Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06797/13
Secção:
Data do Acordão:11/13/2014
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:PRINCÍPIO DE DIREITO EUROPEU DO TRATAMENTO NACIONAL; TRIBUTAÇÃO DE GANHOS OBTIDOS COM MAIS-VALIAS.
Sumário:1.A impugnante é cidadã de Estado-membro da União Europeia e, por isso, beneficiária das liberdades fundamentais do Tratado da União Europeia [artigos 45.º a 66.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia], e fez uso da liberdade de circulação para território de Estado sujeito ao regime das liberdades fundamentais, a Suíça, conforme decorre do Acordo celebrado entre a União Europeia [e os seus Estados-membros] e a Confederação Suíça, relativo à livre circulação de pessoas [publicado no JOUE, n.º L114, de 30.04.2002], pelo que pode invocar com êxito o princípio de direito europeu do tratamento nacional.

2. Suscitando-se a questão de saber se a opção feita pela impugnante no sentido da tributação pelo regime geral, aplicável aos sujeitos passivos residentes, vincula a AT, de modo que a tributação deve apenas incidir sobre 50% do montante dos ganhos obtidos a título de mais-valias, como sucede nos termos do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, impõe-se responder, de forma afirmativa, em nome do princípio de direito europeu do tratamento nacional.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório
Fazenda Pública interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida a fls. 132/150, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Françoise ……………………… contra a liquidação de IRS de 2008, no montante de €33.364,23.
Nas alegações de recurso jurisdicional de fls. 181/195, a recorrente formula as conclusões seguintes:
1) Pelo elenco de razões acima arroladas, infere-se que a sentença a quo julgou procedente o pedido, atendendo no que respeita ao enquadramento que faz dos factos na ordem jurídica (mais-valias obtidas por não residentes, relacionadas com ganhos obtidos com alienação de bens imóveis), sem observação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo legislador.
2) Neste pendor, o thema decidendum assenta em determinar se, atento, ao elemento de conexão privilegiado na CDT, a nacionalidade, a decisão pode manter-se na ordem jurídica.
3) Da análise esboçada resulta uma resposta negativa, precisamente porque ao ser a nacionalidade o elemento de conexão eleito pela Convenção, a norma do CIRS aplicada em razão da residência dos sujeitos passivos não é discriminatória em relação aos nacionais de outros Estados, antes os trata de modo igual aos nacionais do Estado português.
4) Resulta pois que a solução adoptada pelo legislador português é a correcta face à aplicação do direito internacional e aos seus instrumentos convencionais.
5) Na prática, se um nacional não residente obtiver em Portugal uma mais-valia, será tributado de forma idêntica aos não residentes de outra nacionalidade que o são sem englobamento e, nos termos do artigo 72.º, n.º1 do CIRS, taxas especiais.
6) O Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares prevê ainda quanto aos residentes (nacionais ou não) que, nos termos do art.º 43.º, n.º2 do CIRS, o montante das mais-valias realizadas aquando da alienação de bens imóveis em Portugal seja apenas considerado em 50% do seu valor. No entanto, esses rendimentos devem ser englobados aos restantes sendo sujeitos às taxas gerais progressivas do art.º 68.º do CIRS.
7) Assim, face ao direito internacional, a questão subjacente é a de saber se duas pessoas residentes no mesmo Estado são tratadas de modo distinto pelo simples facto de terem nacionalidade diferente. Por conseguinte, se um Estado Contratante estabelecer uma distinção entre os seus nacionais para a concessão de benefícios relativos aos respectivos encargos familiares consoante residam ou não no seu território, esse Estado não pode ser obrigado a conceder aos nacionais do outro Estado que não residam no seu território o tratamento que reserva aos seus nacionais residentes, comprometendo-se porém a tornar extensivo a eles o tratamento de que beneficiam os seus nacionais que residam no outro Estado.
8) Quanto à questão da existência de erro na verificação dos pressupostos para aplicação das normas em causa, por serem normas violadoras da CDT celebrada entre Portugal e a Suíça, é impensável julgar que a AT não agiu de acordo com o princípio da legalidade pois todos os pressupostos necessários à aplicação das normas vigentes se verificam. Contudo ainda que alguém admita que as normas aplicadas são violadoras da ordem jurídica, a AT apenas se limitou a cumprir a lei, não se encontrando preenchido o requisito do erro imputável aos serviços, estabelecido no artigo 43.º, n.º 1 da LGT.
