Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06403/13
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/13/2014
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:MAIS-VALIAS OBTIDAS POR MEIO NEGÓCIO TRANSLATIVO DA PROPRIEDADE DECLARADO INEFICAZ (ARTIGO 38.º/1, DA LGT).
Sumário:1.Numa situação em que os efeitos jurídicos do negócio translativo da propriedade foram declarados ineficazes por sentença transitada em julgado, os efeitos medio tempore produzidos pelo esquema negocial gizado não foram eliminados pela sentença de forma retroactiva. É que a mesma não produz efeitos em relação a terceiros, nem determina a repristinação da situação ex ante, mas tão só a ineficácia da compra e venda, o cancelamento dos registos, para além das medidas ressarcitórias adequadas.

2. Quer a obtenção dos empréstimos bancários através de constituição de hipoteca sobre o prédio dos autos, quer o pagamento do preço lograram consumar-se, pelo que existem mais-valias sujeitas a tributação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

I- Relatório
A Fazenda Pública interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida a fls. 154/164, que julgou procedente a impugnação deduzida por Maria ………….. contra a liquidação de IRS n.º…………………., relativa ao ano de 2005, no valor de €6.883,26, incluindo juros compensatórios no montante de €770,98.
Nas alegações de recurso de fls. 211/224, a recorrente formula as conclusões seguintes:
a) Foi violado pela douta sentença o artigo 38.º/1, da LGT.
b) Nos termos do artigo 38.º/1, da LGT, “a ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes”. Na presente impugnação foi junta aos autos a douta sentença proferida na acção de processo ordinário n.º 1025/09.6TBGRD, que correu termos no Tribunal Judicial da Guarda, onde era pedida pela impugnante/recorrida a declaração de nulidade da alienação do bem que está na origem da liquidação de IRS ora em causa, em virtude da autora (ora impugnante) ter assinado “a procuração convicta de que a mesma serviria tão só, para que fosse conseguido o empréstimo de 50 mil euros, ficando a sua casa hipotecada para garantia de tal empréstimo, não ignorando a primeira ré (que outorgou a escritura de compra e venda como procuradora da alienante), de que a vontade da autora era apenas para o aludido efeito" (fls. 3 e 4 da sentença).
Ora, é referido na sentença em análise, a fls. 10, que "... ao lado dos interesses do declarante e do declaratário poderão ainda existir interesses privados de eventuais terceiros que do declarante ou do declaratário tenham adquirido direitos. De facto, para além destes interesses individuais, devem ainda ser relevados os interesses gerais do comércio jurídico onde se salvaguarde a segurança, celeridade e confiança da contratação". Considerando mais à frente, a fls. 11, que a situação em análise na sentença "representa um dos casos em que há "erro sobre o conteúdo da declaração. De facto, compulsada a factualidade dada como provada, verifica-se que a autora pretendia emitir uma declaração negocial, mas com um sentido e alcance diferente do que emitiu. Pois, como decorre da aludida factualidade, pretendia a autora apenas disponibilizar o seu património, como garantia, para um mútuo bancário a contrair pelo seu filho e pela sua nora, aqui primeira ré". Continuando, a fls. 13 e 14, referindo que "os actos praticados por um representante sem poderes ou falsus procuratom são ineficazes em relação à pessoa em nome da qual se celebrou o negócio sendo que não havendo ratificação, o representante sem poderes, verificada culpa sua, (como sucede neste caso) responde perante a contraparte, com fundamento em responsabilidade pré-negocial (art. 227º), responde pelo interesse contratual negativo ou interesse da confiança ...". Concluindo então, a fls. 14 e 15, que "sendo certo que, neste caso, não obstante a autora ter pedido a nulidade de tal escritura, por falta de legitimidade da primeira ré, e não a ineficácia do negócio relativamente à autora, a realidade é que tal circunstância não obsta a que o tribunal convole esse pedido de anulação para a declaração de ineficácia prevista no artigo 268º do Código Civil... Pelo que, tudo ponderado e apreciado, julga-se nesta parte a acção procedente, por provada, determinando-se assim a anulação da procuração outorgada pela autora no dia 10 de Março de 2005 a favor da ré Sónia …….. e, em consequência disso, a ineficácia do contrato de compra e venda celebrado entre a referida ré e os réus Vítor ……… e Marlene …… no dia 13 de Abril de 2005, no cartório notarial de Ovar, da licenciada Maria …………. relativamente à autora, determinando-se consequentemente o cancelamento do registo efectuado na Conservatória do Registo Predial a favor dos segundos réus".
