Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02832/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/15/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA. FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO.
ARTº.615, Nº.1, AL.B), DO C.P.CIVIL.
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
QUESTÕES NOVAS.
I.R.C. NOÇÃO DE CUSTOS.
ACTIVO IMOBILIZADO DA EMPRESA. NOÇÃO.
VIDA ÚTIL DE UM ELEMENTO DO ACTIVO IMOBILIZADO.
REINTEGRAÇÃO OU AMORTIZAÇÃO. NOÇÃO.
REGIME GERAL DAS REINTEGRAÇÕES E AMORTIZAÇÕES. ARTºS.27 E SEG., DO C.I.R.C.
DEC.LEI 22/92, DE 14/2.
ACTO DESTACÁVEL.
PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO DOS EXERCÍCIOS.
PRINCÍPIO DA TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS PELO RENDIMENTO REAL (CFR.ARTº.104, Nº.2, DA C.R.P.).
Sumário:
1. Nos termos do preceituado no artº.668, nº.1, al.b), do C.P.Civil (cfr.actual artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário.
2. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
3. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
4. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
5. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
6. O direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição.
7. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
8. O activo imobilizado da empresa é o conjunto de bens que revestem um carácter de permanência, ou seja, os bens que a empresa pretende manter por mais do que um exercício económico. Nesta perspectiva, o Plano Oficial de Contabilidade (P.O.C. aprovado pelo dec.lei 410/89, de 21/11, diploma aplicável ao caso "sub judice"), classificava o activo imobilizado de acordo com a sua natureza - imobilizações financeiras, corpóreas e incorpóreas. Tais elementos caracterizam-se pela sua aptidão para contribuírem para as operações do ente empresarial em causa durante um determinado período de tempo, sendo que, com algumas excepções, essa aptidão vai decrescendo ao longo da sua vida útil.
9. A vida útil de um elemento do activo imobilizado é, para efeitos fiscais, o período durante o qual se reintegra ou amortiza totalmente o seu valor - cfr.artº.3, nº.1, do dec.reg.2/90, de 12/1.
10. Torna-se, por isso, necessário reconhecer ao nível dos custos dos diversos exercícios em que decorre a vida útil dos bens do activo imobilizado a expressão monetária da mencionada depreciação. O processo de imputação aos resultados dos exercícios contabilísticos anuais do custo de aquisição dos bens do activo imobilizado designa-se por reintegração ou amortização, o qual deve ser elaborado de forma racional e sistemática, devendo estruturar-se em estrita observância do princípio contabilístico do balanceamento dos custos com proveitos.
11. O regime geral das reintegrações e amortizações dos elementos do activo imobilizado encontrava consagração nos artºs.27 e seg., do C.I.R.C., em 1995 (cfr.artºs.28 e seguintes do actual C.I.R.C.; artºs.30 e seg. do anterior C.C.Industrial).
12. O dec.lei 22/92, de 14/2 (estruturado ao abrigo do artº.4, da Lei 36/91, de 27/7), aprovou o regime de reavaliação dos elementos do activo imobilizado corpóreo das empresas objecto de processo de privatização. De acordo com este diploma, as empresas sujeitas a tal regime podem estruturar uma reserva de reavaliação que corresponderá ao saldo resultante dos movimentos contabilísticos inerentes ao processo de actualização de valor dos activos reavaliados (cfr.artº.4, do dec.lei 22/92, de 14/2), sendo aplicável subsidiariamente ao regime das reintegrações dos mesmos elementos reavaliados as disposições contantes do artº.27 e seg., do C.I.R.C., tal como do dec.reg.2/90, de 12/1 (cfr.artº.5, nº.1, do dec.lei 22/92, de 14/2).
13. O despacho do Exº. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, identificado no nº.2 do probatório, constitui um acto administrativo relativo a questão fiscal e não um acto de liquidação ou preparatório deste, porque acto inserido num procedimento administrativo iniciado a requerimento do recorrente em que lhe autoriza a reavaliação dos bens do activo imobilizado corpóreo mas exclui os efeitos dessa reavaliação, em sede de reintegrações e amortizações, quanto ao exercício de 1994, não se inserindo, directamente, no caminho dessa própria liquidação adicional do exercício de 1995, sendo directamente lesivo, como tal, devendo ser impugnado contenciosamente, de forma autónoma, e não conjuntamente com a impugnação judicial do concreto acto de liquidação adicional objecto do presente processo (cfr.artº.97, nº.1, al.p), do C.P.P.T.).
14. A consolidação de tal despacho na ordem jurídica como acto administrativo relativo a questão fiscal e prejudicial do acto tributário "stricto sensu", é condicionador da posterior liquidação, que, como acto de vontade da Administração Fiscal, constitui um acto destacável do processo de que faz parte para efeitos da sua impugnação contenciosa como acto lesivo, ou para efeito de recurso hierárquico. E se o acto prejudicial não for impugnado, a autoridade que pratica o posterior acto tributário de liquidação tem de conformar-se com o conteúdo do primeiro.
15. O princípio da especialização ou do acréscimo encontra-se consagrado no artº.18, do C.I.R.C. (cfr.artº.22, do anterior C.C.I.), o qual determina que os proveitos e os custos devem ser imputados ao período a que respeitam, independentemente do seu recebimento ou pagamento. Por outras palavras, em determinado exercício, devem ser contabilizados os proveitos, e também os custos, que nele efectivamente tenham sido realizados.
