Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07665/14
Secção:CT
Data do Acordão:10/27/2016
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:GERÊNCIA DE FACTO, FUNDAMENTAÇÃO DA REVERSÃO, ÓNUS DA PROVA, DOIS GERENTES NOMINAIS
Sumário:I. Compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária devendo contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência;
II. Não fica satisfeito aquele ónus da prova quando no processo de execução fiscal não se faz qualquer diligência para além da determinação da gerência de direito, e alicerça-se a reversão unicamente na gerência nominal do Oponente num contexto em que a sociedade obriga-se com a assinatura de qualquer um dos dois gerentes nomeados.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, vem recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Tributário (TT) de ... que, com o fundamento na falta de fundamentação do despacho de reversão, julgou procedente a oposição deduzida por S..., enquanto revertido, contra a execução fiscal nº ... e apensos, originariamente instaurada pelo Serviço de Finanças de ... contra a sociedade «E..., lda», para cobrança coerciva dívidas de IRC do ano de 2006 e de IVA, dos períodos de 06T, 09T e 12T mesmo exercício fiscal, no montante global de 172.580,05€, absolvendo o Oponente da instância executiva.

A Recorrente FAZENDA PÚBLICA apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES:

I. Salvo o devido respeito, a Sentença proferida pelo Tribunal "a quo" não nos parece razoável, dada a errada subsunção dos factos às normas que regem a responsabilidade subsidiária e a reversão da execução fiscal.

II. O Recorrido foi sócio gerente da sociedade comercial devedora originária, desde a constituição e até pelo menos ao ano de 2010 (vide cópia da certidão de registo comercial junto aos autos).

III. A sociedade obrigava-se com a assinatura do Recorrido.

IV. O despacho de reversão foi devidamente fundamentado.

V. O despacho de reversão continha os pressupostos legais da responsabilidade subsidiária, como a circunstância da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.

VI. O despacho de reversão continha a menção de que a reversão se efectuou por o recorrido integrar a categoria dos administradores ou gerentes da devedora principal, por não ter provado que não lhe foi imputável a falta de pagamento as dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega terminou no período do exercício do seu cargo, nos termos do disposto na mesma norma (art. 24°, n°1 alínea b).

VII. O recorrido exerceu plenamente a sua defesa em sede de oposição, pelo que, nunca a falta de fundamentação do despacho de reversão pode ser assacada à Autoridade Tributária.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue o pedido a improcedente, com as devidas consequências legais.
Porém V. Ex.as decidindo farão a costumada
Justiça!»

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O Recorrido não apresentou contra-alegações.

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, por errada apreciação e subsunção dos factos ao regime da alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, sendo certo que o despacho de reversão está fundamentado contendo os pressupostos da reversão.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Para conhecimento dos fundamentos do recurso importa ter presente que a decisão recorrida fixou a seguinte matéria de facto:

A. No Serviço de Finanças de ... foi instaurada, em 23 de Junho de 2009, execução fiscal com o número ..., contra E..., Lda, para cobrança de dívidas de IRC do ano de 2006, à qual foi apensada execução para cobrança de dívida de IVA do mesmo ano - fls. 1 e ss. do processo de execução fiscal;

B. Por despacho de 2 de Setembro de 2010, a execução referida em A foi revertida contra o ora Oponente, na qualidade de responsável subsidiário - fls.51 do processo de execução fiscal;

C. O despacho de reversão referido em B, é do seguinte teor:
«Face às diligências de folhas 9/antecedentes, e estando concretizada a audição do(s) responsável(eis) subsidiário(s), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra … contribuinte n°…, morador (...) na qualidade de Responsável Subsidiário pela dívida abaixo discriminada. Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do(s) executado(s) por reversão, nos termos do Art.160° do CPPT para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (n°5 do art.23°da LGT)» FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24°, n° 1/b), da LGT]» - fls. 51 do PEF;

D. No documento referido em C e em documento anexo, identificam-se as dívidas em cobrança com o número do processo de execução fiscal, a proveniência das dívidas e o montante global: €172 580,05 - fls. 51 e 52 do PEF;

E. O Oponente foi designado administrador da primitiva Executada em 16 de Janeiro de 2004- fls. 35 do PEF.

O julgamento da matéria de facto baseou-se nos documentos constantes do PEF».

