Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2221/07.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/18/2021
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:CONTRATO DE TRABALHO;
CONTRATO DE AVENÇA
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA;
CUMPRIMENTO DO HORÁRIO DE TRABALHO
VONTADE NEGOCIAL DAS PARTES
Sumário:I. O contrato de trabalho caracteriza-se pelo poder de direção do empregador e dever de obediência do trabalhador, ao passo que no contrato de avença / prestação de serviços não se verifica essa subordinação jurídica na relação entre as partes.
II. Na tarefa de análise da existência dos indícios de subordinação não deixa de relevar a designação atribuída ao contrato pelas partes, assim como as respetivas cláusulas.
III. A obrigação de cumprimento do horário de trabalho configura um possível indício da subordinação jurídica, mas tem de ser vista no contexto global da prestação objeto do contrato, em particular quando esta prestação tem de ser necessariamente realizada em determinado local.
IV. Perante a ausência de prova da entidade administrativa ter alguma vez emitido ordens ou orientações dirigidas ao autor, ou que tenha exercido poder disciplinar sobre ele, antes se provando que exercia as suas funções com autonomia e detendo poder de direção técnica sobre os assistentes de inspeção, assume especial relevância a designação atribuída ao contrato pelas partes, assim como as respetivas cláusulas contratuais, que afastam a ideia de subordinação jurídica, uma vez que da matéria de facto dada como assente não resulta que tenha sido contrária a vontade negocial das partes relativamente ao que ali ficou previsto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
P... intentou ação administrativa especial contra o Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, visando o ato proferido em 27/04/2007, denúncia de contrato de avença, pelo Diretor Regional de Agricultura e Pescas de Lisboa e Vale do Tejo, e na qual peticiona o reconhecimento do direito ao vínculo de nomeação definitiva e a sua reintegração, em regime de nomeação ou de contrato individual de trabalho, o pagamento de férias não gozadas e os subsídios de férias, Natal e de refeição desde o inicio de funções e durante os períodos em que não foram auferidos, bem como o ressarcimento dos danos causados.
Por despacho proferido em 06/07/2009 foi determinada a convolação dos autos em ação administrativa na forma comum, na sequência da qualificação do ato denúncia do contrato como declaração negocial.
No despacho saneador proferido em 28/12/2010 foi declarada a inutilidade da lide no que respeita ao pedido de reintegração do autor nos serviços do réu, com a consequente extinção da instância nessa parte do pedido, prosseguindo o processo para conhecer do demais peticionado.
Por sentença proferida em 25/07/2013, o TAC de Lisboa julgou a ação improcedente.
Inconformado, o autor interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1.ª - O Autor trabalhou efectivamente para o Réu durante quase sete anos, entre 02 de Outubro de 2000 e 30 de Junho de 2007;
2.ª - Fê-lo, primeiro, com o denominado “contrato de avença” celebrado em 02/10/2000, pelo período de 5 meses improrrogável, para substituição de Médicas Veterinárias que vão iniciar licença de parto”;
3.ª - Fê-lo, de seguida, ao abrigo de sucessivos contratos de trabalho a termo certo celebrados, respectivamente, em 01-06-2001, este renovado em 31-03-2002, em 01-06-2002, e em 15-05-2003;
4.ª - Voltou a fazê-lo, de novo com “contrato de avença”, que celebrou em 0-09-2003, o qual foi feito cessar pelo Réu com efeitos a partir de 30 de Junho de 2007;
5.ª - O que permite também concluir, atento o tempo de exercício de funções por parte do Autor, que a contratação deste o foi com vista à satisfação das necessidades permanentes do serviço, e não para substituir médicas em licença de parto ou para dar satisfação a necessidades transitórias do serviço;
6.ª - Razão por que o que o Réu fez, com a celebração dos (dois) contratos de avença e dos contratos a termo certo (cinco, incluindo a renovação de um deles) foi iludir as disposições da contratação (recrutamento, na altura através do vínculo de nomeação) sem termo, nos termos dos Decretos-Leis n.°s 184/89, de 2 de Junho, e 427/89, de 7 de Dezembro;
7.ª - O Autor, médico veterinário, exercia as suas funções nos locais (matadouros) indicados pelo Réu;
8.ª - O Réu pagava-lhe, a título de subsídio de transporte, as deslocações desde a sede da DRARO até aos locais de trabalho, o que só podia, como foi, ter sido feito nos termos e ao abrigo do Decreto-Lei n.° 106/98, de 24 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.° 137/2010, de 28 de Dezembro (vd. artigo l.°, no sentido de que este diploma se aplica aos trabalhadores em exercício de funções públicas);
9.ª - Foram-lhe descontados dois dias de vencimento por greve, e só faz greve quem é trabalhador e não prestador de serviços;
10.ª - O Autor esteve sempre sujeito ao cumprimento de horários definidos pelas chefias, e só os trabalhadores estão sujeitos à disciplina, que inclui a obrigatoriedade de cumprir horário de trabalho;
11.ª - Durante os períodos dos denominados ‘contratos de avença’ o Autor gozou férias, e só os trabalhadores, e não também os prestadores de serviços, têm direito a férias;
12.ª - Durante os períodos dos denominados ‘contratos de avença’, o A. fez horas extraordinárias, e só os trabalhadores, porque sujeitos a horário de trabalho, prestam trabalho extraordinário;
13.ª - Relativamente aos contratos referidos nas alíneas B) e O) da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida, não se estava perante prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, pelo que não estamos na presença de contratos de avença, mas sim de contratos de trabalho;
