consignação aparenta ser um instrumento ordinário e permanente de financiamento do referido Fundo).» Conclui peticionando que seja dado provimento ao recurso. A Recorrida, Fazenda Pública, não contra-alegou. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso. Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta primeira Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.
II – Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, delas decorre que a Recorrente suscita as seguintes questões: i) saber se a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) é um imposto materialmente inconstitucional; ii) e ainda que o tributo em causa seja considerado uma contribuição, saber se ocorre a violação do princípio da proporcionalidade, da igualdade e do princípio da proibição da consignação de receitas. * III – FUNDAMENTAÇÃO III. 1 – Fundamentação de facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «1. A Impugnante é uma sociedade anónima que exerce atividade no setor energético, tendo como atividade económica principal “comércio por grosso de produtos petrolíferos” (CAE 46711), como atividade secundária 1 “recolha de resíduos perigosos” (CAE 038120), como atividade económica secundária 2 “comércio a retalho de combustíveis para uso doméstico” (CAE 047783) e como atividade económica secundária 3 “tratamento e eliminação de resíduos perigosos” (CAE 038220) – cfr. fls. 12 a 19 do PAT; 2. Em 26.10.2018, a Impugnante submeteu a declaração modelo 27 (autoliquidação de CESE), tendo apurado o valor a pagar de € 126.362,00 – cfr. fls. 140 e 141 do processo instrutor de reclamação graciosa inserto no PAT; 3. Em 31.10.2018, a Impugnante procedeu ao pagamento da CESE apurada na autoliquidação mencionada no número anterior – cfr. fls. 7 do PAT; 4. A Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação identificada em 2, com os fundamentos e juntando os documentos constantes do processo instrutor de reclamação graciosa inserto no PAT, aqui dados por reproduzidos; 5. A reclamação graciosa foi tramitada sob o nº 3255201904000536, sendo elaborada, pela Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, projeto de decisão de indeferimento, com os fundamentos constantes do doc. 2, junto aos autos com a p.i., e do processo instrutor de reclamação graciosa inserto no PAT, aqui dados por reproduzidos; 6. Em 7.05.2019, por despacho da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, foi decidido o indeferimento da reclamação graciosa, concordando com as informações antecedentes – cfr. doc. 3, junto aos autos com a p.i., e processo instrutor de reclamação graciosa inserto no PAT.» Consta ainda da mesma sentença o seguinte: «Inexistem factos com relevância para a decisão da causa que importe destacar como não provados. Motivação da decisão sobre a matéria de facto: A convicção do tribunal sobre a matéria de facto formou-se com base na análise crítica dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo tributário junto, não impugnados, conforme referido a propósito de cada número do probatório.»
III. 2 – Fundamentação de direito
A liquidação aqui em causa diz respeita à Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), criada pelo artigo 228.º Lei n.º 83-C/2013 de 31/12 (Lei do Orçamento do Estado para 2014) tendo sido objecto de alterações e diversas prorrogações, estando em causa, em concreto, a prorrogação relativa ao ano de 2018, efectuada através do artigo 280.º da Lei n.º 114/2017, de 29/12 (Lei do Orçamento do Estado para 2018) como bem se refere na sentença recorrida. Sendo de destacar as alterações posteriores efectuadas através do artigo 313.º da Lei n.º 71/2018, de 31/12, do artigo 376.º da Lei n.º 2/2020, de 31/3 e artigo 415.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31/12 resultando, também, a manutenção da CESE para os anos subsequentes pelo artigo 6.º da Lei n.º 99/2021, de 31 de Dezembro (relativa à prorrogação de medidas fiscais previstas no Orçamento do Estado para 2021), que prorrogou a CESE para 2022. Em concreto, a autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o SeCtor Energético em causa neste recurso refere-se ao ano de 2018. A sentença recorrida deu nota da jurisprudência do Tribunal Constitucional (TC) e do STA e dos TCA, que se tem debruçado sobre as questões colocadas nos autos, referindo a sua unanimidade no sentido de se tratar de uma contribuição financeira, sustentando que as normas dos art.ºs 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do Regime da CESE, não são inconstitucionais, apoiando-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019, de 8 de Janeiro de 2018 e a final julgou a impugnação improcedente, e, em consequência, manteve na ordem jurídica o acto impugnado. A Recorrente não se conforma com o decidido. As questões suscitadas no presente recurso foram já decididas recentemente neste TCA Sul, entre muitos, destacam-se, por constituírem as mesmas partes e as conclusões idênticas, os Acórdãos proferidos nos processos n.ºs 1678/17.1BELRS, 2152/17.1BELRS e 1920/18.1BELRS. É, pois, com base na fundamentação constante do primeiro Acórdão proferido, cujo colectivo a ora relatora integrou como 2ª adjunta, que aqui se acolhe, que as questões serão apreciadas, mantendo-se válida a corrente jurisprudencial que este Tribunal vem firmando sobre a questão. Importa, assim, reiterar a fundamentação constante do Acórdão de 27/10/2021 proferido no processo n.