Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06477/02
Secção:Contencioso Administrativo – 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:05/24/2007
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR – ERRO NA APRECIAÇÃO DA PROVA – CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES – FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I – A prova dos factos integradores de infracção disciplinar é determinada, face aos elementos existentes no processo, pela convicção do julgador, estando, consequentemente, sujeita ao principio da livre apreciação da prova, isto é, segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente, o que significa que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido ”devendo ser apreciados de acordo com a experiência comum, com distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica”, na “liberdade para a objectividade”.
II – A circunstância de especial atenuação do ilícito disciplinar prevista na alínea a) do artigo 29º do ED, pressupõe a verificação cumulativa de um duplo requisito: a prestação de serviço por mais de 10 anos e exemplar comportamento e zelo, o qual não se pode presumir da ausência de infracções disciplinares averbada no registo biográfico do funcionário.
III – Esta atenuante está reservada para funcionários que, pela qualidade do seu trabalho e do seu comportamento, se destaquem dos demais e que, por isso, são apontados como exemplo a seguir, e não aos funcionários que, ainda que de forma séria, empenhada e educada, cumpram com normalidade o seu dever funcional.
IV – Um acto diz-se suficientemente fundamentado se os elementos do seu discurso [motivação contextual ou incorporada], incluindo aqueles anteriores de que expressamente se apropriou [fundamentação por remissão], forem capazes de esclarecer o iter cognoscitivo percorrido pelo órgão decisor.
V – Se o recorrente, quer em sede graciosa, quer em sede contenciosa, reagiu à acusação contra si deduzida, é por demais evidente que compreendeu não só a factualidade que lhe era imputada, como também a respectiva qualificação jurídica, não podendo assim ter-se por procedente o apontado vício de forma por falta de fundamentação de que padeceria a decisão punitiva.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 1º JUÍZO LIQUIDATÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
Fernando ..., professor efectivo da Escola Básica dos 2ºs e 3º Ciclo de Arganil, veio interpor o presente RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO do despacho do Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa, datado de 9-5-2002, que negou provimento ao recurso hierárquico interposto pelo recorrente e, que, por consequência confirmou a pena de multa graduada em € 299,28 que lhe foi aplicada pelo Director Regional de Educação do Centro, imputando-lhe a violação do disposto nos artigos 268º, nº 3 da CRP, 1º, nº 1, alíneas a) e b) do DL nº 256-A/77, de 17/6, e 29º, 30º e 33º do Estatuto Disciplinar.
A entidade recorrida respondeu, pugnando pelo improvimento do recurso [cfr. fls. 11/14 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
Notificado para apresentar alegações, veio o recorrente fazê-lo, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O arguido não praticou os factos que lhe foram imputados.
2. O arguido foi vítima de uma presunção de culpa.
3. E com base nessa presunção foi condenado.
4. As funcionárias queixosas agiram em bloco, em atitude de retaliação contra a vigilância e fiscalização apertadas de que estavam a ser alvo.
5. Socorreram-se da atoarda e da mentira.
6. Nenhuma delas soube precisar quando sucedeu o evento. E, por isso, a acusação relata que foi em 2000, antes do dia 12 de Junho, isto é num período de 5 meses e 12 dias!
7. A imprecisão e a ambiguidade são geradoras de dúvida que beneficia o arguido, ao abrigo do princípio «in dubio pro reo».
8. Neste processo, a dúvida gerou o efeito contrário, isto é, o princípio da culpa.
9. Deveria ter sido valorado o testemunho de Paula .... Mas não o foi e desconhece-se o motivo. Certamente não foi por ter perjurado.
10. Esta testemunha foi presencial, viu o ouviu o que se passou no teatro dos factos.
11. Existem várias contradições nos depoimentos valorados, o que faz concluir pela sua inverdade.
12. Há, pois, manifesto erro na apreciação da prova.
13. Porém, se alguma ponta de infracção o arguido cometeu, o que não se concede, não foram levadas em conta as circunstâncias atenuantes que se impunham.
14. É que o arguido tem mais de 10 anos de bom e exemplar serviço e os factos foram situados num contexto de mau relacionamento hierárquico entre o superior as subordinadas.
15. Tal deveria levar pelos menos à atenuação especial ou à suspensão da pena, o que nem sequer foi tido em conta.
16. O acto recorrido não está factual nem legalmente fundamentado.
17. O acto recorrido viola o artigo 1º, nºs 2 e 3 do DL nº 256-A/77, de 17/6, e o artigo 268º, nº 3 da Constituição da República.
18. Nenhuma das queixosas, alegadamente ofendidas, se queixou criminalmente, o que denota que nenhuma delas se sentiu injuriada.
19. A verdade é que o arguido nada disse que as tivesse injuriado”.
A entidade recorrida contra-alegou, concluindo no sentido do improvimento do recurso.
O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu parecer a fls. 42, no qual conclui que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com interesse para a decisão, consideram-se assentes os seguintes factos:
i. Na sequência de processo de inquérito visando a actuação do recorrente, enquanto Presidente do conselho Executivo da Escola Básica dos 2º e 3º Ciclos de Arganil, foi determinada, por despacho da Inspectora-Geral da Educação, datado de 30-5-2001, a instauração de processo disciplinar contra aquele [cfr. fls. 4 do I volume do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
ii. Após terem sido levadas a cabo diversas diligências instrutórias, nomeadamente a inquirição de testemunhas, em 26-9-2001 foi deduzida a seguinte acusação contra o recorrente:
ACUSAÇÃO
Artur José dos Santos Magalhães, na qualidade de instrutor do Processo Disciplinar nº 10.07/167-2001 /GAJ mandado instaurar por despacho da Senhora Inspectora-Geral da Educação, de 30 de Maio de 2001, deduz nos termos e ao abrigo dos artigos 57º, nº 2 e 59º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, contra Fernando ..., na qualidade de Presidente do Conselho Executivo da Escola Básica 2,3 de Arganil, a seguinte acusação:
Artigo Único
a) Em dia que não foi possível precisar no ano de 2000, mas antes de 12 de Junho, entre as 09.30 horas e as 10.30 horas, o Presidente do Conselho Executivo, encontrando-se na cozinha da referida Escola, acompanhado da Vice-Presidente do Conselho Executivo, Professora Paula ..., dirigindo-se às funcionárias da Cantina aí presentes, Cozinheira Maria ...; Ajudantes de Cozinha Maria... e Marta..., criticou a forma como estavam a cortar a carne para o almoço, e acto contínuo referindo-se às citadas funcionárias disse que "estava farto deste putedo" [fls. 245, 256, 261, 266 e 268];
b) As citadas palavras foram consideradas pelas referidas funcionárias, injuriosas e ofensivas da sua honra e consideração, levando a que na cozinha, sempre que os elementos do Conselho Executivo, acima referidos, estavam presentes durante a confecção das refeições, se vivesse, como corolário de uma relação de pouca confiança, um clima de trabalho tenso.
c) Com este procedimento o arguido violou o dever geral de correcção estabelecido no artigo 3º, alínea f) do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local. Revelou falta de correcção para com subordinados em termos que denotam negligência e má compreensão dos seus deveres funcionais, com o que praticou a infracção prevista no artigo 23º, alínea d) do referido Estatuto e punida nos termos do mesmo artigo com a pena de multa.
d) A competência para aplicação da pena é do Senhor Director Regional de Educação, nos termos do artigo 17º, nº 2 do supracitado Estatuto Disciplinar, e do nº 2 do artigo 116º do Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 105/97, de 29 de Abril, e pelo Decreto-Lei nº 1/98, de 2 de Janeiro.