14.ª - Os factos-indício acima referidos, demonstrativos de que o A. estava, na relação (laboral) estabelecida com o Réu, a ele juridicamente subordinado, apontam no sentido da existência de um verdadeiro contrato de trabalho celebrado entre Réu e Autor;
15.ª - Na verdade, o que sucedeu no caso do Autor foi que ele celebrou formalmente dois contratos de prestação de serviços (‘contratos de avença’), sendo estes, na realidade, e pelos motivos já referidos, verdadeiros contratos de trabalho por tempo indeterminado;
16.ª - Pelo que, tendo o Mmo. Juiz a quo concluído pela existência de verdadeiros contratos de avença, fez errada interpretação dos factos provados, uma vez que não teve em conta os factos dados como provados e referidos em 5. e 6. (cfr. os que na douta sentença se deram como provados), os quais indiciam a existência de uma actividade subordinada e dependente típica do contrato individual de trabalho por tempo indeterminado;
17.ª - O Autor celebrou, assim, com o Réu um verdadeiro contrato individual de trabalho por tempo indeterminado;
18.ª - Tal contrato, porém, é nulo, por violação do artigo 43.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 427/89, de 7 de Dezembro;
19.ª - A nulidade do negócio jurídico pode ser reconhecida a todo o tempo por qualquer interessado (cfr. artigo 286.° do Código Civil) e, em regra, tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (cfr. artigo 289.°, n.° 1, do Código Civil);
20.ª - Contudo, tratando-se de nulidade de um contrato de trabalho, os artigos 15.°, n.° 1, e 115.°, n.° 1, do Código do Trabalho de 2003 determinam que o contrato de trabalho declarado nulo produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução;
21.ª - Ao A. assiste o direito ao pagamento do subsídio de férias, que não foi pago (cfr. alínea HH) e II) da sentença quanto à matéria de facto provada), relativamente ao primeiro “contrato de avença”, celebrado em 02/10/2010 e terminado em 30/05/2001 (cfr. als. B), F) e S) da sentença quanto à matéria de facto provada), devendo a correspondente quantia ser liquidada em execução de sentença;
22.ª - Ao A. assiste o direito ao pagamento do subsídio de Natal, que não foi pago, (cfr. alínea HH) e II) da sentença quanto à matéria de facto provada), relativamente ao primeiro “contrato de avença”, celebrado em 02/10/2010 e terminado em 30/05/2001 (cfr. als. B), F), HH) e II) da sentença quanto à matéria de facto provada), devendo a correspondente quantia ser liquidada em execução de sentença;
23.ª - Assistindo ainda ao A. o pagamento das férias não gozadas relativamente ao primeiro “contrato de avença”, celebrado em 02/10/2010 e terminado em 30/05/2001 (cfr. als. B), F) e S) da sentença quanto à matéria de facto provada), devendo a correspondente quantia ser liquidada em execução de sentença;
24.ª - Ao A. assiste o direito ao pagamento do subsídio de férias, que não foi pago (cfr. alínea LL) da sentença quanto à matéria de facto provada), relativamente ao segundo “contrato de avença”, celebrado em 01/09/2003 e terminado em 30/04/2008, que foi quando o Autor, em Maio de 2008, celebrou com terceira entidade contrato individual de trabalho (cfr. als. O) e Y) da sentença quanto à matéria de facto provada);
25.ª - Ao A. assiste o direito ao pagamento do subsídio de Natal, que não foi pago (cfr. alínea LL) da sentença quanto à matéria de facto provada), relativamente ao segundo “contrato de avença”, celebrado em 01/09/2003 e terminado em 30/04/2008, que foi quando o Autor, em Maio de 2008, celebrou com terceira entidade contrato individual de trabalho (cfr. als. O) e Y) da sentença quanto à matéria de facto provada), devendo a correspondente quantia ser liquidada em execução de sentença;
26.ª - Assistindo também ao Autor o direito ao pagamento dos respectivos subsídios de refeição enquanto durou o primeiro “contrato de avença”, celebrado em 02/10/2010 e terminado em 30/05/2001 (cfr. als. B), F), HH e II) da sentença quanto à matéria de facto provada), devendo a correspondente quantia ser liquidada em execução de sentença;
27.ª - Bem como o direito ao pagamento dos respectivos subsídios de refeição relativamente ao segundo “contrato de avença”, celebrado em 01/09/2003 e terminado em 30/04/2008, que foi quando o Autor, em Maio de 2008, celebrou com terceira entidade contrato individual de trabalho (cfr. als. O) e Y) da sentença quanto à matéria de facto provada), devendo a correspondente quantia ser liquidada em execução de sentença;
28.ª - Tendo igualmente o A. o direito a ver-se ressarcido dos montantes que, enquanto “trabalhador independente”, e durante a execução dos dois “contratos de avença” celebrados entre A. e Réu (cfr. als. B) e O) da sentença quanto à matéria de facto provada), pagou, a título de contribuições para a Segurança Social (cfr. alínea T) da sentença quanto à matéria de facto provada), quantia a liquidar em execução de sentença;
29.ª - Finalmente, e tendo em conta que, como resulta provado (cfr. doc. de fls. 380 a 386 e alínea BB) da sentença quanto à matéria de facto provada), a Direcção Regional de Agricultura e Pescas de Lisboa e Vale do Tejo, em execução do Acórdão do TCA Sul proferido no processo cautelar apenso aos presentes autos, procedeu ao pagamento ao Autor de remunerações no valor líquido de EUR 10.221,48 €, a que este deu quitação em 31.10.2008, correspondente aos períodos de 1.7.2007 a 31.12.2007. assiste também ao Autor o direito ao pagamento das remunerações referentes ao período de 01.01.2008 até 30.04.2008, que foi quando terminou o último, e falso, “contrato de avença”, por o Autor ter, em Maio de 2008, celebrado com terceira entidade contrato individual de trabalho (cfr. als. O) e Y) da sentença quanto à matéria de facto provada), quantia a liquidar em execução de sentença;
30.ª - Sobre todas as referidas quantias, depois de apuradas, são devidos juros legais, que o R. deve ser condenado a pagar, contados desde a data do vencimento de cada uma delas, nos termos dos artigos 804.°, 805.°, n.° 2, alínea a), e 806.°, todos do Código Civil.