º 1678/17.1BELRS: « 2.2.3. No que respeita ao esteio de recurso mencionado em i), a recorrente invoca, em síntese, que «a CESE não cabe no campo dos tributos bilaterais ou sinalagmáticos (taxas ou contribuições financeiras), por não respeitar o princípio da equivalência: os montantes exigidos não o são para o exercício de uma actividade do Estado de que os sujeitos passivos concretamente em causa beneficiem (directa ou indirectamente, efectiva ou presumivelmente, de modo suficientemente distinto da generalidade dos particulares não abrangidos pela incidência do tributo), não sendo sequer possível dizer que a actividade a financiar é originada, específica ou genericamente, pela daqueles sujeitos passivos»; trata-se de «um imposto especial sobre alguns operadores de um sector de actividade específico, em razão da sua alegada capacidade contributiva particular». Apreciação. A este propósito, cumpre referir que, por meio do Acórdão n.º 7/2019, de 08.01.2019, no qual apreciou da conformidade constitucional de liquidação do tributo em causa em relação a uma empresa que, tal como a recorrente, tem por objecto o transporte e distribuição de gás natural, o Tribunal Constitucional teve ocasião de sublinhar o seguinte: «9. (…) o artigo 11.º do Regime Jurídico que cria a CESE, consignou a sua receita a um Fundo – o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril – «com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida tarifária e do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional decorrentes de custos de interesse económico geral (CIEGs), designadamente resultantes dos sobrecustos com a convergência tarifária com as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira». // Estabeleceu o artigo 2.º do citado Decreto-Lei n.º 55/2014 sobre os objetivos do FSSSE: // «2 - O FSSSE visa contribuir para a promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional, designadamente através: // a) Do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética; // b) Da redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN), mediante a receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o setor energético prevista no artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro». 10. A recorrente veio invocar que, em virtude da sua atividade, não exercia «qualquer atividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da eletricidade (a atividade da Recorrente é a de armazenamento subterrâneo de gás natural), pelo que em nada contribuiria para o problema da dívida tarifária do SEN». Assim sendo, não usufruiria da contrapartida traduzida na redução do défice ou dívida tarifária, pelo que não estaria assegurada a bilateralidade ou sinalagmaticidade do tributo, devendo este ser considerado um imposto. // Sucede que aquela redução é apenas um dos objetivos da CESE, prescrevendo a lei que esta contribuição visa, genericamente, o desenvolvimento de medidas que contribuam para o equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético. // Ainda que não referida a uma contraprestação direta, específica e efetiva, resultante de uma relação concreta com um bem ou serviço, o que afasta a sua qualificação como taxa, a sujeição à CESE de determinados operadores económicos tem como um dos seus objetivos «financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético» (artigo 1º, n.º 2, do regime da CESE). É, a par do objetivo da redução da dívida tarifária – que é uma das suas causas –, o objetivo da promoção de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, bem como de medidas de apoio às empresas, que gerará, igualmente, contrapartidas, ainda que difusas, dirigidas aos sujeitos passivos da CESE. A existência destas presumidas contraprestações que vão além do mero objetivo da redução tarifária, e que a criação do FSSSE garante, assegura, também, o caráter estrutural de bilateralidade ou sinalagmaticidade da relação subjacente ao tributo em causa, permitindo excluir a sua caracterização como imposto, já que nelas é possível identificar a satisfação das utilidades do sujeito passivo do tributo como contrapartida do respetivo pagamento. É a participação de um especial setor da atividade económica nos benefícios/custos presumidos da adoção destas políticas de financiamento que permite isolá-los dos demais contribuintes, sujeitando-os à contribuição criada pelas normas em apreciação, sem que essa diferenciação possa considerar-se violadora da Constituição, como veremos. Assim, apesar de não pressupor uma contraprestação direta, específica e efetiva, razão pela qual não pode ser qualificada como taxa, a CESE, reveste características de bilateralidade na relação entre o Estado e os sujeitos passivos do tributo, pela conexão entre a origem das receitas e o seu destino. // Não estamos, por isso, perante uma cobrança de tributo para participação nos gastos gerais da comunidade, numa pura angariação de receitas, que vise prover, indistintamente, às necessidades financeiras do Estado, que traduza o cumprimento de um dever geral de cidadania e solidariedade, como o dever de pagar impostos, em que esteja ausente uma qualquer contraprestação pública dedicada. Isto porque não é finalidade imediata e genérica deste tributo