c) Ou seja, determinando a sentença a ineficácia do contrato de compra e venda celebrado entre a referida ré e os réus Vítor …….. e Marlene ……… no dia 13 de Abril de 2005, não faz repercutir os seus efeitos em relação a terceiros e nomeadamente à situação em causa nos presentes autos, à administração fiscal, que mantém o poder-dever de tributar aquele facto tributário, que não desapareceu da ordem jurídica.
d) Depois, é também de evidenciar que a acção de condenação - acção de processo ordinário com o nº 1025/09.6TBGRD - supra explicitada, apenas foi interposta em 27/07/2009, ou seja, apenas mais de quatro anos após a celebração da escritura de compra e venda em causa nos autos, quando os efeitos económicos pretendidos pelas partes há muito se haviam produzido, quais sejam a transmissão do imóvel desde logo para efeitos de obtenção de empréstimo bancário, imediatamente atribuído com a prestação da garantia de hipoteca sobre o imóvel em causa e através de fiadores, empréstimo, registo da hipoteca e fiança que se mantiveram e mantém após a sentença supra a determinar "a anulação da procuração outorgada pela autora no dia 10 de Março de 2005 a favor da ré Sónia …… e, em consequência disso, a ineficácia do contrato de compra e venda celebrado entre a referida ré e os réus Vítor …. e Marlene …… no dia 13 de Abril de 2005"; acção de processo ordinário que, para além de ser interposta apenas quatro anos após a escritura, é interposta também apenas após a notificação do projecto de correcções ao IRS/2005 decorrente da escritura de venda do imóvel, notificação esta efectuada em 03/04/2009, ou seja, nitidamente como forma de obviar à tributação.
e) Conforme evidenciado na sentença proferida no processo nº 1025/09.6TBGRD em sede de fundamentação e dos factos, "como se referiu, os réus, pessoal e regularmente citados não apresentaram qualquer contestação. Assim sendo, considera-se a revelia dos réus operante e, ao abrigo do disposto no artigo 484º, no 1 do Código de Processo Civil, consideram-se confessados todos os factos articulados pela autora, que aqui se dão por reproduzidos para os devidos e legais efeitos", ou seja, vigorando no processo civil o princípio do dispositivo e a regra prevista no artigo 484º do CPC, mais não restaria ao tribunal do que julgar a acção procedente - ainda que o processo, com a anuência de todas as partes, tenha tido precisamente como escopo a evitação fiscal -, embora, ao determinar apenas a ineficácia da compra e venda (ao contrário do pretendido pela autora), levou à manutenção na ordem jurídica de "interesses privados de eventuais terceiros que do declarante ou do declaratário tenham adquirido direitos", ou seja, tendo-se verificado o facto tributário em causa já em 13/04/2005 e tendo-se produzido com a celebração da escritura de compra e venda os efeitos económicos pretendidos pelas partes precisamente na mesma data - a transmissão do imóvel desde logo para efeitos de obtenção de empréstimo bancário, imediatamente atribuído com a prestação da garantia de hipoteca sobre o imóvel em causa e através de fiadores, empréstimo, registo da hipoteca e fiança que se mantiveram e mantém após a sentença supra -, à luz do artigo 3811 da LGT deve manter-se na ordem jurídico-tributária o facto tributário em causa e como tal tributado, devendo considerar-se irrelevante "a ineficácia do contrato de compra e venda celebrado entre a referida ré e os réus Vítor ……e Marlene …… no dia 13 de Abril de 2005, no cartório notarial de Ovar, da licenciada Maria ……………………relativamente à autora", não obstando à sua tributação em sede mais-valias e IRS [sendo que, através da interposição do processo supra no tribunal judicial em vez da resolução, invalidade ou extinção por mútuo consenso, do contrato de compra e venda, consegue o melhor "de dois mundos" ao evitar pagar mais-valias em sede de IRS, e IMT nos termos do artigo 2/5 do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosa de Imóveis (IMT), sem colocar em causa os direitos hipotecários, mutuários e fiduciários do banco, ficando apenas lesado o Estado (indevidamente usado via tribunal) através da administração tributária]; também não é de somenos importância o facto de na procuração emitida pela impugnante ora recorrida à sua nora, junta aos autos, constar expressamente que "li e expliquei á outorgante o conteúdo desta procuração e a mesma foi feita por minuta" (sublinhado nosso) ou seja, que foi lida, explicada e elaborada com base em minuta feita pela interessada, ao que acresce o facto de estarem juntas aos autos outras procurações também da impugnante/recorrida e de esta ser feirante há mais de vinte anos, revelando estar no mundo do comércio há bastante tempo, logo ser experiente e perfeitamente capaz.