Termos em que, Venerandos Juízes Desembargadores deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, e, a final, ser decidido:
A) Que os contratos de avença celebrados entre A. e R. configuram verdadeiro contrato individual de trabalho por tempo indeterminado;
B) Ser declarada a nulidade de tal contrato;
C) Ser o R. condenado a pagar ao A., a título de subsídios de férias e de Natal, de subsídios de refeição, de férias não gozadas e de remunerações, as quantias, todas a liquidar em execução de sentença, referidas nas conclusões 21.ª a 27.ª e 29.ª;
D) Ser o R. condenado a ressarcir o Autor pelos prejuízos que teve com a obrigatoriedade de entregar na Segurança Social, como trabalhador independente, as respectivas contribuições, as quais não teria suportado se o Réu com ele tivesse, no início das funções que exerceu, celebrado contrato por tempo indeterminado, quantia a liquidar em execução de sentença (conclusão 28.ª);
E) Ser o R. condenado nos juros legais desde a data do vencimento de cada uma das quantias acima referidas.”
O Ministério da Agricultura e do Mar apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1.ª O contrato de avença celebrado entre os ora recorrente e recorrido em 1/09/2003 foi validamente outorgado, de acordo com o disposto no art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro, para o exercício de funções em regime de prestação de serviços e sem subordinação hierárquica;
2.ª As prestações realizadas de acordo com o mesmo correspondiam à satisfação de necessidades dos serviços e podiam ser satisfeitas, como de facto eram, em regime liberal;
3.ª A tanto não obsta o facto de o Autor ter de realizar as tarefas de inspecção sanitária de que estava incumbido e para as quais tinha sido contratado, nos matadouros que lhe fossem indicados pelo Réu e nos horários adequados ao funcionamento destes;
4.ª No primeiro caso, porque essa indicação fluía naturalmente das obrigações contratuais e no segundo porque, o horário a cumprir reflectia apenas as necessidades da organização do serviço na sua estreita e inteira dependência do funcionamento dos matadouros;
5.ª De resto, não se provou que o Autor alguma vez estivesse adstrito a qualquer dos tipos de controlo de horário a que estão obrigados os trabalhadores da função pública (cfr. o art.º 14.º do Decreto_lei n.º 259/98, de 18 de Agosto);
6.ª Também não constitui obstáculo à qualificação do contrato como de avença, o facto de, por uma vez, em 2006, terem sido descontados nos honorários do A., um valor calculado, por equivalência, a dois dias, por força de uma ausência a título de “greve”;
7.ª Pois, sendo o objecto do contrato a realização de inspeção sanitária nos matadouros indicados, a sua ausência, salvo força maior, configurava uma violação das regras contratuais que autorizava o contraente público a, por sua vez, “incumprir” de forma proporcionada retirando aos honorários devidos uma parcela equivalente à ausência, independentemente do título que se lhe atribui;
8.ª Assinale-se que a palavra greve não tem hoje uma conotação exclusivamente laboral (no sentido que se lhe quis atribuir) utilizando-se sem grande parcimónia para qualquer manifestação de desagrado que passe por uma ausência aos locais onde, por regra, se presta serviço;
9.ª Igualmente não descaracteriza o contrato, o facto de o Autor gozar “férias”, pois as ausências para descanso anual, a que vulgarmente todos chamamos férias, são hoje uma realidade comum a todos os tipos de prestação de serviço e a todas as profissões ditas liberais, desde médicos, a advogados, engenheiros, arquitectos ou médicos veterinários, reflectindo tão só a constatação que tal descanso é indispensável ao equilíbrio pessoal do prestador e reflecte-se positivamente na forma como presta serviço;
10.ª Em suma, não existiu, quanto às prestações de serviço realizadas ao abrigo do contrato, qualquer tipo de subordinação jurídica, sendo até de realçar que o R. não interferiu, nem podia interferir, nos métodos, forma e tempo de realização daquelas;
11.ª Assinalando-se também que o ora recorrente, pela sua formação e conhecimentos não ignorava que o referido contrato não lhe conferia a qualidade de funcionário ou agente, nem, portanto, o direito à percepção dos subsídios e abonos próprios daqueles;
12.ª Não é, por outro lado, verdade, que no decurso do apontado contrato o Autor tenha recebido qualquer importância a título de “horas extraordinárias”;
13.ª Nem é verdade, igualmente, que tenha trabalhado ininterruptamente para o recorrido entre 2 de Outubro de 2000 e 30 de Junho de 2007, já que nesse período ocorreram hiatos temporais de alguns meses entre contratações;
14.ª A denúncia do contrato foi realizada nos termos da cláusula 5.º do mesmo e ao abrigo do disposto no n.º 5 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro, de forma fundada, nada se lhe podendo apontar no que contende com a sua regularidade;
15.ª Por isso, o contrato findou em 30/06/2007, nada tendo o A. a receber por conta do mesmo;
16.ª O facto de a Direcção Regional de Agricultura lhe ter liquidado honorários em execução de um Acórdão deste Venerando Tribunal, que suspendeu a eficácia do acto de denúncia do contrato, não confere ao ora recorrente o direito a percepcionar mais nada por força do mesmo, antes pelo contrário;
17.ª Ainda que, porventura, se viesse a entender que as tarefas de que o Autor se incumbiu ao abrigo da citada avença, se poderiam qualificar como realizadas em regime de subordinação hierárquica, tal apenas determinaria a nulidade do contrato nos termos e com os efeitos a que se reporta o art.º 10.º n.º 6 do Decreto-Lei n.º 184/89 e não a sua conversão num vínculo laboral a termo ou por tempo indeterminado (embora nulo) não tendo aqui aplicação o Código de Trabalho e em especial os artigos 15.º e 115.º;
18.ª Acresce que o A., enquanto avençado, auferiu honorários mensais muito superiores àqueles que auferira enquanto contratado ou aos que cabiam ao pessoal do quadro, o que implica que o ora recorrente tivesse sido amplamente compensado dos supostos prejuízos que lhe advieram por força do pagamento de uma taxa contributiva para a segurança social superior à de um trabalhador por conta de outrem e até dos subsídios que reclama;
19.ª Improcedem, por isso, todas as conclusões do recorrente e improcedem, em consequência os pedidos que formula a final (A a E).”
Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento da sentença quanto à natureza jurídica do contrato celebrado entre aquele e a entidade recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
“A) O Autor é Médico Veterinário.
B) Em 2/10/2000, celebrou com a Direcção Regional de Agricultura do Ribatejo e Oeste o denominado “contrato de avença” constante de fls 1 a 3 do processo instrutor apenso (de ora em diante designado de P.A) e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
C) Consta da cláusula terceira do referido contrato que “Este contrato não confere ao segundo outorgante a qualidade de funcionário ou agente (...)”.
D) Na sua cláusula 5.ª consta que “ O contrato será válido pelo período de 5 meses improrrogável, para substituição de Médicas Veterinárias que vão iniciar licença de parto”.
E) Passando a receber a partir dessa data para além do salário, subsidio de deslocação relativo aos estabelecimentos onde exerceu funções (cfr. docs. De fls. 29 a 34 dos autos e fls. 29 do P.A).
F) Em 1/6/2001, o Autor celebrou com a Direcção Regional de Agricultura do Ribatejo e Oeste o “contrato de trabalho a termo certo” constante a fls. 127-128 do PA, válido por um período de cinco meses, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
G) Nos termos do seu clausulado (cláusulas 2a e 3a) o Autor trabalhava por conta e sob a autoridade e direcção da Direcção Regional de Agricultura do Ribatejo e Oeste, ficando obrigado a cumprir o horário de trabalho em vigor na função publica para o grupo de pessoal a que pertence;”.
H) Consta da cláusula 5.a, o direito do Autor auferir, além da remuneração mensal, subsídio de natal, bem como subsídio de refeição;
I) Tendo este contrato sido renovado por uma vez até 31.3.2002 (cfr. doc. constante de fls. 57 e 58 do PA).
J) Em 1/6/2002, o Autor celebrou com a Direcção Regional de Agricultura do Ribatejo e Oeste o denominado “contrato de trabalho a termo certo” constante de fls. 84-85 do PA.
K) Do clausulado deste contrato consta que o mesmo foi celebrado por um período de 6 meses.
L) A 15.5.2003, o Autor celebrou com a Direcção Regional de Agricultura do Ribatejo e Oeste o denominado “contrato de trabalho a termo certo” constante a fls 54-55 do PA.
M) Nos termos do seu clausulado este contrato foi celebrado por um período de 5 meses;
N) Consta do clausulado dos contratos mencionados em J) e L) as mesmas referências descritas em G) e H).
O) Em 1,9.2003, o Autor celebrou com a Direcção Regional de Agricultura do Ribatejo e Oeste o denominado “contrato de avença” constante de fls. 72-73 do
P) Da cláusula 1.ª consta que “O objecto do presente contrato consiste em prestações sucessivas no exercício de profissão liberal (…)”
Q) Consta da cláusula 5.ª que “ Este contrato começa a produzir efeitos a partir da sua tal for expressamente comunicado pelo DRARO, podendo o mesmo ser feito cessar a todo o tempo por qualquer das partes, com aviso prévio de 60 dias, sem obrigação de indemnizar a outra parte”.
R) Os denominados contratos de avença celebrados pelo Autor, mencionados em B) e O), não concedem ao Autor direito a subsídio de refeição, de natal ou de férias;
S) Durante a execução do “contrato de avença” mencionado em B), o Autor não gozou qualquer dia de férias (por acordo).
T) Sendo que as contribuições para a Segurança Social efectuadas no âmbito de tais contratos foram suportadas pelo Autor (cfr. doc. de fls. 84, 101-102 e por acordo).
U) No ano de 2006, foi descontado no ordenado de Dezembro do Autor EUR 111,88, correspondente a dois dias de vencimento de faltas por greve (cfr. doc de fls. 157).
V) Pelo ofício n.° 00…, de 27/4/2007, da DRAPLVT, foi comunicado ao Autor a “rescisão do contrato de avença” (cfr. doc. de fls. 34 do processo instrutor apenso);
W) Consta desse ofício o seguinte:
“ Como é do conhecimento de V, Exa., no âmbito do programa de Reestruturação da Administração Centra! do Estado, foram recentemente publicadas as Leis Orgânicas do MADRP e dos serviços que os integram.
