Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:288/08.9BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:02/18/2021
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:OPERAÇÃO DE EMPARCELAMENTO;
OPERAÇÃO DE LOTEAMENTO;
DECRETO-LEI N.º 177/2002, DE 04/06;
REGIME JURÍDICO DA URBANIZAÇÃO E DA EDIFICAÇÃO.
Sumário:I – O art.ºs 2.º, n.º 1, al. i), do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE) na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 177/2002, de 04/06, deve ser sujeito a uma interpretação restritiva quando sujeita as operações de emparcelamento ao regime especifico do loteamento;
II – Não está obrigatoriamente sujeita ao regime do loteamento uma operação urbanística de emparcelamento, que propõe anexar dois prédios contíguos e ligados por um mesmo número de porta, que no momento do pedido estão descritos separadamente, mas que correspondiam inicialmente a uma única descrição predial e a uma única construção, que também apresentava um número de porta superposto ou que servia todo o prédio, apontando para uma ligação funcional de todo o edificado;
III – Neste caso, verdadeiramente, por via da indicada operação urbanística não se anexava nada de novo, alterando uma realidade que pré-existisse ab inicio, assim também se alterando, de forma relevante, a realidade urbanística. Portanto, a operação de emparcelamento em discussão devia ficar excluída da noção de operação de emparcelamento, para efeitos da obrigação de submissão ao regime especifico do loteamento.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

O Ministério Público (MP) vem interpor recurso da sentença do TAF de Beja, que julgou improcedente a acção onde aquele peticionava para:”- Ser declarado nulo e de nenhum efeito os seguintes actos administrativos praticados no âmbito do Pedido de Informação Prévia n.º 17/2005 e do Processo Camarário de Licenciamento de obras de construção n.º 110/05, datado de 12/01/2007, com fundamento na violação das disposições legais e regulamentares indicadas:
a) Despacho do Sr Presidente da Câmara Municipal de Mértola, de 13/06/2005, que aprovou o projecto de arquitectura de um condomínio privado requerido por L......., no âmbito do pedido de Informação Prévia n.º 17/2005,
b) Despacho do Sr Presidente da Câmara Municipal de Mértola, de 20/02/2006, que aprovou o projecto de arquitectura requerido por L....... e com a concordância de A......., no âmbito do Processo Camarário n.º 110/05,
c) Despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Mértola, de 12/01/2007, que aprovou as obras de construção (Processo 110/05) em nome de L....... e que resultou na emissão de Alvará de obras n.º 7/07, em nome da contra-interessada “S....... Ldª, datado de 18/01/2007,
d) Eventual despacho que venha a ser proferido entretanto no sentido de emitir a licença de utilização,
com todas as legais consequências, como seja nulidade de todos os actos subsequentes, e que permitiram o licenciamento da construção da obra que veio a ser titulada pelo respectivo Alvará e ainda a nulidade da constituição da futura propriedade horizontal, caso ainda não esteja constituída, ou, no caso de já estar constituída, a declaração do título que a constituiu;
e
II) – Ser declarada nula a anexação/emparcelamento dos prédios acima identificados e repostos os dois prédios/parcelas no estado em que se encontravam, bem como, consequentemente, ser declarada a nulidade dos actos de registo do prédio e cancelados os mesmos, por violação da al. i) do art.º 2.º do RJUE, nos termos dos artigos 16.º e 17.º do Código do Registo Predial.
e ainda,
III) Ser imediatamente suspensos os trabalhos de construção em face das referidas nulidades e nos termos do e para os efeitos do disposto no art.º 69.º, n.º 2, conjugado com o art.º 103.º, ambos do RJUE;
IV) Ser determinada a cassação do alvará, caso sejam declaradas nulas as decisões – como seja a da declaração de nulidade da licença – art.º 79.º do RJUE;
V) Ser determinada a reposição dos terrenos no estado em que se encontravam antes da construção da referida obra, ou, quanto muito e apenas por mera cautela, que seja corrigida a situação de acordo com os parâmetros legais constantes nas normas violadas.”

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:” 1.ª — A sentença reconheceu que, à luz da redacção da al. i) do art. 2.º RJUE vigente à data da prática dos actos impugnados, a anexação de dois prédios, com as descrições ....... e 2384, para formação de um outro, com a descrição ......., no qual foi executada a operação urbanística de construção de um “condomínio privado” composto por 13 apartamentos, traduziu-se numa acção de loteamento-emparcelamento.
2.ª — Apesar de ter dado como provado que essa modalidade de loteamento nunca foi licenciada ou autorizada e que as obras de conclusão do condomínio, objecto de licença concedida no processo n.º 110/2005, foram concluídas em 2009, julgou a acção improcedente.
3.ª — Para tanto, argumenta-se que a aprovação do pedido de informação prévia n.º 17/2005, relativo às mencionadas obras, não conferiu ao requerente o direito à “criação de um novo lote sem a prévia operação de loteamento” e, por outro lado, que os vícios autónomos imputados pelo autor à concessão da licença de construção no lote não procedem, por não ocorrer ofensa dos parâmetros urbanísticos impostos pelos planos municipais.
4.ª — A incongruência desta fundamentação é inultrapassável, pois o tribunal reconhece a existência de um loteamento concretizado à margem da lei, mas não declara a sua invalidade, em virtude de ter procedido a uma análise estanque — e, para mais, errónea — dos actos praticados nos procedimentos de informação prévia e de licenciamento subsequente, deixando escapar que em nenhum deles o loteamento foi requerido, apreciado e permitido, para além de que o autor não restringiu o vício de falta de licença/autorização daquela operação a um só desses procedimentos.
5.ª — Acresce que a aprovação da informação prévia comporta um acto implícito de concordância com o emparcelamento de dois prédios, à margem do controlo prévio do município, visto que o requerente revelou que, “após a aprovação da informação prévia e antes da elaboração do projecto de licenciamento, proceder-se-á à anexação dos dois prédios urbanos”, pela técnica da simples fusão das matrizes e das descrições prediais, e o órgão administrativo aceitou o pedido nesses termos.
6.ª — O presidente da câmara municipal permitiu, implicitamente, a construção de um condomínio privado num lote resultante de um emparcelamento de dois prédios, sendo certo que o município nunca autorizou ou licenciou esta última operação, o que viola as normas do RJUE reguladoras dessa modalidade de transformação fundiária, máxime quanto a cedências, compensações, áreas para espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas e equipamentos (artigos 2.º/i) e 41.º e seguintes), o que gera nulidade (art. 67.º).
7.ª — A declaração dessa sanção não é inútil, em resultado da eliminação, pela Lei n.º 60/2007, do emparcelamento do âmbito da noção de loteamento, pois a execução da correspondente sentença terá de atender às normas vigentes no presente, em que avultam as reguladoras dos condomínios, justamente introduzidas pela dita Lei (v.g. n.º 5 do art. 57.º).“