9) Ora neste caso, sendo o direito internacional aplicável, maxime a CDT vigente entre os dois países Portugal e Suíça, há apenas que ter em conta o art.º 24.º da mesma que refere a nacionalidade e não a residência como elemento de conexão, como se passa a transcrever:
"ARTIGO 24.º
Não discriminação
3. Os nacionais de um Estado Contratante não ficarão sujeitos no outro Estado Contratante a nenhuma tributação ou obrigação com ela conexa diferentes ou mais gravosas do que aquelas a que estejam ou passam estar sujeitas os nacionais desse outro Estado que se encontrem na mesma situação.
4. O termo "nacionais" designa:
Todas as pessoas singulares que tenham a nacionalidade de um Estado Contratante;… "
10) Pelo exposto, salvo o muito devido respeito, o douto tribunal a quo não esteou a sua fundamentação de direito de acordo com a solução adoptada pelo legislador.
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A fls. 197/210, a recorrida proferiu contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.
1) A Exma. Senhora Representante da Fazenda Pública, por delegação de competências do Exmo. Senhor Director de Finanças de Lisboa, interpôs recurso da douta sentença proferida em 1.ª instância pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente o recurso interposto pela ora Recorrida contra a decisão de indeferimento da Autoridade Tributária da reclamação graciosa respeitante à liquidação de IRS do ano de 2008, nomeadamente tendo, o Tribunal a quo, considerado como rendimento colectável para efeitos de tributação em sede de IRS o montante de € 63.599,03.
2) A Exma. Senhora Representante da Fazenda Pública, por delegação de competências do Exmo. Senhor Director de Finanças, entendeu que o Tribunal a quo incorre em erro ao privilegiar como elemento de conexão a residência quando teria que estabelecer como elemento de conexão a nacionalidade.
3) A Exma. Senhora Representante da Fazenda Pública, por delegação de competências do Exmo. Senhor Director de Finanças, considerou ainda que o artigo 24.º da CDT entre Portugal e a Suíça que consagra um princípio geral de não discriminação não colhia para efeitos de justificar que a mais-valia obtida pela ora Recorrida para efeitos de tributação deveria ser considerada em 50% do seu valor.
4) Esta postura da Autoridade Tributária não pode ser aceite pela ora recorrida e está em desconformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, bem como com a mais recente prática jurisprudencial tributária.
5) O n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República consagra o primado do Direito Europeu sob as normas de Direito Interno. A Suíça, apesar de não ser membro da União Europeia, é signatária de múltiplos acordos bilaterais, dos quais se destaca para este efeito o Acordo de Schengen, o qual consagra a livre circulação de pessoas. Tal significa que através deste instrumento jurídico consagra-se e materializa-se uma das quatro liberdades fundamentais da União Europeia: a livre circulação de pessoas.
6) Por seu turno, tem por princípio subjacente a não discriminação entre todos os nacionais e residentes dos Estados signatários. Ora, prevalecendo as normas de Direito Europeu e o Direito Internacional Convencional sob as normas de Direito Interno, não permitir que a mais-valia obtida pela ora Recorrida seja tributada nos termos decididos pelo Tribunal a quo e em obediência à Constituição da República Portuguesa é ilegal.
7) Acresce que a não-aceitação do princípio da não discriminação para efeitos de justificar a tributação da mais-valia obtida pela ora Recorrida em 50% do seu valor, está em violação novamente do n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República, sendo que este princípio geral de não discriminação tem vindo a ser utilizado na mais recente jurisprudência tributária para justificar a tributação aplicável a nacionais de diferentes Estados Contratantes.
8) Em Janeiro de 2013, o Tribunal Arbitral aplicou para efeitos de resolução de um litígio o princípio da não discriminação com base na nacionalidade previsto na CDT entre Portugal e os Estados Unidos da América, tendo reconhecido que as cláusulas de não discriminação procuram evitar que, na tributação de rendimentos, a nacionalidade das entidades que os auferem ou paguem seja um elemento central no distinto (ou discriminatório) tratamento fiscal de tais rendimentos.