Assim sendo, considerando o disposto no art. 17.°, n.° 5 do Decreto-Lei n.° 41/84, de 3 de Fevereiro e na cláusula 6.ª, n.° 1, do contrato de avença celebrado com a Direcção Regional de Agricultura e Pescas, fica V. Exa. Notificado (a) da rescisão do seu contrato com efeitos a 30 de Junho de 2007”.
X) O Autor, por carta de 5.6.2009, dirigida ao Director-Geral de Veterinária, com cópia junta a fls. 305 dos autos, declarou proceder à denúncia do contrato alegadamente existente com a Direcção Regional de Agricultura do Ribatejo e Oeste, com efeitos reportados a 15.7.2009,
Y) Conforme declarado pelo Autor (cfr. Acta de fls. 375-376), o mesmo celebrou em Maio de 2008, um contrato individual de trabalho com uma terceira entidade, auferindo retribuição desde essa mesma data, sempre superior em média aos valores mensais pagos pelo Réu.
Z) O Autor exerceu funções de inspecção para o Réu (por acordo).
AA) O Autor tinha um poder de direcção técnica sobre os assistentes de inspecção (por acordo).
BB) A Direcção Regional de Agricultura Pescas Lisboa Vale do Tejo, em execução do Acórdão do TCA Sul, proferido no processo cautelar apenso aos presentes autos, procedeu ao pagamento ao Autor de remunerações no valor liquido de EUR 10.221,48, a que este deu quitação em 31.10.2008, correspondente aos períodos de 1.7.2007 a 31.12.2007 (cfr. doc. de fls. 380 a 386).
CC) Consta da cláusula 5.ª do denominado contrato de trabalho a termo certo mencionado em F) que o Autor “auferirá a remuneração mensal de 242.200$00 (duzentos e quarenta e dois mil e duzentos escudos)”.
DD) Consta da cláusula 5.ª do denominado contrato de trabalho a termo certo referido em L), que o Autor “auferirá a remuneração mensal de 1241,32 (mil duzentos e quarenta e um euros e trinta e dois cêntimos)”.
EE) Consta da cláusula 4.ª, n.° 1, do denominado contrato de avença referido em O), que serão pagos pela Direcção Regional de Agricultura do Ribatejo e Oeste, a titulo de honorário, pelos serviços prestados pelo Autor, uma remuneração mensal no valor de EUR 1,581,01.
FF) Consta da “nota de abonos e descontos” junto a fls. 217 dos autos, referente ao mês de Março de 2007, a titulo de abonos a pagar ao ora Autor, o valor de EUR 1. 703,58.
GG) No exercício das suas funções, em execução dos “contratos de avença”, o Autor esteve sempre sujeito ao cumprimento de horários definidos pelas chefias.
HH) Desde o início de execução do contrato mencionado em B) dos factos assentes até ao seu termo foram emitidos por ele recibos verdes à DRARO.
II) Durante a sua vigência não auferiu subsídio de refeição, nem subsídio de férias e de Natal.
JJ) Até ao ano de 2007 os Veterinários e Assistentes de Inspecção do Quadro auferiram todos os subsídios acima referidos.
KK) O Autor exerceu funções como inspector higio - sanitário de carnes frescas.
LL) Durante este período não auferiu subsídios de deslocação, refeição, Natal e férias.
MM) E a DRARO não fez qualquer entrega de contribuições à Segurança Social.
NN) O Autor gozou férias.
OO) Durante a vigência do contrato mencionado em J) auferiu subsídios de deslocação, refeição, Natal e férias tal como os veterinários e Assistentes de Inspecção do quadro.
PP) E gozou férias.
QQ) O Autor fez horas extraordinárias durante a execução do “contrato de avença” e dos “contratos de trabalho a termo certo”, mencionados respectivamente, em B) e F) a J) dos factos assentes.
RR) As quais foram pagas sob a forma de subsidio de deslocação.
SS) Durante a vigência do “contrato de avença” celebrado em 1.9.2003, o Autor efectuou horas extraordinárias.
TT) No ano de 2005 foi-lhe descontado o montante equivalente a um dia de trabalho.
UU) Em 2003 o Autor gozou férias.
VV) Em 2004 o Autor gozou férias.
WW) Em 2005 o Autor gozou férias
XX) Em 2006 o Autor gozou férias
YY) O Autor na sequência da rescisão do contrato sentiu angústia, revolta e desgosto.”
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, a questão a decidir cinge-se a saber se ocorre erro de julgamento da sentença quanto à natureza jurídica do contrato celebrado entre o recorrente e a entidade recorrida.

Consta da sentença recorrida a seguinte fundamentação:
[O] Autor exercia as funções de Médio Veterinário, actividade que se presta naturalmente ao exercício de actividade liberal, dada a independência técnica que exige.
A existência de médicos veterinários pertencentes ao quadro de pessoal da Ré, não implica só por si, a ilegalidade dos contratos de avença celebrados entre Autor e Réu, uma vez que não resultou dos autos que a Ré possuía pessoal do quadro suficiente para fazer face às necessidades de serviço.
Também não resultou dos autos, que durante a execução dos contratos de avença celebrados entre as partes, tenham ingressado no quadro de pessoal da Ré, através de contratos de trabalho ou nomeação, outros profissionais em preterição do Autor.