16. O princípio da tributação pelo lucro real, como opção de tributação relativa aos entes empresariais, encontra consagração no artº.104, nº.2, da C.R.Portuguesa. Porém, tal princípio, não é absoluto, como desde logo a redacção da sua norma o pressupõe, ao dispor que a tributação das empresas incide "fundamentalmente" sobre o seu rendimento real, e não em todo e qualquer caso, antes tendo de ser concatenado com outros princípios e normas constantes em outros diplomas legais infra-constitucionais, como seja a norma do então artº.51, do C.I.R.C., que permitia a determinação do lucro tributável por métodos indirectos, as dos artºs.18 e 27 e seg. do mesmo Código, e as constantes do dec.reg.2/90, de 12/1, que determinam que as reintegrações e amortizações apenas podem constituir custos fora dos exercícios a que respeitam em casos excepcionais e perante autorização da D.G.C.I., de forma a contribuir para outros fins e princípios também com dignidade constitucional, como seja o da satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas (artº.103, nº.1, da C.R.P.) e o já citado da especialização dos exercícios.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
“ ... - ... , S.A.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pela Mma. Juíza do T.A.F. de Almada, exarada a fls.449 a 461 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação pela recorrente intentada tendo por objecto liquidação de I.R.C., relativa ao ano de 1995 e no montante de € 655.303,28.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.479 a 511 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Ao contrário do que o digníssimo Tribunal julgou na douta sentença, não está em causa qualquer "reporte" para o exercício de 1995 de custos referentes a amortizações de 1994. A análise atenta dos doc.1, 2, 5, 6 e 7 juntos à petição inicial demonstra claramente a existência de uma situação de facto distinta. O que está em causa, e que claramente não foi entendido, nem julgado, pelo Tribunal, é uma situação totalmente distinta do ponto de vista fiscal e contabilístico;
2-Neste condicionalismo, e ao contrário do que o digníssimo Tribunal julgou, a recorrente não procedeu a qualquer dedução no exercício de 1995 do produto de amortizações referentes ao ano de 1994. Procedeu, sim, à reavaliação, em 1995, ao abrigo do disposto no DL nº. 22/92, de 14 de Fevereiro, com a criação de uma correspondente Reserva da Reavaliação de Esc.28.183.105.000$00, que utilizou nos exercícios subsequentes a 1995, inclusive, de forma a possibilitar a reintegração total dos bens dentro do período mínimo de vida útil dos mesmos, conforme a legislação aplicável e os sãos princípios contabilísticos;
3-Assim, ao contrário do que o Tribunal entendeu, a fundamentação para a correcção efectuada pela administração fiscal ao lucro tributável da recorrente não se baseia na desconsideração de eventuais montantes de amortização referentes a 1994 e que supostamente teriam sido transpostos para o exercício de 1995 (que a ter sido efectuado seria ilegal, por violação do n.° 2 do artigo 7 do Decreto- Lei n.° 22/92); baseia-se antes num "ajustamento correlativo" das quotas de amortização operadas no exercício de 1995 tendo como consideração a "tranche virtual" da reserva de reavaliação que ficticiamente corresponderia ao exercício de 1994;
4-O Tribunal julgou um circunstancialismo (a utilização pela recorrente em 1995 do custo de amortização referente a 1994) que nunca ocorreu, deixando de atender à situação que realmente estava em causa (o direito da recorrente de proceder à utilização em 1995 e nos exercícios subsequentes, nos termos da lei e das sãs normas da contabilidade, da reserva de reavaliação decorrente do regime previsto no Decreto-Lei n.° 22/92, tendo a recorrente aumentado as quotas de amortização de forma a possibilitar a reintegração total, no período mínimo de vida útil dos bens, conforme critério adoptado pela empresa, e nunca contestado);
5-No Acórdão de 11 de Janeiro de 2005, deste Venerando Tribunal, concluiu-se pela anulação da sentença, proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal "a quo", no âmbito dos presentes autos, de 10 de Março de 2004, " no sentido de se procederem às diligências instrutórias que se afiguram pertinentes e possíveis no sentido de viabilizar uma criteriosa apreciação crítica da fundamentacão substancial fáctico-jurídica da actuação da AT no caso vertente, com subsequente prolação de nova decisão de mérito";
6-Nesse âmbito, entenderam, assim, os Srs. Juízes Desembargadores deste Venerando Tribunal, que a apreciação jurídica da pretensão da ora recorrente, impunha necessariamente que se conhecesse de forma clara qual o procedimento adoptado pela recorrente que a Administração Fiscal entendeu corrigir, e qual o caminho percorrido pela Administração Fiscal para encontrar o valor em causa como sendo de corrigir;
7-Na sentença ora recorrida, proferida a 30 de Setembro, a Meritíssima Juiz "a quo" não procedeu - ao contrário do que impunha o Acórdão acima referido - a qualquer ampliação da matéria de facto;
8-Com efeito, relativamente ao elenco dos factos provados e não provados, à sua apreciação crítica e à fundamentação sobre os motivos que determinaram a fixação da matéria de facto, a Meritíssima juiz "a quo", na sentença ora recorrida, nada altera, acrescenta, retira ou esclarece relativamente àquela que, nos presentes autos, havia já proferido a 10 de Março de 2004;
9-Os factos dados como provados na sentença ora recorrida, os factos aí considerados como não provados e a explicitação das provas que influíram na formação da convicção do Tribunal "a quo" são exactamente os mesmos que constavam já da sentença proferida pelo mesmo Tribunal, a 10 de Março de 2004;
10-A sentença ora recorrida, ao não proceder à discriminação de todos os factos provados, nem à discriminação de todos os factos não provados, nomeadamente, aqueles que já haviam sido considerados por este Venerando Tribunal como relevantes para a apreciação da causa (v.g. procedimento concreto efectuado pela ora recorrente e procedimento concreto de correcção efectuado pelas Autoridades Fiscais), incorre, assim, numa manifesta nulidade, que fulmina, como um todo, a sentença recorrida, nos termos do nº.1 do artigo 125 do CPPT- cfr. entre outros, Acórdão de 6 de Junho de 2001, recurso n.° 25827;
11-Mas, mesmo que assim se não entendesse - o que só por mera hipótese de raciocínio se admite - sempre se teria de entender que a sentença recorrida deverá ser anulada, por encerrar um manifesto erro de julgamento quanto a matéria de facto;
12-Conforme resulta dos elementos de prova constantes no processo (docs.1 a 5), a recorrente tem efectivo direito a esta reserva de reavaliação: tal decorre directamente do disposto no DL nº. 22/92, de 14 de Fevereiro. Esse direito deriva do disposto nesse diploma legal, não sendo necessário qualquer acto suplementar de reconhecimento desse direito por parte da Administração Fiscal;