a obtenção de receitas, a serem afetadas, geral e indiscriminadamente, à satisfação de encargos públicos. // O facto de não ser possível individualizar-se, de forma concreta e absolutamente objetiva, uma compensação efetiva que, pelo seu conteúdo e natureza, seja especificamente dirigida aos sujeitos passivos que desenvolvam a atividade da recorrente, mas apenas as vantagens difusas, tal não retira caráter comutativo às prestações que visem financiar os objetivos que vão além da redução da dívida tarifária, já que estas contrapartidas não estão dissociadas de prestações públicas, ainda que genericamente destinadas a um grupo específico, sendo de presumir que os sujeitos passivos da CESE beneficiarão dos mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético. Ou seja, no caso da CESE, estamos perante um tributo comutativo, em virtude de, ainda que de forma difusa, ser possível identificar nos objetivos do FSSSE, a que foi consignada, contraprestações destinadas a um determinado grupo de sujeitos passivos que mantêm suficiente proximidade com as finalidades que este prosseguirá, e no qual se se incluirá a recorrente. // Realizando a recorrente o armazenamento subterrâneo de gás natural e a construção, exploração e manutenção das infraestruturas e instalações necessárias para esse fim, dúvidas não restam que a recorrente sempre usufruirá do desenvolvimento das medidas que contribuam para o equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente das que se associem à atividade do fundo criado que visa, entre outros objetivos, financiar políticas sociais e ambientais do setor energético, enquanto setor de serviços económicos de interesse geral. // Como é bom de ver, os operadores económicos deste sector, entre os quais a recorrente, em virtude do seu específico objeto social, irão, presumivelmente, aproveitar, como contrapartida da CESE, de mecanismos que promovem a sustentabilidade sistémica do sector energético, de cariz social e ambiental, a desenvolver pelo Estado regulador, garante dessa sustentabilidade. Ou seja, uma vez que a atividade desenvolvida por estes agentes económicos beneficiará das ações de regulação traduzidas no desenvolvimento de políticas sociais e ambientais do setor energético, que promovam a sustentabilidade sistémica do setor, designadamente através da constituição do FSSSE dedicado ao seu financiamento, financiamento este que também respeitará ao subsector do gás natural, existem, então, razões que autorizam o legislador a estabelecer que o grupo de operadores, no qual se inclui a recorrente, deve contribuir para os custos decorrente dessas medidas regulatórias. A recorrente é uma das entidades cuja atividade desenvolvida é uma atividade regulada, nos termos do Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro, e pelo Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho. E a regulação e os seus custos fo[ram] já anteriormente identificad[os]… pelo Tribunal Constitucional como justificando o lançamento deste tipo de tributos, como atrás se referiu. Como os exemplos de outras contribuições invocados bem demonstram, essas medidas regulatórias não se reduzem à definição de tarifas reguladas. // E sendo assim, é possível identificar, também no caso da recorrente, uma contrapartida presumivelmente provocada e aproveitada pela recorrente, enquanto sujeito passivo, que o legislador faz repercutir, através da CESE, nestes operadores económicos sujeitos a regulação, e não na comunidade em geral. // Como se refere na decisão recorrida, no contexto do Estado regulador, «as contribuições financeiras impostas aos operadores económicos, quer para financiar os sobrecustos do sistema, quer para financiar novos encargos no contexto da regulação social, cumprem ainda a exigida “conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala”; conexão que neste caso é reconduzida a uma ‘relação causal’ entre o Estado, na qualidade de garantidor do funcionamento eficiente e socialmente equitativo do sistema (neste caso do sector energético), e o sujeito passivo»; e «a CESE, ao ser exigida aos operadores do sector energético com o intuito de financiar políticas do sector energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética e com a redução do stock da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional, inscreve-se claramente neste tipo de contribuições exigidas pelo modelo económico-social do Estado regulador». Do exposto se infere que o tributo em causa corresponde a contribuição financeira, pelo que a preterição dos princípios constitucionais em matéria de criação e cobrança de impostos não se mostra atingida pela respectiva regulamentação. Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica. Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso. 2.2.4. No que respeita ao esteio de recurso mencionado em ii), a recorrente invoca que: «A CESE é um imposto materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, subprincípio em que se concretiza no campo dos impostos o princípio constitucional da Igualdade (artigo 13.