Por sua vez no Decreto — Lei n.° 184/89 de 2 de Junho, artigo 10° n.° 6, o legislador refere expressamente que: “São nulos todos os contratos de prestação de serviços, seja qual for a forma utilizada, para o exercício de actividades subordinadas, sem prejuízo da produção de todos os seus efeitos como se fossem válidos em relação ao tempo durante o qual estiveram em execução
A actividade do veterinário em sede de fiscalização da actividade sanitária era desenvolvida nos termos da Portaria n.° 971/94 de 29 de Outubro com as alterações introduzidas pela Portaria n.° 252/96 de 10 de Julho, normas regulamentares das quais se retira um carácter inspectivo das funções desenvolvidas pelo “veterinário oficial” caracterização inspectiva essa, também expressa nos artigos 29.° e 30.° do Decreto-Lei n.° 106/97, ao que acresce um poder de direcção do veterinário sobre o “assistente”.
Conforme alegado pelo Autor, no artigo 42.° do Decreto Regulamentar 17/97 no qual se encontra prevista a orgânica da DRARO, consta a previsão de criação de uma carreira especial de inspecção a definir em futuras leis orgânicas do Ministério da Agricultura e Pescas, mas tal não veio a suceder.
Não obstante, ficou provado nos autos, pontos Z), AA) que o Autor exercia funções de inspecção e tinha o poder de direcção técnica sobre o assistente de inspecção.
O que não configura indícios de uma actividade subordinada e dependente típica do vínculo do Contrato Individual de trabalho.
De todo o modo, como supra referido nos termos expressos no artigo 10.°, n.° 6, da Lei n.° 184/89 de 2 de Junho, a utilização de contratos de prestação de serviços, para actividades subordinadas, não tem como efeito a sua conversão num vinculo laboral a termo, mas sim a sua nulidade, salvaguardando -se os efeitos já produzidos.
Não obstante, no caso concreto, os factos assentes mais relevantes, vão, predominante e seguramente, no sentido de que os contratos de avença firmados entre os litigantes, foram realmente contratos de prestação de serviço.
O Autor alegou a existência de horário de trabalho fixado pelas chefias e nas suas próprias funções de coordenação de alguns elementos da equipa, de modo a configurar uma relação subordinada.
No entanto, o Ré alega que a existência de horas de trabalho certas, tratava-se não de um imposição voluntária, mas de uma exigência de tipo de trabalho em si, com vista à realização do objectivo último de harmonização das intervenções do Autor em função da agenda dos demais intervenientes e colaboradores, e da adequação à calendarização dos serviços efectuados nos matadouros. (…)
Da matéria de facto provada resulta que o contrato em causa não atribui à Administração especiais poderes estatutários, mas apenas imposições de horários explicáveis pelo facto de as funções serem exercidas com mais elementos e não de forma solitária e de envolver estruturas e serviços levados a cabo por terceiros (matadouros), não contendo assim qualquer cláusula exorbitante. A administração não reservou especiais poderes de autoridade ou fiscalização na execução do contrato.
Dos pontos B), C), E), O), P), Q), R), S), T), V), W), EE), HH), ÍI), KK), LL), MM), NN), resultam claras diferenças de vínculo a que obedeceu a sua relação jurídica com a Ré, como por exemplo a título de vencimento, que se verifica ser superior no âmbitos dos contratos de avença celebrados, em contraponto com as condições legais de prestação de trabalho que efectuou no âmbito do Contrato de trabalho a termo certo.
Dos factos provados resultou que o Autor enquanto parte dos contratos de avença celebrados com o Réu auferia rendimentos superiores aos auferidos pelo pessoal do quadro ou com vínculo contratual, para fazer face às contribuições da Segurança Social e impostos, bem como tinha direito a que lhe fossem pagas despesas de deslocação e horas de trabalho realizadas para lá do estabelecido no contrato de avença, factos estes que demonstram que houve equilíbrio financeiro e justiça material no pagamento e valoração do trabalho desenvolvido pelo Autor, mas não indiciam por si que se tratava de uma actividade subordinada às ordens e direcção da Ré.
Não revestindo os contratos de avença uma modalidade legal de emprego público, não se aplica à sua cessação o disposto nos artigos 28.° a 30.° do Decreto-Lei n.° 422/89.
Pelo contrário, o contrato de avença pode ser feito cessar a todo tempo por força dos disposto no artigo 17.°, n.° 5 do Decreto-Lei n.° 41/84 e da cláusula 5.° dos próprios contratos de avença celebrados entre Autor e Réu.
No que se refere ao pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, o Autor invoca também como fundamentos uma denúncia ilícita por falta de fundamentação, ora, além de se estar em presença de uma declaração negocial, da análise do ponto W) dos factos provados, verifica-se que o Autor foi expressamente informado do programa de reestruturação dos serviços, ou seja da extinção do próprio DRARO/DRAPLVT, com a consequente redistribuição de funções.
Quanto à hipotética responsabilidade contratual, como já referido não se vislumbram as alegadas violações contratuais, legais e constitucionais do acto de denúncia, uma vez que foi realizado nos termos da cláusula 5.° do contrato, com respeito pelo período mínimo de aviso prévio.
De acordo com os princípios gerais subjacentes à responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, a obrigação de indemnizar pressupõe, em todo o caso, a existência de um facto ilícito imputável ao órgão ou agente, um juízo ético- jurídico de censura, a ocorrência de uma dano indemnizável e o nexo de causalidade entre o ilícito praticado e o dano.
Da análise da matéria de facto provada e das alegações do próprio Autor, não resulta a verificação de qualquer facto ilícito praticado pelo Réu susceptível de um censura ético-jurídica, pelo que também aqui improcedem as alegações do Autor.
