Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:223/14.5BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:04/21/2022
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário:I – A responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos impõe que estes sejam responsáveis quando for de concluir que os seus órgãos ou agentes praticaram, por ação ou omissão, atos ilícitos e culposos, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, e que daí resultou um dano para terceiro.
II - Na presente situação, independentemente da responsabilidade individual de cada um dos órgãos e entidades envolvidas, o que é facto é que entidades públicas contribuíram por ação e omissão para a duplicação de uma venda de ½ da identificada fração, o que, por natureza, constitui um ato ilícito.
III - Não é possível ignorar a circunstância de entidades publicas terem vendido o mesmo prédio, pelo menos metade dele, duas vezes, sem que, no mínimo, tenham diligenciado no sentido de devolver os montantes despendidos pelo adquirente originário, que tendo a legitima expetativa de adquirir a segunda metade da fração, exercendo o seu direito de preferência, se viu na contingência de ficar sem a titularidade de qualquer delas.
IV - Decorre do artigo 496º do CC que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (n.º 1), sendo o montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º, isto é, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (n.º 3).
O julgador, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, em cumprimento do normativo legal que o manda julgar de harmonia com a equidade, deverá atender aos fatores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada.
A indemnização por danos não patrimoniais tem uma natureza mista, visando por um lado reparar, mais do que indemnizar e por outro reprovar ou castigar a conduta do lesante.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
L....., devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, intentada contra o Estado Português representado pelo Ministério Público, peticionou:
“i) “Que o Estado seja condenado a criar condições para honrar a venda que efetuou, garantindo a efetiva transmissão de ½ do prédio que o A. adquiriu”;
ii) “Que, caso não possa hoje reunir condições para a efetiva transmissão do referido ½ do prédio que o A. adquiriu, seja condenado a devolver-lhe o montante global que pagou, acrescido dos juros e demais despesas efetuadas”;
iii) “Que em qualquer dos casos seja o Estado condenado a indemnizar o A. pela frustração de expectativas relativamente à utilização do bem que adquiriu, bem como da restante parte do mesmo que planeava adquirir”.
Inconformado com a Sentença proferida em 30 de abril de 2017, no TAF de Almada, na qual a ação foi julgada improcedente, veio interpor recurso jurisdicional da mesma para esta instância, no qual concluiu:
A) O presente recurso vem interposto da Sentença de 30.4.2017 que, aderindo ao entendimento defendido na Contestação pelo R./Recorrido, julgou improcedente a ação intentada pelo A./Recorrente onde se pedia que o Réu /Recorrido honrasse a venda que efetuou e transmitisse 1/2 do prédio adquirido pelo A./Recorrente ao R./Recorrido, que, caso não reunisse condições para efetivar a transmissão fosse o R./Recorrido condenado a devolver tudo quanto pagou, acrescido de juros e demais despesas efetuadas, e que, em todo o caso, fosse o R/Recorrido condenado a indemnizar o A./Recorrente pela frustração de expectativas relativamente à utilização do bem que adquiriu, bem como pela frustração da expectativa legitima que tinha de adquirir o imóvel pela sua totalidade.
B) Salvo melhor opinião, a Decisão recorrida assentou numa errada interpretação da lei e do Direito aplicável ao caso concreto, o que determinou um manifesto erro de julgamento quanto ao enquadramento legal das questões jurídicas submetidas à apreciação do Tribunal recorrido.
C) Antes de procedermos à análise das questões jurídicas em causa neste recurso, importa enunciar sumariamente a factualidade relevante para a decisão de que ora se recorre e que, de resto, se encontra, em parte, também vertida nos factos dados como assentes, na própria decisão recorrida:
a. Em 23.03.2011, o A./Recorrente adquiriu ’A de um prédio urbano, em venda realizada em processo de execução fiscal, a que o A./Recorrente é completamente alheio, sendo apenas quem comprou, pagou o preço e os impostos devidos.
b. Não procedeu o A. Recorrente de imediato ao registo da aquisição do ’A do prédio que adquiriu, porque não residia em Portugal e porque não estava obrigado a fazê-lo, dado que se tratava de uma aquisição sem determinação de parte ou direito e a legitima expectativa de vir a adquirir o prédio pela sua totalidade, fazendo então o registo.
c. Não obstante, veio o A./Recorrente a tomar conhecimento de que a totalidade do prédio veio a ser posteriormente vendida no âmbito do processo N° 2370/06.8TBALM, que correu termos no 3o Juízo de Competência Cível do Tribunal da Comarca e de Família e Menores de Almada e feito o registo da sua totalidade a favor de terceiro em 02/12/2011.
d. O que significa que a venda de ’A do prédio que o A./Recorrente adquiriu foi de novo vendida a terceiro sem qualquer contacto ou conhecimento do A./Recorrente.
e. A segunda venda foi feita por negociação particular e o instrumento de transmissão foi uma escritura, sendo obrigatório, para que a mesma se realizasse, a Equidaçao de IMT e emissão do respetivo conhecimento pelo Serviço de Finanças do Seixal, o que se verificou.
f. Verificada esta situação, o A./Recorrente interpelou o Serviço de Finanças do Seixal para que tomasse por via administrativa os procedimentos que entendesse possíveis, desde que isso garantisse a efetiva entrega do bem que adquiriu, ’A do prédio, ou em alternativa o indemnizasse, obtendo resposta negativa.
g. Esgotados todos os procedimentos administrativos, sem que a Administração Fiscal desse mostras de pretender encontrar uma solução, não restou outra alternativa ao A./Recorrente senão intentar a presente ação contra o Estado.
h. Apesar de poder deitar mão de outros instrumentos, entendeu o A./Recorrente que a presente ação e o seu pedido são o meio mais justo e adequado para proteção e satisfação dos seus direitos.