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Com base naquela matéria de facto dada como provada a Meritíssima Juíza do TT de ... julgou a oposição procedente, com o fundamento, em síntese, de que o despacho de reversão não explicita os fundamentos que levaram à sua prolação.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido, entendendo, ao invés que o despacho se encontra suficientemente fundamentado, pois do mesmo constam os pressupostos em que assentam a responsabilidade subsidiária, e também resulta do processo de execução fiscal factos suficientes para a subsunção ao regime da alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT.

Conforme se escreveu no Acórdão do STA de 14/02/2013, proc. n.º 0642/12 “É inquestionável que a Administração tem o dever de fundamentar os actos que afectem os direitos ou os legítimos interesses dos administrados – em harmonia com o princípio plasmado no artigo 268.º da CRP e acolhido nos artigos 124.º do CPA e 77.º da LGT. Aliás, quanto ao acto de reversão da execução fiscal, a lei é expressa a determinar, no n.º 4 do art.º 23.° da LGT, que: «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».
É, porém, também incontroverso que as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido. A determinação do âmbito da declaração fundamentadora pressupõe, portanto, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, num sentido amplo, o suficiente para suportar formalmente a decisão administrativa.
Deste modo, o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o artigo 487.º, n.º 2, do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação.”

Ora, analisado o despacho de reversão verifica-se que aquele encontra-se suficientemente fundamentado de facto e de direito, ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida.

Com efeito, no que aos factos diz respeito repare-se que o despacho faz referência expressa às diligências que antecedem o despacho, ou seja, remete para as diligências efectuadas no âmbito do processo de execução fiscal e que se encontram documentadas no processo.

Neste contexto, é perceptível que os factos que subjazem à prolação do despacho são os que resultam da instrução anterior à prolação do mesmo e que constam do processo executivo. Nessa medida, pese embora os factos não estejam discriminados no despacho, havendo aquela remissão entende-se que o despacho se encontra formalmente fundamentado de facto.

Por outro lado, o despacho também se encontra suficientemente fundamentado de direito, uma vez que do mesmo consta expressamente o preceito legal em que assenta a reversão, designadamente, o disposto no art. 24.º, n.º 1 alínea b) da LGT.

Ademais, no próprio despacho cita-se o teor daquele preceito legal: “Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24°, n° 1/b), da LGT]”.

Portanto, importa concluir que o despacho de reversão encontra-se formalmente fundamentado.

Questão diversa, e que cumpre conhecer em substituição (tendo as partes sido notificadas para efeitos do n.º 3 do art. 665.º do CPC) é a de aferir da verificação dos pressupostos da reversão face à instrução que o órgão de execução fiscal efectuou antes da prolação do despacho de reversão.

Com efeito, e no que diz respeito às regras do ónus da prova importa ter presente que o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão do Pleno do CT do STA de 28/02/2007, proc. n.º 1132/06 (reiterado posteriormente pelo o acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12) considerou que competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, «deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência».

Com este acórdão, fica assim sem margens para dúvidas, afastado o entendimento segundo o qual, uma vez verificada a gerência nominal ou de direito, se presume a gerência de facto ou efectiva.

Para aferirmos do cumprimento aquele ónus, importa então, analisar todos os elementos e diligências efectuadas no âmbito do processo de execução fiscal que devem ser devidamente valorados casuisticamente.