º da Constituição), porque a sua base de incidência subjectiva atinge contribuintes que pouco ou nada têm a ver com os fins declarados da “contribuição” (não são de todo beneficiados com as actividades estaduais que a receita pretende financiar nem deram origem aos problemas que aquela é suposto colmatar) – designadamente todos aqueles que não actuam no âmbito do sector da produção de electricidade, como é caso da ora Recorrente; «Vista como um imposto sobre o rendimento, a CESE viola ainda o princípio da capacidade contributiva por, ao ter como base objectiva o valor dos activos das empresas abrangidas, constituir uma aproximação indirecta ou presumida aos lucros das mesmas – uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: com efeito, a CESE permite ao Estado apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma, ou uma colecta igual ou superior aos lucros efectivamente obtidos; «Além disso, a CESE tem um efeito de dupla tributação e sobreposição ao IRC que é inaceitável, acentuado pela decisão do legislador de impedir que aquela seja dedutível em sede do referido imposto, o que define com especial clareza a violência do tributo e a sua inconstitucionalidade, mesmo se considerado como um imposto sobre o património ou uma contribuição financeira, pelo menos por violação do princípio da proporcionalidade». Apreciação. A este propósito, no Acórdão n.º 7/2019, de 08.01.2019, o Tribunal Constitucional teve ocasião de sublinhar o seguinte: «14. A recorrente argumenta que o regime deste tributo, resultante das normas impugnadas, caso se considere a CESE como verdadeira contribuição financeira e não como imposto, sempre seria materialmente inconstitucional, por violar o princípio da equivalência, enquanto subprincípio do princípio da igualdade, aplicável aos tributos paracomutativos, constituindo, igualmente, uma restrição do direito de propriedade imposta em violação do princípio da proporcionalidade, assim como do princípio da proibição de consignação de receitas (cfr. conclusão P. das alegações da recorrente, de fls. 407). // Vejamos se serão postos em causa o princípio da equivalência e da proporcionalidade. // Embora não expressamente consagrado na Constituição, o princípio da equivalência resulta do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Lei Fundamental, com ele se procurando que taxas e contribuições se adequem às prestações públicas de que beneficiarão, real ou presumidamente, os respetivos sujeitos passivos. // Decorre, do que atrás se explicitou, que a CESE é um tributo da categoria das contribuições, excluindo a sua classificação, quer como taxa, quer, para o que mais aqui relevava, como imposto. //Garantido que esteja que a contribuição lançada encontra justificação no benefício recebido/custo provocado relativo a uma prestação diferenciada de que efetiva ou presumivelmente beneficiará/ou terá provocado um grupo seu sujeito passivo, estará assegurado o sinalagma que justifica a diferenciação tributária, bem como o respeito pelo princípio da equivalência. // No caso, como atrás se demonstrou, a sujeição à CESE do grupo constituído pelos operadores económicos em que a recorrente se inclui não é desprovida de contrapartidas. Nem quando globalmente considerado o grupo de operadores no setor da energia, nem quando especificamente considerados aqueles que operam no setor do gás natural. Aliás, na definição da consignação de receitas, é para o setor da energia globalmente considerado que são destinadas a maior parte das verbas, visando o financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, e de apoio às empresas, já que apenas um terço é reservado à redução da dívida tarifária do SEN. // É, em suma, o carácter sinalagmático, atrás enunciado, que traduz a verificação da equivalência necessária, pelo que não pode deixar de se concluir não existir desrespeito pelo princípio da equivalência. Ao mesmo tempo, a assinalada bilateralidade, encontrada na contraprestação correspondente à sujeição à CESE, retira-lhe o carácter de imposto que incidiria sobre o património das empresas do setor energético que a ela estão obrigadas. Como descrevemos, a estrutura bilateral do tributo justifica que se distinga estes sujeitos passivos dos demais contribuintes, respeitando-se, por isso mesmo, o princípio da equivalência, afastando-se uma injustificada desigualdade. 15. A recorrente invoca, ainda, que esta correspondência não pode violar o princípio da proporcionalidade, sob pena de violar a propriedade privada e livre iniciativa económica. Afastada a caracterização como imposto, em virtude da aceite sinalagmaticidade, uma tal questão remete-nos para o controlo do critério escolhido para definição desta contribuição, ou seja, para o equilíbrio entre prestação e contraprestação. // Significa que, encontrada na relação causal enunciada a justificação para a diferenciação deste grupo na tributação, restaria saber se colhe a invocação da recorrente de que a imposição deste encargo violaria o princípio da proporcionalidade. Ora, está bem de ver – o que sobressai da desenvolvida distinção entre taxas e contribuições para que atrás se remeteu – que a objetividade conseguida na relação entre uma taxa e a troca real e efetiva que a justifica, e uma contribuição e a prestação genérica e presumida que lhe dá origem, será de grau necessariamente diferenciado, já que, nas prestações presumidas/custos provocados, esta relação não poderá deixar de ser mais difusa ou reflexa, pela sua própria natureza. Por isso, na finalidade de promoção de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, prevista como um dos destinos da CESE, a que, aliás, a lei consigna a maior parte das receitas deste tributo [artigo 4.