Porém, entendimento diverso teve o tribunal “a quo”, mas não se conformando vem o a./recorrente interpor o presente recurso porque, sem prejuízo de outras abordagens; entende que aos factos se aplica o seguinte direito:
i. Tem o A./Recorrente direito a que lhe seja transmitido e entregue 1/2 do prédio que comprou livre de ónus ou encargos, por aplicação do artigo 824 do CC.
j. Tem o A./Recorrente direito de preferência na aquisição do outro 1/2 que foi vendido no âmbito do processo de execução comum, por aplicação do revisto no artigo 1409° do CC.
k. Não tendo sido respeitados e salvaguardados esses direitos, importa apreciar e identificar as causas diretas que impediram a proteção de tais direitos e, consequentemente encontrar os seus responsáveis diretos.
l. Ora os tais direitos e interesses legalmente protegidos do A./Recorrente foram violados, independentemente de também e noutra sede se poderem ser exigidos relativamente à venda realizada no processo de execução comum, em primeira mão pelo Serviço de Finanças do Seixal, o que objetivamente permitiu o desenrolar da situação seguinte, lesando o A./Recorrente no seu direito de propriedade e no seu direito de preferência.
m. Pelo que tudo o que se segue, quer relativamente à venda em processo de execução fiscal, quer no processo de execução comum, e uma consequência direta da ação e omissão decorrente do comportamento da Administração Fiscal. Logo, antes de qualquer outro procedimento, deve ser responsabilizada a Administração Fiscal em sede de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado.
n. Senão vejamos:
-Estava a Administração Fiscal impedida de proceder à liquidação do IMT para a venda na execução comum, mas o facto é que procedeu à liquidação e emissão do respetivo conhecimento, o que permitiu efetuar uma venda que por várias razões e motivos a Administração Fiscal sabia que não se poderia realizar:
-Com esse comportamento impediu a possibilidade de ela própria cumprir integralmente a venda e efetiva entrega do bem que havia vendido ao A./Recorrente, bem como o impediu de exercer o seu direito de preferência na venda realizada no processo de execução comum.
o. Com esse comportamento a Administração Fiscal lesou o A./Recorrente nos termos e montantes pedidos na PI.
p. Admitiu O A./Recorrente que poderia ter promovido o registo da aquisição de 1/2 que adquiriu no processo de execução fiscal, mas a isso não estava obrigado, tendo em conta o previsto no ii) da alínea a) do artigo 8 — A do Código do Registo Predial, sendo atendível que procedesse ao registo do prédio na sua totalidade a seu favor quando adquirisse o 1/2 que seria vendido no processo de execução comum. Porém, a Administração Fiscal liquidou IMT pela totalidade do prédio, ou seja, apesar de saber que tinha vendido 1/2 do prédio ao A./Recorrente, em sede de execução fiscal, permitiu a venda do prédio de novo e na sua totalidade, em sede de execução comum.
q. Tal comportamento coloca a Administração Fiscal na posição de causadora da situação tal como ela se apresenta, mas também na posição de quem tinha a obrigação de impedir, mas não o fez. Pelo contrario, foi um agente facilitador de um comportamento passível de procedimento criminal.
r. Deverá, por isso, considerar-se que se verifica, antes de qualquer outra questão jurídica, Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, nos termos em que é prevista no artigo 22° da CRP, devendo o Estado ser responsabilizado de acordo com o previsto no Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades públicas, aprovado pela Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, provados que estão os pressupostos do n° 1 do artigo 342° do CC, fixada com respeito pelo artigo 566° do CC, fazendo-se a reconstituição natural, ou, na impossibilidade, fixando-se indemnização em dinheiro.
s. Questão jurídica não menos importante é aferir se estão ou não reunidos os requisitos para verificação ou não de Enriquecimento Sem Causa, em conformidade com o previsto no artigo 473° do CC. Parece não haver duvidas sobre essa matéria. Se as houver importará esclarecer como se define e caracteriza a situação jurídica criada pelo Serviço de Finanças do Seixal, recebendo o preço e acrescido por uma venda feita em nome do Estado, sem concretizar a entrega do bem vendido nem devolvendo o dinheiro recebido, sem que ao A./Recorrente possa ser assacada qualquer responsabilidade pela situação criada, nem mesmo pelo facto de não ter feito de imediato o registo a seu favor, como antes já se demonstrou.
Ou seja, o Estado faz seu o dinheiro do preço e dos impostos por um bem que vendeu, mas nunca entrega por culpa sua, ficando o comprador sem o bem e sem o dinheiro, sem nenhuma razão válida para que se verifique tal situação, e a sentença recorrida considera que não há enriquecimento sem causa. Pois o A./Recorrente pensa e defende o contrário.
t. Por último perante a questão de saber se o direito em causa se classifica como um verdadeiro direito fundamental, qualquer interpretação no sentido desfavorável ao conhecimento do mérito da ação, restringindo os direitos do A./Recorrente, por se considerar a separação entre o que ocorreu na venda em processo de execução fiscal e venda em processo de execução comum, ou tendendo a desresponsabilizar a Administração Fiscal pelo dever de impedir a segunda venda, por eventualmente considerar que essa não é a sua primeira responsabilidade, será uma interpretação que desrespeita a unidade do sistema jurídico, de modo arbitrário e incoerente, violando manifestamente o princípio da promoção do acesso à justiça, consagrado expressamente no artigo 7º do CPTA e no direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo tutelado nos arts. 20° e 268°, n° 4, da Constituição da República Portuguesa, pelo que deverá a Sentença recorrida set nela feita uma interpretação jurídica desadequada aos factos em apreço, o que naturalmente provocou uma decisão errada, salvo de novo e sempre o devido respeito.
Nestes termos, deve a Sentença recorrida ser revogada, reapreciando-se a aplicação do Direito aos factos, decidindo-se no sentido formulado pelo A./Recorrente na PI, condenando-se o Estado no pedido feito, ou seja, fazer a reconstituição natural da situação que o A./Recorrente teria antes de adquirir o 1/2 do prédio, ou, na impossibilidade, indemnizá-lo nos termos pedidos na P.I.. Só assim será cumprido o Direito e feita a costumada Justiça!”