Quanto aos contratos de trabalho a termo celebrados em 1/6/2001, (renovado em 31/3/2002) em 1/6/2002 e 15/5/2003 [cfr. pontos F), I), J), L)], não resultou provado que tenha sido negado qualquer direito do Autor, designadamente, o direito a férias e a qualquer outro dos respectivos subsídios legais (natal, refeições).
Se atentarmos ao regime legal que determina a possibilidade de celebração por entidades públicas de contratos a termo, verifica-se que apenas em condições muito específicas, a sua celebração é admitida nos termos do artigo 18.° do Decreto-Lei 427/89 de 7 de Dezembro. Diploma que expressamente admite a sua celebração, apenas em situações excepcionais e limitadas no tempo, em contraponto à possibilidade legal de celebração de contratos de avença, os quais o legislador admite perante a verificação de falta de pessoal no quadro para o exercício de funções, cuja natureza não seja subordinada.
Por todo o exposto, devem improceder todos os pedidos formulados pelo Autor.
Ao que contrapõe o recorrente, em síntese:
- os factos dados como provados e referidos em 5. e 6. indiciam a existência de atividade subordinada e dependente típica do contrato individual de trabalho por tempo indeterminado;
- exercia as suas funções nos locais indicados pelo réu, que lhe pagava subsídio de transporte para as deslocações, foram-lhe descontados dois dias de vencimento por greve, esteve sempre sujeito ao cumprimento de horários definidos pelas chefias, gozou férias, fez horas extraordinárias, tudo apontando no sentido da existência de um verdadeiro contrato de trabalho;
- o contrato é nulo, mas produz efeitos nos termos dos artigos 15.º, n.º 1, e 115.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003.
Vejamos se lhe assiste razão.
Sabemos que o recorrente, médico veterinário, celebrou um primeiro contrato de avença com a Direção Regional de Agricultura do Ribatejo e Oeste (DRARO) em 02/10/2000, do qual expressamente constava que não lhe conferia a qualidade de funcionário ou agente, pontos A a C do probatório. Na vigência deste contrato recebia o vencimento e subsidio de deslocação, e não gozou qualquer dia de férias, nem auferiu subsídio de refeição, de natal ou de férias, pontos E e S do probatório.
Findo aquele contrato de avença, celebrou com a DRARO contrato de trabalho a termo certo em 01/6/2001, nos termos do qual trabalhava por conta e sob a autoridade e direção daquela Direção, ficando obrigado a cumprir o horário de trabalho em vigor na função publica para o grupo de pessoal a que pertencia e auferindo remuneração mensal, subsídio de natal e subsídio de refeição, pontos F a H do probatório. Celebrou o recorrente mais dois contratos de trabalho a termo certo em 01/06/2002 e 15/05/2003, com características idênticas ao primeiro, pontos I a N do probatório
Já em 01/09/2003, celebrou com a DRARO um segundo contrato de avença, que tal como o primeiro não lhe concedia direito a subsídio de refeição, de natal ou de férias, pontos O e R do probatório. Na vigência deste contrato foi-lhe descontado no ordenado de dezembro de 2006 o correspondente a dois dias de vencimento de faltas por greve, ponto U do probatório. Este contrato de avença veio a ser rescindido pela DRAPLVT em 27/04/2007 pontos V e W do probatório.
Releva ainda para a caracterização do contrato de avença que:
- o recorrente exerceu funções de inspeção com poder de direção técnica sobre os assistentes de inspeção, pontos Z e AA do probatório;
- esteve sempre sujeito ao cumprimento de horários definidos pelas chefias, ponto GG do probatório.
- fez horas extraordinárias durante a sua execução, pagas sob a forma de subsídio de deslocação, pontos QQ e RR do probatório;
- e gozou férias nos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, conforme consta dos pontos UU a XX do probatório.
A celebração dos contratos de avença encontrava amparo legal no disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de fevereiro, que dispunha como segue:
“1 - Para a execução de trabalhos de carácter excecional sem subordinação hierárquica poderão ser celebrados contratos de prestação de serviços sujeitos ao regime previsto na lei geral quanto a despesas públicas em matéria de aquisição de serviços, não podendo em caso algum exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido.
2 - O contrato de tarefa caracteriza-se por ter como objeto a execução de trabalhos específicos sem subordinação hierárquica, apenas podendo os serviços recorrer a tal tipo de contrato quando no próprio serviço não existam funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício das funções objeto da tarefa.
3 - O contrato de avença caracteriza-se por ter como objeto prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, apenas podendo os serviços recorrer a tal tipo de contrato quando no próprio serviço não existam funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício das funções objeto de avença.
4 - Os serviços prestados em regime de contrato de avença serão objeto de remuneração certa mensal.
5 - O contrato de avença pode ser feito cessar a todo o tempo, por qualquer das partes, com aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar.
6 - Os contratos de tarefa e avença não conferem ao particular outorgante a qualidade de agente.
7 - Os contratos de tarefa e avença ficam sujeitos a autorização prévia do membro do Governo de que dependa o serviço contratante, a qual poderá ser delegada sem poderes de subdelegação.”
O contrato de avença configura-se, pois, como um contrato de prestação de serviços.
Como se assinala na sentença objeto de recurso, a questão essencial na caracterização dos contratos denominados de avença será a de saber se existia subordinação jurídica na relação entre a Direção Regional e o recorrente, pedra de toque na distinção entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços, cf. artigos 1152.º e 1154.º do Código Civil, pois aquele caracteriza-se pelo poder de direção do empregador e dever de obediência do trabalhador, ao contrário da prestação de serviço na qual não se verifica essa subordinação.