e) Fixo ao arguido o prazo de VINTE dias úteis a contar da data em que receber cópia desta acusação para, querendo, por si ou por advogado constituído, consultar o processo e deduzir a defesa que entender, oferecendo a prova testemunhal e documental que julgar necessária, tudo nos termos dos artigos 61º, 62º e 63º do E.D., aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro.
f) O processo encontra-se à guarda da Secretária Maria..., na Escola Secundária de Arganil, onde pode ser consultado em qualquer dia útil e dentro das horas normais de expediente.” [cfr. fls. 282/283 do II volume do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
iii. O recorrente respondeu à acusação nos termos constantes de fls. 290/297 do II volume do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, negando a prática dos factos imputados e arrolou testemunhas.
iv. As testemunhas arroladas pelo recorrente foram ouvidas nos dias 26-11-2001, 27-11-2001 e 29-11-2001 [cfr. fls. 306, 307, 308 e 309 do II volume do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
v. Em 20-12-2001 foi elaborado pelo instrutor do processo o relatório final, com o seguinte teor:
RELATÓRIO
1. Aspectos Gerais
1.1 Visando o esclarecimento de factos relativos à actuação do professor Fernando ..., Presidente do Conselho Executivo da Escola Básica dos 2º e 3º Ciclos de Arganil, foi instaurado um Processo Disciplinar ao referido docente, por despacho de 30 de Maio de 2001, da Senhora Inspectora-Geral da Educação [fls. 4].
1.2 Por despacho de 7 de Junho de 2001 do Delegado Regional do Centro da IGE, foi o signatário nomeado instrutor [fls. 3].
1.3 O referido despacho e mais expediente anexo [fls.2 a 222], distribuído a coberto do ofício de fls. 2 para efeitos de instrução deste processo disciplinar, foi recebido em 22 de Junho de 2001 [fls. 223].
1.4 Toda a documentação foi autuada em 6 de Julho de 2001.
1.5 A instauração do Processo Disciplinar tem por base a Informação nº 382/NITP/2001 [fls. 4 e 5], elaborada na sequência do Processo de Inquérito nº 10.06/110/00, referente a diversas exposições do Presidente da Associação de Pais e Encarregados de Educação da Escola Básica 2º e 3º Ciclos de Arganil [fls. 21 a 23, 27 a 34, 36 a 38, 40, 45 e 46].
2. Dos Factos
2.1 A investigação promovida neste processo disciplinar visou a clarificação da matéria vertida no nº 5 da Informação nº 382/NITP/2001, de 22 de Maio, da Inspecção-Geral da Educação [fls. 4 e 5], remetida através do ofício nº 1157/DRC, de 6-12-2001, do Sr. Delegado Regional do Centro da IGE [fls. 2].
2.2 Em concreto, pretendeu-se o esclarecimento da verdade da matéria factual que consta do relatório elaborado pelo Sr. Inquiridor do Processo de Inquérito nº 10.06/110/00, relativamente ao funcionamento da cantina, no que concerne ao relacionamento entre o Órgão de Gestão e as funcionárias [fls. 201 a 203]. Dele extrai-se que:
2.2.1 Foram feitas várias queixas dirigidas à DREC, de que a Cantina/Refeitório não primava pela higiene, quantidades e qualidade dos alimentos servidos aos seus utentes, estiveram na origem de alterações nas regras de funcionamento daquele espaço, após três visitas de uma técnica/dietista da DREC.
2.2.2 Essas alterações levaram a técnica do ASE, Teresa ... a manifestar pouco à vontade para as pôr em prática, e por isso, a escrever uma carta em Março de 2000, dirigida ao Dr. Carlos ..., Técnico do CAEC, onde entre várias considerações, lhe pedia que estivesse presente, na hora da refeição, o mais breve possível, dada a desarmonia que ali se vivia entre o Conselho Executivo e as funcionárias da Cantina.
2.2.3 A referida técnica passou, então, a controlar em articulação com os Serviços Administrativos todo o sistema de requisições de géneros, sem no entanto ter contactos directos com os fornecedores, tarefa esta assumida pelo Presidente do Conselho Executivo e/ou Vice Presidente, Drª Paula ....
2.2.4 Com a colocação de uma ecónoma, as encomendas destinadas ao refeitório passaram a ser feitas por esta funcionária.
2.2.5 Perante uma alegada resistência da cozinheira em pôr em prática a capitação indicada pela dietista, o Presidente do Conselho Executivo e/ou a Vice-Presidente, decidiram começar a controlar presencialmente o funcionamento diário da cantina, no que respeita aos fornecimentos dos géneros e produtos, confecção, "empratamento" das refeições e sua distribuição.
2.2.6 Tal controlo e ingerência de funções, são responsáveis por um clima de mal-estar vivido pelas funcionárias que trabalham neste sector, uma vez sentirem que, a posição do Órgão de Gestão resulta da desconfiança de que elas estariam a desviar, em proveito próprio, produtos destinados à confecção das refeições, o que provocava uma capitação inferior por aluno.
2.2.7 Os depoimentos queixosos das quatro funcionárias da Cantina, convergem no facto de serem vítimas, desde Janeiro de 2000, de atitudes incorrectas para com a sua dignidade profissional e pessoal por parte do Presidente do Conselho Executivo, cuja postura é imprópria de quem representa a autoridade institucional na hierarquia interna da escola, impossibilitando o restabelecimento de relações profissionais harmoniosas.
2.2.7.1 As funcionárias, Maria ... [Cozinheira], Maria ... e Marta ... [Ajudantes de Cozinha], queixam-se de ter o Presidente do Conselho Executivo, assumido para com elas posturas inadequadas e incorrectas sob o ponto de vista relacional e institucional, pautadas por excessos de linguagem e ofensas verbais, não se coibindo de proferir frases como: "estava farto deste putedo", "que estava farto daquele putedo que estava na cozinha", "ia enviar uma carta ao CAEC, porque estava farto daquele putedo" [fls.157 e 158, 168 a 171].
2.2.7.2 A técnica do ASE, Teresa ..., afirmou a folhas 165, estar uma vez na despensa, em data anterior a 12-6-2000 [data em que escreveu ao Dr. Carlos ...] e ter ouvido o Presidente do Conselho Executivo que se encontrava na Cozinha, dizer em tom enervado que "estava farto deste putedo" [fls. 165].
2.2.7.3 Outras frases como: "estás a ver, olha as quatro putas do BIG BROTHER" ou "olha Paula, olha as quatro putas do BIG BROTHER" também lhe são atribuídas [fls. 202 e 203].
2.2.8 Na base dos factos descritos em 2.2.7.1 a 2.2.7.3. esteve a insistência, da parte da Associação de Pais e Encarregados de Educação, para que no final de uma reunião com os Srs. Drs. José ... e Carlos ..., fosse ouvida a Cozinheira Maria ....
2.2.9 A CAEC em 13 de Março de 2001, através do ofício nº 3173, a propósito do mau relacionamento e clima de mal-estar vivido diariamente no refeitório, faz um apelo à moderação usual nas relações humanas e ao sentido de responsabilidade do Presidente do Conselho Executivo, lembrando-lhe que o facto de desempenhar funções hierarquicamente superiores, não dá o direito a usar um tipo de linguagem considerada pelas funcionárias ofensiva da sua dignidade profissional.
2.2.10 O Sr. Inquiridor conclui a este respeito [fls. 217], que os depoimentos das funcionárias da Cozinha supracitadas, e da técnica do ASE apontam, sem margem para dúvidas, no sentido de terem sido vítimas de atitudes incorrectas, para com a sua dignidade pessoal e profissional, geradoras de um clima de mal-estar e de grande tensão naquele espaço de trabalho, numa clara falta de cultura institucional, por parte do Presidente do Conselho Executivo, através da ingerência permanente nas funções que a elas compete.