O Recorrido Município de Mértola nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “a) À data do pedido de emissão da licença de construção, a requerente – aqui contrainteressada – fez prova da titularidade do prédio urbano, confiando o Recorrido na validade do mesmo;
b) Ademais, como bem refere, a contrainteressada, independentemente de existirem duas descrições prediais, os dois prédios sempre funcionaram como um todo, e por isso mesmo, antes da operação urbanística em crise, tinham já sido implantados dois edifícios em simultâneo e de forma contínua;
c) Assim, tratando-se de um mesmo prédio (mas com duas descrições prediais) deve ser aplicado o entendimento defendido pela doutrina que estariam excluídos do procedimento de controlo prévio, devendo ser feita apenas uma retificação pela conservatória através da anexação dos dois registos;
d) Justamente o que aconteceu, motivo pelo qual a conservatória procedeu ao registo da anexação, sem um título da operação de emparcelamento;
e) À situação dos autos, as disposições do PDMM são aplicadas apenas a título subsidiário, relevando em matéria de índices de construção o previsto no PGUM, nos termos e para os efeitos do artigo 29º do PDUM e por se tratar de um plano mais concreto e com mais detalhe, que se sobrepõe àquele;
f) Ora, atualmente é pacífico que o ato de aprovação do projeto de arquitetura não tem efeitos permissivos, por não ser ele que consente a realização da obra particular, mas define os concretos parâmetros urbanísticos da obra a levar a cabo, sendo nessa medida constitutivo de direitos para o seu destinatário e não podendo ser revogado com fundamento na posterior aprovação de um plano incompatível;
Para além disso, a verdade é que o Recorrido deu integral cumprimento ao disposto no nº 3 do artigo 117º do anterior Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de setembro, na redação conferida pela Lei nº 58/2005, de 29 de dezembro, o qual estabelecia que caso as novas regras urbanísticas [constantes da revisão do plano] não entrem em vigor no prazo de 150 dias desde a data do início da respetiva discussão pública, cessa a suspensão do procedimento, devendo nesse caso prosseguir a apreciação do pedido até à decisão final de acordo com as regras urbanísticas em vigor à data da sua prática – a discussão pública da revisão do plano teve início em 01.10.2003 e o licenciamento data de 12.01.2007;
h) A interpretação do artigo 4º do PGUM deve ser no sentido de que parte da Zr2 se encontra no perímetro de proteção dos monumentos nacionais e sujeita a parecer da autoridade competente e responsável pela conservação do património cultural, quando integrada na Zr1 (e, portanto, no âmbito de aplicação do Plano de Pormenor de Salvaguarda e Valorização do centro Histórico da Vila de Mértola) ou quando abranja a classificação dos vestígios da basílica páleo-cristã. É isso que resulta do texto legal, quando exige a confirmação de que para a aplicação daquele regime a operação urbanística se insira naquela zona de proteção. Fora destes casos, será aplicável apenas o disposto no nº 1 quanto à densidade (20 fogos/ha), uso (habitação e comércio de apoio), tipologia (banda contínua) e cérceas: dois pisos acima da rua, não carecendo as licenças de construção de parecer prévio da Direção-Geral do Património Cultural;
i) Ainda que se considerem os atos ilegais, sempre se deveria entender que à situação dos autos deve ser aplicado o instituto dos efeitos putativos dos atos nulos. A atribuição de efeitos putativos não se consubstancia como uma forma de sanar um ato nulo, mas sim de atribuir verdadeiros efeitos ao tempo decorrido, efeitos merecedores de proteção jurídica;
j) No nosso caso, não só a obra se encontra concluída, como o respetivo alvará de utilização já foi emitido, estando neste momento as 12 frações habitadas, sendo que uma eventual declaração de nulidade dos atos agora em crise não é imputável aos terceiros adquirentes, considerando-se, portanto, de boa-fé, cujos direitos e interesses devem ser tutelados. Não podem, deste modo, ser lesados desproporcionadamente os direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados com a demolição do edifício em causa;
k) Face ao exposto, a douta sentença recorrida é justa e legal, não padece de quaisquer dos vícios que lhe são apontados, e como tal, não merece qualquer censura, devendo ser mantida na ordem jurídica;
l) Considerado a prova produzida que esteve subjacente à operação, pelo menos no entender do Recorrido, quer em termos de facto, quer em termos de direito, a verdade é que não se vislumbram as desconformidades apontadas, muito menos se enquadram entre os fundamentos de nulidade apontados nas alegações de Recurso do Digníssimo Magistrado do Ministério Público. “