13-A recorrente realizou a reavaliação do seu activo, seguindo escrupulosamente a legislação aplicável (Código do IRC; Decreto-Lei n.° 22/92 e Decreto- Regulamentar n.° 2/90), o que aliás nunca foi contestado pela Administração Fiscal, adoptando em 1995 quotas de amortização em total consonância com esse regime legal. Nunca, e em circunstância alguma, repercutiu no exercício de 1995 qualquer aumento das amortizações referentes ao exercício de 1994, duplicando a quota de amortização a que tinha direito;
14-Como é inequivocamente provado pelos registos contabilísticos constantes no processo, nunca contestado pela Administração Fiscal e dado como provado em sede de matéria de facto, no exercício de 1995 não foram praticadas pela recorrente amortizações em excesso às permitidas pela lei, nem praticadas taxas inferiores às mínimas ou superiores às máximas fixadas na lei, nem foram estendidos, abusivamente, os períodos de vida útil dos activos reavaliados;
15-Atentas as circunstâncias supra descritas, a correcção ao lucro tributável e consequente liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 1995 não só carece de base legal, como foi efectuada em clara violação de lei, o que constitui causa de anulação da mesma. A sentença recorrida, ao confirmar o acto da Administração Fiscal viola, em consequência, o Decreto-Lei n.° 22/92, o artigo 18 e 33 do Código do IRC o Decreto-Regulamentar n.° 2/90 bem como o n.°2 do artigo 103.° da CRP;
16-No entender da recorrente, o despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais foi mal interpretado, quer pela Administração Fiscal, quer pelo Tribunal. Do seu nº. 4 não se extrai qualquer regra que invalide a metodologia de reintegrações adoptada pela recorrente no exercício de 1995;
17-Ao contrário do entendimento dos Serviços de Inspecção Tributária, e do Tribunal na sentença em recurso, o despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais permite que a recorrente efectue em 1995, e nos anos subsequentes, a amortização correlativa da quota ficticiamente correspondente a 1994. O que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais pretendeu foi impedir a recorrente de, em 1995, proceder à amortização referente a 1994 (em acumulação com a de 1995);
18-Assim, a referida correcção ao lucro tributável que originou a liquidação adicional de IRC no exercício de 1995 não tem qualquer fundamentação legal ou administrativa;
19-São de tal forma correctos os procedimentos contabilísticos utilizados pela recorrente que nunca os serviços da Administração Fiscal utilizaram como fundamento qualquer norma jurídica constante na legislação fiscal aplicável. Utilizam unicamente o despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais extraindo dele uma interpretação inequivocamente errada;
20-Pelo exposto, a correcção ao lucro tributável e correspondente liquidação adicional dos serviços da Administração Fiscal impugnada pela ora recorrente, e mantida pela douta sentença em recurso, viola inequivocamente o despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais transcrito pelo Ofício nº. 13095, de 12 de Março de 1996, bem como toda a legislação aplicável a este propósito: Decreto-Lei n.° 22/92, de 14 de Fevereiro, artigo 33 do Código do IRC e Decreto-Regulamentar n.° 2/90, de 12 de Janeiro e o n.° 2 do artigo 103.° da CRP;
21-O princípio da especialização de exercícios, e consequentemente, o n,° 1 do artigo 18 do Código do IRC constitui um fundamento que, a acolher-se, fundamenta e legitima o procedimento adoptado pela recorrente, não o limitando ou impedindo, conforme entendeu o digníssimo Tribunal na sua douta sentença;
22-A correcção ao lucro tributável realizada relativamente ao exercício de 1995 da recorrente viola o princípio da tributação do rendimento das sociedades pelo lucro real, justaposto no n.° 2 do artigo 104.° da CRP. É totalmente de afastar perante o disposto na Constituição a emissão de decisões administrativas que desconsiderem em termos fiscais custos intrinsecamente relacionados com a actividade produtiva e com a manutenção da fonte geradora de rendimentos;
23-Por conseguinte, a douta sentença, ao não considerar procedente a impugnação apresentada pela recorrente, e ao manter a correcção ao lucro tributável da recorrente relativa ao exercício de 1995, está, igualmente, a violar, além do princípio da legalidade fiscal, o principal princípio - com vigência constitucional - regulador da tributação do rendimento das pessoas colectivas;
24-Finalmente, a errada interpretação da situação de facto por parte do Tribunal em muito se deve a uma ausência da fundamentação legalmente exigida para a correcção efectuada, designadamente das normas do Código do IRC ou legislação acessória cuja observação a recorrente alegadamente desrespeitou, ausência de fundamentação essa, que constitui fundamento de impugnação judicial, nos termos do artigo 99.° do CPPT e que deveria ser atendida pela sentença recorrida. Nesses termos, também nesse aspecto, a sentença viola a lei;
25-Termos em que o presente recurso deverá ser julgado procedente por provado e, em consequência, declarada nula e anulada a decisão recorrida e declarada procedente a impugnação judicial apresentada, conforme é de inteira justiça!
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se negar provimento do presente recurso (cfr.fls.520 e 521 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.586 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.450 a 452 dos autos - numeração nossa):
1-Em 27/12/1995, a impugnante requereu ao Ministro das Finanças (cfr.documentos juntos a fls.45 a 57 dos presentes autos cujo conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido), na parte que ora importa, que:

a)As amortizações do activo reavaliado referentes ao exercício de 1994 fossem registadas contabilisticamente na conta das Amortizações Acumuladas e relevadas nos mapas demonstrativos, conforme o artº.7 do Dec. Lei 22/92 por contrapartida da conta Resultados Transitados;
b)E que fossem consideradas na Declaração Modelo 22 respeitante ao exercício de 1995 as correcções ao lucro tributável e ao imposto liquidado e pago ao Estado com referência ao exercício de 1994, resultantes das alterações das amortizações e reintegrações referidas nos números 3 e 4 com obediência aos critérios fixados no artº.6 do Dec. Lei 22/92;

2-O requerimento mencionado no nº.1 foi objecto de despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, datado de 1/03/1996, que na parte que ora importa, designadamente no seu ponto 2) 4) e 5), é do seguinte teor:
"(...)
2-Poderá efectuar, no exercício de 1995, a reavaliação ao abrigo do DL n.° 22/92, de 14/02, com o correspondente apuramento da Reserva de 28.183.105 contos, mas reportada à situação contabilística dos bens do imobilizado corpóreo em 31.12.93;
(...)