Analisada a instrução efectuada pelo órgão de execução fiscal constata-se que o único elemento recolhido respeitante à gerência de facto do Oponente, ora Recorrido, assenta na certidão da conservatória do registo comercial da matrícula da sociedade executada originária. Os factos que resultam deste documento não foram considerados, nem fixados pela sentença recorrida, pelo que ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 1 do CPC cumpre alterar a matéria de facto aditando-se ao probatório os seguintes factos:

F) Na conservatória do Registo Comercial de ..., 1.ª secção, pela Apresentação 01 de 18/03/2004, foram inscritos na matrícula da sociedade “E..., Lda” os seguintes factos:
a) A sociedade tem dois sócios, J... e S...;
b) A gerência da sociedade fica a cargo de ambos os sócios;
c) A sociedade obriga-se pela assinatura de um gerente.

Da factualidade supra fixada oficiosamente para apreciação dos pressupostos da reversão da execução, contra o ora Recorrido, decorre que desde a constituição da sociedade executada originária foram nomeados como gerentes os seus dois únicos sócios, sendo que a sociedade obriga-se com a assinatura de um gerente.

Ou seja, da instrução efectuada pelo órgão de execução fiscal apenas decorre a gerência nominal ou de direito do Recorrido. A questão que se coloca é a de saber se daqueles factos se pode inferir a gerência de facto.

Já sabemos, conforme jurisprudência supra citada uma vez verificada a gerência nominal ou de direito não se presume a gerência de facto ou efectiva. Porém, deve atender-se a todas as circunstâncias em que a gerência de direito se encontra estabelecida, e em determinadas situações pode ser em moldes tais que permita aferir, de acordo com as regras da experiência comum, que quem exerce a gerência de direito exercia também, necessariamente a gerência de direito.

Sucede que, in casu, dos factos que resultam provados relativamente à gerência nominal da sociedade executada originária não se pode se poderá concluir pela gerência de facto do Recorrido, pois atenta à arquitectura da gerência nominal da sociedade nada impede que aquele nunca tenha praticado um acto de gerência que vinculasse a sociedade executada originária. In casu, porque havia outro gerente de direito com poderes para vincular a sociedade, em teoria, esta poderia desenvolver a sua actividade normalmente, sem que nunca o ora Recorrido tivesse praticado um único acto material de gerência.

Com efeito, havendo outro gerente nominal, com os mesmos poderes do Recorrido, havia que ir mais longe na instrução do processo pelo órgão de execução fiscal, averiguando se efectivamente ambos os gerentes de direito exerciam de facto a gerência para a qual foram nomeados.

Porém, nada foi feito, rigorosamente nada. Nem uma única diligência, nem um único indício que possa sustentar a prática material de um único acto de gerência pelo Recorrido, pressupostos para que se possa operar a reversão, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT.

Por outras palavras, da certidão ora em causa não resulta a gerência de facto do Oponente, pois as inscrições em vigor revelam que a sua assinatura é perfeitamente prescindível no desenvolvimento da actividade da sociedade executada originária. Neste contexto, impunha-se a recolha de outros factos indiciadores da gerência de facto do ora Recorrido, sendo certo que é sobre a Fazenda Pública que recai o ónus da prova, não o tendo feito, importa concluir necessariamente que não se encontravam reunidos os pressupostos previstos na alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT para a reversão da execução fiscal contra o Recorrido.

Pelo exposto, o recurso deve improceder, julgando-se, portanto, em substituição, a oposição procedente.

Sumário

I. Compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária devendo contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência;
II. Não fica satisfeito aquele ónus da prova quando no processo de execução fiscal não se faz qualquer diligência para além da determinação da gerência de direito, e alicerça-se a reversão unicamente na gerência nominal do Oponente num contexto em que a sociedade obriga-se com a assinatura de qualquer um dos dois gerentes nomeados.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar-se a sentença recorrida, e em substituição, julgar Procedente a Oposição.
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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 27 de Outubro de 2016.

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Cristina Flora

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Ana Pinhol

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Joaquim Condesso