O Recorrido S……….., Lda, nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1a - A recorrida particular solicitou informação prévia à edilidade, também recorrida, acerca da viabilidade da edificação, que foi questionada pela família vizinha, R......., mediante providências cautelares e acções, quer na jurisdição cível, quer na administrativa.
2 - O presente processo é filho da vindicta mesquinha e primária, com as aparências postiças da legalidade, desencadeado por denúncia ao recorrente.
3 - Todas as decisões judiciais referidas - em sede cível e administrativa - transitaram em julgado, atentos os pedidos formulados, constituem AUTORIDADE DE CASO JULGADO sobre as putativas nulidades, arguidas aqui, nesta sede, pelo recorrente, o que é matéria de relevo para a concreta relação jurídica, já apreciada em qualquer das instâncias.
4 - A autoridade do caso julgado naquelas identificadas acções, cujas sentenças constam dos autos, não pode deixar de ser convocada, já que, se dispensam, quer o pedido, quer a causa de pedir, uma vez que o objecto é pressuposto e condição da relação concreta, já apreciada naquelas vertentes. - cfr. Ac.ReL Coimbra, 11.06.2019; Ac. ReL Porto, 11.10.2018; Ac. rei. Lisboa, 11.07,2019 e Ac.S.T.J., 26.02.2019, in dgsi.
5 - A questão do emparcelamento, percutida, de novo, pelo recorrente, foi, de resto, decidida no Proc.° N.° 111/08.4 TBMTL, também transitada em julgado, como se colhe, aliás, da certidão da descrição com as inscrições em vigor, decidindo o Tribunal Judicial de Mértola, em sede de recurso, que o acto do Conservador do registo Predial foi válido e eficaz.
6 - A argumentação, deduzida à data pelos denunciantes, naquela sede, era exactamente, aquela que o recorrente veio trazer aos autos!
7 - E a decisão judicial não deixa quaisquer dúvidas, mantendo-se na ordem jurídica registrai, com todos os seus efeitos e validade, sendo pressuposto indiscutível da decisão de mérito, que o Instituto do Registo e Notariado manteve e daí, o registo tal qual se mostra efectuado.
8 - Aliás, à data da instauração desta acção, que correu parelha, curiosamente, com as acções da família denunciante, já estava em vigor a Lei N.° 60/07, de 4 de Setembro - art.° 2.°, alínea i) do R.J.ILE. - o que , só por si, determinaria a inutilidade superveniente da lide, em face da sentença transitada em julgado, perante a autoridade daquela decisão judicial.
9 - A recorrida apresentou e fez prova da titularidade e legitimidade, constitutivas dos seus legítimos direitos, de harmonia com a A.P., de 13 de Junho de 2005 e em conformidade com o Plano Municipal de Ordenamento do Território.
10 - Consabidamente, após esta alteração legislativa - DL N.° 60/07, de 4 de Setembro - as operações de emparcelamento deixaram de figurar no conjunto de operações urbanísticas, encontrando-se isentas de qualquer sindicância prévia.
11- Acresce que, as normas do P.D.M. de Mértola seriam aplicáveis de forma subsidiária, erguendo-se o P.G.U.M. como o edifício normativo relevante em matéria dos índices de construção.
12 - O licenciamento da operação é válido e eficaz e radica no exercício de um direito legítimo da recorrida, que cumpriu os parâmetros urbanísticos, concretamente, o P.D.M. de Mértola, de 6/12/95, publicado no D.R. 281,I, Série B, sendo aplicado aliás, o mesmo critério aos demais casos, na área em que se integra o edifício da recorrida.
13 - A douta sentença fez uma adequada aplicação da factualidade às normas jurídicas.
14. - A fundamentação de facto e de direito justapõe-se à decisão, não havendo quaisquer violações da normas em causa.”

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos, factualidade que não é impugnada neste recurso, pelo que se mantém:
a) Em data anterior a 13.05.2005, deu entrada nos serviços da Câmara Municipal de Odemira, requerimento datado de 05.05.2005, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Mértola, com o seguinte teor:

«imagem no original»


Cfr doc junto com a petição inicial, a fls 33 e 35
b) Com esse requerimento foi apresentada uma memória descritiva com o seguinte teor:




Cfr doc junto com a petição inicial, fls 43 e 44 dos autos

c) O teor da descrição predial do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia e concelho de Mértola sob o art.º ......., descrito na conservatória do registo predial sob o n.º 0......./030500, é o seguinte:
«imagens no original»







«imagem no original»


Cfr doc junto com a petição inicial a fls 27 dos autos
f) Com data de 09.06.2005, sobre o requerimento descrito em a) foi prestada informação na Divisão de Ordenamento do Território e Administração Urbanística da Câmara Municipal de Mértola, com o teor que consta de fls 3(574) do processo administrativo e do documento 1 junto com a petição inicial, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, dele constando, nomeadamente, o seguinte:


g) Sobre esta informação, e com data de 13.06.2005, pelo chefe daquela Divisão, foi aposto despacho de “Concordo”; Cfr doc de fls 3(574) do processo administrativo e documento 1 junto com a petição inicial, fls 53 dos autos
h) Com data de 13.06.2005, sobre aquela informação e parecer, foi proferido despacho manuscrito do Presidente da Câmara Municipal de Mértola, com o seguinte teor:
“Concordo. No entanto, quanto à manutenção da fachada sou de opinião que o assunto deveria ser analisado mais aprofundadamente, tendo em consideração o “novo” perfil de toda a rua e também o enquadramento …”; Cfr doc de fls 1(574) e 2 (574) do processo administrativo, e documento junto com a petição inicial a fls 53 dos autos
i) Em 10.09.2005, deu entrada nos serviços da Câmara Municipal de Mértola projecto de arquitectura e segurança contra incêndios, constituído por peças escritas e por peças desenhadas com o teor que consta de fls 9 (574) a 46 (574) do processo administrativo, e do documento 3 junto com a petição inicial, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido;
j) Com data de 19.05.2005, pelos serviços da Divisão de Ordenamento do Território e Administração Urbanística da Câmara Municipal de Mértola, informação com o n.º 1025/2005, e com o teor que consta de fls 47 (574) a 49 (574), o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, dele constando, nomeadamente, o seguinte:
“Pretende o requerente proceder à construção de um conjunto de edifícios para Habitação e Serviços, sitos na Rua……………, em Mértola. O presente pedido foi precedido de uma Informação Prévia, onde foram colocadas algumas condicionantes relativas a questões de linguagem arquitectónica, volumetria, servidões e restrições de utilidade pública.
Os prédios urbanos objecto do presente pedido de informação, inserem-se em zona abrangida pelo PGU – Plano Geral de Urbanização de Mértola, em zona definida como Zona de conservação e recupareção – Zr2 (Arrabalde). Para estas zonas, determina o referido plano o segunte:
- Densidade: 20 fogos/há
- Uso: habitação e comércio de apoio
- Tipologia: banda contínua
- Cérceas: 2 pisos acima da rua
- Disposições especiais: parcialmente contida no perímetro de protecção de Zr1, a área restante é regulamentada, por extensão, pelos mesmo critérios, a confirmar a classificação dos vestígios da basílica paleo-crsitâ, cum cujo perímetro de protecção se inclui…
(…)
Relativamente ao referido na informação prévia, considera-se que ainda existem elementos da proposta que não clarificam o solicitado na dita informação, …:
a)…..
(…)
m)…
(…)
Nos termos do disposto no n. 4 do art.º 11.º do Dec Lei n.º 555/99 de 16 de Dezembro, alterado pelo Dec Lei 177/2001 de 04 de Junho, propõe-se que o requerente seja notificado para, num prazo máximo de 60 dias, proceder à entrega dos seguintes elementos:
(…)
Relativamente ao projecto de arquitectura, deverá o requerente proceder à apresentação do seguinte:
I. Clarificação/rectificação do indicado nos pontos a) a m) da presente informação.
(…)
k) Com data de 13.02.2006, pela Divisão de Ordenamento do Território e administração Urbanística da Câmara Municipal de Mértola, foi prestada a informação n.º 145/2006, com o seguinte teor:



Cfr doc de fls 113 (574) do doc 3 anexo à petição inicial
l) Sobre esta informação foi aposto despacho manuscrito do Presidente da Câmara Municipal de Mértola, datado de 20.02.2016, com o seguinte teor:
“Concordo. Aprovado com as condicionantes referidas.”; Cfr doc de fls 113 (574) do doc 3 anexo à petição inicial
m) Aquela informação, e este despacho, foram dados a conhecer a L......., com a referência 1520, datado de 21.02.2006, e com o seguinte teor:

n) n.º 65/2006, respeitante a “Construção dos n.ºs ……..da Rua…………….., Mértola,” com o teor que consta de fls 142 (574) do doc 3 junto com a petição inicial;
o) Com data de 12.01.2007, os serviços da Divisão de Ordenamento do Território e Administração Urbanística da Câmara Municipal de Mértola elaboraram a informação n.º 35/2007, com o seguinte teor:
«imagem no original»








Cfr doc de fls 315 (574) do processo administrativo
t) Em 07.07.2009, a obra de construção em causa estava concluída; Cfr informação da Entidade Demandada trazida aos autos através de requerimento de fls 215 dos autos (numeração sitaf), não impugnada.
u) Com a mesma data deram entrada na Câmara Municipal de Mértola documentos com o teor que consta de fls 228 (574) a fls 233 (574) do doc 3 junto com a petição inicial, o qual, aqui se dá por integralmente reproduzido;
*
Factos não provados
1) Os índices urbanísticos imputados ao projecto de arquitectura pelo quadro constante do art.º 51.º da petição inicial; Como se constata do conjunto de documentos de prova juntos pelo autor com a sua petição inicial, o quadro constante do artigo 51 da petição inicial, é uma réplica do quadro e respectivas legendas, constante de um parecer junto à petição inicial como documento 4.

Trata-se de um parecer datado de 29.04.2008, da autoria de um arquitecto, e que, tal como no mesmo é referido, foi requerido por Dr M......., que não é parte na presente acção.
O Autor não indica quais os elementos do projecto submetido a apreciação que contêm os índices urbanísticos que se encontram vertidos para aquele quadro, limitando-se a transcrever aqueles que são os valores que constam daquele parecer, e que muitos deles resultam, também de conclusões e de cálculos do autor do parecer sem no entanto remeter as respectivas premissas para qualquer elemento documental concreto do processo administrativo.
Sendo um dos fundamentos do pedido de declaração de nulidade de dois dos actos impugnados, cabia ao autor alegar e provar inequivocamente os factos concretos em que tais fundamentos assentavam, e não apenas transcrever a título de alegação, o parecer que depois junta como meio de prova dessa alegação.
Neste quadro, e perante a dúvida sobre aqueles que são os factos que estão subjacentes a tal quadro, não pode o tribunal considera-los como provados.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir da nulidade decisória por contradição nos próprios termos da sentença recorrida, que concluiu pela falta de autorização ou de licenciamento para uma operação de emparcelamento, mas, em simultâneo, também entende que o pedido de informação prévia (PIP) não padecia de qualquer invalidade, assim como, que tal invalidade não ocorria no processo de licenciamento subsequente;
- aferir do erro decisório porque a operação urbanística de construção de um condomínio privado composto por 13 apartamentos no prédio descrito sob o n.º ......., que resultou da anexação de dois prédios com as descrições prediais n.º ....... e 2384, é à luz do art.º 2.º, n.º 1, al. i), do Regime Geral de Edificação Urbana (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 177/2002, de 04/06, uma operação de emparcelamento e um loteamento não autorizado e licenciado.