Esta subordinação, enquanto conceito jurídico, “não pode ser diretamente apreendida e, daí, que a jurisprudência e a doutrina preconizem o recurso ao chamado método tipológico que consiste em buscar na situação real em que a relação contratual se desenvolve ou desenvolveu os aspetos factuais que normalmente ocorrem no modelo típico do contrato de trabalho e que, em regra, constituem manifestações da sujeição do trabalhador ao poder diretivo do empregador, sendo que cada um desses aspetos funcionará como um indício da existência da subordinação jurídica” (acórdão do STJ de 10/11/2010, proc. n.º 3074/07.0TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Nas palavras de Monteiro Fernandes, constituem indícios de subordinação “a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa – tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem” (Direito do Trabalho, 2002, pág. 143).
Contudo, na tarefa de análise da existência destes indícios de subordinação não podem deixar de relevar a designação atribuída ao contrato pelas partes, o nomem juris, assim como as respetivas cláusulas que mesmo não sendo decisivas para a sua qualificação, “assumem importância para ajuizar da vontade das partes no que toca ao regime jurídico que elegeram para regular a relação, sobretudo se os outorgantes forem pessoas instruídas e esclarecidas” (acórdão do STJ de 08/10/2008, proc. n.º 08S1328, disponível em www.dgsi.pt).
Como premissa da análise a realizar, impõe-se salientar, conforme decorre da regra geral contida no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, que constitui ónus do autor da ação alegar e provar os factos constitutivos do direito alegado, que no caso serão aqueles que demonstram a natureza distinta da nomeada do contrato que celebrou com a entidade administrativa.
Sem que venha impugnada a decisão quanto à matéria de facto, entende o recorrente que decorre desde logo dos pontos 5 e 6 do probatório a indiciação da existência de atividade subordinada e dependente típica do contrato individual de trabalho.
Os pontos 5 e 6 aludidos na peça recursiva correspondem ali aos pontos F e G do probatório, que nos remetem para o primeiro contrato de trabalho a termo certo celebrado pelo recorrente, com clausulado distinto do anterior contrato de avença, passando agora a estar sujeito à autoridade e direção da DRARO, mantendo-se a obrigação de cumprir o horário de trabalho em vigor na função publica para o grupo de pessoal a que pertence.
É verdade que esta obrigação de cumprimento do horário de trabalho configura um possível indício da subordinação jurídica, mas a mesma tem de ser vista no contexto global da prestação objeto do contrato.
E o que sucede na situação em apreço, conforme decorre da matéria de facto, é que o recorrente prestava serviço em matadouros, incumbindo-lhe a função de inspeção das condições higiénicas e sanitárias, pelo que necessariamente o seu horário de trabalho tinha de coincidir com o horário de funcionamento daqueles estabelecimentos. Como se assinala no já citado acórdão do STJ de 10/11/2010, na apreciação de situação fáctica com contornos muito próximos do presente, “o horário de trabalho, embora típico do contrato de trabalho, não é incompatível com o contrato de prestação de serviço, mormente nos casos em que esta tem de ser necessariamente realizada em determinado local”, como aqui sucede.
Prosseguindo na análise do alegado na peça recursiva, não impressiona que fosse pago ao recorrente subsídio de transporte para as deslocações aos matadouros, tratando-se de cláusula contratual que tanto podia fazer parte do contrato de prestação de serviços, como de um contrato de trabalho.
Já outros factos que se mostram provados adquirem distinta relevância, pese embora não possam assumir o peso que o recorrente lhes atribui, analisados à luz da já referida obrigação de cumprimento do horário de trabalho.
Assim, o desconto de dois dias de vencimento por greve, o gozo de férias e a realização de horas extraordinárias, ainda que constituam de facto indícios da existência de um contrato de trabalho, devem ser vistos no contexto de uma prestação de serviços que se prolongou no tempo.
E enquadrados na natureza dos serviços prestados pelo recorrente, que se prestam mais naturalmente ao exercício de uma atividade liberal, em função da independência técnica que exige, como se assinala na sentença recorrida.
Assim, não se podem ter como determinantes na caracterização da natureza do contrato o desconto no vencimento de ausências ao serviço, o gozo de férias no âmbito de um contrato que se prolongou por cerca de quatro anos e a prestação de horas extraordinárias, quando existia sujeição a horário.
Sabendo-se que em momento algum resultou provado que a entidade administrativa tenha emitido ordens ou mesmo simples orientações dirigidas ao recorrente, ou que tenha exercido poder disciplinar sobre ele.
Antes pelo contrário, ressalta dos autos que o recorrente exercia as suas funções com autonomia e detendo poder de direção técnica sobre os assistentes de inspeção.
Mais se notando que na vigência dos contratos de avença o recorrente auferiu de forma constante remunerações superiores às auferidas na vigência dos contratos de trabalho, o que indicia a compensação pela prestação de serviço num contexto de maior precariedade.
Assume, pois, especial relevância a designação atribuída ao contrato pelas partes, assim como as respetivas cláusulas contratuais, que afastam a ideia de subordinação jurídica, uma vez que da matéria de facto dada como assente não resulta que tenha sido contrária a vontade negocial das partes relativamente ao que ali ficou previsto.

Em suma, será de negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

*


III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 18 de novembro de 2021

(Pedro Nuno Figueiredo)

(Ana Cristina Lameira)

(Catarina Vasconcelos)