f) Nos termos do artigo 38/l da LGT "a ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes". Ora, conforme evidencia Lima Guerreiro na sua "Lei Geral Tributária anotada" em anotação ao artigo 38° da LGT, “1- O presente artigo consagra, no seu número 1, a eficácia perante a administração tributária dos negócios jurídicos ineficazes no âmbito do direito comum, nos casos em que já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes, de que resulta o direito, em tais circunstâncias, à tributação do negócio jurídico ineficaz. Paralelismo tem o presente artigo com o parágrafo 41°, n.º 1 da «Abgabeordnung», que estabelece a irrelevância da ineficácia de um negócio jurídico para efeitos de tributação se e enquanto as partes permitirem que perdure o seu resultado económico. 2 - O direito fiscal português não acolheu, na definição dos tipos de incidência tributária, o princípio da «consideração económica». Se a presente norma não tivesse sido introduzida na Lei Geral Tributária, não poderia, assim, a administração tributária tributar em caso algum os negócios jurídicos ineficazes. A ineficácia em sentido amplo tem lugar sempre que um negócio jurídico não produza, por qualquer impedimento decorrente do ordenamento jurídico, no todo ou em parte, os efeitos que tenderia a produzir de acordo com as declarações das partes respectivas... A ineficácia compreende a própria invalidade resultante de vícios ou deficiências do negócio contemporâneos da sua formação (sublinhado nosso). O preceito aplica-se, por o legislador não ter distinguido, aos caos de cessação de efeitos negociais - e, portanto de ineficácia em sentido lato - resultantes de resolução, revogação, caducidade ou denúncia dos contratos à ineficácia absoluta ou relativa em sentido restrito. Assim, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes, a administração tributária, para proceder à tributação, não necessita de solicitar judicialmente a declaração de eficácia ou validade dos negócios jurídicos. E é irrelevante, para efeitos fiscais, a destruição retroactiva que as partes pretendam proceder dos efeitos económicos do negócio jurídico susceptível de tributação. 3- O número 1 do presente preceito atalha em conformidade a chamada «tax evasion» ou evasão do imposto, em que o particular ou particulares praticaram um acto correspondente ao pressuposto de facto de um tributo e posteriormente procuram evitar o pagamento da obrigação correspondente por meio da destruição retroactiva dos efeitos desse acto, o que é uma situação próxima do abuso de direito em matéria fiscal a que se refere o número 2 e justifica sistematicamente a sua inclusão no mesmo artigo (sublinhado nosso). É, assim, nesses casos fiscalmente indiferente a vontade real das partes da erradicação do mundo jurídico do negócio celebrado. Não é fiscalmente relevante a anulação de um negócio jurídico visando evitar a produção de um efeito fiscal associado, desde que o seu resultado económico já tenha sido produzido. Não se produzem nessas circunstâncias os efeitos retroactivos prescritos em direito civil para a anulação dos negócios jurídicos, salvo, obviamente, nas relações entre as partes. 4 - «A contrario» infere-se que a existência real do negócio jurídico no período entre a celebração e a declaração de ineficácia não impõe a tributação se os efeitos económicos ainda não ocorreram. É a única solução conforme com a letra da lei e a função que desempenha a norma do número 1 do presente artigo de combater a evitação fiscal. 5 - Caso os efeitos económicos se tenham produzido, mas não perdurem já no momento da declaração de ineficácia, deve entender-se que se mantêm os efeitos da tributação anteriores a esta. A ineficácia apenas opera então para o futuro, como claramente resulta do número 1 do presente preceito. As correcções a efectuar em virtude da declaração de ineficácia apenas podem ter lugar nos períodos de tributação posteriores e quando a lei o permita, não afectando a validade das liquidações já efectuadas, como é a doutrina do artigo 71º, nº 2 do C.I.V.A., que permite ao fornecedor de bens ou ao prestador de serviços a dedução correspondente ao imposto liquidado em operações anuladas por invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, no ou nos períodos de tributação seguintes, ficando detentor, em conformidade, de um crédito do imposto sobre o Estado, a satisfazer nos termos gerais do funcionamento do IVA". Referindo ainda mais à frente que "... o disposto no número 1 tinha já algum suporte no actual sistema fiscal. Na verdade, segundo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Abril de 1997, recurso número 21.232, a renúncia ao recebimento de juros feita na transacção judicial não tem por efeito evitar o pagamento de imposto de capitais, pois a disponibilidade dos direitos civis nada tem a ver com a indisponibilidade das obrigações tributárias. O princípio referido no número 1 teria, assim, já assento, pelo menos em parte, na indisponibilidade do imposto, que impediria uma revogação retroactiva do negócio jurídico afectando os direitos da fazenda nacional".
g) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos, tendo sido juntos quer pela oponente/recorrida, quer pela fazenda.

X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
Corridos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.
X
I- Fundamentação
1.1. De Facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
a) No dia 10.03.2005, a Impugnante outorgou procuração na qual declarou que pela mesma constitui sua procuradora Sónia ………………… a quem “confere todos os necessários poderes para em seu nome, vender a quem, pelos preços e demais condições que entender, quaisquer prédios, sitos na freguesia da Sé, do Concelho da Guarda, pagar os respectivos preços aceitar as correspondentes quitações, outorgar e assinar as devidas escrituras e tudo o mais preciso ao fim indicado” (cfr. documento de fls. 3 e 4 do processo administrativo apenso);
b) Em 13.04.2005, foi celebrada escritura pública de “COMPRA E VENDA, EMPRÉSTIMO E FIANÇA”, na qual Sónia ………….., na qualidade de procuradora da ora Impugnante, declarou que, “pela presente escritura vende aos segundos outorgantes [Vítor ………………… e Marlene ……………….], pelo preço de CENTO E DEZ MIL EUROS, que já recebeu, o prédio urbano sito na Rua ……………, freguesia da Guarda (Sé), concelho da Guarda, inscrito na matriz respectiva sob o artigo ……….(…) descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o número dois mil trezentos e dez da freguesia da Guarda (Sé)”, tendo os segundos outorgantes declarado que aceitam esta transmissão (cfr. cópia da escritura pública, a fls. 5 a 10 do processo administrativo apenso);
c) A aquisição mencionada na alínea que antecede foi registada provisoriamente em 11.03.2005, pelo averbamento da inscrição Ap. 19, na Conservatória do Registo Predial da Guarda, registo convertido em definitivo em 23.05.2005, pelo averbamento da inscrição Ap. 28 (cfr. certidão de registo predial de fls. 34 a 37 do processo administrativo apenso);
d) Não tendo a Impugnante apresentado juntamente com a declaração de rendimentos modelo 3, relativa ao exercício de 2005, o anexo G onde conste a alienação mencionada na alínea B) supra, foi emitida, com data de 27.07.2009, a liquidação de IRS n.º 2009 5004794661, relativa ao ano de 2005, no valor de € 6.883,26, com data limite de pagamento voluntário fixada em 07.09.2009 (cfr. documentos de fls. 9 dos autos e fls. 47 do processo administrativo apenso);
e) Tendo sido notificada da liquidação identificada na alínea que antecede, em 16.09.2009 a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a referida liquidação, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 43 a 45 do processo administrativo apenso, solicitando a sua anulação;
f) Pelo despacho de 11.11.2009, proferido pela Chefe de Divisão de Tributação e Justiça Tributária da Direcção de Finanças da Guarda, foi indeferida a reclamação mencionada na alínea que antecede (cfr. documentos de fls. 60 a 63 e 73-74 do processo administrativo apenso);
g) Por ofício datado de 11.11.2009, foi comunicado à ora Impugnante o despacho referido na alínea anterior, por carta registada com aviso de recepção que se mostra assinado em 19.11.2009 (cfr. documentos de fls. 75 a 77 do processo administrativo apenso);
h) Em 04.12.2009, deu entrada no Serviço de Finanças da Guarda a presente impugnação (cfr. carimbo aposto a fls. 4 dos autos);
i) Em 04.05.2010, foi proferida sentença, transitada em julgado em 09.06.2010, na acção declarativa de condenação n.º 1025/09.6TBGRD, deduzida pela ora Impugnante tendo em vista, nomeadamente, a declaração de nulidade do contrato de compra e venda descrito em B) supra, e que correu termos no Tribunal Judicial da Guarda, na qual se declarou ineficaz relativamente à Impugnante aquele contrato de compra e venda e ordenou o cancelamento do direito de propriedade efectuado na Conservatória do Registo Predial a favor dos adquirentes, na sequência da escritura de compra e venda, conforme dispositivo que se passa a reproduzir:
“Pelo exposto, julga-se a acção totalmente procedente, por provada, e, em consequência:
1) Declara-se a procuração outorgada pela Autora MARIA …………………….., no dia 10 de Março de 2005, no Cartório Privado do Notário José …………………. anulada; e, em consequência,
2) Declara-se ineficaz relativamente à Autora MARIA ………………… o contrato de compra e venda celebrado entre os réus pela escritura pública de compra e venda, empréstimo e fiança outorgada no dia 13 de Abril de 2005, no Cartório Notarial de Ovar (…); e, em consequência,
3) Ordena-se o cancelamento do registo do direito de propriedade efectuado na conservatória do Registo Predial a favor dos segundos réus, na sequência da escritura referida no ponto anterior;
4) Por último, condena-se os réus, solidariamente, a pagarem à autora a título de indemnização pelos prejuízos sofridos, a quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença." (cfr. documento de fls. 75 a 96 dos autos).
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:
Não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão. // Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, com destaque para os referidos a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
j) Na base da liquidação referida em d), está a correcção seguinte: «Rendimento de categoria G - €65.815,15 // Rendimentos provenientes da alienação do artigo urbano n.º ……………, da freguesia da Sé, do concelho da Guarda, conforme contrato de compra e venda celebrado no notário Maria …………………/Ovar, datado de 13.04.2005, pelo preço de €110.000,00. // O prédio foi adquirido por si e pelo marido Justo Fernandes, falecido em 11.12.1989, pelo que tendo em conta os artigos 2.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 488-A/88, de 30 de Novembro, é afastado da sujeição a imposto a fracção de ½, logo, tendo de apresentar o anexo G e G1. // O imóvel veio a ser avaliado no âmbito do CIMI, sendo atribuído o valor patrimonial de €131.630,00, correspondendo à fracção de ½ €65.815.00. // Foi sujeito a imposto sucessório pela transmissão gratuita do seu marido o valor de 1.676.429$00, que convertido em euros resulta o valor de €8.361,99, correspondendo a 1/2, €4.180,50» - fls. 21/22, do processo administrativo apenso.
k) Através da escritura referida em b), os adquirentes contraíram junto do “Banco ……….., SA” um empréstimo de €95.000,00, garantido por meio de hipoteca constituída sobre o imóvel em causa – fls. 5/10, do processo administrativo apenso.
l) Através de escritura outorgada na mesma data e no mesmo notário [“Empréstimo com fiança”], os adquirentes do prédio contraíram junto do “Banco ………, SA” um empréstimo de €50.000,00, garantido por meio de hipoteca constituída sobre o imóvel em causa – fls. 12/16, do processo administrativo apenso.
m) Na acção referida em i), os réus [Sónia ………, Vítor …………. e Marlene …………….] foram condenados à revelia.
n) A sentença referida na alínea anterior esteou-se, entre o mais, na consideração seguinte: «não obstante o acordado com o filho e com a primeira ré, certo é que, no dia em que se deslocou ao cartório notarial, acabou por assinar uma procuração onde conferia à primeira ré poderes diferentes dos inicialmente acordados e desejados, conferindo àquela poderes que lhe permitiam vender quaisquer bens que a autora possuísse na freguesia da Sé, concelho da Guarda, não obstante estar convencida que assinou procuração e que a mesma serviria tão só para que fosse conseguido o empréstimo de 50 mil euros, ficando a sua cada hipotecada para garantia de tal empréstimo».
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2.2. De Direito
2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 154/164, que julgou procedente a impugnação deduzida por Maria ……………… contra a liquidação de IRS n.º …………….., relativa ao ano de 2005, no valor de €6.883,26, incluindo juros compensatórios no montante de €770,98.