Vem o Recorrente invocar a nulidade decisória por contradição nos próprios termos da decisão recorrida.
É jurisprudência pacífica que só ocorre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, que são todas as que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (cf. art.º 608.º, nº 2, do CPC). Deve o juiz apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, e ainda, os argumentos, as razões ou fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir. Mas só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da decisão. Também nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, para ocorrer a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e decisão, terá de se verificar uma situação grave, patente, que implique uma incongruência absoluta.
Ora, no caso em apreço, o Tribunal ponderou as questões em litígio e decidiu-as. Para tanto, indicou o Tribunal as razões de facto e de Direito que levavam à sua decisão. Explicou o Tribunal, na decisão recorrida, de forma escorreita e com uma fundamentação completa, o seu raciocínio. A simples leitura atenta da decisão permitiria ao Recorrente entender as razões aduzidas pelo Tribunal e compreender que não existia contradição alguma naquele raciocínio, com o qual podia, apenas, não concordar.
Da mesma forma, o Tribunal recorrido não foi contraditório nos fundamentos, pois apenas entendeu que o PIP e o licenciamento subsequente deviam ser analisados enquanto pedidos diferentes, que concediam diferentes direitos ao requerente e eram abrangidos por diferentes normas jurídicas. Tal raciocínio não configura nenhuma contradição decisória que conduza à nulidade, podendo, apenas, conduzir a um erro de julgamento. Ou seja, o Recorrente pode discordar da fundamentação adoptada na decisão recorrida, mas a mesma não é reconduzível a uma nulidade da decisão. Evidência de que não existe nulidade alguma na decisão recorrida, pelo que a sua invocação é manifestamente improcedente e impertinente, é o próprio Recorrente arguir a nulidade, e em simultâneo, pelas mesmas razões, o erro na decisão recorrida. Esta invocação simultânea é sinal claro de que o próprio Recorrente reconhece que a decisão não encerrava nulidade alguma, tendo-a arguido desprovido das razões que legalmente fundam a invocação da nulidade decisória.
Por conseguinte, falece manifestamente a invocada nulidade da decisão.