4-As amortizações do activo reavaliado referentes ao exercício de 1994 não produzirão efeitos fiscais ainda que registadas contabilisticamente, no exercício de 1995, na conta de Amortizações Acumuladas e relevadas nos mapas demonstrativos, conforme o artigo 7 do D.L. 22/92, tendo por contrapartida a conta de Resultados Transitados;
5-Consequentemente não poderão ser considerados na declaração modelo 22 respeitante ao exercício de 1995 as correcções ao lucro tributável e ao imposto liquidado e pago ao Estado com referência ao exercício de 1994, resultantes das alterações das amortizações e reintegrações já referenciadas com obediência aos critérios fixados no artigo 6 do DL 22/92, de 14.02.
(cfr.documento junto a fls.43 e 44 dos presentes autos cujo conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido);
3-A Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária (DSPIT), procedeu ao exame da escrita da impugnante e efectuou várias correcções ao lucro consolidado de 1995 (cfr.cópia de relatório de inspecção tributária e anexos junta a fls.68 a 95 dos presentes autos cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido);
4-A impugnante não concorda com parte das correcções efectuadas, designadamente, as correcções no montante de Esc.256.734.111$00 relativas às reintegrações referentes ao imobilizado reavaliado, ao abrigo do DL n.° 22/92, de 14 de Fevereiro, bem como as correcções no montante de Esc.2.173.106$00 relativas às viaturas ligeiras mistas, na parte correspondente ao valor de aquisição reavaliado ao abrigo do mesmo DL e excedente a Esc.4.000.000$00 (cfr.p.i. de fls13 e seg., designadamente o seu artº.3, 6 e 7; relatório de inspecção tributária a fls.71 cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido);
5-As amortizações de 1994 que foram consideradas em 1995 referentes à reavaliação ao abrigo do DL n.° 22/92, de 14/02, são as constantes do documento junto a fls.80, cujo conteúdo aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;
6-O fundamento das correcções mencionadas no nº.4 é o seguinte:
"(...)
O grupo considerou como custo fiscal o montante de Esc.256.734.111$00, respeitante a amortizações do exercício de 1994 do imobilizado reavaliado ao abrigo do DL 22/92, de 14/02 e a viaturas ligeiras mistas com um valor de aquisição reavaliado superior a 4.000.000$00, pertencente à sociedade dominante ... , S.A.
Através do Ofício n.° 013095 de 12/03/96, foi concedida à empresa a faculdade de utilizar o DL 22/92, de 14/02, mas a mesma não poderia considerar para efeitos fiscais as amortizações referentes ao exercício de 1994 do imobilizado reavaliado ao abrigo do referido DL, requisito ao qual o sujeito passivo não deu cumprimento, pelo que se procede à correcção da importância de 256.734.111$00.
Foi infringido ainda o artigo 32 nº.1 al.f) do CIRC e artigo 12 nº.1 do Decreto Regulamentar n.° 2/90 de 12 de Janeiro, em relação ao valor de 14.777.693$00, dado que considerou para efeitos fiscais as amortizações de viaturas ligeiras na parte correspondente ao valor de aquisição reavaliado excedente a 4.000.000$00 (anexo nº.1, fls.1 a 5).
(...)"
(cfr.cópia de relatório de inspecção tributária junta a fls.74 dos presentes autos);

7-Em 5/11/1999 a impugnante exerceu o direito de audição prévia relativo ao projecto de correcções à declaração Modelo 22 de IRC do lucro consolidado relativo ao exercício de 1995 (cfr.documentos juntos a fls.29 a 42 dos presentes autos cujo conteúdo aqui se dá por inteiramente reproduzido);
8-Foi liquidado IRC relativo a 1995 pelo documento de cobrança nº. 1999 8310020779, no montante total de € 655,303,28 - Esc.131.376.512$00, sendo que Esc.123.758$00 são juros compensatórios (cfr.nota de liquidação junta a fls.21 dos presentes autos cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido);
9-Em 20/01/2000 a impugnante requereu a sua adesão ao DL n.° 124/96 (Plano Mateus) e efectuou o pagamento da liquidação mencionada no nº.8 em 17/02/2000 (cfr. documentos juntos a fls.22 a 28 dos presentes autos, cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido);
10-Em 19/04/2000 a impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação mencionada no nº.8 (cfr.cópia da reclamação graciosa junta a fls.13 e seg. dos presentes autos, cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos indicados em cada uma das alíneas supra, no processo administrativo...”.
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Dado ser um erro material evidente, considera-se como não escrita a alínea j) da matéria de facto constante da sentença recorrida, visto que abrangendo factualidade já constante da alínea i), da mesma peça processual (data do pagamento da liquidação), à que corresponde o actual nº.9 do probatório (cfr.artº.614, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.249, do C.Civil).
Recorde-se que o conteúdo desta alínea da matéria de facto não é impugnado pela recorrente.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou, além do mais, em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
11-No ano de 1995, a empresa impugnante, “ ... - ... , S.A.”, com o n.i.p.c. 500 243 590, era sujeito passivo de I.R.C. no regime geral de tributação, devido ao exercício da actividade de fabricação de cimento, CAE 26 510, igualmente estando submetida ao regime especial de tributação através do lucro consolidado, e sendo colectada pelo 2º. Serviço de Finanças de Setúbal (cfr.cópia de relatório de inspecção tributária junta a fls.68 a 79 dos presentes autos; cópia da declaração de rendimentos m/22, de I.R.C., relativa ao ano fiscal de 1995 e apresentada pela impugnante junto da A. Fiscal que se encontra a fls.280 a 283 do processo administrativo apenso);
12-Na p.i. que originou o presente processo, a sociedade impugnante estruturou os seguintes alicerces (cfr.documento junto a fls.2 a 10 dos presentes autos):
a)Que apenas em relação ao exercício fiscal de 1995 lhe foi possível registar contabilisticamente a reavaliação do imobilizado autorizada ao abrigo do dec.lei 22/92, de 14/2;
b)Que não repercutiu sobre o exercício de 1995 qualquer resultado decorrente de um eventual aumento das amortizações relativas ao exercício de 1994;
c)Que não pode compreender, nem aceitar, as correcções referentes a reintegrações por si consideradas para efeitos fiscais no exercício de 1995, com fundamento no despacho do Secretário de Estado lavrado em 1996;
d)Que deve ser anulada a correcção de Esc.256.734.111$00, efectuada ao lucro tributável consolidado referente ao exercício de 1995, sendo relativa a reintegrações de imobilizado reavaliado ao abrigo do dec.lei 22/92, de 14/2, em consequência do que deve ser parcialmente anulada a liquidação adicional de I.R.C., juros compensatórios e derrama em causa nos presentes autos.