º, n.º 2, alínea a)], não se procura a identificação de benefícios efetivos, concretos, objetivamente mensuráveis e comparáveis com o sacrifício imposto, mas um mínimo de probabilidade na obtenção desses benefícios pelos sujeitos passivos. E, no caso da recorrente, ainda que se pudesse considerar que inexistiria relação causal entre o desempenho da sua atividade e a dívida tarifária do Setor Elétrico Nacional, ou que não beneficiaria de medidas promovidas para sua redução – já que a requerente não integra o setor electroprodutor –, sempre aqueloutro objetivo, enunciado como destino maioritário da alocação de verbas, pode ser identificado como elemento suficientemente justificador da relação causal entre o tributo a pagar e o financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental. É que, como se afirmou já, a causalidade estrutural desta contribuição não assenta, de modo algum, exclusivamente, na redução da dívida tarifária do SEN. // Adiante-se, aliás, que não cabe ao Tribunal Constitucional apurar do posterior e efetivo grau de desenvolvimento de concretas políticas sociais e ambientais, relacionadas com medidas de eficiência energética, que concretizem a intervenção estadual no setor energético de modo a satisfazer aquele que é um dos objetivos da CESE elencado no artigo 1.º, n.º 2, do seu regime, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro, no qual se determinou que esta «contribuição tem por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético…», finalidade reforçada no artigo 2.º do diploma que criou o Fundo para o qual a contribuição reverte, que visa a «promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional». // No caso, ao lançar esta contribuição, o legislador definiu uma base de incidência subjetiva suficientemente estreita, com a preocupação de delimitar, com a certeza possível, os sujeitos passivos que virão a beneficiar de presumida prestação, em troca da sujeição a este tributo. Deliberadamente, afastou a solução de fazer repercutir a responsabilidade desta contraprestação em toda a comunidade, que, se assim não fosse, custearia, através dos impostos, prestações públicas de que a sociedade, no seu todo, não seria causadora ou beneficiária. Concebido como encargo a suportar por estes operadores económicos, a consagração deste tributo é, desde logo, acompanhada da proibição da sua repercussão nos consumidores, por via tarifária (artigo 5.º do Regime jurídico da CESE). // Consequentemente, a incidência subjetiva da CESE abrange um conjunto justificável e diferenciável de destinatários que irão, através dela, compensar prestações que presumivelmente serão por estes provocadas ou aproveitadas – seja, a redução tarifária do SEN, ou, no caso dos operadores económicos desempenhando a atividade da requerente, os encargos com os mecanismos de promoção da sustentabilidade do setor energético –, mantendo estes inegável proximidade com as finalidades procuradas com o lançamento da CESE, nesse sentido assumindo aquela contraprestação uma natureza grupal, razão justificadora da tributação que sobre o grupo recai, distinguindo-o dos demais contribuintes. // No quadro de um modelo de Estado regulador, o objetivo do financiamento de mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético é especialmente aproveitada pelo grupo de operadores económicos em que a recorrente se inclui. Como já se afirmou, neste contexto, é possível identificar uma suficiente conexão entre a origem da receita, cuja fonte são os agentes económicos sujeitos à CESE, e a sua finalidade, que a lei consignou ao FSSSE, de instituição de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, de que o setor económico beneficiará. // É na promoção desta finalidade, e nos benefícios e encargos que daí advêm para determinados setores, que o legislador sustenta a imposição a operadores do setor económico da energia de um tributo que não recai sobre outros operadores económicos, nem sobre a generalidade dos cidadãos contribuintes. E esta prestação é inegavelmente útil à consecução do fim a que se destina, de assegurar as medidas do setor energético referidas, sem onerar a generalidade dos operadores de setores distintos e os cidadãos em geral, a que não se destinam, que as não causaram nem delas beneficiam. // É por esta mesma razão, de afastar do financiamento destas medidas de sustentabilidade energética os demais contribuintes que não lhes dão origem, nem delas beneficiarão de modo direto, que resulta patente que impô-las não se poderá considerar discriminatório. // Também no que respeita à incidência objetiva da CESE se considera estar garantido um nexo causal suficiente entre os ativos (no caso, ativos regulados) sobre os quais recai a CESE (artigo 3.º, n.