2.2.1.1 Com base nos fundamentos constantes no ponto 5 das conclusões do relatório foi proposta a instauração de Processo Disciplinar.
3. Da Instrução
Na Escola Secundária de Arganil procedi às diligências com vista ao esclarecimento da verdade, tendo ouvido os seguintes elementos pertencentes à Escola Básica 2º e 3º Ciclos de Arganil:
Queixosas
Maria ... [Cozinheira].
Marta ... [Ajudante de Cozinha].
Maria ... [Ajudante de Cozinha].
Margarida ... [Ajudante de cozinha].
Testemunhas
Teresa ... [Técnica de Acção Social Escolar].
Joaquina ... [Ecónoma].
Paula ... [Vice-Presidente do Conselho Executivo].
Arguido
Fernando ... [Presidente do Conselho Executivo].
3.1 Durante a investigação, verificou-se que os alegados factos descritos no ponto 2.2.7.3 deste relatório, careciam de provas factuais inquestionáveis.
Assim, da factualidade constante dos autos registei:
3.2 Do depoimento da QUEIXOSA Maria ..., em 30 de Julho de 2001 conclui-se:
3.2.1 O funcionamento do refeitório melhorou, no que respeita ao ambiente de trabalho, em resultado de uma outra atitude por parte dos elementos do Conselho Executivo e, também, porque os mesmos apenas estão presentes no refeitório, entre as 12h 30m e as 14 horas.
3.2.2 A vinda da Ecónoma contribuiu, também, para esta melhoria.
3.3 De novo ouvida em 10 de Setembro de 2001, conclui-se das suas declarações:
3.3.1 Estar recordada dos excessos de linguagem a ela dirigidos pelo Presidente do Conselho Executivo.
3.3.2 Não tem a certeza do dia de Março de 2000, provavelmente a uma segunda, quarta ou sexta-feira [dias em que a refeição é carne], entre as 9.30m e as 10.00h, em que o Presidente do Conselho Executivo disse que "ia escrever uma carta à CAEC para fazer uma exposição, porque estava farto deste putedo".
3.3.3 Estava acompanhada das colegas Marta ..., [lavava louça], e Maria... e Margarida ... que estariam a empacotar talher, não tendo a certeza se uma delas estava na despensa com a Técnica do ASE Teresa Leandro.
3.4 Do depoimento em 30 de Julho de 2001 da QUEIXOSA, Marta ..., conclui-se:
3.4.1 Relativamente às datas em que os factos testemunhados no dia 10 de Abril do corrente ano ocorreram, não se recorda da data precisa, mas que terá sido por volta do mês de Março de 2000 que o Presidente do Conselho Executivo proferiu a frase "Que estava farto daquele putedo que estava na cozinha".
3.5 Ouvida no dia 31 de Agosto de 2001, a QUEIXOSA Maria ..., conclui-se das suas declarações:
3.5.1 Ter sido no ano lectivo de 1999/2000, que aconteceram os incidentes mais graves, ou seja, discussões que levaram ao insulto. Uma vez a colega Maria ..., chamou-lhe a atenção de que o Presidente do Conselho Executivo, acabara de dizer "Eu estou farto deste putedo", frase que não ouviu, por estar na despensa, juntamente com a técnica Teresa ....
3.5.2 Ter nos últimos tempos, o clima de trabalho na cantina sofrido ligeiras melhoras em resultado do esforço de todos no sentido de um certo desanuviamento da tensão sentida durante o ano de 2000.
3.5.3 A entrada em funções de uma Ecónoma ter coincidido com uma menor presença na cozinha, do Dr. Fernando ... e da Drª Paula.
3.5.4 Disse ainda sentir-se farta desta situação, desejar um ambiente de trabalho saudável e tranquilo, estando disponível para dar o seu contributo, para que o novo ano lectivo corra da melhor maneira.
3.6 Em 10 de Setembro de 2001, foi novamente ouvida e conclui-se das suas declarações:
3.6.1 A frase "Eu já estou farto deste putedo", não a ouviu porque na altura se encontrava na despensa.
3.6.2 Ao regressar foi-lhe contado pela cozinheira Maria ..., que a referida frase tinha acabado de ser proferida pelo Professor Fernando ....
3.6.3 Estava também presente a Técnica do ASE Teresa ....
3.7 Do depoimento da TESTEMUNHA Margarida ..., em 4 de Setembro de 2001, conclui-se:
3.7.1 Desde Dezembro de 2000 que desempenha funções no Bar da Escola, situação que não é do seu agrado, uma vez gostar de trabalhar na cozinha, onde esteve durante dois anos, de acordo com a sua categoria.
3.7.2 Contesta a forma violenta [forçada] como saiu da cantina, até porque não lhe deram oportunidade para uma explicação.
3.7.3 Considera o Bar um lugar de castigo que não merece.
3.7.4 O clima de trabalho na cantina, de Janeiro a Dezembro de 2000, foi sempre muito pesado, porque o Presidente do Conselho Executivo quando entrava, começava a tratar mal todas as funcionárias da cozinha, inclusive desconfiando da sua honestidade.
3.7.5 Na sequência, chorou muitas lágrimas.
3.7.6 Nos finais do ano de 1999, principio de 2000, estava, juntamente com as colegas da cozinha, a cortar pato de modo diferente ao desejado pelo Presidente do Conselho Executivo, foi por ele dito que "Que estava farto deste putedo".
3.7.7 Recorda-se que em finais do ano 2000, quando estava a limpar sopa caída no chão do refeitório, foi pelo Presidente do Conselho Executivo, na presença de alunos, rotulada de velha e por isso não merecer o Bom que lhe era dado na pontuação.
3.7.8 Estranha este tipo de comportamento do Dr. Fernando porque antigamente ele era uma pessoa muito compreensiva, da qual não tinha razões de queixa.
3.7.9 Não lhe deseja qualquer mal, gostava sim que alguém lhe fizesse ver que está errado, que é arrogante, e portanto, gostava que a ela fossem pedidas desculpas e ao mesmo tempo regressar à cantina.
3.8 Novamente ouvida em 10 dias de Setembro de 2001, foi-lhe pedido que fizesse um esforço de memória para precisar os factos testemunhados no passado dia 4 do mesmo mês, concluindo-se das suas declarações:
3.8.1 Não ter a certeza do dia e mês em que o Presidente do Conselho Executivo proferiu a frase "Que estava farto deste putedo", mas, recorda-se ter sido em finais de 1999 princípios de 2000, entre as 9.30m e as 10.30m, estava na cozinha juntamente com a cozinheira Maria ... e as colegas Maria ... e Marta ....
3.8.2 Pensa que na altura a Técnica do ASE, Teresa ... estava na despensa.
3.9 Do depoimento efectuado em 4 de Setembro de 2001, pela TESTEMUNHA Joaquina..., conclui-se:
3.9.1 É funcionária na Escola EB 2,3 de Arganil, desde 23 de Outubro de 2000.
3.9.2 Apenas desempenha funções de ecónoma desde Janeiro de 2001.
3.9.3 Sobre o ambiente de trabalho na cozinha foi ouvindo que o mesmo, não era o melhor, mas nunca presenciou qualquer discussão.
3.9.4 O seu trabalho desenrola-se com normalidade, em bom clima, não tendo por isso qualquer razão de queixa, de quem quer que seja.
3.9.5 Notou nos primeiros tempos, alguma tensão, nervosismo e desconfiança, por parte do pessoal da cozinha, em especial da cozinheira, mas com o decorrer do tempo o ambiente desanuviou-se.
3.9.6 Nunca ouviu alguma troca de palavras menos próprias entre os elementos do Conselho Executivo e as funcionárias ou alunos, durante as refeições.
