Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2087/23.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/19/2024
Relator:LINA COSTA
Descritores:IDLG
PRESSUPOSTOS
REGISTO
NACIONALIDADE
Sumário:I - O artigo 109º do CPTA prevê os requisitos da indispensabilidade e da subsidiariedade do meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias;
II - Não basta invocar na petição a ameaça ao exercício de direitos, tipificados na CRP como fundamentais ou direitos análogos, impondo-se ao requerente que alegue e prove factos que permitam concluir pela verificação, por referência ao seu caso concreto, dos pressupostos de admissibilidade da acção de intimação prevista no referido artigo 109º;
III - No caso em apreciação o direito fundamental alegado, à nacionalidade portuguesa, não se encontra ameaçado e a urgência alegada na petição reporta-se a um direito que não pode ser considerado um direito, liberdade e garantia, consagrado e protegido pela CRP, merecedor de tutela jurisdicional nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 109º do CPTA.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em sessão da Subsecção de Administrativo Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

V…, devidamente identificada como requerente nos autos da acção intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias instaurada contra o Instituto dos Registos e Notariado, I.P., inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 26.7.2023, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que indeferiu liminarmente a presente acção de intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias.
Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«I. Não pode a Requerente, ora Recorrente, conformar-se com a argumentação aduzida porquanto só o recurso à presente intimação poderá salvaguardar em tempo útil os direitos suscitados (considerando os tempos normais da ação administrativa não urgente), sob pena de ficar previsivelmente e irremediavelmente comprometido o exercício em tempo útil dos direitos inerentes à nacionalidade portuguesa;
II.A Requerente é cidadã brasileira, tendo nascido em 8 de dezembro de 1988, em Goiânia, Brasil, e submeteu processo de aquisição de nacionalidade portuguesa em 1 de junho de 2021, nos termos do artigo 6˚, n˚ 7 da Lei de Nacionalidade;
III. A Recorrente demonstrou e provou o carácter urgente e definitivo de tutela do seu direito fundamental à nacionalidade portuguesa, tendo concluído o seu pedido com o cumprimento dos prazos processuais, que seja proferida decisão definitiva e lavrado o registo de nascimento para efetivação do exercício do seu direito sem qualquer limitação, até porque esta não se encontra prevista na Constituição;
IV - O Instituto dos Registos e Notariado (doravante IRN) ao não ter, até à presente data, lavrado o assento de nascimento dentro do prazo legal, como previsto no artigo 27º do Regulamento da Nacionalidade, ofende o disposto no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa e os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias que são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas;
V - Tal resulta num dano para a recorrente que já se viu prejudicada pela violação dos prazos processuais, pela limitação do seu direito à nacionalidade e de acesso ao trabalho, dano esse que a administração quer agora fazer perdurar violando o princípio da dignidade da pessoa humana, pilar de qualquer Estado de Direito baseado “numa sociedade livre, justa e solidária”;
VI- O requisito da urgência encontra-se preenchido, na situação concreta da requerente, e salvo melhor opinião, não restam dúvidas que o facto de ainda não ter sido concedida a nacionalidade portuguesa à Requerente a impede de exercer outro direito fundamental, o Direito ao Trabalho, único meio de sustento da Requerente para fazer face a necessidade básicas como a de comer e de ter acesso à habitação;
VII - Pelo que não pode a Recorrente concordar com a interpretação enviesada dos factos alegados e comprovados pelo Douto Tribunal;
VIII - Pelo que não restam dúvidas de que o exercício dos direitos fundamentais à nacionalidade e ao trabalho, que constituem, no caso concreto, uma oportunidade única para a Recorrente em ver concretizado o seu plano de vida e a sua sobrevivência, não se coaduna com a adoção de uma providência cautelar, em concreto, nomeadamente, através do seu decretamento provisório previsto no artigo 131º do CPTA, até mesmo porque não se pode conceder a nacionalidade de forma provisória;
IX - Pelo que face à situação concreta, tal facto constitui uma situação de urgência;
X - O direito ao trabalho funde-se com a dignidade da pessoa humana e destina-se a “prover às necessidades de uma vida digna” como entendido no Acórdão nº 635/99 do Tribunal Constitucional, o que não foi tido em conta na apreciação dos factos e na consequente decisão proferida;
XI – Com efeito, “A dignidade da pessoa é dignidade da pessoa concreta, na sua vida real e quotidiana; não é de um ser ideal e abstrato” e que “A imagem de homem que a Constituição consagra é a do ser concreto, imerso nas necessidades, urgências e contingências da sua condição existencial, e não a do cidadão (abstrato) totalmente identificado com os deveres da virtude republicana. É a pessoa concreta que o Estado deve assistência e cuidado. 4 Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2020, p. 63
XII. Verificando-se que houve erro de julgamento, este somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, como aqui é o caso, tem por consequência, a revogação da decisão recorrida;
XIII - Mencione-se, ainda, a sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, proferida no proc.º 3368/22.4BELSB, na qual se entendeu que “(...) Pese embora o Tribunal não ignore nem desconheça os constrangimentos nos serviços evidenciados pela entidade requerida (grave carência de meios), a verdade é que tal circunstancialismo é alheio ao requerente, pois que, a administração deve adaptar-se e reorganizar-se para responder aos cidadãos dentro de um padrão de eficiência razoável...
XIV - Nas circunstâncias do caso concreto, não é possível peticionar o decretamento provisório de uma providência cautelar nem recorrer posteriormente à ação administrativa comum ou especial de outra natureza, pois não há outra forma de processo do contencioso administrativo que se revele apta a assegurar a proteção efetiva dos direitos, liberdades e garantias fundamentais da Requerente;
XV- A Recorrente demonstrou e provou o carácter urgente e definitivo de tutela do seu direito fundamental à nacionalidade portuguesa, tendo concluído o seu pedido com o cumprimento dos prazos processuais e que seja lavrado o registo de nascimento para efetivação do exercício do seu direito sem qualquer limitação, até porque esta não se encontra prevista na Constituição».

O Recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«I – Deve o recurso apresentado ser declarado improcedente e manter-se na ordem jurídica a sentença recorrida, porque é válida, inexistindo qualquer vício de violação da lei que lhe possa ser imputado, como também tentámos demonstrar;
II – Tudo com as demais e legais consequências».

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), mas com divulgação prévia do projecto de acórdão, vem o mesmo à sessão para julgamento.

A questão suscitada pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter decidido que o uso da presente acção não é indispensável para satisfazer a sua pretensão.

Para decidir sobre a adequação do meio processual em causa, o juiz a quo considerou provados os seguintes factos:

«A. Em 1.6.2021, a Requerente apresentou na Conservatória do Registos Centrais requerimento solicitando a nacionalidade portuguesa por naturalização, nos termos do artigo 6º, n.º 7 da Lei n.º 37/81, de 3.10, na redação dada da Lei Orgânica n.º. 1/2013, de 29 de julho, por ser descendente de judeu sefardita português (cf. fls. 3 do processo instrutor a fls. 76/100 dos autos SITAF);

B. Em 18.1.2023, Eduardo Gonzaga assinou «oferta de trabalho L…» de que consta:
«(…) A quem possa interessar:
(…)
Estamos impressionados com sua experiência profissional e gostaríamos de oferecer-lhe formalmente o cargo de Analista Administrativo.
A oferta mencionada acima é uma posição de tempo integral (40 horas semanais).
Iremos oferecer-lhe um salário bruto anual de 25 mil euros (vinte e cinco mil euros) como remuneração base.
Esperávamos que ela começasse nas próximas semanas e ela será solicitada a assinar um contrato com a L...Lda (NIPC 5...) em seu primeiro dia de trabalho. Conforme descrito no contrato de trabalho da L...Lda, os termos e condições de seu emprego descrevem que a Sra. V...deve, na data acima mencionada, estar apta a trabalhar e permanecer indefinidamente sem quaisquer restrições no país.
Até o momento, a Sra. V...é uma cidadã não europeia (passaporte brasileiro) e deve ser titular de um passaporte da UE até a data da assinatura do contrato.
Assim, solicitamos gentilmente ao Governo de Portugal que conceda prontamente à Sra. V...sua nacionalidade europeia, a fim de torná-la plenamente elegível para o cargo. Caso contrário, precisaremos retirar a oferta como uma concessão em tempo integral.
Estamos todos ansiosos para ter a Sra. V...como parte de nossa equipa» (cf. doc. junto com o requerimento inicial, a fls. 28/42 dos autos SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

C. Em 22.6.2023, foi apresentada a presente intimação neste Tribunal (cf. fls. 1 do SITAF);

*
FACTOS NÃO PROVADOS: não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão.
*
O Tribunal assentou a sua convicção nos documentos juntos aos autos, conforme referido em cada alínea do probatório.».

