Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1131/20.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/12/2020
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:ASILO; PROTEÇÃO INTERNACIONAL
RETOMA A CARGO
FALHAS SISTÉMICAS
Sumário:I. No caso de já se encontrar decidido pedido de proteção internacional anterior ao apresentado em Portugal, será de aplicar o artigo 18.º, n.º 1, al. d), do Regulamento n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, que impõe a retoma do requerente a cargo do Estado-membro onde foi proferida aquela decisão.
II. Já não terá aplicação a cláusula de salvaguarda prevista no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento (existência de motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante), que pressupõe estar em curso o procedimento no Estado do primeiro pedido, daí que se equacione a possibilidade do Estado em que foi formulado o segundo pedido chamar a si a respetiva análise e decisão.
III. Se o requerente de proteção internacional não suscitou no procedimento administrativo a questão das falhas sistémicas, não invocou situação de privação que haja sofrido em território italiano ou uma situação de especial vulnerabilidade, é de afastar desde logo que da aplicação do princípio do non-refoulement resulte a imposição ao SEF de averiguar acerca das condições no procedimento de asilo e no acolhimento em Itália.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
A....., natural da Guiné-Bissau, intentou ação administrativa contra o Ministério da Administração Interna, impugnando a decisão da Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, datada de 04/02/2020, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional, peticionando a sua anulação e consequente reconhecimento do direito do impugnante a obter a pretendida proteção.
Citada, a entidade demandada deduziu oposição, pugnando pela improcedência da ação.
Por sentença de 05/08/2020, o TAC de Lisboa julgou a ação improcedente e absolveu a entidade demandada do pedido.
Inconformado com esta decisão, o autor interpôs recurso, terminando as respetivas alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“a) A falta de pronúncia por parte de Itália o Regulamento Comunitário prevê a aceitação com a consequência da retoma a cargo mas daí pretender extrair uma vinculação definitiva e irrevogável que impende sobre o Estado Italiano é uma conclusão não só abusiva como juridicamente completamente errada.
b) É que a aceitação tácita que a lei prevê constitui uma mera presunção ou ficção legal de que o silêncio dos transalpinos valeu como aceitação mas tal presunção de aceitação, com base no silêncio, cede com a decisão expressa de indeferimento da pretensão formulada pelo Recorrente perante a Itália.
c) Dito de outro modo, aquilo que se iniciou como uma presunção de aceitação tácita terminou com um indeferimento expresso, pelo que sempre este último terá de prevalecer.
d) O artigo 18º, nº 1 d) do Regulamento nº 604/2013 não permite a interpretação acrítica que a Douta Sentença dele faz pois que estando Itália obrigada a retomar a cargo o Recorrente não o fizer este fica numa situação de completa indefesa dos seus direitos, por um lado tem o Estado Português a “empurrá-lo” para Itália e por outro tem Itália a não cumprir com o dever de retoma a cargo, gerando-se, uma situação de “indefension”, que é violador não só dos mais basilares princípios constitucionais portugueses como dos princípios orientadores da União Europeia.
e) O Estado Português não só podia como devia averiguar da concreta situação de Itália quanto às condições de acolhimento e ao funcionamento do pedido de asilo e assim o era tanto mais que, como feito verter na P.I., Itália encontrava-se inundada de pedidos idênticos ao formulado pelo aqui Recorrente e com evidente incapacidade de dar resposta aos mesmos.
f) Isto era facto público e notório, a não carecer de prova nem de alegação, que a Douta Sentença não podia ignorar e se não o tivesse feito facilmente teria concluído em sentido contrário do que decidiu.
g) Ou seja, que o Recorrido devia ter feito era usar dos poderes inquisitórios que dispõe e que são um verdadeiro dever jurídico e não meramente platónico, pois que, sem qualquer dúvida, o artigo 58º do CPA desmente o entendimento acolhido na Douta Sentença.
h) As alegadas declarações prestadas pelo Recorrente em sede administrativa completamente descontextualizadas e num ambiente francamente desfavorável e desconfortável para aquele não podem ser interpretadas de forma acrítica e sem levar em conta a realidade factual que era a relatada pela MSF no escrito supra transcrito no corpo alegatório.