3.9.7 Praticamente não existe diálogo entre o Dr. Fernando e as cozinheiras.
3.10 Em 31 de Agosto de 2001, ouvida a TESTEMUNHA, Teresa ..., conclui-se:
3.10.1 Diariamente supervisiona a confecção dos alimentos.
3.10.2 Considera o actual clima de trabalho na cantina melhor, dado o facto dos elementos do Conselho Executivo não estarem presentes na cozinha da parte da manhã, nestes últimos meses.
3.10.3 Palavras ofensivas dirigidas à sua pessoa, nunca foram proferidas pelo Presidente do Conselho Executivo, mas em dia anterior a 12 de Junho de 2000, data em que endereçou uma carta ao CAEC [fls.185], quando estava na despensa, ouviu o Dr. Fernando... dizer, dirigindo-se às funcionárias Maria ..., Maria..., Marta ... e Margarida ..., "que estava farto daquele putedo".
3.10.4 Anteriormente o Dr. Fernando... tinha um bom comportamento e era respeitado por todos.
3.10.5 A mudança operada desde que formou equipa com a Drª Paula foi repentina e é no mínimo estranha, face à conduta de outros tempos com outras equipas.
3.11 No dia 31 de Julho de 2001 procedeu-se à inquirição da TESTEMUNHA, Paula ..., concluindo-se:
3.11.1 O actual ambiente de trabalho, no refeitório, melhorou relativamente ao de alguns meses atrás, derivado da existência de uma Ecónoma que evita a presença de elementos do Conselho Executivo, durante a manhã, o que constituía na opinião das funcionárias, motivo de tensão.
3.11.2 Há actualmente, da parte das mesmas, possivelmente uma menor resistência ao acatamento das directivas superiormente emanadas.
3.11.3 Relativamente às expressões verbais que o Presidente do Conselho Executivo é acusado de ter dirigido às funcionárias da cantina, disse não ser verdade, admite no entanto, que durante alguma troca de palavras com as cozinheiras, o tom de voz se tenha elevado.
3.12 No dia 31 de Julho de 2001 procedeu-se à inquirição do ARGUIDO, Fernando .... Sobre os factos que lhe são imputados extrai-se das suas declarações:
3.12.1 Encontrar-se desgastado com a situação que já se vem arrastando há dois anos, a qual foi suscitada e mantida pelo Presidente da Associação de Pais.
3.12.2 Nunca ter proferido palavras obscenas em momento algum, sentindo-se chocado e arrasado, porque mexe com a sua dignidade, serem-lhe imputadas afirmações que nunca proferiu.
3.12.3 Acrescentou que as discussões havidas foram sempre na sequência do não cumprimento das orientações dadas, o que por vezes originou alterações no tom de voz.
3.12.4 O ambiente de trabalho no refeitório, vivido nos últimos meses foi substancialmente melhorado, porque não tem havido, por parte das funcionárias tanta resistência à mudança, como aconteceu durante o ano lectivo 1999/2000.
3.12.5 Tal melhoria está relacionado com:
a) a chegada de uma Ecónoma que assumiu algumas funções, em paralelo com a Vice-Presidente do Conselho Executivo;
b) a vinda à Escola de um inspector da IGE;
c) o menor protagonismo do Presidente da Associação de Pais.
4. Da Acusação
4.1 Na sequência da Prova produzida, foi deduzida, no dia 26 de Setembro de 2001, a acusação que consta de fls. 282 e 283, a qual, por cópia devidamente extraída, foi entregue ao arguido na mesma data [fls. 284], tendo este Processo Disciplinar ficado à sua disposição durante o período de vinte dias que, para a apresentação da sua defesa, lhe foi concedido.
5. Da Defesa
5.1 O Processo Disciplinar foi colocado à disposição da defesa desde o dia 26 de Setembro de 2001, na Secretaria da Escola Secundária de Arganil, à confiança de Maria Isabel dos Santos Gonçalves, secretária do referido Processo, conforme consta do Termo de Entrega [fls. 285] e Certidão de Notificação ao arguido [fls. 284].
5.2 Foram credenciados por Procuração Forense, datada de 16 de Outubro de 2001, os advogados Dr. Pedro ..., Dr. Alvarino ... e Drª Maria ..., com escritório em Arganil [fls. 288].
5.3 O Processo foi consultado em 22 de Outubro de 2001, na Escola Secundária de Arganil, pelo Dr. Pedro..., conforme Cota elaborada pela Secretária [fls. 289].
5.4 Em 7 de Novembro de 2001 foi entregue pela Secretária ao signatário, o Processo, Cota e Procuração Forense, além do Documento da Defesa [fls. 290 a 297].
5.5 Por falta de indicação na resposta à acusação, sobre a matéria de facto a que as testemunhas arroladas seriam inquiridas, foi a mesma pedida à defesa em 8 de Novembro de 2001.
5.6 Na sequência da resposta [fls.301], não datada e inconclusiva, recepcionada a 14 de Novembro de 2001, foram efectuadas diversas diligências no dia 19 do mesmo mês, conforme fls. 302.
5.7 No dia 20, pelas 15 horas e 20 minutos, foram recebidas uma proposta de datas e a indicação dos factos a que as testemunhas iriam ser inquiridas, através do Fax 235208047 [fls. 303 e 304].
5.8 No mesmo dia, por via telefónica foi combinado com o arguido, a agenda de audiências das testemunhas [fls. 305].
5.9 O Documento de Defesa [fls. 288 a 297] é composto por 39 artigos e genericamente constituído por 6 grupos:
5.9.1 Os artigos 1º e 4º da defesa, compõem o primeiro grupo e neles é considerado, em termos gerais, carecer de qualquer fundamento a acusação que impele sobre o arguido, por assentarem sobre bases movediças as declarações das testemunhas que a suportam. Em reforço desta ideia, recorda que o presente Processo Disciplinar teve a sua génese num Processo de Inquérito instaurado pela Srª Inspectora-Geral da Educação em 20-11-2000, com base em factos denunciados pelo Presidente da Associação de Pais [e não de Alunos, como por lapso está escrito]. Da longa listagem da denúncia, concluiu que nenhuma das acusações tinha cabimento, com excepção do facto concreto constante da acusação.
5.9.2 O segundo grupo contém os artigos 5º a 12º, onde a defesa procura demonstrar que o ambiente de tensão que se respirava na Cantina, entre o pessoal e a Direcção da Escola, era consequência da fiscalização e maior controlo sobre o funcionamento da cantina, legitimamente adoptados pelo Conselho Executivo da Escola e, designadamente pelo seu Presidente, a que as funcionárias ofereceram resistência, por entenderem que a sua honorabilidade estava a ser atingida.
5.9.3 No terceiro grupo, artigos 13º a 25º a defesa evidencia o que, em sua opinião, são as contradições dos depoimentos, no que respeita às cenas das "putas do Big Brother" e "estou farto deste putedo", considerando que:
a) a testemunha Maria ... quando ouviu a expressão que estava farto daquele putedo, disse estar a cortar coelho;
b) a testemunha Margarida quando ouviu a mesma expressão, disse estar a cortar pato;
c) a testemunha Maria ... que, na ocasião se encontrava na despensa, não ouviu a referida expressão ao contrário da Teresa ... que estava também no mesmo espaço e a ouviu;
d) a testemunha Maria ... ouviu tal como a Maria ... o arguido dizer a frase "putas do Big Brother", no mesmo dia em que proferiu que estava farto daquele putedo;
e) a testemunha Margarida ouviu as mesmas frases em alturas distintas, o mesmo acontecendo com a Marta ....
5.9.4 No quarto grupo, artigos 26º a 32º, a defesa põe em causa a estratégia da acusação que, em sua opinião, valorizou de forma desigual os depoimentos das testemunhas, designadamente das queixosas e da Vice-Presidente do Conselho Executivo, único elemento que em seu entender é independente e não tem interesse directo no processo.