9) Atendendo ao exposto, bem decidiu o Tribunal a quo quando anulou a liquidação na parte em que faz incidir a taxa especial de 25%, prevista no actual artigo 72.º. n.º 1 do Código do IRS, sobre 50% das mais-valias apuradas como tributáveis, o que significa que a mais-valia tributável da ora Recorrida apenas deve perfazer o valor de €63.599,03.
10) Assim, não podem subsistir quaisquer dúvidas que no caso em apreço a mais-valia obtida pela ora Recorrida apenas pode ser considerada em 50% do seu valor para efeitos de tributação.
11) Ainda que assim não fosse, o que apenas se entende por cautela de patrocínio, sempre teria que se aplicar a cláusula de não discriminação ínsita no artigo 25.º da CDT Portugal­França (País do qual a ora Recorrida é nacional), que estabelece um princípio geral de não discriminação baseado na nacionalidade.
12) Impondo-se, assim, que seja Julgado totalmente improcedente o presente recurso interposto pela Exma. Senhora Representante da Fazenda Pública, por delegação de competências do Exmo. Senhor Director de Finanças de Lisboa, mantendo-se a sentença proferida em primeira instância pelo Tribunal Tributário de Lisboa.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr. fls. 222, dos autos), no qual se pronuncia no sentido da recusa de provimento ao presente recurso jurisdicional.
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Corridos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.
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II- Fundamentação
2.1. De Facto
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
A) Em 23/07/2010, Isabel ………………, na qualidade de representante ou gestor de negócio, procedeu à entrega da declaração de IRS - Modelo 3 em nome da impugnante, respeitante ao ano de 2008, apresentando o Anexo G respeitante às mais-valias imobiliárias obtidas com alienações de imóveis realizadas (cfr. doc. de fls. 35 e 36 dos autos).
B) Em 05/11/2010, foi emitida em nome da impugnante a liquidação de IRS do ano de 2008 com o nº ………………., no montante de 33.364,23€, equivalente à aplicação da taxa de 25% aplicada sobre o montante de 127.198,06€, matéria colectável correspondente à totalidade da mais-valia imputada à quota de 25% detida pela impugnante nos imóveis alienados (cfr. fls. 38 dos autos).
C) A liquidação mencionada na alínea antecedente foi paga em 16/12/2010 (cfr. fls. 4 da Reclamação Graciosa apensa).
D) Em 12/04/2011, a impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa 4 reclamação graciosa contra o acto tributário de liquidação mencionado em C), invocando ser discriminatória a consideração da totalidade das mais-valias realizadas no ano de 2008, já que devê-lo-ia ter sido apenas por 50% do valor, e contestando o facto de não ter sido tida em conta a opção pela aplicação das taxas gerais previstas no artigo 68º do CIRS (cfr. doc de fls. 5 a 17 da reclamação graciosa apensa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
E) A impugnante juntou à reclamação graciosa mencionada na alínea antecedente, procuração com poderes especiais para a representar em quaisquer actos perante a A.T., bem como para deduzir reclamações ou exposições (cfr. doc. de fls. 102 da Reclamação Graciosa apensa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
F) Em 04/11/2011, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 4, com base na informação de 02/11/2011 dos mesmos serviços, onde consta, designadamente o seguinte:
Informação complementar
Apreciada a petição entregue, foi elaborado o respectivo projecto de decisão, sancionado por despacho do senhor Chefe do Serviço de Finanças em 2011-08-30.
Através de carta registada em 2011-09-01 (ofício nº 7616), foi o sujeito passivo notificado, na pessoa do seu mandatário, de acordo com o disposto no art.º 40º, números 1e 3 do CPPT, para no prazo de 10 dias, exercer, querendo, o direito de participação na decisão, previsto nos artigos 8º e 59º do CPA.
O sujeito passivo exerceu o referido direito, na pessoa do seu mandatário, contestando o projecto de decisão, dentro do prazo estabelecido, aludindo, em resumo:
a) ser representada fiscalmente em Portugal pela advogada Dra. Isabel ………..;
b) entender que essa representação foi aceite e assumida pela Administração Fiscal, uma vez que aceitou a entrega da declaração de IRS, ano de 2008 onde consta assinatura da Dra. Isabel …………, na qualidade de representante fiscal;
c) entender que tal aceitação perdurou no tempo, visto a Administração Fiscal ter aceite a entrega de declaração IRS, ano de 2010, em idênticas circunstâncias;
d) terem todas s notificações fiscais a si dirigidas, sido remetidas para o domicilio da Dra. Isabel ……….;
e) alega, ainda, ter a Administração Fiscal, em outros casos, considerado que a designação de representante fiscal não pode constituir requisito para o exercício de defesa por parte de contribuinte não residentes e refere o entendimento da Comissão Europeia de que o art.º 130º do CIRS constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu.