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar totalmente improcedente a impugnação pelo recorrente intentada, devido ao decaimento de todos os seus fundamentos.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em primeiro lugar e como supra se alude, que a decisão recorrida, ao não proceder à discriminação de todos os factos provados, nem à discriminação de todos os factos não provados, nomeadamente, aqueles que já haviam sido considerados por este Venerando Tribunal como relevantes para a apreciação da causa (v.g. procedimento concreto efectuado pela ora recorrente e procedimento concreto de correcção efectuado pelas Autoridades Fiscais), incorre numa manifesta nulidade, que a fulmina nos termos do nº.1, do artº.125, do C.P.P.T. (cfr.conclusões 9 e 10 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, se bem percebemos, assacar à decisão recorrida o vício de nulidade devido a falta de especificação dos fundamentos de facto.
Deslindemos se a sentença recorrida comporta tal pecha.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C.P.Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.b), do C.P.Civil (cfr.actual artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6871/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.).
Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da decisão recorrida constante de fls.449 a 461 do presente processo e do exarado supra quanto à fundamentação da matéria de facto da sentença do Tribunal “a quo”, é tal fundamento da apelação manifestamente improcedente, dado que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme supra mencionado, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Sem prejuízo do acabado de exarar, sempre se dirá que, na sequência do acórdão deste Tribunal datado de 11/1/2005 (cfr.acórdão exarado a fls.181 a 198 dos autos), o Tribunal “a quo” exarou despacho, ao abrigo do artº.13, nº.1, do C.P.P.T., dirigido à Direcção de Finanças de Setúbal e solicitando informações e o envio de certidão conforme o ordeno no acórdão deste Tribunal (cfr.despacho exarado a fls.205 do processo), tal como foi junto o depoimento de testemunha arrolada pela sociedade impugnante/recorrente e cuja audição se realizou noutro processo (cfr.fls.368 a 378 dos presentes autos), igualmente sendo realizada nova inquirição de testemunhas, diligência em que foram ouvidas duas testemunhas arroladas pela Fazenda Pública (actas juntas a fls.390/391 e 393 do processo). Apesar das diligências de instrução levadas a efeito, o Tribunal “a quo” decidiu não alterar a factualidade provada e a sua fundamentação, tudo conforme consta da sentença ora recorrida e supra identificada.
Concluindo, improcede o presente esteio do recurso incidente sobre a alegada falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão recorrida.
Aduz o apelante, igualmente e conforme acima se menciona, que a sentença recorrida deverá ser anulada, por encerrar um manifesto erro de julgamento quanto a matéria de facto (cfr.conclusão 11 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de facto da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal pecha.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2012, proc.6011/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto aos concretos meios probatórios que deveriam fundamentar o alegado erro de julgamento da matéria de facto cometido pelo Tribunal “a quo”.
Concluindo, este Tribunal não tem obrigação de conhecer do presente esteio da apelação.
Alega o recorrente, igualmente, que a correcção ao lucro tributável que originou a liquidação adicional de I.R.C. no exercício de 1995 não tem qualquer fundamentação legal ou administrativa (cfr.conclusões 18 e 24 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A questão sob apreciação não foi invocada na petição inicial (cfr.nº.12 do probatório). Na verdade, não se alcança da p.i. que a matéria vertida nas conclusões que se deixaram expostas (a invocada falta de fundamentação da correcção ao lucro tributável impugnada - correcção de Esc.256.734.111$00, efectuada ao lucro tributável consolidado referente ao exercício de 1995, sendo relativa a reintegrações de imobilizado reavaliado ao abrigo do dec.lei 22/92, de 14/2) haja sido alegada em 1ª. Instância, pelo que não poderia ser objecto de conhecimento e correcção pelo Tribunal “a quo”, sendo nesta sede de recurso pela primeira vez suscitada. Igualmente, sendo matéria que não é de conhecimento oficioso.
É que o direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/1992, rec.13331; ac.S.T.J., 25/2/1993, proc.83552; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/8/2012, proc.5857/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 9/7/2013, proc.6817/13). Não vale, contudo, também entre nós, em toda a sua pureza, o modelo de recurso de reponderação. Além de outras excepções (v.g.as partes podem acordar, em 2ª. Instância, a alteração ou ampliação do pedido - cfr.artº.264, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), o Tribunal “ad quem” pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g.excepções dilatórias, atento o disposto no artº.578, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), quer à relação material controvertida (v.g.prescrição e duplicação de colecta - cfr.artº.175, do C.P.P. Tributário). No que respeita à matéria de direito, são os Tribunais de recurso inteiramente livres quanto à determinação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso ajuizado, devendo, mesmo, tomar em consideração as modificações da lei sobrevindas após o julgamento ocorrido na instância inferior, caso elas abranjam a relação jurídica litigiosa (cfr.António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.92 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.153 e seg.; Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Recursos, AAFDL, 1982, pág.174).
Concluindo, o apelante pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que o mesmo é dizer que o tema suscitado nas conclusões apelatórias em análise excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, pelo que dele se não conhece.