5.9.5 No quinto grupo, artigos 35º a 37º, a defesa dá o presente processo como prescrito, com base na violação do artigo 4º do Estatuto Disciplinar;
5.9.6 No sexto grupo, artigos 38º a 39º, realça-se a personalidade do arguido e o sofrimento moral que este processo lhe tem causado.
5.10 Para prova da matéria constante da defesa, foi apresentado um rol de cinco testemunhas [fls. 304], destas apenas foram ouvidas quatro, já que, o Sr. Dr. Pedro ..., mandatário do arguido, prescindiu da inquirição do Dr. António... por entender que os factos indicados a que iria ser ouvido [artigos 20º a 27º - cfr. fls. 304] não se tratarem de factos concretos, mas de meras considerações de ordem teórica.
5.10.1 Relativamente ao ambiente de tensão na cantina [2º grupo – cfr. 5.9.2], conclui-se dos depoimentos das testemunhas:
a) José ..., casado, Funcionário Administrativo da Escola Básica 2,3 de Arganil:
1) acerca de ano e meio começou a ser exercida sobre o Conselho Executivo uma pressão forte tendo em vista um melhor funcionamento da cantina;
2) essa pressão era exercida pela Associação de Pais, designadamente pelo seu Presidente;
3) face às queixas sucessivamente apresentadas, o Presidente e a Vice-Presidente Drª Paula Cristina do Conselho Executivo foram obrigados a passar a exercer um maior controlo e a adoptar outro tipo de métodos de fiscalização;
4) veio à Escola nessa altura uma dietista para organizar e verificar a qualidade e a quantidade dos géneros alimentícios a utilizar;
5) tem conhecimento que por via da alteração de actuação do Conselho Executivo, ter-se gerado um clima de tensão entre o pessoal que trabalha na cantina e a direcção da Escola, sentindo-se actualmente um certo desanuviamento.
b) Paula ..., solteira, Vice-Presidente do Conselho Executivo da Escola Básica 2,3 de Arganil:
1) a tensão existente entre o pessoal da cantina e a direcção da Escola, foi evidente a partir do momento em que uma dietista veio à Escola e propôs orientações que o Conselho Executivo passou a aplicar, nomeadamente nas quantidades oferecidas, e a partir do qual a resistência por parte desse pessoal foi desde logo notória e manifesta;
c) Victor ..., casado, Vice-Presidente do Conselho Executivo da Escola Básica 2,3 de Arganil:
1) não fazia parte do Conselho Executivo na altura em que a dietista esteve presente na Escola;
2) já como membro do Conselho Executivo, foi algumas vezes à cantina para tratar de assuntos com os colegas desse órgão, não tendo notado qualquer tipo de tensão;
3) Sabia dessa tensão por conversas no seio do Conselho Executivo, sendo-lhe dito que a mesma resultava de alguma resistência ao cumprimento de algumas regras de trabalho.
5.10.2 Relativamente às contradições dos depoimentos [3º grupo – cfr. 5.9.3] foi indicada a testemunha Paula ..., Vice-Presidente do Conselho Executivo. A defesa considerou, não ser importante ouvi-la aos artigos que compõem o 3º grupo, no entanto, questionada sobre o seu artigo 23º conclui-se:
1) desconhecer se a Maria Amélia ou a Teresa Leandro têm problemas auditivos;
5.10.3 Relativamente às diferenças de valor atribuídos pela acusação aos diferentes depoimentos [4º grupo – cfr. 5.9.4] foi indicada a testemunha Paula ..., Vice-Presidente do Conselho Executivo concluindo-se do seu depoimento:
1) reconhecer ter interesse, como elemento do Conselho Executivo, no bom funcionamento da Escola e boa gestão da Cantina;
2) não ter nenhum interesse directo no presente processo.
5.10.4 Relativamente à personalidade do arguido e ao sofrimento que lhe tem sido causado [6º grupo – cfr. 5.9.6] conclui-se do depoimento das testemunhas:
a) João ..., casado, Professor do Quadro de Nomeação Definitiva da Escola Básica 2,3 de Arganil.
1) restringiu o seu testemunho aos factos 38º e 39º.
2) confirmou na íntegra o artigo 38º da defesa, baseando o juízo acerca do arguido no conhecimento e contacto regular que tem tido com ele durante os últimos anos.
3) não ver o arguido, pelo que conhece dele, a proferir a expressão de que é acusado.
4) o arguido quando lhe relatou a acusação, parecia estar abalado moralmente, por considerá-la falsa.
b) José ..., Funcionário Administrativo da Escola Básica 2,3 de Arganil:
1) considera ser hoje exercida pelo arguido uma liderança mais forte, mais formal e mais imposta, no entanto, considera-o uma pessoa incapaz de tratar mal física e moralmente quem quer que seja;
2) assistiu, em alguns momentos, serem dirigidas ao arguido palavras não obscenas, embora menos próprias, sem qualquer reacção deste;
3) admite ser possível que o arguido, em algum momento, ter respondido na mesma linha;
4) não reconhece o arguido, no tipo de verbalização de que é imputada, por ser pessoa educada, incapaz de proferir a expressão na rua ou na Escola, admitindo que o tenha feito num estado de provocação extrema.
c) Paula..., Vice-Presidente do Conselho Executivo da Escola Básica 2,3 de Arganil:
1) conhece o arguido há aproximadamente oito anos;
2) desde há cinco anos a esta parte, faz com ele equipa na direcção da Escola;
3) considera o arguido uma pessoa generosa muito humana, não conhecendo outra igual;
4) apercebeu-se que toda esta situação causou ao arguido, abalo moral e o vexou profundamente.
Análise
6.1 Confrontando o teor da acusação com os elementos carreados pela defesa, conclui-se que a estratégia da defesa consistiu, fundamentalmente em procurar:
a) demonstrar que os factos culposos imputados ao arguido, assentam sobre bases movediças, em função das declarações contraditórias das testemunhas [queixosas];
b) provar que o arguido se limitou a exercer, na qualidade de Presidente do Conselho Executivo, a fiscalização e controlo do funcionamento da Cantina;
c) demonstrar que o procedimento disciplinar contra o arguido está prescrito;
d) provar que o arguido é pessoa de bom trato e está abalado moralmente;
e) rebater a acusação de que o arguido violou o dever de geral de correcção e mais ainda, o de ter revelado falta de correcção para com as queixosas, suas subordinadas.
6.2 Relativamente aos factos culposos imputados ao arguido, as declarações das queixosas são por demais evidentes e verdadeiras. Repara-se que o próprio mandatário do arguido a fls. 306, prescinde de uma testemunha de defesa, que deveria ser ouvida sobre os artigos 20º a 27º, por entender não serem os factos relevantes, na medida em que se tratam de meras considerações de ordem teórica e não de factos concretos.