2.2.2. Para julgar procedente a presente impugnação, a sentença em apreço estribou-se, entre o mais, na seguinte argumentação: «[n]ão se pode olvidar que, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. // É, assim, condição objectiva de tributação, desde logo, que ocorra uma alienação de direito real sobre um imóvel. // Ora, se a alienação em causa nos autos foi declarada ineficaz em relação à Impugnante, a qual mantém o direito de propriedade sobre o referido imóvel – face à decisão de declaração de ineficácia e de cancelamento do registo do direito de propriedade a favor dos adquirentes, na sequência da escritura de compra e venda –, tal significa que, por efeito da referida sentença, o direito real sobre o imóvel não saiu da esfera da ora Impugnante, não se verificando, assim, a alienação do direito real que constitui pressuposto da tributação em mais-valias. // Acresce que, face àquela disposição legal, é também condição necessária para ocorrer a tributação em mais-valias a obtenção de um ganho com a alienação, neste caso, de um imóvel. Pelo que, face à já referida declaração de ineficácia do negócio jurídico, tal ganho nunca se verificará. // Por outro lado, o n.º 1 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária (LGT) consagra a possibilidade de tributação dos efeitos económicos pretendidos pelas partes que tenham sido produzidos apesar da ineficácia do negócio. No entanto, tal tributação só ocorrerá se, e na medida em que, tais efeitos existam e recaiam na previsão de um tipo legal de imposto. // Ora, como já se viu, no caso dos autos os efeitos económicos do negócio jurídico não se produziram, não só porque a propriedade do imóvel se mantém na titularidade da Impugnante, como, segundo foi dado como provado na sentença proferida no processo n.º 1025/09.6TBGRD, nem os outorgantes adquirentes do imóvel transaccionado se propuseram tomar posse do mesmo, nem nunca foi efectuado qualquer pagamento que seria devido pelo contrato em causa».
2.2.3. Do alegado erro de julgamento no que respeita à apreciação da materialidade fáctica subjacente ao acto tributário impugnado.
A recorrente censura a sentença recorrida por a mesma considerar que as mais-valias obtidas com a alienação da propriedade do imóvel não se tinham verificado, dado que os negócios jurídicos que a titulavam foram objecto de anulação por determinação da sentença judicial proferida na acção intentada pela impugnante contra a sua procuradora e contra os adquirentes do mesmo.
Ao invés, na tese da recorrente, os efeitos económicos do negócio ocorreram, pese embora a decretação da ineficácia do contrato de compra e venda celebrado; alega que a sentença não fez repercutir os seus efeitos em relação a terceiros; que a mesma apenas foi proferida mais de cinco anos após a celebração da escritura de compra e venda, quando os efeitos económicos do negócio pretendidos pelas partes há muito se haviam produzido.
Vejamos.
Do probatório resultam os elementos seguintes:
a) Em 10.03.2005, a Impugnante outorgou procuração na qual declarou que pela mesma constitui sua procuradora Sónia …………….., a quem “confere todos os necessários poderes para em seu nome, vender a quem, pelos preços e demais condições que entender, quaisquer prédios, sitos na freguesia da Sé, do Concelho da Guarda, pagar os respectivos preços aceitar as correspondentes quitações, outorgar e assinar as devidas escrituras e tudo o mais preciso ao fim indicado” [alínea a) do probatório].
b) Em 13.04.2005, foi celebrada escritura pública de “COMPRA E VENDA, EMPRÉSTIMO E FIANÇA”, na qual Sónia ……………, na qualidade de procuradora da ora Impugnante, declarou que, “pela presente escritura vende aos segundos outorgantes [Vítor ………….. e Marlene ………………], pelo preço de CENTO E DEZ MIL EUROS, que já recebeu, o prédio urbano sito na Rua …………., freguesia da Guarda (Sé), concelho da Guarda, inscrito na matriz respectiva sob o artigo ………(…) descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o número dois mil trezentos e dez da freguesia da Guarda (Sé)”, tendo os segundos outorgantes declarado que aceitam esta transmissão [alínea b) do probatório].
c) Em 09.06.2010, transita em julgado a sentença que determina a ineficácia dos negócios jurídicos celebrados, na acção declarativa de condenação n.º 1025/09.6TBGRD, deduzida pela ora Impugnante [alínea i) do probatório].
