Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2007/15.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/20/2023
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:GERÊNCIA DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I – Tendo presente o circunstancialismo fáctico que subjaz ao recurso em análise, constata-se que ficou por demonstrar uma realidade susceptível de evidenciar o exercício efectivo dos poderes de gerência por parte da ora Recorrida, sendo que era sobre a FP que recaia o ónus de provar o exercício da mesma. Por outro lado, a prova produzida pela Recorrida evidencia que o exercício da gerência da devedora originária cabia efectivamente ao seu pai.
II - Ora, o exercício efectivo da gerência é pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão, pelo que a conclusão a extrair não poderá deixar de ser a de manter a sentença recorrida que julgou verificado o fundamento de oposição previsto no artigo 204º, nº1, alínea b) do CPPT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Representante da Fazenda Pública, com os demais sinais nos autos, veio em conformidade com o artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou procedente a oposição judicial deduzida por R......, revertida no processo de execução fiscal n.º 3328201101060104, originariamente instaurado contra a sociedade P......, Ld.ª, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas («IRC»), Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares («IRS») e Imposto sobre o Valor Acrescentado («IVA») referente ao período de 2011, no valor de €6.401,85.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:
«A- Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos à margem melhor identificados, que julgou procedente, a oposição judicial, apresentada por R...... determinando a extinção da execução contra a oponente, por considerar que é parte ilegítima na mesma.
B- Salvo a devida vénia, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.
C- Salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública, concordar com a douta sentença, quando esta refere que, não obstante, os documentos assinados pela ora recorrida, juntos aos autos, não se encontra demonstrada a gerência de facto da oponente.
D- No caso dos presentes autos, é certo que a Oponente, tal como resulta da certidão do registo comercial, assumiu a gerência da sociedade devedora originária, encontrando-se desde logo, provada a gerência de direito.
E- O Tribunal a quo considerou que, não obstante, a assinatura de tais documentos, a oponente logrou provar que não exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária.
F- Salvo o devido respeito, por opinião contrária, não pode a Fazenda Pública concordar com tal decisão, pois ao assinar todos os documentos levados ao probatório em representação da sociedade devedora originária, a ora recorrida assumiu a qualidade de gerente.
G- Importa, contudo, reiterar que de acordo com a jurisprudência assente, a lei não exige que os gerentes, exerçam uma administração continuada, sendo apenas exigido que pratiquem atos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto.
H- Perante tal quadro factual não pode a Fazenda Pública concordar com a desconsideração de tais funções percorrida na sentença em mérito, pois provando-se que a oponente foi nomeada gerente e que no período temporal a que se reportam as dívidas exequendas assinou documentos necessários ao giro comercial da sociedade, vinculando-a perante terceiros, tem-se por verificada a gerência de facto.
I- Assim e salvo o devido respeito, a prova ínsita nos autos e, as consequências necessárias que dali de aferem sustentam a posição da Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão da execução fiscal contra a responsável subsidiária, devendo ser considerada legitima a reversão contra a recorrida.
J- Por todo o exposto, deveria determinar-se a improcedência da oposição pela convicção da gerência de facto da oponente/recorrida, formada a partir do exame crítico das provas.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, quanto à matéria aqui discutida.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»
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A Recorrida, notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, as questões fundamentais a decidir são as de saber se:
a) - a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto, pois, nas palavras da Recorrente, “dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida”;
b) - a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir pela ilegitimidade da ora recorrida, enquanto responsável subsidiária pelas dívidas contra si revertidas no processo de execução fiscal nº 3328201101060104, originariamente instaurado contra a sociedade P......, Lda.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:

«1. Em 30.05.2006, através da Ap. n.º 13/20060530 foi averbada na Conservatória do Registo Comercial a constituição da sociedade «P......, Lda.», tendo sido designada gerente da mesma a ora Oponente – cf. fls. 54 do processo físico.
2. Em 31.08.2010, a sociedade «P......, Lda.» apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa – 9, requerimentos subscritos pela Oponente, a solicitar o pagamento da dívida em prestações nos processos de execução fiscal n.º 3328201006023428 e n.º 3328201006026168 – cf. fls. 100 e 101 do processo físico.
3. Em 07.09.2010, foi endereçado à Oponente, na qualidade de gerente da sociedade «P......, Lda.», ofício a comunicar o deferimento dos pedidos identificados em 2., o qual foi rececionado por esta em 15.09.2010 – cf. fls.102 e 103 do processo físico.
4. Em 13.12.2011, a sociedade «P......, Lda.» apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa – 9, requerimento subscrito pela Oponente, a solicitar o pagamento da dívida em prestações no processo de execução fiscal n.º 332820110106104 – cf. fls. 104 e 105 do processo físico.
5. Em 13.12.2011, foi entregue à sociedade «P......, através de citação, citação para o processo de execução fiscal n.º 3328201101060104, a qual foi assinada pela Oponente – cf. fls. 106 do processo físico.
6. Em 23.03.2012, através da Ap. n.º 159/20120323, foi averbada na Conservatória do Registo Comercial a cessação de funções da Oponente do cargo de gerente da sociedade «P......, Lda.», por renúncia datada de 31.01.2009 – cf. certidão permanente a fls. 55 do processo físico.
7. Na mesma data – 23.03.2012 –, através da Ap. n.º 160/20120323, foi averbada na Conservatória do Registo Comercial a designação de A...... para o cargo de gerente da sociedade «P......, Lda.», por deliberação de 31.01.2009 – cf. certidão permanente a fl. 56 do processo físico.
8. Em 15.09.2011, pelo Serviço de Finanças de Lisboa – 9 foi instaurado contra a sociedade «P......, Lda.», o processo de execução fiscal n.º 3328201101060104 e apensos para cobrança de dívidas de IRS, IRC e IVA, no valor total de €6.401,85 – cf. fls. 2-A e fls. 46 do processo físico.
9. Em 11.12.2014, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa – 9 foi proferido projeto de decisão de reversão contra a Oponente, relativamente às dívidas cobradas coercivamente no processo de execução fiscal n.º 3328201101060104, do qual consta a seguinte fundamentação quanto à reversão: “(…)

(…).” – Cf. fls. 47 do processo físico.
10. Em 12.12.2014, foi remetido à Oponente o ofício n.º 006980, como seguinte teor: “(…)
“(texto integral no original; imagem)”


(…).” – cf. fls. 45 do processo físico.
11. Em 29.12.2014, a Oponente pronunciou-se por escrito sobre o projeto de reversão identificado nos pontos antecedentes – cf. fls. 49 a 51 do processo físico.

12. Em 30.03.2015foi elaborada informação pelo Serviço de Finanças de Lisboa – 9, a propor a reversão do processo de execução fiscal n.º 3328201101060104 e apensos, com o seguinte teor: “(…)
“(texto integral no original; imagem)”

“(texto integral no original; imagem)”
(…)”– Cf. informação a fls. 59 e 60 do processo físico.
13. Sobre a informação identificada no número antecedente recaiu despacho concordante do Chefe do Serviço de Finanças, proferido em 30.03.2015, que determinou a reversão do processo de execução fiscal – cf. fls. 60 do processo físico.
14. Em 08.04.2015, foi remetido à Oponente o ofício n.º 001423, com o seguinte teor: “(…)
“(texto integral no original; imagem)”



(…)”– cf. fls. 61 e 62 do processo físico.
15. Em 14.05.2015, a presente Oposição foi apresentada no Serviço de Finanças de Lisboa – 9, tendo dado entrada neste Tribunal em 13.07.2015 – cf. fls. 2 e 4 do processo físico.
Mais se provou:
16. A Oponente era conhecida como sendo a “filha do patrão” e raramente aparecia na sede da empresa – cf. depoimentos das testemunhas.
17. Era A...... quem lidava com fornecedores, fazia pagamentos e recebimentos – cf. depoimento das testemunhas.
18. A Oponente assinava os cheques – cf. depoimento das testemunhas.»
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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte:
«Nada mais se provou com interesse para a presente decisão.»
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Em matéria de convicção, refere o Tribunal a quo:
«A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada relevante para a decisão da causa, resultou da análise conjugada dos documentos constantes dos autos, os quais não foram impugnados, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, assim como da prova testemunhal produzida no âmbito do processo n.º 1961/15.0BELRS.
Com efeito, foi a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova que à luz da experiência sedimentaram a convicção do Tribunal.
Os depoimentos foram livremente apreciados pelo Tribunal, nos termos do que dispõe o artigo 396.º do Código Civil, atendendo para tal efeito, à razão de ciência apresentada e as qualidades de isenção e convicção denotadas de cada uma das testemunhas inquiridas.
A testemunha M......., disse que trabalhou na P....... desde que esta iniciou a atividade até a sociedade ter deixado de existir. Referiu que era escriturária, que conhece a Oponente como sendo filha de A......, que era este último que contatava com os clientes, efetuava pagamentos e recebia os pagamentos. Mais referiu que os cheques eram assinados pela R......., que era a Oponente que assinava as listagens dos cheques em branco. Disse ainda que a Oponente trabalhava numa empresa em Cascais, que nunca falou com a mesma, mas teve conhecimento que esta era a gerente, mas quem a contratou para trabalhar na empresa foi A.......
A testemunha V......., declarou que trabalhou na gráfica durante 6 anos. Referiu que foi A...... que o contratou, tendo visto a R....... uma ou duas vezes. Para os trabalhadores era o Sr. A...... o patrão. Frisou que conheceu a R....... no contexto de ser “filha do patrão”.
Os depoimentos revelarem-se claros e credíveis, as testemunhas demonstraram ter conhecimento direto da situação concreta da sociedade devedora originária e da gestão da Oponente.
Em suma, os depoimentos em causa foram relevantes para dar como provados os factos constantes dos pontos 16., 17. e 18.»

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Ao abrigo do art. 662º do CPC, por se encontrar provado documentalmente, adita-se o seguinte facto:
19. No averbamento a que se refere o nº 1, foi averbada na Conservatória do Registo Comercial a constituição da sociedade «P......, Lda.», tendo como sócia a oponente, ora recorrida, e outro.
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II.2. Enquadramento Jurídico

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou procedente a oposição e, em consequência, extinta a execução fiscal revertida contra a oponente.

Inconformada, a Representante da Fazenda Pública veio interpor recurso da referida decisão, alegando, entre outros, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto, pois, nas palavras da Recorrente, “dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida”.
Vejamos.
Das alegações da recorrente parece extrair-se que a mesma pretende impugnar a matéria de facto. Mas não cumpre, minimamente, com os ónus previstos no art. 640º do CPC.
A alegação da recorrente limita-se a encerrar um juízo conclusivo que o Tribunal extrairá dos factos provados, não sendo, portanto, um facto, entendido como acontecimento externo, interno ou psíquico, seja real ou simplesmente hipotético.
Deste modo, o presente fundamento de recurso terá de ser rejeitado.
*
Estabilizada a matéria de facto, importa apreciar a questão de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao decidir pela ilegitimidade da ora Recorrida, enquanto responsável subsidiária pelas dívidas contra si revertidas no processo de execução fiscal nº 3328201101060104, originariamente instaurado contra a sociedade P......, Lda.
A sentença recorrida julgou a oposição procedente e, em consequência, determinou a extinção da execução quanto à oponente, ora Recorrida, por considerar a ilegitimidade da pessoa citada para a execução.
Vejamos a fundamentação da decisão, em síntese:
«Considerando a realidade vertida no probatório, pode dizer-se que os elementos apontados para a ora Oponente ser considerada gerente de facto, reconduzem-se ao facto de a mesma ter sido nomeada para o exercício da gerência da sociedade devedora originária, a dois requerimentos para pagamento em prestações de dívidas tributárias, à assinatura aposta no registo de notificação do deferimento de um desses requerimentos e aos prints das declarações modelo 22, relativamente aos exercícios de 2012 e 2013, onde consta identificado o NIF da Oponente como representante legal da devedora originária.
Porém, tais elementos não são suficientes para demonstrar o real e efetivo exercício da gerência por parte da Oponente que – recorde-se – havia renunciado à gerência.
Como se escreveu no acórdão do TCA Norte, de 03.10.18, processo n.º 00279/12.4BEVIS, disponível em www.dgsi.pt, “O que importa para possibilitar a reversão contra o oponente não é que, em termos jurídico civilísticos os actos praticados obriguem a sociedade mas sim que efectivamente exista em termos naturalísticos, uma relação com a sociedade que permita traçar ou determinar o rumo desta, mediante o exercício efectivo do poder de gerência gerentes e toda a “vida” da sociedade.
Ora, limitando-se a assinar (alguns em branco) os documentos a pedido o pai o qual, por sua vez, lhes dava o destino que entendesse conveniente para a actividade da sociedade, parece-nos claro que os actos em causa ocultam uma realidade substancialmente diferente daquela que denunciam.
(…)
O mero gerente de direito quando pratica os actos formais de gerência, como assinar cheques, por exemplo, não visa prosseguir os fins societários, que podem até ser-lhe completamente alheios, mas apenas cumprir uma determinação de outrem que por razões de favor ou reverência aceita levar a cabo.
Presta-se a figurar como “testa de ferro” dos verdadeiros gerentes da sociedade com o fim de lhes possibilitar constitui-la e exercer a respectiva actividade (cfr Ac. do TCAS n.º 01954/07 de 02-12-2008 )
Mas não tem o exercício efectivo da gerência da sociedade porque não tem qualquer «poder» de decisão em relação aos negócios (em sentido amplo) do ente societário: não decidem com quem contratar, a quem pagar, a quem vender, não contratam com fornecedores, não dão ordens ou instruções, nem de algum modo interferem nas opções da sociedade”.
Ora, da matéria de facto assente, resulta que a Oponente era conhecida por aqueles que contactavam com a devedora originária como a “filha do patrão”, figura que não era presença sequer na empresa. As testemunhas foram claras a afirmar que era o pai da Oponente que estabelecia relações com clientes, que efetuava pagamentos e tratava dos recebimentos.
Resulta, assim, dos autos, que quem exercia de facto a gerência, praticando atos próprios e típicos inerentes a essa função, nos anos aqui em causa, era o pai da Oponente, pois que, desde sempre assumiu o comando da “P........”, tratando dos assuntos relacionados com o giro comercial.
Por conseguinte, não só a Fazenda Pública não provou os factos constitutivos do seu direito, como, pelo contrário, a oponente logrou provar factos que apontam no sentido de que, no período aqui em causa, não exerceu a efetiva gerência da executada originária e, como tal, não poderá ter lugar a sua responsabilização, a título subsidiário, pelo pagamento da dívida exequenda.
Isto significa que, ainda que os documentos identificados pela Autoridade Tributária que contêm a assinatura da Oponente pudessem ser, em abstrato, indiciadores da sua atividade como gerente, no caso concreto, ficou prejudicada pela conclusão de que não praticou atos de gerência que emerge do conjunto da prova e que traduzem a afirmação do exposto pela ora Oponente no sentido de afirmar o oposto. Constata-se que ficou por provar uma realidade suscetível de evidenciar um tal exercício efetivo dos poderes de administração por parte da ora Oponente, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a Fazenda Pública, por isso que, como já referimos, o exercício efetivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efetivar através da reversão. Mas ainda que assim não tivesse sucedido fica, pelo menos, uma dúvida substancial e fundada sobre o efetivo exercício da gerência da sociedade executada por parte da ora Oponente, enquanto “filha do patrão”, que muitas das vezes demonstram uma atitude de reverência, de modo que, competindo à Autoridade Tributária o ónus probatório do exercício efetivo da administração por parte do ora oponente, a tal título, como responsável subsidiário.
Daí que, se imponha, nos termos acima expostos, determinar a procedência da oposição, ficando por conhecer o outro fundamento de oposição.»

Adianta-se, desde já, que se concorda com a decisão recorrida.

Vejamos, seguindo de muito perto o já decidido no Acórdão deste TCAS de 11/03/2021, Proc. 2012/15.0 BELRS, das mesmas partes, em recurso idêntico, mas referente a um outro processo de execução fiscal.

Tal como resulta da matéria de facto, a Oponente, ora Recorrida, foi sócia da devedora originária desde a sua constituição, em 2006. Foi, desde o início, nomeada gerente.
Em 2012 foi registada a renúncia à gerência da oponente, ora recorrida, com data de 31/01/09.
A AT reverteu a execução fiscal contra a Oponente com base na gerência de facto da apontada sociedade comercial, invocando, para tanto, o disposto no artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT, nos termos do qual:
«1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
(…)
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».

Ora, a reversão operada ao abrigo da apontada alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT, pressupõe que o gerente de facto o tenha sido no momento em que se verifica o termo do prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias, sendo que nesta hipótese, e se assim for, caberá ao revertido provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento.
Em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, fácil é concluir que não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções. Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto. Com efeito, e como repetidamente se vem considerando na jurisprudência, da gerência de direito não se retira, por presunção, a gerência de facto. A este propósito, deixamos transcritas as considerações feitas no acórdão do TCAN, de 30/04/14, processo nº 1210/07.5, as quais assumem aqui inteira pertinência:
“(…)
Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar”.

Ora, da factualidade apurada resulta que a oponente foi sócia e nomeada gerente da devedora originária e que assim permaneceu até ao momento em que renunciou à gerência, em Janeiro de 2009 (facto este que foi registado na correspondente CRC em 2012).
Até aqui, daquilo que se trata, no que vem evidenciado, é da gerência de direito.
A Fazenda Pública, ciente do ónus que lhe competia quanto ao exercício efectivo da gerência, demonstrou factualidade que, em princípio e indiciariamente, aponta nesse sentido, em concreto o que consta dos nºs 2., 3., 4. e 5. do probatório, bem como a evidência da aposição da assinatura da revertida em cheques e outros documentos da devedora originária.
Há, contudo, que ter bem presente que a gerência de facto de uma sociedade consiste “no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139” – cfr. acórdão do TCA Norte, de 30/04/14, no processo nº 1210/07.5 BEPRT.
E, no caso, da avaliação que fazemos do probatório, e na linha seguida na sentença, concluímos que a factualidade trazida aos autos pela Fazenda Pública é pouca para demonstrar o real e efectivo exercício da gerência por parte da revertida que – lembre-se – havia renunciado à gerência.
Como se escreveu no acórdão do TCA Norte, de 03/10/18, no processo nº 00279/12.4BEVIS “O que importa para possibilitar a reversão contra o oponente não é que, em termos jurídico civilísticos os actos praticados obriguem a sociedade, mas sim que efectivamente exista em termos naturalísticos, uma relação com a sociedade que permita traçar ou determinar o rumo desta, mediante o exercício efectivo do poder de gerência gerentes e toda a “vida” da sociedade. Ora, limitando-se a assinar (alguns em branco) os documentos a pedido o pai o qual, por sua vez, lhes dava o destino que entendesse conveniente para a actividade da sociedade, parecenos claro que os actos em causa ocultam uma realidade substancialmente diferente daquela que denunciam.
(…)
O mero gerente de direito quando pratica os actos formais de gerência, como assinar cheques, por exemplo, não visa prosseguir os fins societários, que podem até ser-lhe completamente alheios, mas apenas cumprir uma determinação de outrem que por razões de favor ou reverência aceita levar a cabo.
Presta-se a figurar como “testa de ferro” dos verdadeiros gerentes da sociedade com o fim de lhes possibilitar constitui-la e exercer a respectiva actividade (cfr Ac. do TCAS n.º 01954/07 de 02-12-2008 ).
Mas não tem o exercício efectivo da gerência da sociedade porque não tem qualquer «poder» de decisão em relação aos negócios (em sentido amplo) do ente societário: não decidem com quem contratar, a quem pagar, a quem vender, não contratam com fornecedores, não dão ordens ou instruções, nem de algum modo interferem nas opções da sociedade”.
Ora, da análise da prova produzida resulta que a oponente era conhecida por aqueles que contactavam com a devedora originária como a “filha do patrão”, figura que não era presença sequer na empresa. As testemunhas foram claras a afirmar que era o pai da Oponente que estabelecia relações com clientes, que efectuava pagamentos e tratava dos recebimentos. Mais ficou demonstrado que, não obstante a Oponente assinar cheques, os mesmos eram depois preenchidos pelo seu pai, no exercício da actividade comercial da P........
A factualidade vertida no probatório mostra que quem exercia de facto a gerência, praticando actos próprios e típicos inerentes a essa função, nos anos aqui em causa, era o pai da oponente, pois que, desde sempre assumiu o comando da “P........”, tratando dos assuntos relacionados com o giro comercial.
Em face de tudo o que vem dito e tendo presente o circunstancialismo fáctico que subjaz à oposição/ recurso em análise, constata-se que ficou por demonstrar uma realidade susceptível de evidenciar o exercício efectivo dos poderes de gerência por parte da ora Recorrida, sendo que, como antes já dissemos, era sobre a FP que recaia o ónus de provar o exercício da mesma. Por outro lado, a prova produzida pela Recorrida evidencia que o exercício da gerência da devedora originária cabia efectivamente ao seu pai.
Ora, o exercício efectivo da gerência é pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão, pelo que a conclusão a extrair não poderá deixar de ser a de manter a sentença recorrida que julgou verificado o fundamento de oposição previsto no artigo 204º, nº1, alínea b) do CPPT.

Tanto basta, pois, sem necessidade de maiores considerandos, para concluir pela improcedência das conclusões da alegação de recurso, impondo-se, como tal, confirmar a decisão sindicada, negando-se provimento ao recurso jurisdicional em análise.

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III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 1ª Subsecção da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.


Lisboa, 20 de Abril de 2023


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[Lurdes Toscano]


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[Maria Cardoso]


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[Hélia Gameiro Silva]