6.3 Os testemunhos das queixosas demonstram inequivocamente que:
a) o clima de trabalho era tenso, em resultado da presença na Cantina do Presidente e da Vice-Presidente do Conselho Executivo, durante todo o processo de confecção das refeições;
b) para além do exercício das suas funções, o arguido assumiu para com as funcionárias uma postura inadequada e incorrecta [cfr. 2.2.7.1], chegando ao extremo de utilizar excessos de linguagem, ofendendo-as quando disse que "estava farto deste putedo";
c) este facto teve lugar, no ano de 2000, em dia impreciso, durante a manhã, entre as 09h30m e as 10h30m, conforme apontam as declarações das queixosas;
d) A testemunha Teresa ... confirma a audição da referida frase ofensiva e obscena, dado que nesse momento estava na despensa da Cantina, no exercício das suas funções;
e) a CAEC, face às diversas queixas e perante o clima de trabalho tenso, vivido na Escola, fez-se representar ao mais alto nível, através do Sr. Coordenador Dr. José ...e do Dr. Carlos...;
f) na sequência, através de ofício [cfr. 2.2.9] apelou ao Presidente do Conselho Executivo, para que tivesse alguma moderação, ao mesmo tempo que lhe lembrava o facto de não ter o direito de usar, mesmo sendo um superior hierárquico, linguagem ofensiva da dignidade pessoal e profissional dos seus subordinados;
6.4 No que concerne à alusão de prescrição, contrariamente ao afirmado nos artigos 36º e 37º da defesa, foi respeitado o prazo previsto no artigo 4º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, para instauração do Processo de Inquérito que deu origem ao presente Processo Disciplinar, já que a matéria em apreço foi referida em carta da Associação de Pais datada de 23 de Outubro de 2000 [fls. 21], tendo por despacho da Exmª Inspectora-Geral da Educação, de 22 de Novembro de 2000, sido instaurado o Processo de Inquérito nº 10.06/110-2000 [fls. 11].
6.5 A sensibilidade que a defesa diz o arguido ter, não foi por si só suficiente para o impedir de tomar atitudes incorrectas e impróprias para com as funcionárias da Cantina, que se pautaram por excessos de linguagem e ofensas verbais, em nada dignificantes para o cidadão comum, e muito menos ainda, quando se trata de alguém que exerce funções de responsabilidade.
6.6 O arguido denotou má compreensão dos seus deveres funcionais.
6.7 O arguido tem como circunstâncias atenuantes:
a) a prestação de 23 anos de serviço, dos quais os últimos doze, como Presidente do Órgão de Gestão da Escola [cfr. fls. 236];
b) do registo disciplinar nada constar quanto a sanções de índole disciplinar.
7. Conclusões
Em resultado do explicitado nos capítulos anteriores e da prova produzida, formulam-se as conclusões que se seguem:
7.1 Em dia que não foi possível precisar no ano de 2000, mas antes de 12 de Junho, entre as 09.30 horas e as 10.30 horas, o Presidente do Conselho Executivo, encontrando-se na cozinha da referida Escola, acompanhado da Vice-Presidente do Conselho Executivo, Professora Paula ..., dirigindo-se às funcionárias da Cantina aí presentes, Cozinheira Maria ...; Ajudantes de Cozinha Maria ... e Marta ..., criticou a forma como estavam a cortar a carne para o almoço, e acto contínuo referindo-se às citadas funcionárias disse que "estava farto deste putedo" [fls. 245, 256, 261, 266 e 268].
7.2 As citadas palavras foram consideradas pelas referidas funcionárias, injuriosas e ofensivas da sua honra e consideração, levando a que na cozinha, sempre que os elementos do Conselho Executivo, acima referidos, estavam presentes durante a confecção das refeições, se vivesse, como corolário de uma relação de pouca confiança, um clima de trabalho tenso.
8. Proposta
Em consequência, proponho que ao arguido neste Processo Disciplinar, professor Fernando ..., Presidente do Conselho Executivo da Escola Básica dos 2º e 3º Ciclos de Arganil:
a) seja aplicada a pena de multa, prevista no artigo 23º, nº 2, alínea d), do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo DL nº 24/84, de 16 de Janeiro, graduada em sessenta mil escudos [Euros 299,28];
b) a competência para aplicação da pena é do Senhor Director Regional de Educação, nos termos do artigo 17º, nº 2 do supracitado Estatuto Disciplinar, e do nº 2 do artigo 116º do Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 105/97, de 29 de Abril, e pelo Decreto-Lei nº 1/98, de 2 de Janeiro.” [cfr. fls. 313/330 do II volume do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
vi. Recebido o processo na Direcção Regional de Educação do Centro, foi aí elaborada a Informação nº 227, de 6-2-2002, com o seguinte teor:
Processo Disciplinar nº 10.07/167-2001/GAJ – Fernando ...
1. Em sede de Processo Disciplinar nº 10.07/167-2001/GAJ, instaurado por despacho 30-5-2001, da Senhora Inspectora-Geral da Educação ao docente supra identificado, propõe o Exmº Instrutor, em relatório final, que aqui se considera reproduzido [fls. 313 a 330] e constitui fundamento integral da presente Informação, a aplicação da pena de multa, prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 11º e expressa no artigo 23º, ambos do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, graduada em sessenta mil escudos [Euros 299,28].
2. Através do ofício nº 0102/DRC, de 2002-01-17, do Exmº Delegado Regional da IGE – Delegação Regional do Centro, foi remetido a esta Direcção Regional, para efeitos de decisão, o processo disciplinar referenciado em epígrafe, sobre o qual se emite o seguinte parecer.
3. De acordo com as conclusões do Relatório dos autos, para o qual desde já se remete [fls. 329 e 330] e se considera integralmente reproduzido, apreciada a defesa e a prova produzida, resultou provada a seguinte matéria de facto:
3.1. Em dia que não foi possível precisar no ano de 2000 mas antes do dia 12 de Junho, entre as 09.30 horas e as 10.30 horas o arguido, Presidente do Conselho Executivo da Escola Básica 2,3 de Arganil, encontrando-se na cozinha da referida Escola, dirigindo-se às funcionárias aí presentes, Cozinheira Maria ..., Ajudantes de Cozinha Maria... e Marta..., criticou a forma como estavam a cortar a carne para o almoço e, acto contínuo, referindo-se às citadas funcionárias disse que "estava farto deste putedo";
3.2. As citadas palavras foram consideradas pelas referidas funcionárias, injuriosas e ofensivas da sua boa honra e consideração, levando a que na cozinha, sempre que os elementos do Conselho Executivo acima referidos estavam presentes durante a confecção das refeições, se vivesse, como corolário de uma relação de pouca confiança, um clima de trabalho tenso.
4. Com o comportamento descrito nos pontos 3.1 e 3.2 da presente Informação o arguido praticou uma infracção por violação do dever geral de correcção consignado na alínea f) do nº 4, do artigo 3º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro.
5. Tal infracção revela má compreensão dos seus deveres funcionais, sendo punível em abstracto, com pena de multa do artigo 23º, nº 1 e nº 2, alínea a).
6. O arguido tem como circunstâncias atenuantes:
6.1. A prestação de 23 anos de serviço, dos quais os últimos 12 como Presidente do Órgão de Gestão da Escola;
6.2. Nada constar do registo disciplinar quanto a sanções de índole disciplinar.
7. Pelo exposto, e atendendo a todas as circunstâncias indicadas, é de concluir e consequentemente propor, nos exactos termos em que o fez o Exmº Instrutor, que ao arguido neste processo – Fernando ... – Presidente do Conselho Executivo da Escola 2,3 de Arganil seja aplicada a pena de multa, prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 11º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, graduada em sessenta mil escudos [Euros 299,28].