Mais aduz o recorrente que apenas em relação ao exercício fiscal de 1995 lhe foi possível registar contabilisticamente a reavaliação do imobilizado autorizada ao abrigo do dec.lei 22/92, de 14/2. Que não repercutiu sobre o exercício de 1995 qualquer resultado decorrente de um eventual aumento das amortizações relativas ao exercício de 1994. Que não pode compreender, nem aceitar, as correcções referentes a reintegrações por si consideradas para efeitos fiscais no exercício de 1995, com fundamento no despacho do Secretário de Estado lavrado em 1996. Que deve ser anulada a correcção de Esc.256.734.111$00, efectuada ao lucro tributável consolidado referente ao exercício de 1995, sendo relativa a reintegrações de imobilizado reavaliado ao abrigo do dec.lei 22/92, de 14/2. Que a sentença recorrida, ao confirmar o acto da Administração Fiscal viola, em consequência, o dec.lei 22/92, de 14/2, os artºs.18 e 33, do Código do I.R.C., e o Decreto-Regulamentar 2/90, de 12/1 (cfr.conclusões 13 a 17, 19 e 20 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar, supomos, mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
O regime geral das reintegrações e amortizações dos elementos do activo imobilizado encontrava consagração nos artºs.27 e seg., do C.I.R.C., em 1995 (cfr.artºs.28 e seguintes do actual C.I.R.C.; artºs.30 e seg. do anterior C.C.Industrial).
O activo imobilizado das empresas é o conjunto de bens que revestem um carácter de permanência, ou seja, os bens que a empresa pretende manter por mais do que um exercício económico. Nesta perspectiva, o Plano Oficial de Contabilidade (P.O.C. aprovado pelo dec.lei 410/89, de 21/11, diploma aplicável ao caso "sub judice"), classificava o activo imobilizado de acordo com a sua natureza - imobilizações financeiras, corpóreas e incorpóreas (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/9/2012, proc.5073/11; José María Lozano Irueste, Dicionário abreviado de Economia, Campo das Letras, 1999, pág.139 e seg.; Manuel M. Fernandes Pires, Glossário de Direito Fiscal, Dislivro, 2007, pág.17).
Por outras palavras, os elementos do activo imobilizado são os recursos que uma empresa utiliza para realizar as suas operações (objecto social) e que não se destinam a venda no âmbito da sua actividade operacional. Tais elementos caracterizam-se pela sua aptidão para contribuírem para as operações do ente empresarial em causa durante um determinado período de tempo, sendo que, com algumas excepções, essa aptidão vai decrescendo ao longo da sua vida útil.(1) Torna-se, por isso, necessário reconhecer ao nível dos custos dos diversos exercícios em que decorre a vida útil dos bens do activo imobilizado a expressão monetária da mencionada depreciação. O processo de imputação aos resultados dos exercícios contabilísticos anuais do custo de aquisição dos bens do activo imobilizado designa-se por reintegração ou amortização, o qual deve ser elaborado de forma racional e sistemática, devendo estruturar-se em estrita observância do princípio contabilístico do balanceamento dos custos com proveitos. Assim se pode definir reintegração como o processo de registo contabilístico do valor do consumo anual dos elementos do activo imobilizado corpóreo, valor este que podia imputar-se como custo de exercício para efeitos fiscais nos termos do decreto regulamentar 2/90, de 12/1 (cfr.anteriormente a portaria 737/81, de 29/8), o qual fixa as taxas máximas e mínimas a ter em conta para aquele efeito, assim como outras regras relacionadas com o problema contabilístico das reintegrações e amortizações. De um modo geral, pode dizer-se que sendo o lucro das empresas o resultado da diferença entre proveitos e custos de determinado exercício, não poderia deixar de compreender-se entre estes custos o consumo respeitante aos bens do activo imobilizado que contribuíram para a produção e, consequentemente, para a obtenção de proveitos do mesmo exercício (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.227; J. A. R. Martins Barreiros e outros, Código da C. Industrial, 2ª. Edição, Rei dos Livros, 1986, pág.263).
O regime constante da portaria 737/81, de 29/8, era, em síntese, o seguinte:
1-Os bens reavaliados ao abrigo de legislação específica de carácter fiscal são tomados para efeitos de cálculo das respectivas reintegrações pelo valor que daquela reavaliação tiver resultado (artº.1);
2-Considera-se como período máximo de vida útil de um elemento do activo imobilizado o que se deduz de uma taxa de reintegração ou de amortização igual a metade das taxas aplicáveis (artº.4);
3-Considera-se como período mínimo de vida útil de um elemento do activo imobilizado o que se deduz das taxas aplicáveis (artº.4);
4-Os períodos máximo e mínimo de vida útil contam-se a partir do início da utilização dos elementos a que respeitam (artº.4);
5-Não são aceites como custos ou perdas para efeitos fiscais as reintegrações ou amortizações praticadas para além do período máximo de vida útil, ressalvando-se os casos devidamente justificados e aceites pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos (artº.4);
6-O cálculo das reintegrações e amortizações do exercício faz-se, em regra, pelo método das quotas constantes (cfr.artº.4);
7-A quota anual de reintegração e amortização que pode ser aceite como custo do exercício determina-se aplicando as taxas fixadas nas tabelas anexas à Portaria (artº.5).
Por outro lado, dir-se-á que a utilização do método de quotas constantes não implica uma taxa de reintegração fixa, podendo o contribuinte optar pelas taxas que constam das tabelas anexas a este diploma ou por taxas até metade das indicadas. Se forem adoptadas taxas distintas destas, se a taxa for superior à indicada na tabela, as reintegrações ou amortizações não serão consideradas como custos, na parte em que excedam o limite que resulta da aplicação dessa taxa e, se for utilizada uma taxa inferior a metade da taxa correspondente à indicada nas tabelas, as reintegrações posteriores ao máximo de vida útil, que resulta da aplicação de metade da taxa prevista, também não serão consideradas como custos fiscais. Se o contribuinte utilizar a taxa máxima de reintegração ou amortização (a taxa indicada na tabela, para o caso), o período de vida útil dos respectivos elementos do activo imobilizado será o mínimo legalmente admissível, para efeitos de custos fiscais. Nestes casos, a reintegração total atingir-se-á em metade do período máximo de vida útil legalmente admissível, que seria o que resultaria da aplicação de metade da taxa indicada na tabela. Isto significa que os elementos do activo imobilizado podem estar completamente reintegrados (com o consequente esgotamento do respectivo período de vida útil concretamente relevante para efeitos fiscais), mas não ter sido esgotado o período máximo de vida útil legalmente admissível, que seria o que resultaria da aplicação da taxa mínima de reintegração anual (metade da indicada na tabela). Sucede isso, quando o contribuinte optou pela aplicação da taxa máxima de reintegração anual e, por isso, a reintegração total é atingida em metade do tempo em que seria atingida se optasse pela aplicação da taxa mínima.