Considera o Recorrente que a decisão recorrida errou porque separou o procedimento relativo ao PIP e o procedimento de loteamento subsequente e não atentou que o PIP comportava um acto implícito de emparcelamento de dois prédios, pois nesse PIP afirmava-se que após a sua aprovação se iria proceder à anexação de dois prédios e requerer um posterior licenciamento, o que configurava a afirmação de um posterior emparcelamento e loteamento. Diz o A. e Recorrente que o PIP, ao ser concedido, permitiu que se executasse uma operação urbanística de construção de um condomínio privado composto por 13 apartamentos a coberto de uma licença de obras e à margem da necessária autorização ou licença de loteamento. Considera o Recorrente, que tal operação no prédio descrito sob o n.º ....... - e resultado da anexação de dois prédios com as descrições prediais n.º …… e ……. - é à luz do art.º 2.º, n.º 1, al. i), do RJUE, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 177/2002, de 04/06, uma operação de emparcelamento e um loteamento. Como tal, essa operação de loteamento ficava sujeita a cedências, compensações e à aferição de áreas para espaços verdes e de utilização colectiva, conforme os art.ºs 2.º, n.º 1, al. i) e 41.º e ss. do RJUE, o que não ocorreu no caso.
Vejamos.
Conforme decorre dos factos provados, em 13/05/2005 foi apresentado o PIP em discussão nestes autos, que era relativo aos prédios sitos na R……………. Nesse pedido indica-se que tais prédios estão descritos na Conservatória do Registo Predial sob os n.ºs ……. e são relativos às inscrições matriciais ……. e …….. Nesse PIP o requerente afirma que pretende demolir tal prédio - que tinha as indicadas duas inscrições matriciais - e anexar os “dois prédios urbanos”.
Conforme factos provados, o prédio urbano com os n.ºs 37 e 39, composto de r/c e quintal, em 13/03/2002 estava descrito sob o n.º …….. e nessa mesma data passou a estar inscrito na matriz sob o n.º ……. Tal prédio tinha sido desanexado do prédio descrito sob o n.º …….
Conforme factos provados, o prédio urbano com os n.ºs 39 a 41, composto por 8 compartimentos, 2 cozinhas, 3 wc, corredor, escritório e quintal, em 07/11/2001 estava descrito sob o n.º …….., estava inscrito na matriz sob os n.ºs ....... e …….., e tinha sido desanexado do prédio descrito sob o n.º ……..
Portanto, o indicado PIP vinha requerido para abranger os prédios descritos sob os n.ºs ……. e ……., que anteriormente estavam descritos como um prédio único, mas que na data da apresentação do PIP encontravam-se desanexados no registo predial.
Conforme proposta apresentada sobre o PIP “as obras em questão consistem em anexar num só prédio duas fracções autónomas e construir vários edifícios, tipo “Condomínio privado”.
Tal PIP teve decisão por despacho de 13/06/2005, do Presidente da Câmara Municipal de Mértola (CMM).
Mais se indique, que tal como decorre da factualidade apurada nestes autos, através daquele PIP emitiu-se uma informação favorável em termos muito gerais ou genéricos, que não informava com precisão os concretos valores urbanísticos a aplicar à nova construção. Assim, por via do PIP em questão deu-se informação favorável à demolição das edificações existentes e à construção de um prédio com um máximo de 13 apartamentos, que tivesse “enquadramento legal (…) na legislação aplicável”, dando-se informações e definições gerais relativamente à implantação, aos limites do espaço público e à manutenção de arruamentos, à obrigação das volumetrias não ultrapassarem as cérceas máxima e a que as áreas respeitassem o RGEU, assim como, deu-se indicações genéricas relativas à “linguagem arquitectónica”. Nesta última sede, refere-se a obrigação de preservação da “fachada do edifício existente (foto anexa) (…) - antiga “casa do Povo”.
Em 10/09/2005 é apresentado um projecto de arquitectura para construção de um conjunto de edifícios na R……………………….
Entretanto, em 06/09/2006, os indicados prédios - descritos sob os n.ºs ……. e ….. – são (novamente) anexados no registo predial. O prédio anexado passa a estar descrito sob um número único, a saber, o n.º ........ Ou seja, a partir de 06/09/2006 a realidade existente no local alvo do anterior PIP voltou a estar descrita no registo predial como sendo relativa um único prédio.
Posteriormente, já com base neste novo registo predial, o projecto de arquitectura apresentado foi aprovado, com condições, por despacho de 20/02/2006, do Presidente da CMM.
Em 12/02/2007, por despacho do Presidente da CMM, foi aprovado o correspondente projecto de licenciamento de obras, sob condições.
Em 07/07/2009 a construção estava concluída.
Neste contexto fáctico, o Recorrente alega que o PIP comportava um acto implícito de emparcelamento de dois prédios, que à luz do art.º 2.º, n.º 1, al. i), do RJUE, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 177/2002, de 04/06, exigia que o pedido fosse apreciado como um loteamento e não como um processo de licenciamento para edificação. Porque tal não aconteceu, diz o Recorrente que o PIP e a aprovação do projecto de arquitectura e do licenciamento subsequente são actos ilegais e nulos.
Na data da apresentação do PIP e da informação favorável, o citado art.º 2.º, n.º 1, al. i), do RJUE, estipulava o seguinte: “operações de loteamento: as acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata ou subsequentemente à edificação urbana, e que resulte a divisão de um ou vários prédios, ou do seu emparcelamento ou reparcelamento”.
Conforme ensinam Maria José Castanheira Neves, Fernanda Paula Oliveira e Dulce Lopes, “o emparcelamento de prédios é, para efeitos de aplicação do RJUE, toda a acção voluntária de anexação de prédios autónomos, da qual resulta a constituição de um só lote, destinando-se este, imediata ou subsequentemente, à construção urbana.
(…) O emparcelamento urbano corresponde à operação de transformação fundiária mais simples de todas, motivo pelo qual, na nossa opinião, a mesma deveria ser dispensada do cumprimento do conjunto de regras que estão pensadas para os loteamentos como operações que dão origem a núcleos urbanos e que, por isso, implicam um acréscimo na utilização dos solos.
(…) concordamos com a necessidade de limitação das situações reconduzíveis aos emparcelamentos sujeitos a regime especifico, devendo promover-se um esforço no sentido de identificar as situações que devem ser excluídas desta noção. Assim, desde logo, entendemos que, contendo um mesmo prédio várias inscrições matriciais, a junção destas não configura um reparcelamento urbano. É que, a nosso ver, a intenção do legislador em submeter as operações de emparcelamento para fins de construção ao mesmo regime dos loteamentos tradicionais, estende-se apenas às operações que incidam sobre diferentes prédios, sendo várias inscrições matriciais um indicio da existência destes, mas não o critério exclusivo para tal.
Deste modo, se houver um só prédio, não obstante a existência nele de várias inscrições matriciais, uma operação urbanística que nele ocorra que implique unificar estas não pode ser considerado um emparcelamento para este efeito.