8. Constitui competência própria do Exmº Director Regional de Educação do Centro a aplicação da referida pena, de acordo com o nº 2 do artigo 116º do Estatuto dos Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, e posteriormente alterado pelos Decretos-Lei nºs 105/97, de 29 de Abril, e 1/98, de 2 de Janeiro.” [cfr. fls. 28/30 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
vii. Sobre essa Informação recaiu então despacho de concordância do Director Regional de Educação do Centro, datado de 11-2-2002, punindo o recorrente com a pena disciplinar de multa, graduada em € 299,28 [cfr. fls. 28 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
viii. Inconformado, recorreu hierarquicamente o recorrente para o Secretário de Estado da Educação, nos termos constantes de fls. 21/27 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
ix. Recebido o processo na Inspecção-Geral da Educação, foi então elaborada a Informação nº 98/IGE/2002 – Parecer nº 191/GAJ/2002, com o seguinte teor:
Assunto: RECURSO HIERÁRQUICO INTERPOSTO PELO PROFESSOR FERNANDO ..., DA EB 2, 3 DE ARGANIL
I – RELATÓRIO
1. O professor Fernando ..., inconformado com a pena de multa fixada em 299,28 €, que lhe foi aplicada por despacho do Sr. Director Regional de Educação do Centro [DREC], de 11-2-2002, exarado na Informação nº 227, da mesma DREC, vem agora interpor o presente recurso, com os fundamentos seguintes, que se apresentam por súmula, reportando-nos àquilo que o recorrente levou às conclusões:
a) Há erro manifesto na apreciação e valoração da matéria de facto, por serem os depoimentos em que a condenação assenta, «necessariamente parciais, de pessoas envolvidas emocionalmente num processo complexo»; «a sua contraditoriedade e a ausência total de regras da lógica na versão, com vários cambiantes, carreada para os autos pela acusação»; «a imprecisão, a ambiguidade, a incapacidade de localizar no tempo com um mínimo de exactidão os acontecimentos»; por não ter sido dado relevo ao depoimento da única testemunha que não tinha interesse directo no caso;
b) A pena é desajustada e desenquadrada dos factos dados como provados, vistos o reduzido grau de culpa e o bom comportamento anterior do arguido e as demais circunstâncias da infracção, justificavam a aplicação de pena de escalão inferior, e a suspensão da sua execução, nos termos dos artigos 29º, 30º e 33º do Estatuto Disciplinar. Vejamos.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Alega o recorrente estar o despacho recorrido eivado de erro na apreciação e valoração da matéria de facto, mas não indica factos concretos e muito menos demonstra em que baseia a sua alegação, antes limitando-se a invocar que o arguido teria sido vítima de um «plano maquiavélico montado pelas pretensas ofendidas», ou de uma «actuação em bloco» da parte das subordinadas [funcionárias da cantina], a pretexto de estarem aquelas sentidas com a mudança das regras de fiscalização e controlo do funcionamento da cantina da escola, levada a cabo pelo CE, de que o recorrente é presidente. Nem os depoimentos das ofendidas podem ser postos em causa, por estarem aquelas «envolvidas emocionalmente no caso», como também alega o recorrente, pois fica-se aqui também sem saber como esse «envolvimento» foi de molde a enfraquecer o seu testemunho.
Aliás, a dar-se como boa a tese do «envolvimento» das testemunhas no caso, como quer o recorrente, sempre seria de aplicá-lo à testemunha Paula Cristina, ouvida em auto, a fls. 246 dos autos – que o recorrente considera que não tinha interesse directo no caso –, pois era, na altura da prática dos factos, a Vice-PCE, portanto co-autora com o recorrente e outros membros do CE, das novas normas de funcionamento da cantina, as tais que eram contestadas pelas ofendidas.
3. Alega, depois, o recorrente a imprecisão temporal da acusação.
Mas também aqui lhe falece razão, pois essa precisão resulta do conspecto da prova testemunhal e não alega o recorrente que tal facto o tenha impedido de se defender cabalmente.
4. Alega, ainda, o recorrente que a pena aplicada se mostra completamente desajustada. E estriba o seu raciocínio no facto da pena dever se a de escalão inferior, atendendo a que tem mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo, nos termos dos artigos 29º e 30º do Estatuto Disciplinar.
Mas também não.
Com efeito, está junto aos autos o registo biográfico do recorrente, onde nada consta que se possa qualificar de «exemplar comportamento e zelo» e o recorrente também não produz prova da sua alegação, apesar de ter esse mesmo registo biográfico junto aos autos, antes da NC.
5. Por último, alega o recorrente dever a pena ser suspensa na sua execução, nos termos do artigo 33º do Estatuto Disciplinar.
Vemos que não se verificam quaisquer circunstâncias especiais que atenuem a culpa do ora recorrente, pelo que também improcede o aqui alegado, sendo certo que se trata de um poder discricionário da Administração.
III – CONCLUSÃO/ PROPOSTA
6. Tudo visto e aduzido, deve improceder o presente recurso, por totalmente improvado, confirmando-se o despacho recorrido de 11-2-2002, do Sr. Director Regional de Educação do Centro, que aplicou ao recorrente a pena de multa fixada em 299,28 €.” [cfr. fls. 17/19 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
x. Sobre essa Informação/Parecer recaiu então o despacho recorrido, da autoria do Secretário de Estado da Administração Educativa, datado de 9-5-2002, concordando com a mesma, e aplicando ao recorrente a pena disciplinar de multa, graduada em € 299,28 [cfr. fls. 17 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Sendo esta a factualidade relevante, vejamos agora o Direito.
Nas conclusões da sua alegação, o recorrente nega a prática dos factos que lhe foram imputados, sustentando ter sido vítima de uma presunção de culpa, com base na qual foi condenado, além do que as funcionárias queixosas agiram em bloco, em atitude de retaliação contra a vigilância e fiscalização apertadas de que estavam a ser alvo, posto que nenhuma delas soube precisar quando sucedeu o evento, sendo por isso essa imprecisão e ambiguidade geradoras de dúvida que beneficia o arguido, ao abrigo do princípio «in dubio pro reo», concluindo, a final, ter havido manifesto erro na apreciação da prova.
Por outro lado, sustenta também que, a admitir-se ter praticado a infracção disciplinar que lhe foi imputada, não foram levadas em conta as circunstâncias atenuantes que se impunham, já que tem mais de 10 anos de bom e exemplar serviço e os factos foram situados num contexto de mau relacionamento hierárquico entre o superior as subordinadas, além do que tal deveria levar pelos menos à atenuação especial ou à suspensão da pena, o que nem sequer foi tido em conta.
Finalmente, defende ainda que o acto recorrido não está factual nem legalmente fundamentado, ocorrendo assim violação dos artigos 1º, nºs 2 e 3 do DL nº 256-A/77, de 17/6, e 268º, nº 3 da CRP.
Vejamo-las em pormenor.
Em primeiro lugar, vejamos a questão do erro na apreciação da prova, avançando desde já que a prova dos factos integradores de infracção disciplinar é determinada, face aos elementos existentes no processo, pela convicção do julgador, estando, consequentemente, sujeita ao principio da livre apreciação da prova.
Face a este princípio, consignado no artigo 127º do Código de Processo Penal, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente, o que significa que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido ”devendo ser apreciados de acordo com a experiência comum, com distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica”, na “liberdade para a objectividade” [cfr. Teresa Beleza, “Revista do Ministério Público”, Ano 19º, pág. 40].
Ora, pela simples leitura dos depoimentos das queixosas, em sede do processo disciplinar, é possível constatar que, muito embora aquelas não tenham sido capazes de situar com precisão milimétrica os factos no tempo, o certo é que o fizeram de forma a que fosse possível a respectiva situação no tempo e no espaço com um mínimo de precisão, de modo a permitir ao recorrente rebatê-los, e assim exercer cabalmente o seu direito de defesa.
Tanto basta para ter como suficientemente concretizada a conduta imputada ao recorrente, sendo também certo que, como acima se disse, não existe uma valoração pré-estabelecida dos meios de prova recolhidos em sede do processo disciplinar, valendo aqui, à semelhança do que acontece com a valoração de prova em Processo Penal, os mesmos princípios, ou seja, aqueles são apreciados de acordo com a experiência comum do instrutor do processo, cedendo apenas perante casos em que seja manifesta a existência de erro grosseiro na apreciação da prova recolhida – por exemplo, toda a prova recolhida exclui ter sido o arguido a cometer a infracção e, ainda assim, é deduzida acusação contra aquele – o que não é, de todo, o caso dos autos.