Conforme anteriormente informado, a designação de representante fiscal por sujeitos passivos não residentes que obtenham, em Portugal, rendimentos sujeitos a IRS, será feita, reportando-nos ao caso em análise, na declaração de registo de número de contribuinte, devendo nela constar expressamente a sua aceitação pelo representante (art.º 130.º, números 1 e 2 do CIRS).
Consultados os elementos disponíveis, incluindo a base de dados da Administração Fiscal, verificamos não ter sido feita, pelo sujeito passivo, qualquer nomeação de representante fiscal. Estando legalmente determinada a forma como a nomeação de representante fiscal deve ser efectuada, não colhe o argumento de reconhecimento da representação, por parte da Administração Fiscal, com base na aceitação das declarações de IRS, anos de 2008 e 2010.
Todas as notificações relativas a Françoise ………………….. foram remetidas para a morada declarada como sendo o seu domicílio fiscal, e que, como tal, consta no respectivo registo da contribuinte.
Relativamente às alegações resumidas na alínea e), reiteramos a informação prestada no ponto II – Análise do pedido.
VI- Proposta de decisão final.
Em face do exposto, propõe-se que seja convertida em definitivo a proposta de indeferimento da reclamação efectuada no projecto de decisão.
Propõe-se, ainda, que a notificação da decisão contenha a informação de que, ao abrigo do disposto no art.º 19.º, n.º 5, da LGT, “… depende da designação de representante…”, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo da citada lei, “…o exercício dos direitos dos sujeitos passivos neles referidos perante a administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação”. (cfr. doc. de fls. 15 a 18 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
G) Através do ofício nº 10262 de 04/11/2011 foi comunicado à impugnante o teor da informação e despacho mencionados na alínea antecedente, tendo o aviso de recepção sido assinado em 09/11/2011 (cfr. fls. 144 a 146 da Reclamação Graciosa apensa).
H) A impugnante é residente na Suíça (cfr. docs. de fls. 21 e 30 dos autos, e 102 da Reclamação G1aciosa apensa).
I) A presente impugnação foi apresentada em 24/11/2011 (cfr. fls. 2 dos autos).

Em sede de fundamentação da matéria de facto consignou-se na sentença recorrida o seguinte:
«Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos e no processo administrativo. // Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa».

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Ao abrigo do artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
J) A impugnante é cidadã nacional francesa – doc. de fls. 24/26, do p.a.
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2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, vem interposto recurso jurisdicional da sentença proferida a fls. 132/150, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Françoise ……………………..contra a liquidação de IRS de 2008, no montante de €33.364,23.
2.2.2. Para julgar procedente a presente impugnação, a sentença recorrida esteou-se, entre o mais, na fundamentação seguinte: «Assim, em face do decidido neste acórdão do TJCE, o nº 2 do artigo 43º do CIRS, ao limitar a residente, em território nacional, para efeitos de determinação da matéria tributável em sede de IRS, a redução a 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas em cada ano, é incompatível com o referido artigo 56º do Tratado. // Mas daquela posição deixada expressa, de resto seguida pelo STA em diversos arestos (veja-se a título de exemplo o acórdão do STA de 16.01.2008, proc. 0439/06), é também possível concluir que aquele tratamento diferenciado, resultante da aplicação apenas aos residentes da exclusão de tributação de 50% das mais-valias imobiliárias, prevista no artigo 43º, nº 2 do CIRS, constitui uma discriminação relativamente aos não residentes. (…) // Ora, como supra se viu na comparação entre residentes em Portugal e não residentes com residência na U.E. não pode deixar de ser considerada como discriminatória a aplicação da exclusão de tributação a residentes e a não aplicação a residentes na Suíça, uma vez que tal situação consubstancia um tratamento diferenciado, mais gravoso para estes últimos e, por isso, inadmissível à luz do artigo 24º, nº 1da CDT celebrada entre Portugal e a Suíça. // Com efeito, aquela norma para além de visar impedir tributações mais gravosas para um residente de um Estado Contratante no outro Estado Contratante, impede mesmo uma tributação diferente, que não se pode deixar de ter como ocorrida no presente caso».