(…) Outra situação relativamente à qual se tem questionado a sua inserção de loteamento é a da anexação a prédios pré-existentes de parcelas sem capacidade edificativa e sobre as quais não se pretende edificar ou em que, embora a anexação se encontre associada a obras de reconstrução, alteração e/ou ampliação de edificação existente, da referida não resulte um índice superior ao que já era permitido para o anteriormente à anexação. Nestes casos, pode afirmar-se não se destinar o emparcelamento a edificação urbana já que o mesmo não tem influência na concretização desta.
De igual modo, é questionável a situação da construção de edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si que implique o emparcelamento de distintos prédios. Nestes casos, pode defender-se apenas haver o para sujeitar esta operação ao processo de loteamento naquelas em que, nos termos de regulamento municipal em vigor, às mesmas não tenha sido reconhecido um impacto semelhante a uma operação de loteamento, já que, caso tal tenha acontecido, a referida operação, embora não configure um loteamento, está sujeita às mesmas regras deste, pelo que exigir o processo de loteamento seria repetir desnecessariamente. as mesmas exigências.
(…) Particular tratamento deveriam ter merecido também, na nossa óptica, aquelas situações que ocorreram com alguma frequência, de o pedido de licenciamento ou de autorização para a edificação de um edifício sobre dois prédios (configurando, por isso, uma operação de emparcelamento) vir instruído com um pedido de informação prévia favorável, que, por ter sido emitida antes da alteração da noção legal do conceito de loteamento, não a enquadrava neste instituto. Nestas situações, tendo em consideração o facto de o pedido de licenciamento se encontrar vinculado pela existência de uma informação prévia favorável, o enquadramento (e identificação) da concreta operação em causa terá de ser feito à luz do diploma regulador do pedido de informação prévia e não do diploma que regula o respectivo licenciamento, motivo pelo qual não se deve considerar estarmos, nestes casos, no que ao procedimento de licenciamento ou de autorização diz respeito, perante uma operação de emparcelamento.
12. Como já tivemos oportunidade de referir, as operações de emparcelamento são, ainda que criticavelmente, de um ponto de vista procedimental (e também sob o ponto de vista substancial), consideradas verdadeiras “operações de loteamento”. Isto ainda que haja quem considere que as operações de emparcelamento apenas são operações de loteamento no que estritamente respeita ao regime procedimental, afastando a premissa de que devam merecer tratamento substantivo exactamente idêntico ao dispensado às «clássicas» operações de loteamento.” (in NEVES, Maria José Castanheira; OLIVEIRA, Fernanda Paula; LOPES, Dulce - Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - Comentado. Coimbra: Almedina, 2006, pp. 54-58).
Na PI, o A. e Recorrente invoca que no local em apreciação, alvo do PIP e do licenciamento subsequente, existiam dois diferentes prédios, enquanto realidade física, contruída.
Essa alegação é contraditada pelos RR. e Recorridos, que dizem que a divisão predial inicial não correspondia a uma divisão física, pois os edifícios que estavam construídos no local tinham uma entrada comum e apresentavam-se como uma unidade funcional.
Tais alegações fácticas não foram levadas à matéria factual como factos provados ou não provados.
O julgamento da matéria de facto não é impugnado pelas partes.
Sem embargo, na decisão recorrida considerou-se, em sede de apreciação de Direito, que com base nos factos provados “não é possível concluir (…) que esta operação teve por objecto uma realidade de factos constituída por um único prédio, que sempre funcionou como uma unidade, não obstante tivesse duas descrições prediais”. Mais se entendeu em tal decisão, que o requerente do PIP tinha descrito os prédios onde pretendia executar a obra como prédios distintos e que a CMM também considerou que se tratavam de dois prédios distintos.
É neste contexto factual que o Recorrente impugna a decisão recorrida, apontando uma total incongruência de raciocínio e a existência de um erro de julgamento, por não ter atentado que o PIP comportava, implicitamente, uma operação de emparcelamento.
Como decorre dos ensinamentos de Maria José Castanheira Neves, Fernanda Paula Oliveira e Dulce Lopes, apesar das operações de emparcelamento estarem, na data da apresentação do PIP, sujeitas às regras do loteamento, essa mesma sujeição tinha de ser lida de forma restritiva, por aquelas operações serem a “transformação fundiária mais simples de todas”.
De tal forma não fazia sentido aquele tratamento, que por via da alteração introduzida ao RJUE pela Lei n.º 60/2007, de 04/09, as operações de emparcelamento deixaram de estar submetidas ao regime do loteamento.
A propósito da referida alteração legal Fernanda Paula Oliveira refere o seguinte: “No que concerne às operações de loteamento, afasta-se, agora, desta noção a operação de transformação fundiária traduzida no emparcelamento de vários prédios. A consideração desta operação de transformação fundiária como loteamento urbano, com a consequente submissão da mesma aos procedimentos de controlo preventivo e ao regime material previsto para esta operação urbanística, levantou, efectivamente, do ponto de vista prático, um conjunto de problemas, designadamente os que decorreram da obrigatoriedade de aplicação de encargos urbanísticos que claramente não se justificavam em operações de transformação fundiária tão simples. A este propósito, não podemos deixar de aplaudir a alteração efectuada” – in OLIVEIRA, Fernanda Paula - A Alteração Legislativa ao Regime Jurídico de Urbanização e Edificação: Uma Lebre que Saiu Gato? Direito Regional e Local. Braga. 00 (2007), p. 60.
No caso, os prédios em questão terão nascido sem qualquer autonomia, tal como resulta da descrição inicial dos mesmos. O seu aspecto enquanto edifício físico integrado fica visível na fotografia que acompanha o parecer sobre o PIP. Esse nascimento integrado justifica, também, a anexação posterior, que ocorreu em 06/09/2006.
De salientar, ainda, que apesar dos prédios em questão, na data da apresentação do PIP, corresponderem a dois registos prediais autónomos – os resultantes da desanexação inicial de um único prédio – mantinham-se a ostentar um número de porta sobreposto, ou que servia ambos os prédios, a saber, o n.º de porta 39.
Como já referimos, o PIP apresentado em 13/05/2005 vinha relatado como incidindo sobre dois prédios distintos em termos registais – não obstante a sobreposição de um número de porta. Vinha, igualmente, relatado como incidindo sobre duas construções contiguas – que se diziam a demolir.
Nessa mesma medida, há que concluir, tal como o Recorrente invoca, que aquele PIP comportava, formal e implicitamente, uma operação de emparcelamento.