O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 14/06/2017.
Em 3 de julho de 2017 veio o Ministério Publico apresentar as suas Contra-alegações de Recurso, nas quais concluiu:
“1.ª – Pela presente ação, o Autor pretende ser indemnizado pelos alegados prejuízos resultantes da atuação da Administração Tributária no âmbito do processo de execução fiscal nº 222….., que correu termos no Serviço de Finanças do Seixal.
2.ª – A venda ao ora Recorrente de ½ do prédio no âmbito do processo de execução fiscal foi efetuada nos termos legalmente previstos e permitidos.
3.ª – A Administração Tributária é alheia à venda do prédio no âmbito do processo de execução comum.
4.ª – Essa venda só veio a contender com o direito de propriedade do ora Recorrente por este não ter procedido ao registo da sua aquisição, como podia e devia ter feito, sendo certo que não é atribuição da Administração Tributária velar pela “segurança do comércio jurídico imobiliário”, nem é a mesma responsável pelo registo da aquisição do imóvel.
5.ª – Pela transmissão onerosa de imóveis é devido o pagamento do IMT, pelo que a liquidação desse imposto relativa à venda do prédio no âmbito do processo de execução comum não configura qualquer ato ilícito.
6.ª – A atuação da Administração Tributária foi determinada pelo cumprimento rigoroso das disposições e princípios legais aplicáveis, não tendo sido infringidas quaisquer regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado.
7.ª – Se o ora Recorrente sofreu danos, estes não decorrem de qualquer atuação ilícita do Réu Estado, sendo certo que o mesmo não fez qualquer prova dos alegados danos, como era seu ónus, para além de que o valor peticionado a título de reparação de danos se mostra exagerado e muito para além daquele que razoavelmente poderia ser arbitrado de acordo com os fatores objetivos ou mesmo os juízos de equidade de que pode socorrer-se o julgador.
8.ª – Também não se mostram preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnização por enriquecimento sem causa, pois não se verificou qualquer enriquecimento injustificado da Administração Tributária à custa do ora Recorrente, uma vez que o preço que este pagou constitui a contrapartida pela aquisição de ½ do prédio na execução fiscal, sendo certo que não foi o ora Recorrente que procedeu ao pagamento IMT relativo à venda do imóvel efetuada no processo de execução comum, pelo que a Administração Tributária não enriqueceu à custa do empobrecimento do ora Recorrente.
9.ª – A pretensão do ora Recorrente contra o Réu Estado não pode, pois, proceder por não se verificarem os pressupostos legais da obrigação de indemnizar que o mesmo pretende tornar efetiva através da presente ação.
10.ª – Ao julgar a ação improcedente e absolvendo o Réu Estado do pedido, o Tribunal a quo fez uma correta interpretação e aplicação das normas aplicáveis.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente e ser-lhe negado provimento, confirmando-se integralmente a douta sentença recorrida.
Vossas Excelências apreciarão e farão a melhor Justiça.”
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
As principais questões a ponderar recursivamente resultam da necessidade de apreciar, designadamente, a invocada “(…) errada interpretação da lei e do Direito aplicável ao caso concreto, o que determinou um manifesto erro de julgamento quanto ao enquadramento legal das questões jurídicas submetidas à apreciação do Tribunal recorrido”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada, a qual aqui se reproduz:
FACTOS PROVADOS
“a) No dia 23/03/2011, o autor adquiriu, pelo valor de €4.010, através de venda realizada no processo de execução fiscal n.º222….., que correu termos no Serviço de Finanças do Seixal, ½ do prédio sito na Praça dos Pescadores, n.º…., Fonte da Telha, freguesia da Costa da Caparica, concelho de Almada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º1….. e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3…., da freguesia da Costa da Caparica [acordo e documento de fls. 18 e 19 dos autos].
b) Na mesma data, foi elaborado, pelo Serviço de Finanças do Seixal, o Auto de Adjudicação do bem a favor do autor [acordo e documento de fls. 18 e 19 dos autos].
c) Através do ofício n.º2…, datado de 24/03/2011, do Serviço de Finanças do Seixal, o autor foi notificado da aceitação da sua proposta de aquisição e para efetuar o pagamento da totalidade do preço, sob pena, se não o fizesse, da aplicação das sanções previstas no artigo 898.º do Código de Processo Civil [acordo e documento de fls. 20 dos autos].
d) Em 06/04/2011, o autor efetuou o pagamento do preço de €4.010 [acordo e documento de fls. 21 dos autos].
e) Na mesma data, o autor procedeu ao pagamento do imposto de selo, verba 1.1, e do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis [acordo e documentos de fls. 22 e 23 dos autos].
f) Em 23/05/2011, a Procuradora do autor solicitou a emissão de certidão para levantamento das penhoras sobre o prédio identificado em a) [documento de fls. 134 dos autos].
g) No dia 02/06/2011, foi proferido despacho, pelo Chefe de Finanças Adjunto, a ordenar o levantamento da penhora e o cancelamento dos registos reais que oneravam o prédio [documento de fls. 24 dos autos].
h) Na mesma data, foi entregue à Procuradora do autor a certidão do despacho que ordenava o levantamento da penhora e o cancelamento dos registos reais [documentos de fls. 25 e 136 dos autos].
i) O autor não procedeu ao registo da aquisição de ½ do prédio identificado em a) [acordo].
j) O prédio identificado em a) foi vendido no âmbito do Processo n.º2370/06.8TBALM, que correu termos no 3.º Juízo de Competência Cível do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada, no qual era exequente a Caixa G..... e executados J.....e outros [acordo e documento de fls. 26 dos autos].
k) Em 02/12/2011, a adquirente O....., Lda. celebrou escritura pública de compra e venda do prédio identificado em a), no Cartório Notarial de A..... [acordo e documento de fls. 27 a 31 dos autos].
l) Na mesma data, a O....., Lda. efetuou o registo da aquisição da totalidade do prédio identificado em a), na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada, tendo esta como causa a compra por negociação particular no processo de execução identificado em j) [acordo e documento de fls. 32 dos autos].
m) Tendo tomado conhecimento da aquisição, o autor requereu o esclarecimento da situação ao Tribunal onde tinha corrido termos a ação executiva [acordo].
n) Em 13/03/2012, foi proferido despacho, no processo de execução identificado em j), onde consta que “não podia a administração fiscal ignorar que a penhora efetuada nos presentes autos era mais antiga, uma vez que foi citada para reclamar o seu crédito nesta execução” e que “não se verifica qualquer das situações que, segundo a lei (arts. 908º e 909º, ambos do CPC), poderiam dar lugar à anulação da venda efetuada nos presentes autos” [acordo e documento de fls. 33 dos autos].
o) Em 15/04/2012, o autor enviou um requerimento para o Serviço de Finanças do Seixal a solicitar o esclarecimento da situação [acordo e documento de fls. 34 dos autos].
p) Em resposta, em 01/09/2012, foi proferido despacho, pelo Chefe de Finanças Adjunto, com o seguinte teor: “Face ao requerimento apresentado neste SF e após diligências no sentido de apurar a data da venda do imóvel no Processo que correu seus termos no Tribunal da Comarca de Almada – 3.º Juízo, verifica-se que a venda no Processo de execução fiscal se verificou em 23/03/2011, anterior portanto à venda realizada pelo Tribunal (02/12/2011).
Não obstante a penhora do Tribunal ser anterior à efetuada por este SF, não se aplica à execução fiscal o regime previsto no art.º871 do CPC, porquanto nos termos do art. 21/3 do CPPT, “podem ser penhorados pelo órgão de execução fiscal os bens apreendidos por qualquer tribunal, não sendo a execução, por esse motivo, sustada nem apensada.”, sendo que, a suspensão da execução só é permitida, nos casos previstos na lei como resulta do art. n.º3 do art. 85.º do CPPT.” [acordo e documento de fls. 35 dos autos].
q) Na sequência de novo requerimento do autor, datado de 02/01/2013, em 10/01/2013, foi proferido despacho no processo identificado em j), onde se reitera que não existem razões para anular a venda efetuada nos autos [acordo e documento de fls. 42 dos autos].
r) Em 16/05/2013, foi recebido no Serviço de Finanças do Seixal um requerimento do autor, onde se requer uma solução para a situação [acordo e documento de fls. 43 a 45 dos autos].
s) Em resposta, o Serviço de Finanças do Seixal informou o autor de que a venda do bem tinha sido legalmente executada e que “a Caixa G....., notificado para a venda, nada disse, reclamando apenas os seus créditos” [acordo e documento de fls. 46 a 50 dos autos].
t) Na Informação de 31/05/2013, sancionada por despacho, de 11/06/2013, do Chefe de Finanças, consta, designadamente, o seguinte:
“(…)
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(…).” [documento de fls. 47 a 50 dos autos].
u) O adquirente do prédio no Processo n.º2370/06.8TBALM, que correu termos no 3.º Juízo de Competência Cível do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada, procedeu ao pagamento do imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis [documento de fls. 27 a 31 dos autos]. “
FACTOS NÃO PROVADOS:
a) Apenas em março de 2012 o autor teve a possibilidade de proceder ao registo do imóvel que adquiriu.
b) Nessa altura, foi confrontado com a informação, prestada pela Conservatória do Registo Predial, de que não poderia efetuar o registo a seu favor, uma vez que o imóvel tinha sido vendido no âmbito do processo de execução identificado na alínea j) dos factos provados.
c) A Administração Tributária foi notificada para reclamar créditos no Processo n.º2370/06.8TBALM, que correu termos no 3.º Juízo de Competência Cível do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada.
d) A Administração Tributária foi informada da venda realizada no Processo n.º2370/06.8TBALM, que correu termos no 3.º Juízo de Competência Cível do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada.
e) A Caixa G..... reclamou os seus créditos no âmbito do processo de execução fiscal.
f) A Caixa G..... foi notificada da data da venda no processo de execução fiscal e nada requereu.
g) O autor dificilmente poderá adquirir um prédio semelhante ao prédio identificado na alínea a) dos factos provados, na Fonte da Telha, por um valor inferior a €60.000.00.