º 1, do Regime jurídico da CESE) e as políticas públicas de cariz social e ambiental do setor energético. // A titularidade dos ativos tributáveis por parte das empresas que as normas legais sujeitam à CESE, cuja justificação radica na sustentabilidade sistémica do setor energético, torna-as presumíveis beneficiárias das políticas públicas de energia e da sua regulação. Os ativos não surgem como manifestação meramente hipotética da capacidade contributiva, que fosse exigida como receita para despesas gerais do Estado, mas como indicador que permite presumir a potencial utilidade das prestações públicas que aos operadores aproveitam, e os custos presumidos que provocam, já que os ativos são elementos essenciais ao desenvolvimento da atividade, sendo suficientemente adequados para diferenciarem aquele impacto. Também por esta razão, não pode ligar-se a sujeição do ativo ao tributo a qualquer demonstração de que estaríamos perante um imposto sobre o património das empresas. Na lógica do legislador, a titularidade de ativos em certa área da economia é um dado que permite aferir da suscetibilidade da empresa para ser causa de ou beneficiar de políticas de sustentabilidade, o que a distingue dos demais operadores de outras áreas e dos cidadãos. Não é, assim, uma forma de arrecadar receita, indistintamente. É, por isso, uma base de incidência adequada. Corrobora-se, por isso, a conclusão alcançada pelo tribunal a quo: // «[E]ntende-se que no caso é ainda possível estabelecer uma relação de causalidade suficiente entre o critério adotado pelo legislador para a determinação da base tributável da CESE e a sua finalidade, pois o valor dos ativos é um índice adequado para medir a diferença de capacidade (potencial) de impacto da atividade desenvolvida pelos sujeitos passivos, no contexto das políticas de eficiência energética. Um juízo onde tem especial peso a circunstância de estarmos perante um tributo de natureza extraordinária, que por isso se requer de fácil implementação e aplicação para um período de aplicação transitório e curto, onde não se justificaria a implementação de critérios, porventura mais adequados, como a “medida do impacto das economias de energia potenciais” (algo que os contratos de gestão de eficiência energética têm provado ser de elevada complexidade técnica), mas muito complexos e com elevados custos de cumprimento, ou seja, totalmente desajustados da urgência no caso pretendida.» // Embora a propósito do respeito deste princípio da equivalência no âmbito da fixação das taxas, o Tribunal Constitucional teve já ocasião de decidir que «em matéria tributária, não cabe ao Tribunal Constitucional, em linha de princípio, controlar as opções do legislador ou da Administração nas escolhas que estes fazem para estabelecer o quantum dos tributos, quer se trate de impostos, de taxas ou de contribuições especiais» (Acórdão n.º 640/1995). Chegando, mesmo, a afirmar-se, no mesmo aresto que «o Tribunal Constitucional rejeita – seguindo a doutrina fiscalista portuguesa que se exprime sem discrepâncias – o entendimento de que uma taxa cujo montante exceda o custo dos bens e serviços prestados ao utente se deve qualificar como imposto ou de que deve ter o tratamento constitucional de imposto». // A mesma ideia veio a ser explicitada, por exemplo, no Acórdão n.º 140/1996: «as opções feitas pelo legislador (ou pela Administração) na fixação do montante das taxas são, em princípio, insindicáveis por este Tribunal, que, quando muito, poderá cassar as decisões legislativas (ou regulamentares), se, entre o montante do tributo e o custo do bem ou serviço prestado, houver uma desproporção intolerável – se a taxa for de montante manifestamente excessivo». Bem se compreenderá que, no caso das contribuições, como nas contribuições de regulação, relativamente às quais o sinalagma que é possível identificar não é, como no caso das taxas, individualizado e efetivo, mas apenas presumido, não poderá este Tribunal deixar, por maioria de razão, de lhes estender um tal entendimento. // Ora, como se afirmou, se é verdade que também nas contribuições não se dispensa alguma objetividade mínima no estabelecimento da relação entre a contribuição a pagar e a vantagem para um grupo determinado ou determinável de contribuintes que a suportará, acontece que, sendo esta vantagem presumida, contrariamente ao que sucede nas taxas, em que a vantagem que lhe dá origem é real e singularizável, permitindo melhor adequar o tributo ao custo ou benefício do sujeito passivo, já no caso das contribuições, pela natureza da relação, mais difusa ou reflexa, o grau de exigência na objetividade exigida será ainda mais atenuado. // Note-se, na sequência do que vem dito, que o facto de a sujeição à CESE ser diferenciada (artigo 3.º da Lei n.º 83-C/2013) em função da titularidade do valor dos elementos do ativo de determinados operadores económicos, ou do valor dos ativos regulados – como é o caso da recorrente –, assim afastando a imposição de um encargo à generalidade dos contribuintes, e ajustando a base de incidência em função dos diferentes grupos de sujeitos passivos do tributo, não é, ao contrário do que sustenta a recorrente, indício de desigualdade, mas, antes, de delimitação da base de incidência em função da presumida contraprestação, cujo benefício/custo respeita ao setor energético, desde logo, não a impondo à generalidade dos contribuintes, e procurando a acomodação da contribuição ao custo/benefício presumidos». Do exposto se retira que não pode ter acolhimento a tese de que existe qualquer sobreposição entre a presente contribuição financeira e o IRC, dado que a primeira corresponde a um tributo comutativo, aferido em função de activos do sector económico em causa, enquanto que o segundo corresponde a um imposto sobre o rendimento gerados pelas empresas. Pelo que não existe qualquer dupla tributação no caso em exame, dado que o âmbito de incidência subjectiva e objectiva são distintos. Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica. Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso. 2.2.5. No que respeita ao esteio de recurso referido em iii), a recorrente invoca que: «A CESE apresenta problemas inultrapassáveis também ao nível do respeito devido pelo princípio da proporcionalidade, o qual é violado, em primeiro lugar, na sua dimensão de idoneidade ou adequação, porque a CESE não é um instrumento tendente a resolver o problema da dívida tarifária do SEN – um dos objectivos legislativamente declarados da medida, ao qual é consignado uma parte importante da respectiva receita: não se trata de uma medida que possa assegurar a eliminação ou sequer uma atenuação séria, estrutural, dessa dívida tarifária (mediante uma alteração das regras vigentes em que assenta a sua existência), mas antes, simplesmente, de uma fonte de receita obtida a fim de o Estado continuar a assegurar o objectivo político central quanto à matéria em causa, ou seja, proteger os consumidores finais de electricidade do esforço de redução da dívida tarifária, impedindo o aumento dos preços em medida pelo menos aproximada à exigida por aquela redução; Neste sentido, a CESE é uma medida inócua e indiferente, tendo por referência a sua aproximação ao fim visado, e até contraproducente, porque produz o efeito negativo de adiar a resolução dos desequilíbrios do SEN e, assim, prolongar e acentuar o problema». Apreciação. Para além do referido no ponto anterior, cumpre sublinhar o carácter cumutativo do tributo em causa, o qual é devido pelos operadores do sistema energético nacional; estes beneficiam da regulação económica do referido sector de actividade. O que significa que a criação da contribuição financeira em exame decorre do princípio da equivalência ou da contrapartida entre o seu pagamento e as utilidades derivadas para o sujeito passivo com a regulação económica do sector, a qual garante a redução tarifária do SEN, ou a promoção da sustentabilidade do setor energético, factores que se repercutem, de forma directa, no exercício da actividade da recorrente. Nesta medida, não vê que a contribuição em exame viole ou contenda com o princípio da proporcionalidade, nas suas três dimensões, de idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Por outro lado, uma vez assente que a mesma observa o princípio da equivalência jurídica, não se descortina ofensa do princípio da igualdade tributária, dado que o recorte da incidência subjectiva tem em conta os sujeitos beneficiados pela medida de regulação económica em causa (v. artigo 2.º , relativo à incidência subjectiva, do regime que cria a contribuição extraordinária sobre o setor energético). Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica. Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso. 2.2.6. No que respeita ao esteio de recurso referido em iv), a recorrente invoca que: «a CESE é ainda inconstitucional por violação do princípio da proibição da consignação de receitas que tem origem no n.º 3 do artigo 105º da Constituição: não só o legislador não esclarece por que razão as específicas finalidades de interesse público por si invocadas não poderão ser prosseguidas com igual grau de eficácia mediante a observância do princípio da não consignação de receitas, como nem do artigo 228º da Lei n.º 83-C/2013 nem da norma da sua prorrogação para o ano do acto aqui contestado resulta o carácter excepcional e temporário da consignação ao Fundo da receita obtida com a cobrança da CESE (esta consignação aparenta ser um instrumento ordinário e permanente de financiamento do referido Fundo)». Apreciação. A este propósito, cumpre referir que o artigo 11.º (“Consignação”) do regime instituído pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, determinava que «[a] receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o setor energético é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), a criar por decreto-lei, no prazo de 60 dias a contar da data da entrada em vigor da presente lei, com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida tarifária e do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional decorrentes de custos de interesse económico geral (CIEGs), designadamente resultantes dos sobrecustos com a convergência tarifária com as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. // O FSSSE tem a natureza de património autónomo, sem personalidade jurídica e com autonomia administrativa e financeira, podendo ser-lhe atribuída a possibilidade de adquirir aos operadores regulados ou às entidades a que estes hajam cedido os seus créditos o direito de receber, através das tarifas da eletricidade, os montantes relativos aos valores ou direitos correspondentes ao diferencial de custos que não forem repercutidos no ano a que respeitam». Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 55/2014, de 09 de Abril, criou o Fundo para a sustentabilidade sistémica do sistema energético, estabelecendo que este «visa contribuir para a promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional, designadamente através: // a) Do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética; // b) Da redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN), mediante a receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o setor energético prevista no artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro» (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2014, citado). A atribuição da receita resultante da contribuição financeira em exame ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético constitui a concretização do sinalagma que justifica a criação da mesma. A garantia de regulação económica do sector energético assim o impõe. Pelo que a aplicação do princípio da não consignação de receitas orçamentadas não tem aplicação aos tributos comutativos, como sucede com a prestação em apreço, cuja legalidade depende, precisamente, da sua afetação aos fins de regulação económica, de que beneficia o sujeito passivo em causa. Pelo que alegada preterição do princípio das não consignação de receitas orçamentais não se comprova no caso. Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica. Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.» Sobre a questão da transitoriedade, ou excepcionalidade da CESE, salienta-se a sua finalidade múltipla conforme resultando do n.º 2 do artigo 1.º do regime «a contribuição tem por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético». Ou seja, além de se constituir como auxiliar no défice tarifário assegura o cumprimento de fins extrafiscais relativos à sustentabilidade e ao desenvolvimento de políticas sociais e ambientais no sector energético através da consignação de receitas para o seu financiamento. No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 438/2021 proferido no processo n.º 101/21, a questão foi aflorada nos seguintes termos: «a verdade é que o caráter excecional da CESE não é infirmado pela prorrogação da medida até ao momento. Dados os objetivos financeiros e de políticas públicas em que se funda – redução do défice tarifário do SEN, e, com maior importância no caso dos operadores económicos desempenhando a atividade da recorrente, os encargos com os mecanismos de promoção da sustentabilidade do setor energético - não parece, nem resulta dos dados dos autos, que o período até agora decorrido consubstancie um prazo excessivo, ou desproporcionado para a sua prossecução. No entanto, mesmo que a recorrente tivesse razão – e que a evolução do regime jurídico e da prática de aplicação da CESE venha a comprovar, sem margem para dúvidas, e ao contrário do que pode afirmar-se com firmeza neste momento, a sua consolidação no ordenamento jurídico, não podendo, a partir de então, negar-se, o seu caráter permanente –, tal não implicaria, sem mais, a sua desconformidade constitucional. Na realidade, isso reforçaria o paralelismo com as demais contribuições financeiras exigidas a privados para financiamento da regulação de determinados setores de interesse geral – nomeadamente, e como se viu, o setor energético, entendido em termos latos, cuja sustentabilidade sistémica (e não meramente financeira, ou tarifária) se configura como uma forma de cumprimento do dever estadual de proteção do direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida, consagrado no artigo 66.º da Constituição. Nestes termos, a adoção de políticas de cariz social e ambiental direcionadas para o setor energético, bem como de medidas relacionadas com a eficiência energética, constitui, nesta sede, uma forma – de entre todas as que podem ser desenhadas pelo legislador no âmbito da sua larga margem de atuação nesta matéria – de dar cumprimento à obrigação de “promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações” e ainda de “assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida”, previstas, respetivamente, nas alíneas d) e f) do n.º 2 do artigo 66.º da CRP. (…) ao contrário da argumentação da recorrente, não se afigura decisivo o elemento da excecionalidade para um julgamento de não inconstitucionalidade do regime jurídico da CESE. Tal caraterística reforça a argumentação plasmada no Acórdão n.º 7/2019, mas está longe de constituir o seu único pilar de sustentação. Para o juízo de não inconstitucionalidade então proferido – e que agora se renova – contribui, sobretudo, a caraterização dogmática do tributo como contribuição financeira, e o objetivo de financiamento de mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor da energia, já que este permite afirmar a sinalagmaticidade do tributo, ainda que não referida a uma contraprestação específica.» Nestes termos, e sem necessidade de mais longas considerações, julgam-se improcedentes todas as conclusões do recurso, confirmando-se a sentença recorrida. * Quanto à responsabilidade relativa a custas, atento o princípio da causalidade, previsto no artigo 527.º, n.º 2, do CPC, atento o decaimento da Recorrente, deu causa à acção, sendo-lhe imputável a responsabilidade tributária da causa.
IV – CONCLUSÕES A contribuição extraordinária sobre o setor energético é um tributo com configuração de contribuição financeira, não padecendo de inconstitucionalidade material ou orgânica.
V – DECISÃO Termos em que, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente. Lisboa, 2 de Março de 2023. Ana Cristina Carvalho - Relatora Hélia Gameiro – 1ª Adjunta Catarina Almeida e Sousa – 2ª Adjunta |