Porém, atendendo aos contornos do caso, tal emparcelamento não teria necessariamente de estar sujeito ao regime especifico das operações de loteamento – cf. art.ºs 2.º, n.º 1, al. i), 14.º, 16.º e 17.º do RJUE, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 177/2002, de 04/06. Isto é, pela interpretação restritiva que se impunha para o art.ºs 2.º, n.º 1, al. i), do RJUE, a operação de emparcelamento - que decorria implícita do PIP - não se exigia submetida ao regime do loteamento, pois, verdadeiramente, por via da indicada operação urbanística não se anexava nada de novo, alterando uma realidade que pré-existisse ab inicio, assim também se alterando, de forma relevante, a realidade urbanística.
Como já dissemos, o PIP em questão não incidiu sobre dois prédios verdadeiramente autónomos, que gozassem dessa autonomia em termos registais e reais. Diferentemente, os prédios que se apresentam como a demolir - e sujeitos a duas descrições prediais – eram já a expressão de uma desanexação inicial de um registo único, que se reportava a uma única construção.
Por seu turno, apesar dos dois prédios em questão estarem descritos autonomamente no momento da apresentação do PIP, mantinham-se nessa descrição a apresentar como elemento sobreposto, a entrada por um mesmo número de porta, o n.º 39.
Ou seja, em termos reais, tais prédios terão resultado de uma edificação inicial única e continuavam a apresentar-se interligados, tal como vem implicitamente referido no PIP e no parecer que sobre o mesmo incidiu.
Para além disso, é igualmente manifesto que o PIP apresentado era relativo a construções contíguas, que inicialmente tinham estado funcionalmente ligadas, mantendo-se na data da apresentação do PIP essa ligação funcional pelo facto de terem o número de porta 39 a servir ambas as construções.
Portanto, tal operação haveria de ficar excluída da noção de operação de emparcelamento, para efeitos da obrigação de submissão ao regime especifico do loteamento, por isso mesmo decorrer da interpretação restrita do art.ºs 2.º, n.º 1, al. i), do RJUE.
Mais se note, que o emparcelamento implícito que se apresentava no PIP, verdadeiramente, não alterava a situação inicial dos prédios descritos com os nº ….. e ......., pois estes prédios, no seu início, na sua origem, correspondiam a uma única descrição predial e a um único prédio, que só mais tarde foi sujeito a uma desanexação (que por via do PIP se queria voltar a anexar).
Assim sendo, há que concluir que ainda que o PIP contemplasse - formalmente e na data em que foi apresentado - um emparcelamento implícito, como advoga o Recorrente, na situação concreta, a junção dos dois prédios correspondia, apenas, à reposição da situação inicial dos ditos prédios, que na sua origem reportavam-se a uma só descrição predial e a uma única construção. Consequentemente, haverá também que pressupor que tal operação implícita de emparcelamento teria sempre de assumir uma reduzida relevância urbanística, pois nada alteraria face ao que tinha inicialmente existido naquele local. Ou seja, o tal emparcelamento implícito mais não faria do que repor a junção dos prédios na sua configuração inicial, pois na origem aquelas duas descrições prediais e correspondentes prédios eram uma só realidade urbanística.
Mais se refira, que na situação em apreço a submissão do PIP apresentado ao regime específico do loteamento também exigiria que a CMM discutisse acerca do impacto da construção pedida e da necessidade de tal construção estar sujeita a esse regime, por o emparcelamento implícito que se poderia retirar do PIP assim o exigir ou justificar. Ora, nada disto aconteceu na situação discutida dos autos. Como já mencionamos, através do PIP apenas se emitiu uma informação favorável em termos muito gerais e genéricos, sem se precisar os regimes a que tal construção ficava sujeita ou os concretos valores urbanísticos que lhe eram aplicáveis.
Assim, na sequência do PIP, a informação que foi dada pela CMM é totalmente omissa relativamente ao tipo de operação urbanística que deveria ser requerida - se de licenciamento de obra de construção, se de loteamento. Essa questão não vinha requerida para ser informada e também não consta do PIP. Portanto, porque na informação favorável que foi dada para o PIP apresentado não discutiu a caracterização da operação urbanística em causa como sendo uma operação de emparcelamento, que face ao seu impacto tivesse de ser sujeita ao regime das operações de loteamento, não há que arguir a nulidade de tal informação por não enquadrar a operação apresentada naquele regime. Por um lado, essa questão não foi sujeita ao PIP e, como tal, não foi equacionada na informação prestada. Por outro lado, atendendo aos contornos da questão e ao pedido feito, a CMM também não estava obrigada a fazer uma pronúncia expressa sobre o assunto ou a enquadrar o pedido como uma operação de loteamento.
Por seu turno, ainda que o PIP apresentado inclua uma operação implícita de emparcelamento, atendendo aos contornos do caso e à interpretação que deve ser dada ao art.ºs 2.º, n.º 1, al. i), do RJUE – necessariamente restritiva – não resulta certo e necessário que a CMM tivesse de considerar que tal operação urbanística estava sujeita ao regime do loteamento. Ou seja, a não submissão desta operação ao regime do loteamento não implica a nulidade da informação Camarária, como pugna o Recorrente, pois, no caso, a referida operação urbanística estaria fora desse regime.
O mesmo se diga do despacho de 20/02/2006, do Presidente da CMM, que aprovou o projecto de arquitectura.
No que se refere ao despacho de 12/02/2007, que aprovou o projecto de licenciamento de obras, sob condições, já não vêm alicerçado em nenhum emparcelamento implícito, pois a partir de 06/09/2006 a realidade existente no local, alvo do anterior PIP, voltou a estar descrita no registo predial como sendo relativa um único prédio.
Aliás, esta descrição predial que volta a anexar os prédios originais confirma que, no caso, não existia um emparcelamento implícito que se exigisse submetido ao regime especifico do loteamento.
Em conclusão, tal como decorre da factualidade apurada nos autos a operação urbanística em questão não se exigia necessariamente submetida ao regime especifico das operações de loteamento.
Nessa mesma medida, os actos impugnados não colidem com os art.sº 29.º, 31.º e 37.º do PDM de Mértola, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros (CM) n.º 162/95, de 21/09/1995 e art.º 4.º do PGU de Mértola, ratificado pela Resolução do CM n.º 50/1997, de 20/02/1997.
Aliás, atendendo aos factos apurados não resulta provado nos autos que os parâmetros que o A. e Recorrente diz violados o tenham sido efectivamente. Ou seja, tem de claudicar fatalmente a invocada violação dos art.sº 29.º, 31.º e 37.º do PDM de Mértola, ou do 4.º do PGU de Mértola, por falta de prova relativamente aos parâmetros que se dizem violados.
O presente recurso claudica, pois, in totum.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida, com a fundamentação ora adoptada;
- sem custas por isenção do Recorrente.

Lisboa, 18 de Fevereiro de 2021.
(Sofia David)

O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Dora Lucas Neto e Pedro Nuno Figueiredo.