Vejamos:
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão recorrida:
“(…) O Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades públicas, atualmente em vigor, foi aprovado pela Lei n.º67/2007, de 31 de dezembro, que revogou expressamente o regime constante do Decreto-lei n.º48051, de 21 de novembro de 1967.
Nos termos do artigo 7.º, n.ºs 1, 3 e 4, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades públicas, “1. O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício. (…) 3. O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são ainda responsáveis quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da ação ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço.
Existe funcionamento anormal do serviço quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma atuação suscetível de evitar os danos produzidos”.
Quanto à ilicitude, o artigo 9.º, n.º1, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades públicas estabelece o seguinte: “Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos”.
(…)
Atento o disposto no artigo 10.º, n.º1, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades públicas, “A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor”, sendo que, de acordo com o n.º2 do mesmo artigo, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos.
A norma citada adota um critério de aferição da culpa distinto daquele que resulta do artigo 486.º do Código Civil, que encontra o seu fundamento no chamado princípio da competência da Administração, ou seja, no entendimento segundo o qual a apreciação do comportamento deve ter como pressuposto as funções e atribuições específicas que os funcionários são chamados a desempenhar e não a diligência normal do “bom pai de família”, critério que se mostra adequado quando está em causa o comportamento privado ou particular do indivíduo, mas já não quando o mesmo atua no exercício da sua atividade profissional.
A par da ilicitude e da culpa, são pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, como resulta, designadamente, do artigo 7.º do referido Regime.
Quanto à obrigação de indemnizar rege o disposto no artigo 3.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades públicas, que estabelece como princípio geral a reconstituição natural da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (n.º1), sendo a indemnização fixada em dinheiro apenas quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa (n.º2).
Adota-se, portanto, no quadro da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, as regras consagradas no artigo 566.º do Código Civil para a responsabilidade civil dos privados.
Tendo presente o que antecede, vejamos se o autor logrou provar, uma vez que era seu o ónus [artigo 342.º, n.º1, do Código Civil], os pressupostos da responsabilidade civil, os quais são de verificação cumulativa.
Da factualidade provada resulta que, no dia 23/03/2011, o autor adquiriu, pelo valor de €4.010, através de venda realizada no processo de execução fiscal n.º222…., que correu termos no Serviço de Finanças do Seixal, ½ do prédio sito na Praça dos Pescadores, n.º….., Fonte da Telha, freguesia da Costa da Caparica, concelho de Almada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º1
…. e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3…., da freguesia da Costa da Caparica [alínea a) dos factos provados].
Em 06/04/2011, o autor efetuou o pagamento do preço de €4.010, bem como procedeu ao pagamento do imposto de selo e do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, sendo que, no dia 02/06/2011, foi proferido despacho, pelo Chefe de Finanças Adjunto, a ordenar o levantamento da penhora e o cancelamento dos registos reais que oneravam o prédio e, na mesma data, foi entregue à Procuradora do autor a certidão deste despacho [alíneas d) a h) dos factos provados],
Resultou, ainda, provado nos autos que a totalidade do prédio supra identificado foi vendida no âmbito do Processo n.º2370/06.8TBALM, que correu termos no 3.º Juízo de Competência Cível do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada, tendo sido, em 02/12/2011, celebrada a escritura pública de compra e venda e efetuado o registo da aquisição [alíneas j) a l) dos factos provados].
O autor não procedeu ao registo da aquisição de ½ do prédio supra identificado [alínea i) dos factos provados].
Ora, nos termos do artigo 218.º, n.º3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário [doravante, designado por CPPT], “podem ser penhorados pelo órgão da execução fiscal os bens apreendidos por qualquer tribunal, não sendo a execução, por esse motivo, sustada nem apensada”.
A norma citada estabelece um regime para as execuções fiscais diferente do regime das execuções comuns e que encontra o seu fundamento no interesse público subjacente à execução fiscal, que demanda que este processo seja mais célere do que o processo de execução comum.
Nesta medida, não é aplicável ao processo de execução fiscal a norma do artigo 871.º do Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-lei n.º44129, de 28 de Dezembro de 1961, em vigor à data dos factos em causa nos autos, que estabelecia que “pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, é sustada, quanto a estes, aquela em que a penhora tenha sido posterior”, e que consta, atualmente, do artigo 794.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º41/2013, de 26 de Junho, que estabelece que “pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga”.
Nas situações em que houver mais do que uma penhora sobre os mesmos bens, o credor que obteve penhora na execução comum pode reclamar o seu crédito na execução fiscal, nos termos do artigo 240.º do CPPT, ficando, desde modo, salvaguardado o seu interesse na satisfação do seu crédito.
Assim, atento o disposto na norma do artigo 218.º, n.º3, do CPPT, impõe-se concluir que a Administração Fiscal não só não se encontrava impedida de prosseguir com a execução fiscal, como deveria prosseguir com a mesma, por inexistir fundamento legal para a sua sustação, pelo que a venda do bem penhorado no âmbito daquele processo e que também tinha sido penhorado na execução comum se mostra legal, não constituindo, nesta medida, um ato ilícito.
A venda de ½ do prédio supra identificado ao autor no âmbito do processo de execução fiscal constitui, assim, uma atuação legal, sendo que, através da mesma, a propriedade de ½ do prédio foi transmitida para o autor, livre de ónus e encargos, nos termos do artigo 824.º do Código Civil.
Ora, a Administração Fiscal é alheia à venda realizada no processo de execução comum, independentemente de ter sido, ou não, citada para a execução a fim de reclamar os seus créditos, uma vez que a sua eventual posição de credora reclamante não lhe conferia o “domínio” do referido processo.
Acresce que não resultou provado nos autos que Administração Tributária foi informada da venda realizada no Processo n.º2370/06.8TBALM, que correu termos no 3.º Juízo de Competência Cível do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada [alínea d) dos factos provados], pelo que não era exigível que a mesma informasse o processo da venda de ½ do prédio supra identificado na execução fiscal.