2.2.3. Do alegado erro de julgamento quanto ao regime jurídico aplicável à tributação das mais-valias em causa.
Sob o presente item, a recorrente imputa à sentença sob escrutínio erro de julgamento, porquanto a mesma terá incorrido em erro na interpretação do direito aplicável.
Na tese da recorrente, há que atender à Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Suída/CDT, nos termos da qual o elemento de conexão reside na nacionalidade e não na residência do contribuinte. Donde decorre que o acto tributário impugnado observou o princípio da não discriminação consagrada no artigo 24.º da CDT, pelo que não enferma de nenhuma ilegalidade.
Vejamos.
Recordem-se as normas relevantes para a decisão do caso em exame:
«Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: // a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…)» - artigo 10.º/1/a), do CIRS.
Artigo 43.º do CIRS: «1. O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes. // 2. O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d), do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, apenas é considerado em 50% do seu valor».
Nos termos do artigo 72.º, n.º 7 [actual n.º 8], do CIRS [versão conferida Lei n.º 67-A/2007, de 31.12]: «Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nos n.os 1 e 2, pela tributação dessas rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português». Recorde-se que nos termos do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, «[a]s mais-valias e outros rendimentos auferidos por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado e que não sejam sujeitos a retenção na fonte às taxas liberatórias são tributados à taxa autónoma de 25% ou de 15%, quando se trate de rendimentos prediais, salvo o disposto no n.º 4».
A questão que se suscita nos presentes autos consiste em saber se a recorrida/impugnante pode exercer, com êxito, a opção pela tributação às taxas gerais e segundo o regime normal aplicável aos cidadãos residentes, nos termos do disposto no artigo 72.º/7, do CIRS. Por outras palavras, suscita-se a questão de saber se a opção feita pela impugnante no sentido da tributação pelo regime geral, aplicável aos sujeitos passivos residentes, vincula a AT, de modo que a tributação deve apenas incidir sobre 50% do montante dos ganhos obtidos a título de mais-valias, como sucede nos termos do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS.
Donde decorre que a questão em exame respeita a saber se a impugnante pode invocar para si o regime aplicável ao cidadão residente em território português, no que respeita à tributação de mais-valias.
Sobre a presente questão a jurisprudência assente é a seguinte: «[o] n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no art. 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia» [Acórdão do STA, de 16.01.2008, P. 0439/06].
Dir-se-á que a presente orientação não será aplicável ao caso em exame, dado que a impugnante é cidadã estrangeira residente em território de Estado não membro da União Europeia. No entanto, a presente argumentação não procede, seja porque se trata de cidadã de Estado-membro da União Europeia e, por isso, beneficiária, nessa qualidade, das liberdades fundamentais do Tratado da União Europeia [artigos 45.º a 66.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia], seja porque fez uso da liberdade de circulação para território de Estado sujeito ao regime das liberdades fundamentais, a Suíça, conforme decorre do Acordo celebrado entre a União Europeia [e os seus Estados-membros] e a Confederação Suíça, relativo à livre circulação de pessoas [publicado no JOUE, n.º L114, de 30.04.2002] (1).
Donde decorre que a liquidação em causa ao não reconhecer o direito da impugnante de optar pela tributação do rendimento gerado com ganhos de mais-valias imobiliárias obtidos no território português, apenas com incidência sobre 50% do montante dos ganhos percebidos, à semelhança do que sucede com os cidadãos residentes, viola o disposto no artigo 72.º/8, do CIRS; norma que constitui a transposição para o direito nacional do regime que decorre do princípio de Direito Europeu do tratamento nacional do cidadão nacional de Estado-membro diferente do Estado da fonte do rendimento.
A recorrente sustenta, porém, que ao ser a nacionalidade o elemento de conexão eleito pela Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Suíça/CDT, a norma do CIRS em referência, que tem como critério a residência dos sujeitos passivos, não é discriminatória.
Vejamos.
Não sofre dúvida que a norma do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, aplicada ao caso concreto colide que o princípio de Direito Europeu do tratamento nacional de cidadão nacional de Estado-membro diferente do Estado da tributação, que fez uso das liberdades fundamentais do Tratado da União Europeia. Outra questão reside em saber se o regime da CDT, na medida em que contraria o regime fiscal de tributação das mais-valias, decorrente do princípio de Direito europeu do tratamento nacional, prevalece sobre este último. Tanto mais que a CDT em apreço foi publicada no DR, I Série, através do Decreto n.º 716/74, de 12 de Dezembro, pelo que em data anterior à própria adesão de Portugal à União Europeia.
