Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12351/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/30/2016
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
Sumário:A citação para a acção apresentada pelas Autoras no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem é susceptível de interromper o prazo de prescrição do direito de indemnização que pretendem fazer valer na presente acção administrativa comum.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:

Maria ……………………., Maria José ……………… e Maria Luísa ………………… , com sinais nos autos, inconformadas com a sentença do TAF de Beja, proferida em 13 de Maio de2015, no âmbito da acção administrativa comum, sob a forma ordinária, por elas instaurada contra o Estado Português, que julgou verificadas as excepções de prescrição e, em consequência, absolveu o Réu do pedido contra ele formulado, de condenação, a título principal, no pagamento de € 77.822,45, acrescido de juros, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, ou, subsidiariamente, no pagamento de € 75.409,00, acrescido de juros, com fundamento no enriquecimento sem causa, dela recorreram e em sede de alegações formularam .

“1- As recorrentes foram notificadas em 27/01/2005 do despacho conjunto da atribuição da indemnização da Reforma Agrária, onde se incluía a parcela de 10,1307ha do prédio …………, cedida à …………...

2- As recorrentes não impugnaram contenciosamente o despacho conjunto de atribuição da indemnização, uma vez que se o fizessem o recorrido Estado só pagaria a indemnização com a decisão transitada em julgado do recurso de impugnação.

3- As recorrentes em 4/07/2005 instauraram per saltum para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a acção de indemnização contra o recorrido Estado.

4- Na acção instaurada no Tribunal Europeu, as recorrentes formularam contra o recorrido Estado o mesmo pedido e causa de pedir da presente acção, ou seja, a condenação do recorrido Estado ao pagamento da indemnização devida pela expropriação da parcela do prédio .............

5- A interrupção da prescrição constitui um princípio geral que assenta na manifestação e intenção clara e inequívoca do titular em exercer o seu direito.

6- Por decisão do Tribunal Europeu de 16/12/2008 o recorrido Estado apenas foi condenado ao pagamento de uma indemnização às recorrentes pelo atraso no pagamento da indemnização.

7- Em 12/11/2009 as recorrentes instauraram a presente acção contra o recorrido Estado.

8- Na presente acção as recorrentes alegam que, na acção instaurada no Tribunal Europeu reclamaram do recorrido Estado o pagamento da indemnização devida pela expropriação da parcela em causa.

9- A acção instaurada no Tribunal Europeu interrompeu o prazo de prescrição de três anos para demandar o Estado, previsto no art. 498º nº 1 do C.C..

10- A interrupção da prescrição verificou-se com a citação em 5/07/2007 do recorrido Estado pelo Tribunal Europeu para pagar a indemnização reclamada pelas recorrentes da parcela expropriada, art. 323º nº 1 do C.C..

11- A douta sentença recorrida violou entre outros os arts 323º e 498º do C.C..

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deverá ser julgado procedente o presente recurso, ordenando-se o prosseguimento do processo.”

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O Recorrido contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.

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Colhidos os vistos legais vem o processo submetido à conferência para julgamento.
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Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelas Recorrentes, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts 608º nº 2, 5º nº 2 , 635º nº 3 e 639º nº 1, todos do CPC, ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas no presente recurso resumem-se a saber se a decisão judicial impugnada, ao julgar procedente a excepção da prescrição do direito de indemnização e do direito de restituição do indevido, e, em consequência, ao absolver o R. do pedido formulado (a título principal ou a título subsidiário) na presente acção administrativa comum, incorreu, ou não, em erro de julgamento por violação do disposto nos arts. 323º, nº1 e 498.º, nº 1 do Código Civil (doravante C.C.).

Para tanto, há que saber se, em abstracto, a citação ou outro acto judicial interruptivo da prescrição, praticado no âmbito de uma acção interposta no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante TEDH) - destinada a fazer valer um direito a que o autor se arroga e que esse Tribunal não pode conhecer, designadamente por força do disposto no nº 1 do art. 35º da Convenção dos Direitos do Homem - pode, ou não, ser susceptível de interromper o prazo de prescrição do direito aí exercido.

Se a resposta for negativa, nada mais há a apreciar, sendo o recurso improcedente. Mas se se concluir pela afirmativa haverá que apurar se, no caso sub judice, se preenchem integralmente os requisitos do nº 1 do art. 323º do Código Civil.


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O Tribunal “a quo” deu por provada, como relevante para a decisão da causa a factualidade transcrita sob as alíneas A) a N) que, nos termos do art.663º, nº 6 do CPC aqui se dá por reproduzida, com a correcção do erro de escrita na data de 12/11/2009 que consta da alínea N) e que deve passar a ler-se 12/10/2009.

Contudo, dos autos resultam ainda provados, com interesse para a decisão da excepção peremptória da prescrição, os factos seguintes:

O- A carta referida em “I” foi registada com aviso de recepção em 25/02/2005;

P- Na queixa referida em “K”, as Autoras reclamaram o pagamento da indemnização pela expropriação da área de 10,1307ha, calculada com base no montante que o R. Estado recebeu pela cedência dessa parcela à B……….. S.A. (falta de impugnação especificada e doc. nº 18 junto com a p.i.).

Q- O Estado Português foi citado para a acção interposta no TEDH em 5/07/2007 (cf. doc. nº 18 junto com a p.i.).

R- Na decisão do TEDH proferida em 16/12/2008, transitada em julgado em 16/03/2009, não foi apreciado o pedido de indemnização formulado pelas Autoras referente à área expropriada de 10,1307ha, tendo-lhes sido atribuída só uma indemnização pelo atraso do Réu no pagamento (factos não impugnados e doc. nº 18).

S)- O Réu Estado foi citado para a presente acção administrativa comum em 19/12/2009.


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Tudo visto cumpre decidir.

As Recorrentes vêm impugnar a sentença do TAF de Beja que julgou procedentes as excepções de prescrição do direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual e do direito de restituição por enriquecimento sem causa e, em consequência, absolveu o Recorrido dos pedidos contra ele formulados - a título principal, de condenação no pagamento de uma indemnização de €77.822,45 acrescido de juros, ou, subsidiariamente, de condenação na restituição de €75.409,00 acrescido de juros.


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O Tribunal a quo, na esteira da posição sustentada pelo Réu, ora Recorrido, entendeu que a propositura de uma acção no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante TEDH) não tem, ab initio, a virtualidade de interromper o prazo prescricional dos direitos invocados na presente acção, com o exclusivo fundamento de que o recurso ao TEDH “surge como uma solução de “ultima ratio”, à qual os interessados apenas se podem socorrer quando se mostrem esgotados os competentes meios jurisdicionais nacionais, por força do citado artigo 35º, nº 1 da Convenção para Protecção do Homem e das Liberdades Fundamentais (Convenção dos Direitos do Homem)”, acrescentando que apenas assim se logra compreender o disposto nessa disposição “e, bem assim, a intervenção do próprio Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que não pode visar substituir ou interromper o decurso dos prazos internos, pois que este Tribunal apenas atua em última instância e quando todos os prazos já tenham decorrido”.

E com esta argumentação conclui que “a instauração da acção no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não logra interromper o prazo de prescrição previsto no art. 498º do C.C.”, estendendo ainda a mesma fundamentação “ao prazo de prescrição para intentar uma acção ao abrigo do enriquecimento sem causa, o qual também é de 3 anos (artigo 482º do CC)”.

Assim, num primeiro momento, o presente recurso suscita a questão, como já ficou supra exposto, de saber se a citação ou outro acto judicial interruptivo da prescrição, praticado no âmbito de uma acção interposta no TEDH - destinada a fazer valer um direito a que o autor se arroga e que esse Tribunal não pode conhecer, designadamente por força do disposto no nº 1 do art. 35º da Convenção dos Direitos do Homem - pode, ou não, ser susceptível de interromper o prazo de prescrição do direito aí exercido.

Ora, na fundamentação aduzida na sentença não se encontra qualquer achega relevante que demonstre, de forma justificada , a solução preconizada.

Com efeito, e sem prejuízo da apreciação que concretamente se terá de fazer quanto ao preenchimento dos requisitos do art. 323º, nº 1 do C.C., sempre se dirá que, em abstracto, não se vislumbra como é que do citado nº 1 do art. 35º da Convenção dos Direitos do Homem se extrai a conclusão da insusceptibilidade de aplicação da forma de interrupção prevista naquela disposição.

Na verdade, dispõe aquele preceito do Código Civil que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.

A ideia em que assenta esta forma de interrupção da prescrição é dupla: por um lado, exige-se que o titular do direito o exerça ou exprima a intenção de o fazer; e por outro, que o devedor tenha conhecimento, antes de decorrido o prazo de prescrição, daquele ou desta intenção através de citação, notificação judicial ou outro meio judicial (nºs 1 e 3 do art. 323º do C.C.).

E sendo estas as ideias que presidem a essa forma de interrupção da prescrição, o legislador expressamente veio consignar que ela ocorre seja aquele acto judicial praticado em que processo for e mesmo que o tribunal seja incompetente para a causa.

Ou seja, para a interrupção da prescrição é irrelevante que o Tribunal Europeu possa ou não conhecer do “assunto” que lhe foi apresentado, bastando que a acção interposta no TEDH dê a conhecer o exercício de um direito ou exprima a intenção de o fazer, sendo a citação para essa acção tão susceptível de interromper o prazo de prescrição do direito aí invocado, como o é a citação para acção idêntica interposta em tribunal nacional que seja materialmente incompetente.

Assim, andou mal a sentença recorrida ao julgar procedente a excepção de prescrição com exclusivo fundamento na insusceptibilidade de uma queixa apresentada no TEDH poder interromper os prazos de prescrição do direito de indemnização.

Por conseguinte, o que interessa indagar é se, na presente acção, as Autoras, ora Recorrentes, invocaram os mesmos direitos que tinham invocado na acção instaurada no TEDH, visto que a causa interruptiva da prescrição apenas interrompe a prescrição dos direitos a que se refere, e não quaisquer outros, do que resulta que, se tal causa for a citação judicial ou qualquer outro acto interruptivo judicial, o direito cuja prescrição fica interrompida é o feito valer por esse acto (limite objectivo da interrupção).

Precisando, o que há que apurar é se a causa de pedir (conjunto dos fundamentos de facto e de direito de onde emerge a pretensão das autoras) e o pedido formulado (efeito jurídico pretendido) na acção que correu termos no TEDH correspondem à causa de pedir e pedido da presente acção.

Ora, da matéria de facto apurada e da sua conjugação com o teor da sentença do TEDH (doc. nº 18), resulta que as Autoras, em 04 de Julho de 2005, apresentaram nesse Tribunal uma queixa contra o Estado Português, que veio a constituir o processo nº 25.025 da 2ª Secção, com fundamento, para o que aqui interessa, em que a indemnização que lhes foi definitivamente fixada pela expropriação da parcela de terreno de 10,1307ha não corresponde a uma “justa indemnização”, reclamando aí uma indemnização calculada com base no montante que o R. Estado recebeu pela cedência dessa parcela à B…………., S.A., não tendo esta pretensão sido apreciada na decisão proferida pelo Tribunal Europeu em 16 de Dezembro de 2008 e transitada em julgado em 16 de Março de 2009.

Confrontando estes dados que se recolhem da factualidade apurada e da sentença do TEDH com a petição inicial da presente acção, impõe-se concluir que, nos presentes autos, as Autoras vêm repetir a causa de pedir e reclamar a “justa indemnização” pela expropriação da mesma parcela, calculada com base no montante que o Estado recebeu com a sua cedência à B………, e que não foi apreciada no Tribunal Europeu.

E é precisamente porque a acção interposta no TEDH e a presente acção têm a mesma causa de pedir e pretensão, que o Réu, ora Recorrido, nos artigos 26º a 31º da contestação, não suscitou qualquer questão sobre uma qualquer divergência entre elas (veja-se designadamente o artigo 28º dessa peça processual), investindo antes na defesa de que o direito de indemnização invocado pelas Autoras está prescrito porque não se verifica qualquer facto determinativo da suspensão ou interrupção do prazo prescricional previsto no art. 498º do C.C., nomeadamente através da interposição de queixa contra o Estado Português no TEDH, por decorrer do disposto no art. 35º, nº 1 da Convenção dos Direitos do Homem que qualquer queixa nesse Tribunal não pode ter “a virtualidade de suspender ou interromper o prazo de prescrição do direito à indemnização”.

E esta foi a posição acolhida na sentença recorrida que, embora sem ter levado a factualidade pertinente ao probatório, reconheceu a identidade das causas de pedir e pedidos nas duas acções ao dizer, já na parte da apreciação jurídica da excepção da prescrição, que “Mais resulta dos autos – e o Réu não contesta – que as Autoras apresentaram queixa junto do Tribunal Europeu dos direitos do Homem da indemnização que lhes foi atribuída pela expropriação da área de 10,1307ha, tendo por base o valor da indemnização recebida pelo Réu Estado Português da Brisa (último parágrafo de fls 18 da sentença).

Destarte, concluindo-se que, na acção apresentada no TEDH, as Autoras exprimiram claramente a intenção de exercerem o direito de indemnização a que se arrogam contra o Estado Português pela expropriação daquela parcela de terreno, a referida acção tem virtualidades para integrar a primeira exigência do nº 1 do art. do art. 323º do C.C., pelo que há que verificar se, no caso, se preenchem os demais requisitos da forma de interrupção estabelecida nessa disposição, que não se basta com a introdução daquela acção em juízo (no TEDH), sendo ainda necessário que o pretenso devedor, no caso o Estado Português, tome conhecimento, através de acto um judicial - citação, notificação ou outro meio judicial - do exercício do direito que as Autoras pretendem fazer valer contra ele.


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Ora, da factualidade com pertinência para decidir a excepção da prescrição, resulta que: as Autoras tomaram conhecimento do direito a uma pretensa “justa indemnização”, com a notificação, em 28 de Fevereiro de 2005 do despacho conjunto do Ministro da Agricultura (de 14 de Dezembro de 2004) e do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças (de 27 de Janeiro de 2005) que fixou definitivamente a indemnização pela expropriação da parcela de terreno de 10,1307ha; apresentaram a queixa antes referida no TEDH em 4 de Julho de 2005; o Estado Português foi citado para ela em 5 de Julho de 2007; esse Tribunal proferiu decisão - que não conheceu a pretensão de “justa indemnização” formulada pelas Autoras - em 16 de Dezembro de 2008, com trânsito em julgado em 16 de Março de 2009.

Sendo assim, o prazo de prescrição de 3 anos previsto no art. 498º, nº 1 do C.C., que começara a correr pelo menos a partir de 28 de Janeiro de 2005 (momento em que o direito passou a poder ser exercido - cf. art. 306º do C.C.), foi interrompido com a citação do Réu em 5 de Julho de 2007 (cf. art. 323º, nº 1), ficando inutilizado o prazo já decorrido e começando a correr novo prazo prescricional a partir do trânsito em julgado da decisão do TEDH, ou seja, a partir de 16 de Março de 2009 (cf. arts 326º e 327º, nº 1 do C.C.).

Tendo como assente que a presente acção administrativa comum foi instaurada em 12 de Outubro de 2009 e o Estado Português foi citado para ela em 19 de Dezembro de 2009, muito antes do termo do novo prazo prescricional de três anos, impõe-se julgar improcedente a excepção de prescrição do direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual.

Pelas razões expendidas, procedendo as conclusões das Recorrentes, máxime, as conclusões 4ª, 6ª, 8ª a 11ª, impõe-se concluir que a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação dos arts 323º, nº 1 e 498º, nº1 do C.C., enfermando do erro de julgamento que lhe vem assacado pelas Recorrentes.

Porém, esta conclusão impõe, por razões de lógica e coerência, que, atenta a natureza subsidiária do direito à restituição por enriquecimento (art. 474º do C.C.), ainda se tenha de dar por prejudicada a parte da sentença recorrida que, de passagem, estendeu à prescrição desse direito [“ao prazo de prescrição para intentar uma acção ao abrigo do enriquecimento sem causa, o qual também é de 3 anos (artigo 482º do CC”)] a fundamentação preconizada para julgar procedente a excepção da prescrição do direito de indemnização.


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Acordam, pois, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida, com a consequente baixa dos autos à 1ª instância para prosseguimento do processo.

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Sem custas em ambas as instâncias.

Lisboa, 30 de Junho de 2016

António Vasconcelos

Catarina Jarmela

Conceição Silvestre