Por outro lado, não impendia sobre a Administração Fiscal o dever de informar o Tribunal onde corria termos a execução comum de que ½ do bem tinha sido vendido na execução fiscal, uma vez que tal dever não decorre da lei.
Em suma, efetuada a venda ao autor, nos termos legalmente permitidos, no âmbito do processo de execução fiscal, não pode ser imputada à Administração Fiscal qualquer responsabilidade pela venda realizada no processo de execução comum, sendo certo que tal venda apenas veio a contender com o direito de propriedade do autor em virtude de este não ter registado a sua aquisição.
Com efeito, caso o autor tivesse efetuado o registo da aquisição após ter obtido, junto da Administração Fiscal, os documentos necessários para o efeito, não se colocaria a questão dos efeitos da venda realizada na execução comum sobre o direito de propriedade do autor, sendo que era sobre aquele que impendia o ónus de proceder ao registo, nos termos do artigo 8.º-A, n.º1, do Código de Registo Predial.
De facto, a norma do artigo 260.º do CPPT, invocada pelo autor, apenas prevê que o levantamento da penhora e o cancelamento dos registos dos direitos reais, e já não o registo da aquisição, seja ordenado pelo órgão de execução fiscal quando não tiverem sido requeridos pelo adquirente do bem, o que significa que a Administração Fiscal não é responsável pelo registo da aquisição do bem.
Acresce que é à luz das normas de direito substantivo, conjugadas com as normas do registo predial, que tem de ser decidido, em sede própria, que não é a presente ação, a quem pertence a ½ do prédio supra identificado, sendo certo que a venda em execução fiscal não constitui um ato de disposição para efeitos do disposto no artigo 819.º do Código Civil, pelo que o facto de a penhora na execução comum ser anterior à penhora na execução fiscal, como consta do despacho proferido naquela execução em 13/03/2012, não torna a venda inoponível à execução comum.
Por outro lado, o facto de a Administração Fiscal ter procedido à liquidação do imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis relativamente à venda efetuada na execução comum não constitui um ato ilegal suscetível de fundamentar a pretensão indemnizatória do autor, na medida em que sendo efetuada uma transmissão onerosa de um imóvel, é devido o pagamento daquele imposto, nos termos do artigo 2.º do Código do Imposto Municipal sobre Transmissão Onerosa de Imóveis.
A liquidação do imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis não tem subjacente qualquer juízo da Administração Fiscal sobre a legalidade da venda efetuada na execução comum, sendo certo que não cabe à Administração Fiscal, no quadro do procedimento de liquidação do imposto, aferir da legalidade da transmissão que é objeto do mesmo.
Nesta medida, e como adiantámos, a liquidação do imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis relativamente à venda efetuada na execução comum não constitui um ato ilícito suscetível de fundamentar a pretensão indemnizatória do autor.
Quanto à invocada violação do princípio da boa-fé, cumpre referir que a Informação de 31/05/2013, sancionada pelo despacho de 11/06/2013, apenas faz referência às regras do registo, designadamente, à regra da prioridade do registo, não consubstanciando, ao contrário do que refere o autor, a admissão da possibilidade de a Administração Fiscal proceder ou colaborar na venda do mesmo bem a pessoas ou entidades diferentes, sendo certo, reitere-se, que a venda efetuada na execução fiscal foi legal, tendo a propriedade do bem sido transmitida para o autor livre de ónus ou encargos.
A possibilidade de ser aplicada à situação do autor a norma sobre a prioridade do registo não resultou de qualquer atuação da Administração Fiscal que, atempadamente, isto é, cerca de 6 meses antes de ter sido efetuada a venda na execução comum, entregou à Procuradora do autor os documentos necessários para que este efetuasse o registo da sua aquisição e requeresse o cancelamento da penhora e dos registos dos direitos reais de garantia que oneravam a ½ do prédio por si adquirido.
Tendo presentes as alegações do autor, em sede de audiência de julgamento, cumpre referir que se é certo que a única “coisa” que se pode apontar-lhe é o facto de não ter feito o registo, não é menos certo que foi tal facto que deu origem à situação em causa nos autos, qual seja, a de o bem por si adquirido na execução fiscal ter sido vendido na execução comum e, por força das regras do registo predial, se presumir que a propriedade pertence ao adquirente nesta última execução.
Pelo exposto, considerando que a venda efetuada na execução fiscal foi legal, tendo sido transmitida para o autor a propriedade de ½ do prédio supra identificado, livre de ónus e encargos, concluímos que não se encontra preenchido o primeiro pressuposto da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, qual seja o facto ilícito, pelo que, sendo os pressupostos da responsabilidade de verificação cumulativa, a presente ação tem de improceder.
Vejamos, então, tendo presente o alegado pelo autor, se se encontram preenchidos os pressupostos do enriquecimento sem causa.
(…)
A obrigação de restituir/indemnizar fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa de quatro requisitos, a saber: a) a existência de um enriquecimento; b) que ele careça de causa justificativa; c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; d) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado.
Ora, na situação dos autos, a Administração Fiscal não se locupletou injustamente à custa do autor, uma vez que o preço pago por este constitui a contrapartida da transmissão da propriedade do bem adquirido na execução fiscal – reitere-se, a propriedade de ½ do prédio supra identificado transmitiu-se para o autor por força da venda efetuada na execução fiscal – e os impostos pagos por aquele, devido à aquisição, mostravam-se legalmente devidos, nos termos do Código do Imposto de Selo e do Código do Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis.
Refira-se que ainda que não fosse devido o imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis na venda efetuada na execução comum, relativamente à metade do prédio de que o autor é proprietário, a quantia indevidamente liquidada não teria sido paga pelo autor, mas pelo adquirente naquela execução, pelo que tal quantia não representa um enriquecimento da Administração Fiscal à custa do empobrecimento do autor.
Nesta medida, não se encontram preenchidos os pressupostos do enriquecimento sem causa, uma vez que o alegado enriquecimento não carece de causa justificativa, encontrando o seu fundamento na aquisição efetuada pelo autor no processo de execução fiscal.
Assim, concluindo que não se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, nem os pressupostos do enriquecimento sem causa, a presente ação tem de improceder.