Vejamos.
Nos termos do artigo 4.º/3, do Tratado da União Europeia, «[e]m virtude do princípio da cooperação leal […], os Estados-membros tomam todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos actos das instituições da União. // Os Estados-membros facilitam à União o cumprimento da sua missão e abstêm-se de qualquer medida susceptível de pôr em perigo a realização dos objectivos da União».
Importa, pois, aquilatar se, por via do princípio de Direito europeu, do dever de cooperação leal dos Estados-membros, o Estado português está (ou não) vinculado a dar prevalência ao regime do tratamento nacional de direito europeu do cidadão estrangeiro que exerceu as liberdades fundamentais, associado ao Acordo celebrado entre a União Europeia [e os seus Estados-membros] e a Confederação Suíça.
A este propósito, o Tribunal de Justiça da União Europeia teve ocasião de sublinhar o seguinte:
«(…) se os Estados-Membros pudessem assumir compromissos internacionais susceptíveis de afectar as regras comuns, a realização do objectivo prosseguido por estas regras assim como a da missão da Comunidade e dos objectivos do Tratado ficariam comprometidas. // As condições em que o alcance das regras comuns pode ser afectado ou alterado por compromissos internacionais dos Estados-Membros e, portanto, as condições em que a Comunidade adquire uma competência externa exclusiva através do exercício da sua competência interna foram designadamente recordadas pelo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos Céu aberto, já referidos. // É o que acontece quando os compromissos internacionais pertencem ao domínio de aplicação das regras comuns ou, em todo o caso, a um domínio já em grande parte coberto por essas regras, e isso mesmo que não exista qualquer contradição entre estas e os referidos compromissos. // É por essa razão que, quando a Comunidade tiver incluído nos seus actos legislativos internos cláusulas relativas ao tratamento a conceder aos nacionais de países terceiros ou quando tiver conferido expressamente às suas instituições competência para negociar com os países terceiros, adquire uma competência externa exclusiva na medida abrangida por esses actos. // O mesmo acontece, incluindo na falta de uma cláusula expressa que habilite as suas instituições a negociarem com países terceiros, quando a Comunidade tiver realizado uma harmonização completa num domínio determinado, pois as regras comuns assim adoptadas poderiam ser afectadas, na acepção do acórdão AETR, já referido, se os Estados-Membros conservassem uma liberdade de negociação com os países terceiros» (2).
Donde decorre que o princípio de Direito europeu da cooperação leal dos Estados-membros, correctamente entendido, postula que, em caso de antinomia entre a convenção bilateral celebrada por um Estado-membro e um Estado terceiro e o direito europeu originário ou derivado posterior, aquele cede, no caso concreto, perante este último.
Em face do exposto, o regime constante da CDT, na medida em que colide com o regime fiscal de tributação das mais-valias, decorrente do princípio de Direito Europeu do tratamento nacional, não prevalece sobre este último.
Do acima explicitado, forçoso se torna concluir que a sentença recorrida, ao decidir no sentido da prevalência do princípio de direito europeu do tratamento nacional, de forma a aplicar ao caso concreto o regime fiscal de tributação das mais-valias previsto para os sujeitos passivos residentes, não merece a censura que lhe é desferida, sendo de manter na ordem jurídica, ainda que com a presente fundamentação.
Termos em que se julgam improcedentes a presente intenção rescisória.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(Pedro Marchão-1º. Adjunto)

(Anabela Russo- 2º. Adjunto)

(1) Estabelece o artigo 1.º (“Objectivo”) do Acordo o seguinte: «O presente acordo tem por objectivo, a favor dos nacionais dos Estados-membros da Comunidade Europeia e da Suíça, // a) Conceder um direito de entrada, de residência e de acesso a uma actividade económica assalariada e de estabelecimento enquanto independente, bem como o direito de residir no território das partes contratantes».
(2) Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 14.07.2005, P. C-433/03. No mesmo sentido depõe o preceito do artigo 351.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, publicado no JOUE, n.º C – 115, de 09.05.2008.