d) A sentença referida na alínea anterior determinou o seguinte: “Pelo exposto, julga-se a acção totalmente procedente, por provada, e, em consequência:
1) Declara-se a procuração outorgada pela Autora MARIA …………….., no dia 10 de Março de 2005, no Cartório Privado do Notário José ……………… anulada; e, em consequência,
2) Declara-se ineficaz relativamente à Autora MARIA …………….. o contrato de compra e venda celebrado entre os réus pela escritura pública de compra e venda, empréstimo e fiança outorgada no dia 13 de Abril de 2005, no Cartório Notarial de Ovar (…); e, em consequência,
3) Ordena-se o cancelamento do registo do direito de propriedade efectuado na conservatória do Registo Predial a favor dos segundos réus, na sequência da escritura referida no ponto anterior;
4) Por último, condena-se os réus, solidariamente, a pagarem à autora a título de indemnização pelos prejuízos sofridos, a quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença."» [alínea i) do probatório].
Em face dos dados coligidos nos autos, a questão que se suscita consiste em saber se no exercício em causa (2005), a recorrida/impugnante obteve ganhos de mais-valias, relativas à alienação do prédio dos autos, que, pese embora a extinção dos efeitos dos negócios jurídicos que titulam a referida alienação, determinada pela sentença referida na alínea i) do probatório, integraram a sua esfera jurídica-económica, sendo como tais recondutíveis às normas de incidência dos artigos 10.º/1/a), e 43.º/1, do CIRS.
Estabelece o artigo 38.º/1, da LGT, que «[a] ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes».
Suscita-se, pois, a questão de saber se os efeitos económicos do negócio alineação do imóvel tiveram lugar, apesar da extinção determinada pela sentença anulatória da procuração.
Recorde-se que «[o] valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes» [artigo 43.º/1, do CIRS]. «Para determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se o valor de realização, o valor da respectiva contraprestação» [artigo 44.º/1/f), do CIRS].
Não sofre dúvida que com a alienação efectuada pela procuradora, em nome da impugnante, do prédio em apreço, foi pago e recebido o preço, no montante de €110.000,00 [alínea b), do probatório] O recebimento do preço consta da escritura pública de compra e venda, tendo sido levada à alínea b), do probatório, sem que a recorrida lograsse impugnar, de forma especificada, a mesma [artigo 446.º do CPC “Ilisão da autenticidade ou da força probatória de documento”]. Como também não sofre dúvida que o contrato de compra e venda foi declarado ineficaz, declaração cujos efeitos operam desde a data do trânsito em julgado da sentença [09.06.2010]. Donde resulta que entre 13.04.2005 e 09.06.2010, o negócio translativo da propriedade sobre o imóvel operou os seus efeitos económicos, concretamente, à transferência da propriedade, acresceu o pagamento do preço acordado [€110.000,00], bem como a contratação de dois empréstimos bancários, um no valor de €95.000,00 e outro no valor de €50.000,00, em favor dos adquirentes do imóvel, ambos garantidos por meio de hipotecas constituídas sobre o mesmo.
Os efeitos medio tempore produzidos pelo esquema negocial gizado não foram eliminados pela sentença de forma retroactiva. É que a mesma não produz efeitos em relação a terceiros, nem determina a repristinação da situação ex ante, mas tão só a ineficácia da compra e venda, o cancelamento dos registos, para além das medidas ressarcitórias adequadas.
No que respeita à anulação da procuração determinada pela sentença, a mesma não tem a virtualidade de destruir os efeitos entretanto produzidos pelo negócio translativo em causa, porquanto a modificação e a extinção da procuração não são oponíveis a terceiros (no caso, os adquirentes), enquanto não lhes for dado conhecimento por meios idóneos (artigo 266.º do Código Civil).
Em síntese, quer a obtenção dos empréstimos bancários através de constituição de hipoteca sobre o prédio dos autos, quer o pagamento do preço lograram consumar-se. Nos termos do artigo 10.º/1/a), do CIRS, «[c]onstituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: // a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis». Norma cujo âmbito previsivo foi preenchido.
Em face do exposto, a sentença recorrida ao julgar em sentido discrepante, incorreu em erro de julgamento, quanto ao direito aplicável, pelo que não se pode manter na ordem jurídica.
Na falta de outros fundamentos da impugnação, a mesma é de julgar improcedente.

DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em, condendo provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação.
Custas pela recorrida em 1.ª instância.
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Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(Pereira Gameiro -1º. Adjunto)

(Joaquim Condesso -2º. Adjunto)