Vejamos:
Em decorrência da Ação intentada, peticionou indemnizatoriamente o aqui Recorrente na sua PI, nomeadamente, que deverá “(…) o Estado ser considerado culpado e condenado na obrigação de indemnizar o A., nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 67/2007 de 31 de dezembro” (…) em montante nunca inferior a €60.000”

Tal como decorre do discurso fundamentador da Sentença Recorrida, importa aqui recordar e reafirmar que o tribunal de 1ª instância veio a determinar a improcedência da Ação, assentando a sua argumentação, em síntese, no seguinte:
“Em suma, efetuada a venda ao autor, nos termos legalmente permitidos, no âmbito do processo de execução fiscal, não pode ser imputada à Administração Fiscal qualquer responsabilidade pela venda realizada no processo de execução comum, sendo certo que tal venda apenas veio a contender com o direito de propriedade do autor em virtude de este não ter registado a sua aquisição.
Com efeito, caso o autor tivesse efetuado o registo da aquisição após ter obtido, junto da Administração Fiscal, os documentos necessários para o efeito, não se colocaria a questão dos efeitos da venda realizada na execução comum sobre o direito de propriedade do autor, sendo que era sobre aquele que impendia o ónus de proceder ao registo, nos termos do artigo 8.º-A, n.º1, do Código de Registo Predial.”
(…)
Tendo presentes as alegações do autor, em sede de audiência de julgamento, cumpre referir que se é certo que a única “coisa” que se pode apontar-lhe é o facto de não ter feito o registo, não é menos certo que foi tal facto que deu origem à situação em causa nos autos, qual seja, a de o bem por si adquirido na execução fiscal ter sido vendido na execução comum e, por força das regras do registo predial, se presumir que a propriedade pertence ao adquirente nesta última execução.
Pelo exposto, considerando que a venda efetuada na execução fiscal foi legal, tendo sido transmitida para o autor a propriedade de ½ do prédio supra identificado, livre de ónus e encargos, concluímos que não se encontra preenchido o primeiro pressuposto da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, qual seja o facto ilícito, pelo que, sendo os pressupostos da responsabilidade de verificação cumulativa, a presente ação tem de improceder.”