Já o dec.reg.2/90, de 12/1, promoveu a actualização das normas reguladoras das reintegrações e amortizações do activo imobilizado, as quais foram aplicáveis aos períodos de tributação iniciados a partir de 1/1/1989, sendo que o cálculo das reintegrações e amortizações do exercício se deve fazer, igualmente e em regra, pelo método das quotas constantes (cfr.artº.4, nº.1, do dec.reg.2/90, de 12/1; art.28, nº.1, do C.I.R.C.; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.231; Henrique Quintino Ferreira, Reintegrações e Amortizações do Activo Imobilizado das Empresas para efeitos de IRS e IRC, 4ª. edição, 1997, Editora Rei dos Livros, pág.58 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, segundo a A. Fiscal, posição confirmada pela sentença recorrida, a correcção sob análise (correcção de Esc.256.734.111$00, efectuada ao lucro tributável consolidado referente ao exercício de 1995, sendo relativa a reintegrações de imobilizado reavaliado ao abrigo do dec.lei 22/92, de 14/2) tem por fundamento a factualidade constante do nº.6, da matéria de facto provada, a qual se dá aqui por reproduzida.
A sociedade recorrente entende, em síntese, que tal correcção viola o regime previsto no dec.lei 22/92, de 14/2, nos artºs.18 e 33, do Código do I.R.C., e no Decreto-Regulamentar 2/90, de 12/1.
Vejamos quem tem razão.
Antes de mais, se dirá que o citado dec.lei 22/92, de 14/2 (estruturado ao abrigo do artº.4, da Lei 36/91, de 27/7), aprovou o regime de reavaliação dos elementos do activo imobilizado corpóreo das empresas objecto de processo de privatização. De acordo com este diploma, as empresas sujeitas a tal regime podem estruturar uma reserva de reavaliação que corresponderá ao saldo resultante dos movimentos contabilísticos inerentes ao processo de actualização de valor dos activos reavaliados (cfr.artº.4, do dec.lei 22/92, de 14/2), sendo aplicável subsidiariamente ao regime das reintegrações dos mesmos elementos reavaliados as disposições contantes do artº.27 e seg., do C.I.R.C., tal como do dec.reg.2/90, de 12/1 (cfr.artº.5, nº.1, do dec.lei 22/92, de 14/2).
Avançando, refira-se que não se percebe o argumento apresentado pelo recorrente, quando defende que o montante de amortizações postos em causa pela Fazenda Pública nada tem que ver com o exercício de 1994, quando o que está em causa, na realidade, é essa diferença de valores de amortizações dos bens, entre o valor que então detinham e o que lhe foi atribuído em função da reavaliação efectuada ao abrigo do citado dec.lei 22/92, de 14/2, cuja quota relativa ao ano de 1994 a impugnante não pode então utilizar, porque a autorização de reavaliação foi posterior, bem como a sua efectivação, e que esta pretendeu utilizar no exercício de 1995, não tendo a A. Fiscal aceite tal possibilidade, desconsiderando-a, e gerando, com outros custos igualmente não aceites, a liquidação objecto dos presentes autos (cfr.nºs.4 a 8 do probatório).
Por outro lado, acrescente-se que o despacho do Exº. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, identificado no nº.2 do probatório firmado, constitui um acto administrativo relativo a questão fiscal e não um acto de liquidação ou preparatório deste, porque acto inserido num procedimento administrativo iniciado a requerimento do recorrente em que lhe autoriza a reavaliação dos bens do activo imobilizado corpóreo mas exclui os efeitos dessa reavaliação, em sede de reintegrações e amortizações, quanto ao exercício de 1994, não se inserindo, directamente, no caminho dessa própria liquidação adicional do exercício de 1995, sendo directamente lesivo, como tal, devendo ser impugnado contenciosamente, de forma autónoma, e não conjuntamente com a impugnação judicial do concreto acto de liquidação adicional objecto do presente processo (cfr.artº.97, nº.1, al.p), do C.P.P.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/6/2005, proc. 194/04).
Mais, a interpretação do identificado despacho do Exº. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais deve ser efectuada de acordo com as mesmas regras que são comuns à interpretação das leis, enquanto actos emanados de órgãos que actuam no exercício de um poder de autoridade. Nestes termos deve relevar-se a matéria relativa à interpretação das declarações negociais constante do artº.236, do Código Civil, a qual é efectuada à luz da teoria objectivista, na modalidade denominada de teoria de impressão do destinatário, que se encontra acolhida no mesmo artº.236, bem como dos seu termos verbais e do acto da parte seu antecedente ou acto do interessado propulsor da actividade decidente (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/11/2002, rec.1151/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/6/2005, proc. 194/04; Pires de Lima e Antunes Varela, C. Civil Anotado, Coimbra Editora, I vol., 3ª. edição, 1982, pág.222 e seg.).
Assim, de acordo com o expendido supra, o que entendemos como a interpretação mais plausível de tal despacho do Exº. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de acordo como os seus próprios elementos, desde logo, literais, é que tais amortizações do activo reavaliado referentes ao exercício de 1994, não produzirão quaisquer efeitos fiscais, desde logo em relação ao exercício fiscal de 1995, conclusão essa que implica a confirmação da decisão recorrida, neste segmento, que no mesmo sentido julga.
A consolidação de tal despacho na ordem jurídica como acto administrativo relativo a questão fiscal e prejudicial do acto tributário "stricto sensu", é condicionador da posterior liquidação, que, como acto de vontade da Administração Fiscal, constitui um acto destacável do processo de que faz parte para efeitos da sua impugnação contenciosa como acto lesivo, ou para efeito de recurso hierárquico. E se o acto prejudicial não for impugnado, a autoridade que pratica o posterior acto tributário de liquidação tem de conformar-se com o conteúdo do primeiro. Nestes termos, se o recorrente não deduziu recurso da decisão que, correcta ou incorrectamente, lhe não relevou, para os exercícios seguintes, as amortizações relativas ao exercício de 1994, por mor da citada reavaliação operada, o que é conceitualmente distinto do reconhecimento de uma isenção fiscal, não pode ser nestes autos, tal questão conhecida, por se ter tornado caso decidido ou resolvido, não podendo aqui conhecer-se de eventuais vícios daquele despacho (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/6/2005, proc. 194/04).