Da fundamentação de direito da sentença recorrida extrai-se o seguinte:
«Este meio processual só é admissível nas situações cuja cautela não pode ser alcançada de outro modo e, nessa decorrência, havendo a necessidade da prolação de uma decisão de mérito que imponha à Administração uma conduta que evite, em tempo útil, a lesão ou inutilização do direito, liberdade ou garantia pois que, sem a urgência e sem a indispensabilidade desta decisão, o meio mais adequado para os referidos efeitos será a ação administrativa (meio idóneo à defesa contra os atos administrativos praticados ou omitidos).
[…]
Revertendo ao caso dos autos, compulsado o pedido do requerimento inicial, verifica-se que a Requerente peticiona que se intime a Entidade Requerida a decidir o pedido de aquisição de nacionalidade, limitando-se a alegar generalidades, sem concretizar a existência de uma situação jurídica suscetível de colidir com um concreto direito, liberdade e garantia e sem demonstrar, de forma substanciada e concretizada, as razões que impõe uma decisão célere e que a condenação na prática do ato devido é, no caso concreto, insuficiente, ainda que acompanhada de uma medida cautelar.
Argui, ainda, que a natureza do pedido não se compadece com a interposição de um processo cautelar, pois a Requerente não poderia nesse processo vir a obter o que apenas lhe poderia ser concedido a título definitivo no âmbito de uma ação principal.
Vejamos.
No caso sub iudice a Recorrente não alegou e não provou que se a decisão de mérito não for proferida num processo urgente ocorrerá uma perda irreversível de faculdades de exercício do direito em causa (direito a trabalhar) nem que se encontra ou pode vir a encontrar numa situação de carência pessoal ou familiar em que esteja em causa a imediata e direta sobrevivência / realização pessoal.
Note-se que, a Requerente limita-se a alegar o comportamento omissivo da Entidade Requerida é prejudicial aos seus direitos, designadamente, por perder oportunidades de trabalho. Ora, apesar da Requerente ter apresentado documento no qual se manifesta a existência de uma oferta de trabalho e nele se requer que o Governo português conceda à requerente «nacionalidade europeia» (cf. alínea B) do probatório), do mesmo não se infere que as razões pelas quais se exige que o trabalhador tenha nacionalidade portuguesa, nem que o contrato de trabalho a tempo inteiro seria celebrado inequivocamente com a Requerente, pelo que, nestas circunstâncias, o Tribunal não pode ajuizar da existência de qualquer situação de necessidade de tutela, designadamente, do direito ao trabalho ou qualquer outro direito fundamental.
Por outro lado, ao alegar que a situação dos autos constitui grave violação dos princípios da legalidade, decisão, da celeridade, da eficiência, da igualdade, a Requerente não concretiza qualquer situação da qual resulte a indispensabilidade de que a decisão de mérito seja proferida num processo urgente (e não numa ação administrativa), não dando, por conseguinte, satisfação ao ónus de alegação e de prova que lhe estava cometido, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, no sentido de demonstrar a imprescindibilidade do recurso ao presente meio processual e não ser possível em tempo útil o recurso a uma ação administrativa comum.
Com efeito, tendo presente a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é um meio processual principal «(…) de acordo com o princípio da interferência mínima, sempre que o exercício válido do direito não estiver sujeito a qualquer prazo - leia-se: quando o requerente puder voltar a exercer o direito cuja efectividade está comprometida com um resultado equivalente (descontado o natural decurso do tempo) num momento ulterior-, a tutela cautelar prefere à sumária (…)» (Carla Amado Gomes in Pretexto, contexto e texto da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, Março de 2003, p. 21). Ou seja, é necessário que em face das condições concretas de exercício do direito alegadamente ameaçado, a opção pela tutela sumária seja inevitável.
Assim, a Requerente não alega factos concretos que demonstrem que se encontra numa situação de urgência que justifique a intimação ora requerida ou que as delongas inerentes aos trâmites dos processos não urgentes, retire utilidade ao ato de execução em causa nos autos.
A situação de urgência mede-se perante factos da vida real que reclamem a decisão imediata do pedido, factos que a Requerente não alegou.
A falta de um pressuposto de admissibilidade da intimação - a urgência - é motivo de rejeição liminar, por manifesta improcedência.».

A saber, o tribunal recorrido entendeu que não se verifica um dos pressupostos, de verificação cumulativa, de admissibilidade da presente acção – concretamente, o da indispensabilidade – e rejeitou liminarmente a petição [quando, por já não se encontrar na fase liminar, deveria, com base na argumentação expendida, ter julgado procedente a excepção suscitada pela Entidade requerida na resposta apresentada nos autos e absolvido a mesma da instância, questão que, no entanto, não é objecto do presente recurso pelo que aqui deixamos apenas esta nota].
A Recorrente limita-se a discordar da sentença recorrida, alegando que: só a presente acção pode assegurar em tempo útil os direitos fundamentais à nacionalidade portuguesa, enquadrado no artigo 26º da CRP, no direito à cidadania, e, consequentemente, ao trabalho que, na sua situação concreta, constitui uma oportunidade única para si; apesar dos pedidos de tramitação com carácter de urgência do seu pedido de aquisição da nacionalidade, o mesmo ainda não foi decidido, em violação do disposto nos artigos 18º da CRP, impedindo-a de aceder à cidadania portuguesa e a outros direitos como o da cidadania europeia e ao trabalho, que se funde com a dignidade da pessoa humana, por permitir concretizar o seu plano de vida e a sua sobrevivência; o que constitui uma urgência e evidencia a necessidade de uma decisão definitiva; pelo que o tribunal recorrido efectuou uma interpretação enviesada dos factos alegados e dados por provados; e o exercício dos direitos fundamentais à nacionalidade e ao trabalho, no seu caso concreto, não se coaduna com a adopção de uma providência cautelar.
Mas não lhe assiste razão, porquanto como já decidiu o STA, no acórdão de 7.4.2022, proc. nº 036/22.0BELB: “I - O processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reação a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias, só podendo aquele meio ser utilizado quando o mesmo se revele indispensável para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos referidos direitos. // (…)” e resulta da respectiva fundamentação de direito, designadamente:
“8. A questão essencial de direito que se discute na presente reclamação é, portanto, a de saber se, neste caso, se encontra ou não preenchido o requisito da indispensabilidade do meio processual, que o citado número 1 do artigo 109.º exige como condição da admissão de qualquer pedido de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.
Não está, por isso em causa, a questão de saber se os AA., ora Reclamantes, são ou não titulares dos direitos, liberdades e garantias que se arrogam, nem se os mesmos merecem tutela jurisdicional, mas apenas a questão de saber se é indispensável que essa tutela seja concedida através de uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.» [consultável em www.dgsi.pt].
A Requerente/recorrente alegou ser brasileira, residir, estudar e trabalhar na Irlanda, e ter apresentado, em 2021, junto da Conservatória dos Registos Centrais, pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa que, apesar dos seus pedidos de tramitação urgente e do decurso dos prazos legais para a instrução e decisão do respectivo procedimento, ainda não foi decidido, sendo que a circunstância de não ter a nacionalidade portuguesa (e, consequentemente, a cidadania europeia) a impede de poder aceitar “mais uma” oportunidade de trabalho na sua área de formação e com salário mais digno.
O direito que qualifica de fundamental, enquadrando-o no disposto no artigo 26º da CRP, e do qual resulta o exercício dos demais invocados, é o relativo à aquisição de nacionalidade portuguesa por naturalização.
Apesar dos prazos que se encontram previstos no artigo 27º do Regulamento da Lei da Nacionalidade, aprovado pelo Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro, actualizado, para instrução e decisão do procedimento administrativo correspondente - e que, refere a Recorrente, já se encontram ultrapassados no que respeita ao pedido que apresentou junto do Recorrido -, o direito a obter a nacionalidade portuguesa não está sujeito a prazos, significando que o seu exercício não fica precludido quer pela demora do procedimento administrativo quer pela que decorre da tramitação de uma acção administrativa, não urgente, de condenação à prática do acto devido.