Em qualquer caso, o que é facto e é incontornável é que o aqui Recorrente “comprou” em “venda realizada no processo de execução fiscal”, ½ da controvertida fração, sendo que a mesma fração veio a ser vendida integralmente no “âmbito do Processo n.º2370/06.8TBALM”, o que comprometeu e “inutilizou” a sua aquisição.

Se é certo que os danos patrimoniais se cingem àqueles que decorrem dos valores despendidos com a aquisição da ½ da fração em execução fiscal, que lhe não foram devolvidos, igualmente há que atender aos danos não patrimoniais, uma vez que a ulterior aquisição integral da fração através de venda judicial, e a efetivação do correspondente registo, veio a comprometer irremediavelmente a precedente venda de metade da fração por via da execução fiscal.

Acresce que mal se compreende como se entendeu em 1ª instância que o aqui Recorrente não teria sequer direito à restituição dos montantes despendidos com a aquisição de ½ da fração, entretanto vendida integralmente a um terceiro por via judicial.

Há uma questão que não pode ser perdida de vista e que se prende com a necessidade de, no mínimo, repor a situação patrimonial do Recorrente, por não ter contribuído para a situação aqui controvertida.

Como decorre da generalidade da Jurisprudência e Doutrina Administrativa, a responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos impõe que estes sejam responsáveis quando for de concluir que os seus órgãos ou agentes praticaram, por ação ou omissão, atos ilícitos e culposos, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, e que daí resultou um dano para terceiro.

Por outro lado, e em linha com o Acórdão do STA nº 0903/03 de 03-07-2003, refira-se ainda que "para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano" Acórdão STA de 9.5.02 no recurso 48077. A ação improcederá se um destes requisitos se não verificar”.

O facto ilícito consiste numa ação (ou omissão) praticada por órgãos ou agentes estaduais (em sentido lato) violadora das normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis ou as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.

A culpa é o nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto ilícito à vontade do agente. Envolve um juízo de censura, face à ação ou omissão, segundo a diligência de um bom pai de família.

O nexo causal existirá quando o facto ilícito for a causa adequada do dano.

De acordo com o preceituado no art.º 563 do CC «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».

Constitui jurisprudência pacífica, designadamente do STA, que o nexo causal entre o facto ilícito e o dano se deve determinar pela doutrina da causalidade adequada, ali contemplada, nos mesmos termos em que o direito civil a admite, entendimento extensível, de resto, a todos os requisitos da responsabilidade civil (vg. acórdão STA de 6.3.02, no recurso 48.155).
Finalmente, o dano traduz-se no prejuízo causado pelo facto ilícito (art.º 564º do CC).

Relativamente ao nexo de causalidade vigora, como se disse, a teoria da causalidade adequada na formulação consagrada no art° 563° do CC.

O Regime da Responsabilidade Extracontratual do Estado está atualmente estabelecido na Lei n° 67/2007, de 31 de dezembro, referindo-se no Artº 7º que:
1. “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes no exercício da função administrativa e por causa desse exercício. (…)
3. “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são ainda responsáveis quando os danos (…) devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço
4. “Existe funcionamento anormal do serviço quando, atendendo às circunstancias e padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma atuação suscetível de evitar os danos produzidos”.

Na situação em apreciação, independentemente da responsabilidade individual de cada um dos órgãos e entidades envolvidas, o que é facto é que entidades públicas contribuíram por ação e omissão para a duplicação de uma venda de ½ da identificada fração, o que, por natureza, constitui um ato ilícito.

Se é verdade, como se afirma em 1ª instância que “(…) não pode ser imputada à Administração Fiscal qualquer responsabilidade pela venda realizada no processo de execução comum, tal parece esquecer que a presente Ação não foi intentado contra a Administração Tributária, mas sim contra o Estado, sendo este é, por assim dizer, o responsável, quer pela execução Fiscal, quer pela Execução comum.

Efetivamente, nos termos do Artº 9º do referido diploma, Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.”

Deste modo, os Serviços e os agentes envolvidos, tendo a obrigação de verificar previamente à alienação de bens pelo Estado, se os mesmos se encontram em condições de ser transmitidos, e não o tendo feito, ainda que por omissão, agiram com culpa.

Importa aflorar agora o necessário nexo de causalidade, entre o facto e o dano, ou seja, verificar se os atos e omissões praticados pela Administração, seja ela, no caso, Tributária e/ou Judicial, contribuíram por Ação ou omissão, para a consumação da situação em apreciação, sendo que a resposta só poderá ser positiva, pois que foi exatamente a intervenção das Entidades Públicas que contribuiu para a duplicação de venda em apreciação.

Há, pois, uma manifesta relação de causa/efeito entre o comportamento das Entidades Públicas envolvidas e a situação verificada.

É certo que a Recorrente mostrou preferência pela reconstituição natural, só que tal não se mostra possível, desde logo pelo facto de nunca o aqui Recorrente poder, por via da presente Ação, adquirir a segunda metade da fração em causa, ao que acresce, como referido em 1ª instância, que “(…) por força das regras do registo predial, se presumir que a propriedade pertence ao adquirente nesta última execução” (comum).

Nesta conformidade, o Recorrente, certamente antevendo acrescidas dificuldades resultantes do eventual recurso ao exercício do pretendido direito de preferência, face à segunda metade da fração, veio recursivamente optar pela via indemnizatória “para o caso de não ser possível ao Estado proceder à reconstituição natural, nos termos do previsto no artigo 566° do CC.”