Donde, e pelo exposto, improcedem as conclusões vertidas nos nºs 1 a 12 da alegação do recorrente.
* * * * * *
Sustenta também o recorrente que, a admitir-se ter praticado a infracção disciplinar que lhe foi imputada, não foram levadas em conta as circunstâncias atenuantes que se impunham, já que tem mais de 10 anos de bom e exemplar serviço e os factos foram situados num contexto de mau relacionamento hierárquico entre o superior as subordinadas, além do que tal deveria levar pelos menos à atenuação especial ou à suspensão da pena, o que nem sequer foi tido em conta.
Ou seja, o que o recorrente aqui pretende demonstrar é que não foram atendidas pela entidade recorrida a verificação de circunstâncias atenuantes gerais e especiais, ou dito de outro modo, quer que o Tribunal ajuíze se a pena de multa que lhe foi aplicada, a qual só pode ser alterada para pena de grau inferior, atendendo aos critérios de individualização da sanção disciplinar constantes dos artigos 28º e 30º do ED, se deve considerar, ou não, desproporcional ao ilícito praticado e ao grau de culpa manifestado no cometimento da infracção, pois que está vedado a este tribunal sindicar no domínio do mérito da punição aplicada.
A este propósito, cumpre referir que a entidade recorrida considerou o facto do recorrente prestar serviço há 23 anos, 12 dos quais como Presidente do órgão de gestão da escola, e a ausência de sanções de índole disciplinar.
A circunstância de especial atenuação do ilícito disciplinar prevista na alínea a) do 29º do ED, pressupõe a verificação cumulativa de um duplo requisito: a prestação de serviço por mais de 10 anos e exemplar comportamento e zelo. Ora, se não restam dúvidas quanto à verificação do primeiro – prestação de serviço por mais de 10 anos –, não está minimamente demonstrado o segundo, ou seja, o exemplar comportamento e zelo, que não se pode presumir da ausência de infracções disciplinares averbada no registo biográfico do funcionário.
A Jurisprudência do STA, a propósito de tal questão, tem considerado que “esta norma exige não só que este comportamento e zelo se prolonguem por mais de 10 anos, mas também que possam ser considerados um modelo para os restantes funcionários, o que impõe que sejam qualitativamente superiores aos deveres gerais destes” – vd., neste sentido, os Acórdãos do STA, de 27-4-2006, da 1ª Subsecção, proferido no âmbito do recurso nº 1225/05, de 14-3-2001, proferido no âmbito do recurso nº 38.674, e de 28-10-97, proferido no âmbito do recurso nº 40.769.
Face a este entendimento, esta atenuante só pode ser aplicada aos funcionários cujo desempenho e comportamento constituam um exemplo para os demais e não aos funcionários que, ainda que de forma séria, empenhada e educada, cumpram com normalidade o seu dever funcional. Ou seja, a referida atenuante está reservada para funcionários que, pela qualidade do seu trabalho e do seu comportamento, se destaquem dos demais e que, por isso, são apontados como exemplo a seguir.
Na verdade, sendo as qualidades de seriedade, educação e profissionalismo exigíveis a todos os funcionários, as mesmas não são suficientes para reclamar a aplicação daquela atenuante especial.
Deste modo, e muito embora no processo instrutor se tenha considerado que o recorrente tinha um registo disciplinar sem mancha, isso não bastava para que este comportamento integrasse a referida atenuante especial.
Além do mais, neste domínio, só cumpre aos Tribunais verificar se os ”(...) limites positivos de competência, de finalidade, de imparcialidade e de proporcionalidade (...) porque só existem a discricionariedade e a margem de livre apreciação de conceitos jurídicos indeterminados que a lei especificamente conceder...“ [cfr. Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina, Teses, 1987, pág. 491].
Ao consignar-se no artigo 6º do ETAF que “os recursos contenciosos são de mera legalidade, em via de compromisso entre os princípios da separação de poderes, cfr. artigo 114º da CRP, e da garantia de controle judicial da actividade administrativa, cfr. artigo 268º, nº 4 da CRP, traduz-se em que “(...) O exercício ilegal de poderes administrativos [ou seja, o comportamento da administração contrário à lei em toda a medida em que houver vinculação] é susceptível de controle de legalidade, e este pode ser levado a cabo quer pelos tribunais quer pela própria Administração (...). O mau uso de poderes administrativos, isto é, o seu uso inconveniente em toda a matéria em que houver livre decisão é susceptível de controlo de mérito, e este só pode ser feito pela própria Administração, nunca pelos Tribunais. A autonomia pública administrativa “qua tale” apenas admite, pois controlo gracioso, não contencioso (...) – Bernardo Dinis de Ayala, O [défice] de Controlo Judicial da Margem de Livre Decisão Administrativa, Lex, 1995, pág. 87.
Por isso, à semelhança do que sustenta a entidade recorrida – bem como o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul –, também se nos afigura que a sanção disciplinar aplicada ao recorrente não incorreu em vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, sendo igualmente certo, como atrás já se deixou dito que a medida da pena, enquanto inserida na denominada justiça ou discricionariedade administrativa, só é contenciosamente sindicável em casos de erro grosseiro ou manifesto, como é entendimento aceite na doutrina, na jurisprudência deste TCA Sul e do STA, o que não prefigura o caso em apreço.
Assim sendo, improcedem as conclusões 13. a 15. da alegação da recorrente.
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Finalmente, sustenta o recorrente que o acto recorrido não está factual nem legalmente fundamentado, ocorrendo assim violação dos artigos 1º, nºs 2 e 3 do DL nº 256-A/77, de 17/6, e 268º, nº 3 da CRP.
Mas também aqui não lhe assiste razão. Se não, vejamos.
De uma maneira geral, costuma dizer-se que fundamentar é enunciar as razões fácticas e jurídicas por que um acto administrativo teve um determinado conteúdo e não outro, de modo a que o seu destinatário fique em condições plenas de reagir contra ele, se for desfavorável à sua esfera de direitos e interesses, ou de o acatar, no caso contrário.
Neste contexto, um acto diz-se suficientemente fundamentado se os elementos do seu discurso [motivação contextual ou incorporada], incluindo aqueles anteriores de que expressamente se apropriou [fundamentação por remissão], forem capazes de esclarecer o iter cognoscitivo percorrido pelo órgão decisor [Neste sentido, cfr. os Acórdãos do Pleno da Secção do STA, de 16-3-2001, proferido no âmbito do recurso nº 40.618, e de 13-3-2003, proferido no âmbito do recurso nº 34396/02].
Enunciada assim a questão do ponto de vista teórico, é evidente que não assiste razão ao recorrente.
Com efeito, face à prova recolhida em sede do processo instrutor entendeu a entidade que aplicou a pena disciplinar estar suficientemente demonstrada a existência da infracção, matéria que foi objecto de apreciação crítica no relatório final e nas Informações/Pareceres que foram entretanto produzidas antes da decisão objecto do presente recurso contencioso, que delas se apropriou para confirmar a pena aplicada ao recorrente.
E, de resto, face à forma como este reagiu quer em sede graciosa, quer em sede contenciosa, é por demais evidente que compreendeu não só a factualidade que lhe era imputada, como também a respectiva qualificação jurídica, não podendo assim ter-se por procedente o apontado vício de forma por falta de fundamentação.
Em conclusão, improcedem também as conclusões 17. a 19. da alegação do recorrente.

IV. DECISÃO
Nestes termos e pelo exposto, acordam em conferência os juízes do 1º Juízo Liquidatário do TCA Sul em negar provimento ao recurso contencioso, confirmando o acto recorrido.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em € 180,00 e a procuradoria em € 60,00.
Lisboa, 24 de Maio de 2007