i) Que as condições nos campos de refugiados italianos eram desumanas ou em larga medida degradantes era facto público e notório, a não carecer de prova nem de alegação, e de que é demonstrativo o escrito citado em Nota de Rodapé 9 supra e provinda de informação obtida junto de uma insuspeita instituição como os Médicos sem Fronteiras.
j) Mas admitindo-se, por mero dever de patrocínio, que assim não era a conclusão não podia ser aquela que a Douta Sentença retirou pois que actualmente e no âmbito do quadro legal em vigor as insuficiências alegatórias das partes devem ser supridas pela intervenção do Juiz, designadamente com um convite ao aperfeiçoamento dos articulados como o impõe o artigo 590º do CPC.
k) Sendo de realçar que este convite é um poder-dever vinculado e não discricionário e cuja omissão gera nulidade como se tem decidido nos Tribunais Superiores e também na Doutrina supra citados no corpo alegatório.
l) Violou a Douta Sentença os artigos 18º e 25º do Regulamento nº 604/2013, 58º e 165º, nº 2 do CPA e 590º do CPC, não se podendo, assim, manter erecta e pujante na ordem jurídica, antes devendo ser revogada e substituída por uma decisão que dê provimento à pretensão do Recorrente.”
A entidade recorrida não apresentou contra-alegações.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por entender que as alegações do recorrente para fundamentar os seus pedidos não estão suportados por quaisquer provas, nem sequer o mesmo relata objetivos atos persecutórios, ter sofrido tratamento desumano ou degradante ou que possa vir a sofrê-los; também não estão minimamente indiciadas quaisquer falhas sistémicas no acolhimento em Itália, nem, em consequência, qualquer risco de tratamento desumano ou degradante, condicionalismos estes que devem ser apreciados em concreto e reportados à situação concreta de cada requerente e não, em abstrato, por genérica invocação de falhas sistémicas.

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Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir dos erros de julgamento da sentença, quanto à interpretação da aceitação tácita de transferência por parte de Itália e à consideração de não se impor ao Estado Português averiguar da concreta situação de Itália quanto às condições de acolhimento e funcionamento do pedido.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC, ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA, por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, as questões a decidir neste processo cingem-se a saber se ocorrem os invocados erros de julgamento da sentença, quanto à interpretação da aceitação tácita de transferência por parte de Itália e à consideração de não se impor ao Estado Português averiguar da concreta situação de Itália quanto às condições de acolhimento e funcionamento do pedido
Vejamos o direito aplicável e relevante para a solução do caso em apreciação.
Nos termos do disposto no artigo 33.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa (CRP), “[é] garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua atividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.”
Concretizando o direito de asilo aí consagrado, a Lei n.º 27/2008, de 30 de junho (Lei do asilo e proteção subsidiária, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio), veio estabelecer as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo as Diretivas n.º 2011/95/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, n.º 2013/32/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e n.º 2013/33/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e implementar a nível nacional o Regulamento (UE) n.º 603/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho para efeitos de aplicação efetiva do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.
Esta Lei prevê um procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, no respetivo capítulo IV, que tem lugar “quando se considere que a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado-membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o SEF solicita às respetivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo” – artigo 37.º, n.º 1.
E segundo o respetivo n.º 2, “[a]ceite a responsabilidade pelo Estado requerido, o diretor nacional do SEF profere, no prazo de cinco dias, decisão nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º-A e do artigo 20.º, que é notificada ao requerente, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, e é comunicada ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que atue em seu nome, mediante pedido apresentado, acompanhado do consentimento do requerente.”
O referido artigo 19.º-A, n.º 1, al. a), prevê que o pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, e o n.º 2 que se prescinde da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional. Segundo o artigo 20.º, n.º 1, cabe ao Diretor Nacional do SEF tomar tal decisão.
Como se vê, a Lei do asilo e proteção subsidiária remete para o Regulamento (UE) n.º 604/2013, o apuramento da responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional, posto que são aí estabelecidos os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados-Membros por nacionais de países terceiros ou apátridas.
O artigo 3.º deste Regulamento, sob a epígrafe ‘acesso ao procedimento de análise de um pedido de proteção internacional’, prevê o seguinte:
“1. Os Estados-Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado-Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável.
2. Caso o Estado-Membro responsável não possa ser designado com base nos critérios enunciados no presente regulamento, é responsável pela análise do pedido de proteção internacional o primeiro Estado-Membro em que o pedido tenha sido apresentado.
Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.
Caso não possa efetuar-se uma transferência ao abrigo do presente número para um Estado-Membro designado com base nos critérios estabelecidos no Capítulo III ou para o primeiro Estado-Membro onde foi apresentado o pedido, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável passa a ser o Estado-Membro responsável.
3. Os Estados-Membros mantêm a faculdade de enviar um requerente para um país terceiro seguro, sem prejuízo das regras e garantias previstas na Diretiva 2013/32/UE.”
Veja-se ainda que, de acordo com o artigo 17.º, n.º 1, do Regulamento, “[e]m derrogação do artigo 3.º, n.º 1, cada Estado-Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento.”
A fim de facilitar o processo de determinação do Estado-Membro responsável, exige o artigo 5.º do Regulamento que seja realizada uma entrevista pessoal com o requerente, antes de ser adotada qualquer decisão relativa à sua transferência para o Estado-Membro responsável. Mais aí se exige a elaboração de um resumo escrito do qual constem, pelo menos, as principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista, que pode ser feito sob a forma de relatório ou formulário-tipo, a que o requerente (ou um seu representante) tenha acesso em tempo útil.
No artigo 18.º do Regulamento estabelecem-se as seguintes obrigações do Estado-Membro responsável:
“1. O Estado-Membro responsável por força do presente regulamento é obrigado a:
a) Tomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 21.º, 22.ºe 29.º, o requerente que tenha apresentado um pedido noutro Estado-Membro;
b) Retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 29.º, o requerente cujo pedido esteja a ser analisado e que tenha apresentado um pedido noutro Estado-Membro, ou que se encontre no território de outro Estado-Membro sem possuir um título de residência;
c) Retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 29.º, o nacional de um país terceiro ou o apátrida que tenha retirado o seu pedido durante o processo de análise e que tenha formulado um pedido noutro Estado-Membro, ou que se encontre no território de outro Estado-Membro sem possuir um título de residência;
d) Retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 29.º, o nacional de um país terceiro ou o apátrida cujo pedido tenha sido indeferido e que tenha apresentado um pedido noutro Estado-Membro, ou que se encontre no território de outro Estado-Membro sem possuir um título de residência.
2. Nos casos abrangidos pelo n.º 1, alíneas a) e b), o Estado-Membro responsável deve analisar ou finalizar a análise do pedido de proteção internacional apresentado pelo requerente.
Nos casos abrangidos pelo n.º 1, alínea c), se o Estado-Membro responsável tiver interrompido a análise de um pedido na sequência da sua retirada pelo requerente antes de ter sido adotada em primeira instância uma decisão quanto ao mérito, esse Estado-Membro assegura que o requerente tenha direito a pedir que a análise do seu pedido seja finalizada ou a introduzir novo pedido de proteção internacional, que não deverá ser tratado como um pedido subsequente tal com previsto na Diretiva 2013/32/UE. Em tais casos, os Estados-Membros asseguram que a análise do pedido seja finalizada.
Nos casos abrangidos pelo n.º 1, alínea d), se o pedido tiver sido indeferido apenas na primeira instância, o Estado-Membro responsável assegura que a pessoa em causa tenha, ou tenha tido, a oportunidade de se valer de recurso efetivo nos termos do artigo 46.º da Diretiva 2013/32/UE.”
A Secção III do Regulamento prevê os procedimentos aplicáveis aos pedidos de retomada a cargo, como segue:
“Artigo 23.º
Apresentação de um pedido de retomada a cargo em caso de apresentação de um novo pedido no Estado-Membro requerente
1. Se o Estado-Membro ao qual foi apresentado um novo pedido de proteção internacional pela pessoa referida no artigo 18.º, n.º 1, alíneas b), c) ou d), considerar que o responsável é outro Estado-Membro, nos termos do artigo 20.º, n.º 5, e do artigo 18.º, n.º 1, alíneas b), c) ou d), pode solicitar a esse outro Estado-Membro que retome essa pessoa a seu cargo.
2. O pedido de retomada a cargo é apresentado o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, no prazo de dois meses após a receção do acerto do Eurodac, nos termos do artigo 9.º, n.º 5, do Regulamento (UE) n.º 603/2013.
Se o pedido de retomada a cargo se basear em elementos de prova diferentes dos dados obtidos através do sistema Eurodac, deve ser enviado ao Estado-Membro requerido no prazo de três meses a contar da data de apresentação do pedido de proteção internacional, na aceção do artigo 20.º, n.º 2.
3. Se o pedido de retomada a cargo não for apresentado nos prazos previstos no n.º 2, a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional cabe ao Estado-Membro em que o pedido tiver sido apresentado.
4. Os pedidos de retomada a cargo são feitos num formulário-tipo e devem conter as provas ou indícios descritos nas duas listas a que se refere o artigo 22.º, n.º 3, e/ou os elementos relevantes das declarações da pessoa em causa, que permitam às autoridades do Estado-Membro requerido verificar se é responsável com base nos critérios definidos no presente regulamento.
A Comissão adota atos de execução relativos à aplicação uniforme das regras de preparação e apresentação dos pedidos de retomada a cargo. Esses atos de execução são adotados pelo procedimento de exame a que se refere o artigo 44.º, n.º 2.
Artigo 24.º
Apresentação de um pedido de retomada a cargo sem que tenha sido apresentado um novo pedido no Estado-Membro requerente
1. Se o Estado-Membro em cujo território se encontre, sem possuir um título de residência, a pessoa referida no artigo 18.º, n.º 1, alíneas b), c) ou d), e em que não foi apresentado nenhum novo pedido de proteção internacional, considerar que o Estado Membro responsável é outro, nos termos do artigo 20.º, n.º 5, e do artigo 18.º, n.º 1, alíneas b), c), ou d), pode solicitar a esse outro Estado-Membro que retome essa pessoa a seu cargo.
2. Em derrogação do artigo 6.º, n.º 2, da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados-Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, se o Estado-Membro, em cujo território se encontre, sem possuir um título de residência, a pessoa, decidir pesquisar o sistema Eurodac nos termos do artigo 17.o do Regulamento (UE) n.º 603/2013, o pedido de retomada a cargo de uma pessoa referida no artigo 18.º, n.º 1, alíneas b) ou c) do presente regulamento, ou de uma pessoa referida no artigo 18.o, n.o 1, alínea d), cujo pedido de proteção internacional não tenha sido indeferido por decisão definitiva, é apresentado o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, no prazo de dois meses após a receção do acerto do Eurodac, nos termos do artigo 17.º, n.º 5, do Regulamento (UE) n.º 603/2013.
Se o pedido de retomada a cargo se basear em elementos de prova diferentes dos dados obtidos através do sistema Eurodac, deve ser enviado ao Estado-Membro requerido no prazo de três meses a contar da data em que o Estado-Membro requerente toma conhecimento de que outro Estado-Membro pode ser responsável pela pessoa em causa.
3. Se o pedido de retomada a cargo não for apresentado nos prazos previstos no n.º 2, o Estado-Membro em cujo território a pessoa em causa se encontre sem possuir um título de residência deve dar-lhe a oportunidade de apresentar novo pedido.
4. Se a pessoa referida no artigo 18.º, n.º 1, alínea d), do presente regulamento, cujo pedido de proteção internacional foi indeferido por decisão definitiva num Estado-Membro, se encontrar no território de outro Estado-Membro sem título de residência, o segundo Estado-Membro pode solicitar ao primeiro que retome a seu cargo a pessoa em causa ou conduza um procedimento de retorno nos termos da Diretiva 2008/115/CE.
Se o segundo Estado-Membro tiver decidido solicitar ao primeiro Estado-Membro que retome a seu cargo a pessoa em causa, não se aplicam as regras estabelecidas na Diretiva 2008/115/CE.
5. Os pedidos de retomada a cargo de uma pessoa referida no artigo 18.º, n.º 1, alíneas b), c) ou d), são feitos num formulário-tipo e devem conter as provas ou indícios descritos nas duas listas a que se refere o artigo 22.º, n.º 3, e/ou os elementos relevantes das declarações da pessoa em causa, que permitam às autoridades do Estado-Membro requerido verificar se é responsável, com base nos critérios definidos no presente regulamento;
A Comissão adota atos de execução relativos à elaboração e revisão periódica de duas listas com os elementos de prova e os indícios, de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 22.º, n.º 3, alíneas a) e b), e à aplicação uniforme das regras de preparação e apresentação dos pedidos de retomada a cargo. Esses atos de execução são adotados pelo procedimento de exame a que se refere o artigo 44.º, n.º 2.
Artigo 25.º
Resposta a um pedido de retomada a cargo
1. O Estado-Membro requerido procede às verificações necessárias e toma uma decisão sobre o pedido de retomar a pessoa em causa a cargo o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, dentro do prazo de um mês a contar da data em que o pedido foi recebido. Quando o pedido se baseie em dados obtidos através do sistema Eurodac, o prazo é reduzido para duas semanas.
2. A falta de uma decisão no prazo de um mês ou no prazo de duas semanas referidos no n.º 1 equivale à aceitação do pedido, e tem como consequência a obrigação de retomar a pessoa em causa a cargo, incluindo a obrigação de tomar as providências adequadas para a sua chegada.”
Haverá ainda que ter em consideração o invocado princípio de não repulsão ou non-refoulement, princípio de direito de asilo internacional, consagrado no artigo 33.º da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 28/07/1951, nos termos do qual os requerentes de asilo devem ser protegidos contra a expulsão ou repulsão, direta ou indireta, para um local onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas, não se aplicando esta proteção a quem constitua uma ameaça para a segurança nacional ou tenha sido objeto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave (cf. artigo 2.º, n.º 1, al. aa) da Lei de asilo e proteção subsidiária).
Na sentença recorrida conclui-se o seguinte:
[O] ora Autor não invocou, nem em sede procedimental, nem no âmbito dos presentes autos, quaisquer factos concretos que permitissem concluir pela existência de um risco sério e real de aquele vir a ser sujeito a tratamentos desumanos ou degradantes em caso de transferência para a Itália, razão pela qual não se impõe, no caso concreto, a ponderação da cláusula de salvaguarda vertida no art. 3º, nº 2, do Regulamento nº 604/2013.
Face ao que antecede, considerando o princípio segundo o qual os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, determinado em função dos critérios enunciados no capítulo III do Regulamento nº 604/2013, não estão reunidos os pressupostos legais para que o pedido de protecção internacional formulado pelo Autor possa ser apreciado pelo Estado Português, como decidiu a Entidade Demandada, não cabendo, pois, às autoridades portuguesas proferir decisão de mérito acerca desse pedido, por ser entidade responsável o Estado Italiano, que aceitou essa responsabilidade, não havendo, assim, lugar à análise das condições a preencher pelo Autor para beneficiar do estatuto de protecção internacional.
Neste contexto, um Estado-Membro onde foi apresentado um pedido de asilo está obrigado a seguir as regras previstas no Capítulo IV do já citado Regulamento nº 604/2013, adoptando, para o efeito, no caso do Estado Português, o procedimento internamente previsto nos arts. 36º e seguintes da Lei de Asilo, requerendo a esse Estado-Membro que tome ou retome a cargo o requerente em causa e, uma vez aceite esse pedido, transferindo essa pessoa para o Estado responsável.
Assim, verificando-se a inadmissibilidade do pedido, nos termos supra expostos, a decisão ora impugnada, ao considerar a Itália como responsável pela análise do pedido de protecção internacional formulado pelo Autor, não merece censura, devendo manter-se na ordem jurídica.
Face a todo o exposto, será de improceder in totum a presente acção..
Contra o que se insurge o recorrente, por entender que a aceitação tácita de transferência por parte das autoridades italianas deve ceder perante a decisão expressa de indeferimento da pretensão que ali formulou e que cabe ao Estado Português averiguar da concreta situação de Itália quanto às condições de acolhimento e ao funcionamento do pedido de asilo.
É patente que não lhe assiste razão.
No caso vertente, temos que o recorrente apresentou dois pedidos de proteção internacional em Itália. Pedidos esses que foram recusados.
Seguiu depois para Portugal, onde apresentou novo pedido de proteção internacional.
O pedido de retoma a cargo do recorrente às autoridades italianas foi tacitamente aceite.
Com efeito, ao contrário do propugnado pelo recorrente, o citado artigo 25.º, n.º 2, do Regulamento n.º 604/2013, impõe que a falta de resposta ao pedido de retoma a cargo equivale à aceitação do pedido, e tem como consequência para o Estado-Membro competente a obrigação de retomar a pessoa em causa a cargo, incluindo a obrigação de tomar as providências adequadas para a sua chegada.
Carecendo em absoluto de fundamento legal o alegado pelo recorrente, quanto à desconsideração desta aceitação tácita.
Nos termos definidos no citado Regulamento n.º 604/2013, apenas um Estado-membro é responsável pela análise de um pedido de asilo, que à partida será o primeiro Estado-membro em que o pedido tenha sido apresentado.
Sabemos que, antes do pedido formulado no nosso país, o recorrido apresentou dois pedidos de proteção internacional em Itália e que esses pedidos foram recusados.
À luz do artigo 33.º da Lei do asilo e proteção subsidiária, o recorrente podia apresentar um pedido de proteção subsequente, configurado como tal por o requerente dispor de novos meios de prova ou por se terem alterado as circunstâncias com base nas quais formulara o pedido inicial, o que não foi feito.
Trata-se, pois, de um terceiro pedido de proteção internacional.
Quando os anteriores já foram decididos.
Tem aplicação a estes casos o já citado artigo 18.º, n.º 1, al. d), do Regulamento n.º 604/2013, que impõe a retoma do requerente a cargo do Estado-membro onde foi proferida a decisão de recusa de proteção internacional.
À transferência do requerente para o Estado-membro competente poderia obstar a existência de motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento. Caso em que, de acordo com o respetivo artigo 17.º, n.º 1, poderia Portugal decidir analisar o pedido de proteção internacional, ainda que essa análise não seja da sua competência.
Contudo, como já se reconheceu em recentes acórdãos deste TCAS(1), nos casos em que o pedido de um requerente de proteção internacional já foi decidido por outro Estado-membro, não tem aplicação a referida cláusula de salvaguarda, que pressupõe estar em curso o procedimento no Estado do primeiro pedido, daí que se equacione a possibilidade do Estado em que foi formulado o segundo pedido chamar a si a respetiva análise e, claro está, a sua decisão.
O que não impede, como se reconhece nos mesmos arestos, que o SEF esteja obrigado a apurar as condições de acolhimento e do procedimento de asilo em país relativamente ao qual sejam fundadamente invocadas falhas sistémicas, ao abrigo do já citado princípio do non-refoulement, a par da proibição da tortura e dos tratos ou penas desumanos ou degradantes, plasmada no artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (veja-se, neste sentido, a jurisprudência do TEDH, citada no invocado acórdão de 02/07/2020).
Quanto à questão das invocadas falhas sistémicas, atente-se que a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem-se orientado consensualmente no sentido do sistema de asilo comum assentar no princípio da confiança mútua, presumindo-se que o tratamento dado aos requerentes de asilo em cada estado membro está em conformidade com as exigências da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com a Convenção de Genebra de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados e com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
E que quanto a tal questão se consolidou recente orientação jurisprudencial do STA, que aqui será de seguir.
Assim, no acórdão de 16/01/2020, tirado no proc. n.º 02240/18.7BELSB, expendeu-se o seguinte:
[A]s notícias pesquisadas oficiosamente pelo tribunal também não são, atento todo o circunstancialismo em que surgem, de forma a impor essa condenação.
Não poderemos escamotear o facto delas se referirem a um Estado-membro da «União Europeia», tal como o Estado Português, responsável desde logo pelo cumprimento da respectiva Carta dos Direitos Fundamentais, bem como noticiarem ocorrências relativas a uma situação inusitada: a do fluxo anormal de imigração ilegal de cidadãos de países africanos para a Europa, via Itália.
Esta «imigração ilegal», que ocorre por muitos e variados motivos, visando todos eles a melhoria das condições de vida do imigrante, não se pode confundir simplesmente com a situação do refugiado. Este, que em sentido amplo não deixa de ser imigrante, busca refúgio em país estrangeiro por recear, com razão, ser perseguido no seu país de origem em consequência de atividade exercida em favor da democracia, da liberdade social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, ou em virtude da sua raça, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social [ver artigo 2º, alínea ac), da Lei nº27/2018, de 30.06, redação dada pela Lei nº26/2014, de 05.05].
Foi esta avalancha de imigração ilegal, constituída por um universo de imigrantes onde se integrarão potenciais refugiados mas não só, que provocou um deficit nas condições do seu acolhimento por parte de Itália, e terá provocado uma reação política hostil na mira de suscitar a participação solidária dos demais Estados-membros na resolução do problema.
Assim, os epifenómenos traduzidos nas notícias oficiosamente respigadas pelo tribunal, refletem toda essa inusitada situação vivida, nomeadamente, em Itália, mas não são aptos a implicar o risco de tratamento desumano ou degradante, mormente tortura, dos requerentes de proteção internacional por parte do Estado Italiano.
Temos, por conseguinte, que as notícias levadas ao acervo factual provado, a título de factos notórios, não deixando de traduzir uma «situação anómala», não são, por si só, e atentos os contornos da situação, susceptíveis de configurar motivos válidos para crer que se preenche - no caso concreto - a hipótese legal prevista no 2º parágrafo do nº2 do artigo 3º do Regulamento [EU] 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.06.2013. Isto é, elas não constituem razões sérias e verosímeis de que o requerente corra o risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, mormente tortura, por parte das autoridades italianas.
Desde então:
- em acórdão de 23/04/2020, tirado no proc. n.º 0916/19.0BELSB, não se admitiu a revista do acórdão deste TCAS, que confirmara sentença que julgou improcedente a ação, na qual o recorrente impugnou o ato do SEF que considerara inadmissível o seu pedido de concessão de asilo em território nacional e determinara a transferência dele para a Itália, tudo imediatamente indicando que o ato não padecia do vício de défice de instrução, quanto a informação fidedigna e atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional em Itália;
- em acórdão de 21/05/2020, tirado no proc. n.º 1300/19, não se admitiu a revista interposta de acórdão deste TCAS que se pronunciou no sentido do ato não padecer do vício de défice de instrução, quanto a informação fidedigna e atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional em Itália.
Ainda quanto à mesma questão, em acórdão datado de 04/06/2020, tirado no proc. n.º 01322/19.2BELSB, concluiu o STA que “[o] SEF não se encontra obrigado a fazer quaisquer averiguações sobre eventuais falhas sistémicas do sistema de acolhimento quando, no caso concreto, não existam indícios de que o requerente tenha sido ou venha a ser vítima das mesmas, nomeadamente com a gravidade extrema que é pressuposto da aplicação da cláusula de salvaguarda constante do artº 3º nº 2 do Regulamento Dublin III”.
E ainda no mesmo sentido podem ver-se os mais recentes acórdãos de 02/07/2020, proc. n.º 01786/19.4BELSB, de 02/07/2020, proc. n.º 01088/19.6BELSB, de 09/07/2020, proc. n.º 01419/19.9BELSB, de 10/09/2020, proc. n.º 01108/19.4BELSB, de 10/09/2020, proc. n.º 01932/19.8BELSB, de 10/09/2020, proc. n.º 01705/19.8BELSB, e de 10/09/2020, proc. n.º 02194/19.2BELSB (todos os arestos citados encontram-se disponíveis em www.dgsi.pt).
No caso vertente, igualmente será de concluir no sentido de não recair sobre a entidade recorrida a obrigação de averiguar acerca das condições no procedimento de asilo e no acolhimento em Itália.
Para aí apontando os elementos constantes dos autos, posto que o requerente de proteção não invoca uma situação de especial vulnerabilidade, ou ter sofrido privações em território italiano.
Conforme consta das suas declarações, encontra-se de boa saúde e foi bem tratado em Itália, onde tinha acesso a comida, alojamento, cuidados médicos e dinheiro.
Perante o que se vem de dizer, não se pode concluir que a decisão de transferência do recorrente possa constituir uma violação do princípio do non-refoulement.
E bem assim carece de sentido falar em défice instrutório, quando não vem alegada factualidade relevante a carecer de prova.
Em face do exposto, verifica-se que se impunha à entidade requerida reconhecer a inadmissibilidade do pedido e determinar a transferência do recorrente para Itália, como efetivamente se fez na decisão objeto de impugnação.
E como acertadamente se decidiu na sentença.

Em suma, será de negar provimento ao presente recurso.
*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas, atento o disposto no artigo 84.º da Lei do Asilo.

Lisboa, 12 de novembro de 2020

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, o relator consigna e atesta que as Juízas Desembargadoras Ana Cristina Lameira e Catarina Vasconcelos têm voto de conformidade com o presente acórdão.
(Pedro Nuno Figueiredo – relator)
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(1) v.g., os acórdãos de 02/07/2020, proc. n.º 61/20.6BELSB, e de 10/09/2020, proc. n.º 115/20.9BELSB, disponíveis em www.dgsi.pt.