O mesmo é dizer que tal direito não se encontra, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 109º do CPTA, ameaçado na esfera jurídica da Recorrente e, consequentemente, não carece de tutela urgente.
E poderá a pretendida tutela do alegado direito ao trabalho, como decorrente deste, ser urgente?
Afigura-se-nos que não.
Explicitando, a urgência invocada pela Requerente/recorrente na petição prende-se, não directamente com o exercício do ainda não obtido direito fundamental à nacionalidade, mas com uma oportunidade de trabalho na Irlanda, mais consentânea com a sua área de formação [que não explica qual é], sendo que está a estudar [sem referir o curso e fase do mesmo em que se encontra] e a trabalhar em regime de part-time em serviços de limpeza e não pode candidatar-se a um posto adequado às suas habilitações por não ser nacional portuguesa.
Do teor do facto B. provado, extrai-se que a proposta/oferta de trabalho é de Janeiro de 2023 e poderá ser efectivada, mediante celebração de contrato, nas próximas semanas, se estiver apta a trabalhar e a permanecer indefinidamente sem quaisquer restrições no país, pelo que o representante da Leevin Portugal, Lda., solicita ao Governo de Portugal que conceda à Requerente a nacionalidade europeia a fim de a tornar elegível para o cargo, caso contrário retirarão a oferta como uma concessão em tempo integral.
Ora, se a Requerente já tem um trabalho [o qual deve ser pelo menos suficiente para prover às suas necessidades básicas uma vez que nada refere em contrário] e está em causa apenas mais uma proposta/oportunidade de trabalho [a que se seguirão certamente outras, eventualmente melhores nos seus termos, quando acabar os seus estudos], resulta evidente que não alegou factos concretos e/ou suficientes para se poder dar por demonstrada a exigida urgência, em termos de se considerar que sem uma decisão célere por parte da justiça portuguesa na presente acção verá absoluta e irremediavelmente prejudicado o seu direito ao trabalho na Irlanda.
Por outro lado e não de somenos importância, a acção de intimação prevista no artigo 109º do CPTA visa a protecção de direitos, liberdades e garantias previstos na CRP e susceptíveis de ser exercidos no território nacional por nacionais portugueses ou estrangeiros que se encontrem ou residam em Portugal, por beneficiarem do princípio da equiparação, previsto no artigo 15º do mesmo diploma fundamental.
Sucede que nem a Recorrente é portuguesa, nem se encontra a residir em Portugal, nem a proposta de trabalho que pretende assegurar se enquadra no direito ao trabalho previsto no artigo 58º da CRP, como um direito económico do Capítulo I do Título III – Direitos e deveres económicos, sociais e culturais [e não como um dos direitos, liberdades e garantias, do Título II, com a mesma epígrafe].
No que concerne à invocada cidadania europeia, no caso, decorrente da titularidade da nacionalidade portuguesa, não se verificando esta na esfera jurídica da Recorrente e não tendo a decisão recorrida conhecido do mérito da causa, nada mais se impõe considerar sobre o assunto.
Donde, o direito fundamental alegado, à nacionalidade portuguesa, não se encontra ameaçado e a urgência alegada na petição reporta-se a um direito que, pelas razões expostas, não pode ser considerado um direito, liberdade e garantia consagrado e protegido pela CRP, merecedor de tutela jurisdicional nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 109º do CPTA.
Consequentemente e, repete-se, na falta da exigida urgência, nem sequer se coloca a questão da convolação da petição em requerimento cautelar, pelo que nos dispensamos de mais considerações sobre o outro pressuposto de admissibilidade da presente acção de intimação: o da subsidiariedade deste meio processual.
Em face do que, sendo de manter o entendimento do tribunal recorrido de que não se verifica o requisito da indispensabilidade do uso da acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, o presente recurso não pode proceder.

Não são devidas custas por os processos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias delas estarem isentos, nos termos do disposto na alínea b) do número 2 do artigo 4º Regulamento das Custas Processuais (RCP).

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 19 de Março de 2024.


(Lina Costa – relatora)

(Marta Cavaleira)

(Joana Costa e Nora)