Apesar disso, o recorrente clama pela violação do regime previsto no citado dec.lei 22/92, de 14/2, nos artºs.18 e 33, do Código do I.R.C., e no dec.reg.2/90, de 12/1.
Do exame do probatório (cfr.nº.6 da factualidade provada), conclui-se que a A. Fiscal operou a correcção da matéria colectável de I.R.C. do recorrente, no que diz respeito ao ano de 1995 e impugnada nos presentes autos, com base em dois vectores distintos:
1-Amortizações do activo reavaliado imputáveis ao exercício de 1994 e consideradas/declaradas em 1995, no montante de Esc.241.956.418$00, montante apurado na sequência do exercício de audição prévia por parte da sociedade impugnante/recorrente (cfr.documento/relação de bens junto a fls.80 dos presentes autos, como anexo 1, fls.1, do relatório de inspecção; informação exarada a fls.211 a 227 do processo administrativo apenso);
2-Amortizações de viaturas ligeiras mistas na parte correspondente ao valor de aquisição excedente a Esc.4.000.000$00, no montante de Esc.14.777.693$00, imputáveis ao exercício de 1995, devido a violação do regime previsto no artº.32, nº.1, al.f), do C.I.R.C., na redacção em vigor em 1995, norma que expressamente não aceitava como custos as reintegrações de viaturas ligeiras na parte correspondente ao valor de aquisição excedente a Esc.4.000.000$00, no mesmo sentido indo o artº.12, nº.1, do dec.reg.2/90, de 12/1 (cfr.documento/relação de bens junto a fls.82 dos presentes autos, como anexo 1, fls.3, do relatório de inspecção; informação exarada a fls.211 a 227 do processo administrativo apenso).
Deve acrescentar-se que as correcções no montante de Esc.241.956.418$00 identificadas no primeiro vector supra identificado, além de se basearem no examinado despacho do Exº. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (cfr.nº.2 do probatório), igualmente apresentam como fundamento o princípio da especialização dos exercícios.
A vida de uma unidade económica não possui, em regra, qualquer limitação temporal, caracterizando-se pelo desenvolvimento de uma actividade de duração tendencialmente ilimitada, facto, aliás, que suporta a previsão, em sede do direito contabilístico, do princípio da continuidade da exploração. Porém, a actividade da unidade económica evolui em diversas fases, temporalizadas por exercícios económicos, genericamente coincidentes com o ano civil, realidade que alicerça, em termos de contabilização e de tributação, a previsão do princípio da especialização ou do acréscimo, ínsito no artº.18, do C.I.R.C. (cfr.artº.22, do anterior C.C.I.), o qual determina que os proveitos e os custos devem ser imputados ao período a que respeitam, independentemente do seu recebimento ou pagamento. Por outra palavras, em determinado exercício, devem ser contabilizados os proveitos, e também os custos, que nele efectivamente tenham sido realizados, nisto se expressando o dito princípio da especialização dos exercícios (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/4/2008, rec.807/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/9/2012, proc. 3145/09; J.L.Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, 2ª. Edição, Lex, 2000, pág.224 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.172 e seg.).
No caso "sub judice", ao abrigo do aludido princípio da especialização dos exercícios bem se compreende que as amortizações do activo reavaliado imputáveis ao exercício de 1994, não possam ser consideradas/declaradas em 1995, contrariamente ao que pretendia o recorrente.
Concluindo, as correcções sob exame não violaram o regime previsto no dec.lei 22/92, de 14/2, nos artºs.18 e 33, do Código do I.R.C., e no dec.reg.2/90, de 12/1, contrariamente ao que pretende o recorrente, assim sendo forçosa a improcedência do presente fundamento do recurso.
Por último, aduz o recorrente que a correcção ao lucro tributável realizada relativamente ao exercício de 1995 da recorrente viola o princípio da tributação do rendimento das sociedades pelo lucro real, justaposto no artº.104, nº.2, da C.R.P. Que a sentença recorrida, ao não considerar procedente a impugnação apresentada pela recorrente, e ao manter a correcção ao lucro tributável da recorrente relativa ao exercício de 1995, está, igualmente, a violar tal princípio (cfr.conclusões 22 e 23 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar, supomos, mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
No exame das conclusões recursivas em análise apenas se dirá que o princípio da tributação pelo lucro real, como opção de tributação relativa aos entes empresariais, encontra consagração no artº.104, nº.2, da C.R.Portuguesa.
Porém, tal princípio, não é absoluto, como desde logo a redacção da sua norma o pressupõe, ao dispor que a tributação das empresas incide "fundamentalmente" sobre o seu rendimento real, e não em todo e qualquer caso, antes tendo de ser concatenado com outros princípios e normas constantes em outros diplomas legais infra-constitucionais, como seja a norma do então artº.51, do C.I.R.C., que permitia a determinação do lucro tributável por métodos indirectos, as dos artºs.18 e 27 e seg. do mesmo Código, e as constantes do dec.reg.2/90, de 12/1, que determinam que as reintegrações e amortizações apenas podem constituir custos fora dos exercícios a que respeitam em casos excepcionais e perante autorização da D.G.C.I., de forma a contribuir para outros fins e princípios também com dignidade constitucional, como seja o da satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas (artº.103, nº.1, da C.R.P.) e o já citado da especialização dos exercícios (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/6/2005, proc. 194/04; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.1100).
Ora, não lobrigando o Tribunal no que possa ter violado o mesmo princípio constitucional a correcção ao lucro tributável e consequente liquidação de I.R.C. objecto do presente processo (o recorrente também nada concretiza neste domínio), julga-se improcedente o presente fundamento do recurso.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 15 de Maio de 2014


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)


1- (a vida útil de um elemento do activo imobilizado é, para efeitos fiscais, o período durante o qual se reintegra ou amortiza totalmente o seu valor - cfr.artº.3, nº.1, do dec.reg.2/90, de 12/1; Gil Fernandes Pereira, Tratamento Fiscal e Contabilístico das Provisões, Amortizações e Reavaliações, 8ª. edição, 2006, pág.177 e seg.).