Não é, pois, possível “branquear” a circunstância de entidades publicas terem vendido o mesmo prédio, pelo menos metade dele, duas vezes, sem que, no mínimo, tenham diligenciado no sentido de devolver os montantes despendidos pelo adquirente originário, que tendo a legitima expetativa de adquirir a segunda metade da fração, exercendo o seu direito de preferência, se viu na contingência de ficar sem a titularidade de qualquer delas.

Por outo lado, a afirmação feita em 1ª instância, de acordo com a qual a Administração fiscal é alheia à venda realizada no processo de execução comum, é falaciosa, tanto mais que a presente Ação não é intentada contra esta, mas sim contra o Estado.

Aqui chegados, reconhecendo-se a verificação de danos Patrimoniais, e não Patrimoniais suscetíveis de serem indemnizados, importa fixar o quantum indemnizatório resultante, nomeadamente dos danos resultantes da frustração da venda da Fração.

É o próprio Estado quem, nas suas contra-alegações de Recurso não “fecha a porta” à atribuição de indemnização por danos morais, já que sintomaticamente afirma que “(…) à luz da Jurisprudência, para o tipo de danos morais, este valor é manifestamente exorbitante e excessivo (…) Sendo certo que, embora equitativamente fixável, sempre haveria de atender à situação deficitária do Estado …”.

Como se sumariou no Acórdão do TCAN nº 188/17.1BERT, de 21-05-2021, “Decorre do artigo 496º do CC que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (n.º 1), sendo o montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º, isto é, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (n.º 3).
O julgador, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, em cumprimento do normativo legal que o manda julgar de harmonia com a equidade, deverá atender aos fatores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada.
A indemnização por danos não patrimoniais tem uma natureza mista, visando por um lado reparar, mais do que indemnizar e por outro reprovar ou castigar a conduta do lesante.”

Os danos não patrimoniais descritos, resultantes da situação em que o Recorrente se viu envolvido, ultrapassam os simples incómodos pelo que, atenta a sua gravidade, merecem ser compensados.

Refira-se, no entanto, que se entende que a quantia peticionada de 60.000€ se mostra excessiva e desproporcionada, mormente, atentas as indemnizações que têm vido a ser fixadas pelos Tribunais a titulo de Danos não patrimoniais.

A indemnização dos danos não patrimoniais é limitada àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496° do CC), medindo-se tal gravidade através de um padrão objetivo.

O aqui Recorrente invocou singela e predominantemente, para justificar o pedido de indemnização por danos não patrimoniais, a “frustração de expectativas”.

As referidas circunstâncias, embora atendíveis e suscetíveis de merecerem a tutela do direito, não se mostram suficientes para justificar o valor peticionado.

Como se disse, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais depende da gravidade dos danos, aferida por padrões objetivos e tendo em conta as circunstâncias do caso.

Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, há que atender pois, entre outros fatores, à culpa do Réu (arts. 496.º, n.º 3, e 494.º do Código Civil).

No âmbito da responsabilidade civil extracontratual, o montante da indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpa do agente, a situação económica do lesante e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (arts. 494º e 496º, nº 3 do C.Civil), até ao limite do pedido globalmente formulado pelos Autores.

Neste enquadramento legal, cabe ao julgador, ao fixar a indemnização por tais danos, guiar-se por critérios de equidade, sendo que a gravidade daqueles danos há-de aferir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias do caso) e não à luz de fatores subjetivos.

Danos não patrimoniais são, pois, prejuízos que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.

Na fixação da indemnização deve atender-se pois aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Assim, justifica-se que o quantum indemnizatório fixado para os danos não patrimoniais atente nessas circunstâncias, de modo equitativo.

Assim, à luz dos critérios legalmente definidos nos artigos 494º e 496º, número 3 do Código Civil, entende-se como adequada, suficiente e equilibrada, a atribuição de 5.000€ enquanto indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo aqui Recorrente, pela frustração das identificadas expetativas, atentas as circunstâncias.
*
Finalmente, diferente do valor indemnizatório atribuído a titulo de danos não patrimoniais, é a peticionada restituição dos valores despendidos com a aquisição frustrada do ½ da controvertida fração, o que constitui um dano patrimonial, tratando-se, em qualquer caso, de uma questão de bom-senso.

Efetivamente, o aqui Recorrente, mercê de uma situação para a qual não contribui, ficou sem o bem que adquiriu, bem como, sem o valor pago e correspondentes despesas fiscais, o que constitui um dano Patrimonial.

Correspondentemente peticionou o aqui Recorrente a condenação do Estado “a devolver-lhe o montante global que pagou, acrescido dos juros e demais despesas efetuadas”.

Efetivamente se a Autoridade Tributária “vendeu” ao aqui Recorrente ½ de um prédio, que este nunca pôde usufruir ou exercer o correspondente direito de preferência quanto à aquisição da parte restante, pela singela razão que o mesmo bem foi, por inteiro, transmitido no âmbito de venda judicial, naturalmente que, no mínimo, esperar-se-ia que o Estado, por iniciativa própria, procedesse à devolução dos valores despendidos com essa aquisição, o que não ocorreu.

Em bom rigor, o Recorrente ficou sem o bem que adquiriu e sem o valor que pagou pelo mesmo, ao que acrescem as correspondentes despesas, nomeadamente, de natureza fiscal, em face do que o Estado deverá proceder à devolução de todos os montantes indevidamente recebidos em decorrência da frustrada venda do bem ao então Autor, sob pena de, assim não sendo, estar o Estado a locupletar-se com a venda do mesmo bem, duas vezes, à luz dos artigos 473° e 479° ambos do Código Civil.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, conceder parcial provimento ao Recurso, mais se decidindo que o Estado Português deverá:
a) Pagar ao Recorrente uma indemnização por Danos Não Patrimoniais no valor de 5.000€;
b) Pagar ao Recorrente a titulo de danos Patrimoniais, o valor correspondente ao montante global que pagou, acrescido dos juros e demais despesas efetuadas, com a aquisição de ½ da identificada fração.

Custas por ambas as partes em função do decaimento.

Lisboa, 21 de abril de 2022
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa