Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1270/10.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/14/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL /OPOSIÇÃO
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
GERÊNCIA DE FACTO - ARTIGO 24º, Nº1, ALÍNEA B) DA LGT
Sumário:I - A gerência de facto de uma sociedade consiste “no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade”,

II – O ónus da prova do exercício da gerência cabe à Fazenda Pública.

III – No caso presente, inexistem elementos que nos evidenciem qualquer intervenção relevante ao nível da gestão da sociedade, seja a assinatura de contratos ou quaisquer outros documentos, a efetivação de pagamentos, a contratação de pessoal, a alienação ou aquisição de património, a negociação de fornecimentos, entre outros atos típicos da gerência. De resto, a falta de evidência da gerência por banda do Recorrido compatibiliza-se com a sua alegação no sentido de a gerência ter sido assumida pelos cessionários, em virtude do contrato promessa de cessão de quotas.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, recorre da sentença proferida no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por M ……………….. contra a execução fiscal nº………… e apensos, contra si foi revertida, depois de originariamente instaurada contra a sociedade “ O …………………, Lda.”, com vista à cobrança coerciva de dívidas de IRS (retenção na fonte) dos anos de 2000 a 2005, IRC, do ano de 2003, e de IVA dos meses compreendidos entre Outubro de 2004 e Março de 2005, tudo no montante global de 9.476,78€.

A recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões:

«1. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a oposição à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, na parte em que o douto Tribunal considerou que o oponente é parte ilegítima na execução, porquanto "não resulta demonstrado que o oponente exerceu funções de gerente da sociedade devedora originária (...), considerando-se não verificado o cumprimento do ónus de prova da gerência de facto que cabia à Autoridade Tributária e que resulta do artigo 342º do Código Civil e do artigo 74° n°1 da LGT,"

II. Não se conforma a Fazenda Pública com a douta decisão recorrida, porquanto considera que da prova produzida se não podem extrair as conclusões que lhe serviram de base, nomeadamente os vícios apontados ao despacho de reversão, bem como a ilegitimidade da oponente consubstanciada na falta de prova que demonstre a gerência de facto da oponente.

III. Da análise da certidão de registo comercial a fls. nos autos constata-se que a ora oponente consta como gerente, ao lado de outro gerente, V ………………., e cuja forma de obrigar a sociedade "O ……………….", com o NICP ……………., é feita com as assinaturas de dois sócios gerentes,

IV. É certo que esta prova, constante da Conservatória do Registo Comercial, demonstra a gerência de direito do oponente, relativamente à sociedade devedora originária "Os 4 Mandatários - Industrias Hoteleiras, Lda.", contudo, tal prova não se fica somente por aí, ela pode, a par de outras provas e de certas alegações proferida ao longo do processo, contribuir para provar a efectiva gerência do oponente, (cfr.fls.57 a 59 dos autos)

V. Em primeiro lugar, da obrigatoriedade da assinatura do oponente na vinculação da sociedade decorra que a oponente tinha uma intenção pessoal e activa na vinculação da sociedade, ou seja, a viabilidade funcional da devedora originária só era concretizada com a intervenção da oponente, o que se subsume integralmente à noção de gerência de facto.

VI. Por outro lado, da prova junta aos autos, relativa a um alegado Contrato de Promessa de Cessão de Quotas, resulta de forma clara e notória que tal contrato de promessa nunca produziu os efeitos nele previstos (mudança de gerência), uma vez que o mesmo não se confirmou, porque não foi cumprido e, em consequência nunca registado. (cfr. sentença - ponto 8 do parágrafo III, Fundamentação - De Facto);

VII. A acrescer, há ainda una procuração emitida pela sociedade, devedora originária, que foi outorgada e assinada pelo Oponente, acto que não pode deixar de ser tido como um acto efectivo de gerência.

VIII. Da prova junta aos autos, pode concluir-se que a gerência se manteve inalterável desde a constituição da sociedade, consta do registo comercial, não se vislumbrando qualquer indício de que alguma vez o tenha deitado de ser.

IX. Face ao exposto e contrariamente ao expendido na douta, sentença, todos estes factos são demonstrativos de que o Oponente foi gerente facto.

X. Para terminar, o Oponente não demonstrou que não foi por sua culpa que o pagamento das dívidas fiscais, em causa, não se efectuou sendo certo que lhe cabia afastar completamente essa presunção de culpa (cf. a. b) do nº1do art 24° da LGT)

XI. Destarte, no entender da Fazenda Pública, e sem embargo de melhor opinião, constata-se que a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito, porque não procedeu ao correcto enquadramento da matéria de facto no disposto no artigo 24°, nº1, b) da LGT, na medida em que considera não ter a Fazenda Pública feito prova, em sede de reversão, do exercício da gerência de facto pela oponente.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência a douta sentença ora recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costuma JUSTIÇA.»


*


Não foram apresentadas contra-alegações.

*


O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) pronunciou-se no sentido de ser negado provimento do recurso.

*


Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

*


Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, as questões que constituem objeto do presente recurso consistem em:

(i) - apreciar a impugnação da matéria de facto, em concreto saber se deve ser aditado ao probatório o circunstancialismo referido nas conclusões VI) e VII);

(ii) – saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir pela ilegitimidade do ora recorrido, enquanto responsável subsidiária pelas dívidas contra si revertidas no processo de execução fiscal nº………………… e apensos, originariamente instaurado contra a sociedade O ……………………., Lda, em resultado de deficiente apreciação crítica da prova e incorreta aplicação do quadro legal aplicável.


*


II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. O processo de execução fiscal n.º ………………….foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa ……, contra a sociedade “O ……………….., Lda.”, para cobrança coerciva de dívida de IVA relativamente ao período 2004-07 a 2004-09, no montante total de 860,34 € - cfr. fls. 1 e 2 do processo de execução fiscal apenso aos autos;

2. A estes autos foram apensados os seguintes processos de execução fiscal, nas datas e para cobrança dos impostos que a seguir se discriminam, ficando a dívida a valer por € 9.476,78:
N.° Processo
Data de instauração
Imposto
Ano
Valor
3………………….
25-01-2005
IRC
2001
112,10€
3…………………..
30-04-2005
IVA -2004/10-12
2004
346,20€
3………………….
17-04-2005
IRS Ret. Fonte
2000/1/2/3/4
706,02€
3………………….
23-04-2005
IRS Ret. Fonte
2004
379,04€
3………………….
14-06-2005
IVA
2003
38,86 €
3………………….
23-04-2005
IRS Ret. Fonte
2004
189,52€
3………………….
30-06-2005
IVA -2005/01-03
2005
1.064,77€
3………………….
18-06-2005
IRS Ret. Fonte
2004
399,32 €
3……………………
13-06-2005
IRS Ret. Fonte
2004
196,28 €
3…………………….
20-06-2005
IRS Ret. Fonte
2004
196,28 €
3……………………
25-06-2005
IRS Ret. Fonte
2004
196,28 €
3……………………..
04-08-2005
IRS Ret. Fonte
2004
196,28 €
3………………………
06-08-2005
IRS Ret. Fonte
2005
196,28 €
3……………………..
11-08-2005
IRS Ret. Fome
2005
196,28 €
3………………………
07-09-2005
IRS Ret. Fonte
2005
196,28 €
3……………………..
05-10-2005
IRC
2003
3.506, 35 €
Valor Total
9.476,78 €
Tudo conforme fls. 62 dos autos e PA aqui em anexo.

3. Em 21/11/2008, a Chefe de Finanças do Serviço de Loures 13, proferiu DESPACHO PARA AUDIÇÃO (REVERSÃO), contra o aqui Oponente que se considera integralmente reproduzida, e que parcialmente infra se transcreve: “
Despacho
Face às diligências de fls. 16, determino a preparação do processo para efeitos de reversão da (s)- execução (ões) contra M ……………………. contribuinte n.º ………………, morador em R ……………….. – ………5 …………………... na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada.

Face ao disposto nos normativos do n.º 4 do Art. 23 e do Art. 60 da Lei Geral Tributário, proceda-se à notificação do (es) interessado (s), para efeitos do exercício do direito de audição prévia, fixando-se o prazo de 8 dias a contar da notificação, podendo ela ser exercida por escrito.”
Fundamentos da reversão

Insuficiência/Inexistência de bens em nome do devedor originário.
(…)”

Tudo conforme fls. 61 dos autos;

4. Em 27/11/2008, o Serviço de Finanças de Lisboa 13 remeteu, por via postal registada, o documento “NOTIFICAÇÃO AUDIÇÃO – PRÉVIA (Reversão)” dirigido ao aqui Oponente, a dar conhecimento do teor do despacho mencionado em C) - cfr. fls. 63 dos autos e fls. 96 do PEF apenso aos Autos;

5. Em 11/12/2008, a Chefe de Finanças do Serviço de Loures 13, exarou despacho de reversão, com a fundamentação que se considera integralmente reproduzida, e que parcialmente infra se transcreve:
“(…)
Despacho
Face às diligências de fls. 16, e estando concretizada a audição do (s) responsável (veis) subsidiário (s), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra M ………………………….. (…) na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada. (…)

Fundamentos da reversão

Insuficiência/Inexistência de bens em nome do devedor originário.
(…)”

Tudo conforme fls. 64 dos autos e de fls. 98 do PEF apenso aos autos;

6. O Oponente tomou conhecimento do teor do despacho de reversão por carta registada com aviso de receção que foi assinado em 24/12/2008, nos termos que a seguir, parcialmente se transcrevem:

”(…)
OBJECTO E FUNÇÃO DO MANDADO DE CITAÇÃO

Pelo presente fica citado(a) de que é EXECUTADO(a) POR REVERSÃO, nos termos do art. 160º do C.P.P.T., na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar desta citação, PAGAR a quantia de 9.476,78 EUR de que era devedor (a) o(a) executado(a) infra indicado(a), ficando ciente de que se o pagamento se verificar no prazo acima referido, não lhe serão exigidos juros de mora nem custas. Mais fica citado de que no mesmo prazo poderá requerer o pagamento em regime prestacional nos termos do Art.º 196º do C.P.P.T., e/ou a dação em pagamento nos termos do Art. 201º do mesmo código ou então deduzir oposição judicial com base nos fundamentos prescritos no art.º 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Fundamentos da reversão

Insuficiência/Inexistência de bens em nome do devedor originário.
(…)”

Tudo conforme consta do PA aqui em anexo

7. Consta da matrícula n.º5………./…………..2, que foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, a constituição da sociedade por quotas denominada de “O………….– ………….., Limitada”, com o NIPC ……………., com sede na Rua ……………….., Lote D, Loja B, freguesia de ……….., Lisboa, com o capital social de 5.000,00€, constando a nomeação do Oponente como gerente, ao lado de outro gerente, V…………………., e cuja forma de obrigar é feita com as assinaturas de dois sócios gerentes - cfr. fls. 57 a 59 dos autos e fls. 23 a 25 do PEF apensado aos autos;

8. Em Abril de 2001 subscreveram o documento designado por “CONTRATO PROMESSA DE CESSAÕ DE QUOTAS” entre a “O ………………….., Lda.”, representada pelos seus sócios únicos e possuidores da totalidade do capital social, o ora Oponente e V……….. …………………., primeiros outorgantes e V ………………. e J………………….., segundos outorgantes, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual consta o seguinte:

“1.ª Os Segundos Outorgantes ficarão a partir de 01 de Maio de 2001, gerentes e encarregados do estabelecimento comercial sito na sede da sociedade dos Primeiros Outorgantes acima identificada.”

Cfr. fls. 24 a 28 dos autos;

9. Em 04/02/2009, a PI foi apresentada junto do Serviço de Finanças de Lisboa …... - cfr. fls. 2 a 15 dos autos;

FACTOS NÃO PROVADOS E MOTIVAÇÃO

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a resolução da causa, que como tal justifique referir.

A decisão da matéria de facto provada fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, nas informações oficiais e documentos constantes dos autos, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada alínea do probatório.»


*

- De Direito

Deixámos oportunamente enunciadas as questões que aqui nos ocupam.

Desde logo, a Recorrente manifesta a sua discordância com a sentença recorrida, apontando falhas ao julgamento da matéria de facto.

Em primeiro lugar, pretende a Recorrente que fique a constar dos factos provados que o contrato promessa a que se reporta o ponto 8 do probatório, “nunca produziu os efeitos nele previstos (mudança de gerência), uma vez que o mesmo não se confirmou, porque não foi cumprido e, em consequência nunca registado”.

Como está bom de ver, a asserção transcrita encerra, em grande medida, um juízo conclusivo, de cariz jurídico, no que à ineficácia do contrato respeita. Contudo, a asserção em causa encerra também, ainda que impropriamente expresso, um pendor fático, na medida em que dali se extrai a circunstância de não ter sido celebrada a escritura pública de cessão de quotas, facto que o próprio Oponente afirma na p.i.

Com efeito, a este propósito, consta do articulado inicial, além do mais, que:

«Texto no original»

(…)”

Assim sendo, pela importância que o facto pode assumir na solução jurídica do caso, como se vê pela tese avançada pela Fazenda Publica, temos que:

10 – Não foi celebrada a escritura pública de cessão de quotas relativa ao contrato promessa a que alude o ponto 8 dos factos provados.

Deve, ainda, aditar-se o circunstancialismo identificado na conclusão VII), respeitante à outorga de uma procuração, a qual, no corpo das alegações de recurso, vem claramente identificada como sendo a constante de fls. 110 dos autos. Assim:

11 – Em 07/10/03, a sociedade O ………………………, Lda, representada pelo seu sócio gerente Senhor M ……………….., outorgou procuração a favor da Sra. Dra. H………….., advogada, a qual constituiu sua bastante procuradora e a quem conferiu os mais amplos poderes forenses em Direito permitidos, podendo substabelecer – cfr. documento de fls. 110 dos autos.

Aceitando-se os aditamentos pretendidos, nos termos expostos, fica estabilizada a matéria de facto e, assim, prosseguiremos para a segunda questão que nos vem dirigida.


*

Passemos à análise da questão de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir pela ilegitimidade do ora recorrido, enquanto responsável subsidiário pelas dívidas contra si revertidas no processo de execução fiscal nº……………….. e apensos, originariamente instaurado contra a sociedade O ……………………, Lda, em resultado da deficiente apreciação crítica da prova e da incorreta aplicação do quadro legal aplicável.

A sentença que aqui vem posta em causa julgou a oposição procedente e, em consequência, determinou a extinção da execução quanto ao oponente, ora Recorrido, por considerar a ilegitimidade da pessoa citada para a execução.

Para assim decidir, a Mma. Juíza a quo, após fazer o enquadramento legal e jurisprudencial da questão a apreciar, alinhou o seguinte discurso fundamentador que, na parte relevante, se transcreve de seguida:

“(…)

Com efeito, conforme resulta do n.º1 do artigo 342.º do Código Civil e do artigo 74.º n.º1 da LGT, que é aquele que invoca um direito que tem que provar os respetivos factos constitutivos, pelo que, será a autoridade tributária a quem, enquanto exequente, competirá demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à existência da gestão de facto.

Ora, in casu, a fundamentação da administração tributária na prolação do despacho de reversão fica-se pela conclusão da “Insuficiência/Inexistência de bens em nome do devedor originário”, o que é, diga-se, manifestamente insuficiente para sustentar o despacho de reversão.

Na verdade cabia à AT o ónus de demonstrar o pressuposto base da reversão que se consubstancia na exercício efectivo da gerência por parte do revertido, desde logo, como nexo casal da verificada Insuficiência/Inexistência de bens em nome do devedor originário, situação que, não o logrou fazer.

Por tudo quanto supra se expos, concluímos que da análise critica da prova não resulta demonstrado que o oponente exerceu as funções de gerente de facto da sociedade devedora originária, pelo que procede a sua alegação neste ponto, considerando-se não verificado o cumprimento do ónus de prova da gerência de facto que cabia à Autoridade Tributária e que resulta do artigo 342.º do Código Civil e do artigo 74.º n.º1 da LGT.

Procede assim neste ponto a argumentação do oponente quanto à sua responsabilidade pela frustração dos créditos tributários e como pressuposto para que pudesse ter operado a reversão, verificando-se a ilegitimidade do oponente nos termos do artigo 204.º, al. b) do CPPT”.

Adiante-se, desde já, que o sentido da decisão, isto é, a procedência da oposição com base na ilegitimidade, não nos merece censura.

Vejamos as razões para assim concluirmos.

Tal como resulta da matéria de facto, o oponente, ora Recorrido, foi sócio da devedora originária desde a sua constituição. Foi, desde o início, nomeado gerente, obrigando-se a sociedade com a assinatura de dois sócios-gerentes. Ficou ainda provado, tal como resulta de 8 dos factos provados, que, em abril de 2001, foi celebrado o “CONTRATO PROMESSA DE CESSÃO DE QUOTAS” entre a sociedade “O …………………………, Lda.”, representada pelos seus sócios únicos e possuidores da totalidade do capital social, o ora Oponente e V ……………….., primeiros outorgantes e V …………………. e J………………………….., segundos outorgantes”, do qual consta que “Os Segundos Outorgantes ficarão a partir de 01 de Maio de 2001, gerentes e encarregados do estabelecimento comercial sito na sede da sociedade dos Primeiros Outorgantes acima identificada.” Mais se apurou que não foi celebrada a escritura pública de cessão de quotas relativa ao contrato promessa a que alude o ponto 8 dos factos provados.

A AT reverteu a execução fiscal contra M …………… com base na gerência de facto da apontada sociedade comercial, invocando, para tanto, o disposto no artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT, nos termos do qual:

«1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

(…)

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento». – sublinhado nosso

Ora, a reversão operada ao abrigo do apontado artigo 24º, nº1 da LGT pressupõe sempre - independentemente de se tratar da alínea a) ou b) – o exercício efetivo das funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados, o que resulta claramente da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” ou, também, da alusão ao “período de exercício do seu cargo”.

Por conseguinte, é fácil concluir que, para efeitos de efetivação da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não basta, para a responsabilização das pessoas aí indicadas, a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respetivas funções.

Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efetivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

A este propósito, deixamos transcritas as considerações feitas no acórdão do TCAN, de 30/04/14, no processo nº 1210/07.5, as quais assumem aqui inteira pertinência:

“(…)

Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).

De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.

No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).

Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.

Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»

Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.

Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar” (fim de citação).

Ora, como evidenciámos, da factualidade apurada resulta que o oponente foi sócio e nomeado gerente da devedora originária, juntamente com outro sócio, obrigando-se a sociedade com a assinatura dos dois sócios.

Até aqui, daquilo que se trata, no que vem evidenciado, é da gerência de direito e, como é pacífico, da gerência de direito não se retira a de facto.

A Fazenda Pública, ciente do ónus que lhe compete quanto ao exercício efetivo da gerência, avança com circunstancialismo fático que, na sua tese, em princípio e indiciariamente, aponta no sentido do concreto exercício da gerência de facto, a saber: a celebração do contrato promessa a que alude o ponto 8 dos factos provados e a outorga da procuração forense, m.i em 10 do probatório.

Vejamos.

Fazendo uso do que se escreveu no acórdão deste TCA, de 21/05/15, no processo nº 8445/15, aí se diz sobre a responsabilidade subsidiária o seguinte:

“(…)

Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).

O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).

A lei não define, precisamente, em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492;ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).

É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.

A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.)”.

Não percamos de vista, como deixámos aflorado, que a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efetivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade.

Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho, Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139 - citado, entre outros, nos acórdãos do TCAN de 18/11/2010 e 20/12/2011, Processos 00286/07 e 00639/04, respetivamente; vide, também, o acórdão do TCA Norte, de 27/03/14, processo nº 808/11.1BEPNF que aqui seguimos de perto.

E, no caso, da avaliação que fazemos do probatório, e na linha seguida na sentença, concluímos que a factualidade trazida aos autos é pouca para demonstrar o real e efetivo exercício da gerência por parte do revertido que – sublinhe-se – desde a primeiro momento nega tal exercício, evidenciando até que no apontado contrato promessa de cessão das quotas ficou estabelecido que os cessionários “ficarão a partir de 01 de Maio de 2001, gerentes …”.

Vejamos em detalhe.

A Fazenda Pública coloca enfâse no facto de, em 07/10/03, a sociedade “O………………………., Lda, representada pelo seu sócio gerente Senhor M ……………., ter outorgado a procuração a favor da Sra. Dra. H…………….., advogada.

A outorga de tal procuração, uma procuração forense, na economia do caso concreto, surge-nos como um ato isolado, não conexionado com qualquer prática sucessiva e, como tal, insuficiente para caracterizar o exercício da atividade de gerência, atividade esta que pressupõe um conjunto de atos ordenados para um certo fim, de prosseguimento do seu objeto social da sociedade.

Na defesa da sua posição, a Fazenda Pública, coloca significativo enfoque na celebração do contrato promessa a que alude o ponto 8 dos factos provados. No entanto, contrariamente ao que defende a Recorrente, não vemos aí um elemento decisivo que caracterize a gerência de facto. Com efeito, trata-se de um circunstancialismo revelador da atuação do Recorrido enquanto sócio (que cede as suas quotas) que não enquanto gerente.

Diga-se, aliás, que a celebração do contrato promessa referido em 8, nos termos em que o mesmo se revela, leva-nos a considerar uma clara manifestação de vontade de quebra do vínculo jurídico à sociedade originária devedora. Para além do mais, em tal contrato constava, desde logo, a assunção pelos cessionários do exercício da gerência de facto, como resulta do clausulado cujo teor foi dado por reproduzido. Com efeito, foi acordado que:

«Texto no original»

(…)

«Texto no original»

Assim, analisado o conjunto da prova produzida, e na linha daquilo que foi decidido em 1ª instância, entendemos que ficou por demonstrar uma realidade suscetível de evidenciar o exercício efetivo dos poderes de gestão por parte do Recorrido, sendo que, como acima dissemos, era à Fazenda Pública que competia a prova de tal exercício.

Com efeito, inexistem elementos nos autos que nos evidenciem qualquer intervenção relevante ao nível da gestão da sociedade, seja a assinatura de contratos ou quaisquer outros documentos, a efetivação de pagamentos, a contratação de pessoal, a alienação ou aquisição de património, a negociação de fornecimentos, entre outros atos típicos da gerência. De resto, esta falta de evidência da gerência por banda do Recorrido compatibiliza-se com a sua alegação no sentido de a gerência ter sido assumida pelos cessionários, em virtude do contrato promessa de cessão de quotas (cfr. cláusula transcrita em 8).

Não é demais lembrar que o exercício efetivo da gerência é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efetivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.

De resto, no caso concreto, perante a escassez de elementos de facto concludentes sobre o exercício de facto da gerência, sempre seríamos levados a considerar a existência de uma dúvida substancial e fundada sobre esse exercício de facto por parte do ora Recorrente.

E, como tal, considerando que o ónus de tal prova recai sobre a Fazenda Pública, sempre o desfecho do caso em análise seria de considerar em desfavor da pretensão da AT – cfr. neste sentido o ac. do TCA Norte, de 15/05/14, processo nº 00273/07.8 BEMDL.

Deste modo, não tendo a Fazenda Pública provado que o executado, revertido, exerceu de facto a gerência da devedora originária, praticando os atos próprios e típicos da gerência, não pode o mesmo ser responsabilizado, a título subsidiário, pelo pagamento das dívidas exequendas ao abrigo do artigo 24º da LGT.

Assim sendo, conforme decidido, é parte ilegítima na execução fiscal – artigo 204º, nº1, alínea b) do CPPT.

Por conseguinte, a sentença, que assim decidiu, não pode deixar de se manter, com a consequente procedência da oposição.

Improcede, assim, o presente recurso jurisdicional.


*

III - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, FP.

Registe e notifique.

Lisboa, 14/10/21


Catarina Almeida e Sousa

Isabel Fernandes

Lurdes Toscano