Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06361/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/21/2013
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IRC. DÍVIDA PÚBLICA. PRINCÍPIOS.
Sumário:1. Pelo DL. 88/94 de 2.4., estavam isentos, de IRS ou IRC, os rendimentos de valores mobiliários representativos de dívida pública qualificáveis como rendimentos de capitais, obtidos por entidades que em território português não tivessem residência, sede …
2. O princípio da legalidade, da atividade administrativa em geral, exige que os órgãos da administração pública, v.g., tributária, atuem em obediência à lei e ao direito, nos limites dos poderes atribuídos e em conformidade com os fins para que estes lhes foram conferidos.
3. Contudo, não podemos olvidar a necessidade, hodierna, cada vez mais subscrita, de efetivar uma aplicação concertada, interdependente, dos vários princípios estruturantes da atuação dos entes administrativos, de molde a conseguir resultados, tendencialmente, justos e equilibrados.
4. Assim, por exemplo, é preciso temperar as, aparentemente, rígidas exigências do princípio da legalidade com alguma flexibilidade subjacente ao princípio da justiça, enquanto orientador dos serviços no sentido de tratarem de forma justa os administrados, intentando, para o efeito, sempre, descobrir a verdade material, ainda que o resultado seja contrário aos interesses a defender, patrimoniais no caso, específico, da administração tributária.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I
A...AG., contribuinte n.º ...e com os restantes sinais dos autos, propôs ação administrativa especial, para requerer a anulação do ato de indeferimento, praticado pelo Subdiretor-Geral dos Impostos, de pedido de reembolso de IRC, retido na fonte sobre juros de obrigações do tesouro, relativos ao ano de 2002.
No Tribunal Tributário de Lisboa, foi proferido acórdão, onde se decidiu: «
(…):
a) julgar improcedente o pedido de impugnação da idoneidade da tradução;
b) julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, no que se refere ao montante de € 292.500,00, integrado no montante global cuja restituição se requer;
c) no mais, julgar procedente por provada a presente ação administrativa especial e, em consequência, anular o ato sindicado;
d) condenar a entidade demandada a restituir à autora o montante de € 877.500,00;
e) julgar improcedente o pedido de condenação da entidade demandada como litigante de má fé;
f) condenar a entidade demandada no pagamento das custas do processo que se fixam em 14 (catorze) UC, nos termos do disposto no artigo 446.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, e artigo 73.º-D, n.º 3, do CCJ, com redução da taxa e justiça nos termos do artigo 73.º-E, n.º 1, al. b), do CCJ, e a procuradoria em um décimo da taxa de justiça devida. »
*
O DIRETOR-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA/AT reagiu, com interposição de recurso jurisdicional, cuja alegação integra as seguintes conclusões: «
A - Na “motivação da matéria de facto” foi aceite pelo Tribunal recorrido que o ora Recorrido Jurisdicional nunca fez qualquer referência ao Dec.-Lei n° 88/94, de 02/04, para além de este ter feito um pedido que intitulou “reembolso parcial”.
B - Ora, partindo da premissa anterior, o Tribunal a quo nunca poderia concluir que a Administração Tributária deveria aplicar o referido Dec.-Lei n° 88/94, por ter “entendido perfeitamente” a pretensão deduzida pelo contribuinte.
C - Se a Administração Tributária tivesse assumido a conduta preconizada pelo Tribunal recorrido, violaria o princípio da legalidade, previsto no art. 55° do CPPT a que lhe corresponde o art. 3° do CPA, por força da remissão da alínea c) do art. 2° daquele diploma.
D - Com efeito, se o contribuinte não apresenta o seu pedido correctamente ou se não o fundamenta devidamente, não incumbe à Administração Tributária “adivinhar” a pretensão correcta ou os fundamentos acertados.
E - Aliás e nesta área, pode até afirmar-se que se está perante um afloramento do princípio do dispositivo previsto no art. 264° do CPC, segundo o qual o Juiz não pode julgar extra petitum nem ultra petitum. Ou seja, a Administração Tributária está condicionada a, por critérios restritos de legalidade, proceder de acordo com o pedido dos contribuintes ou em quantidade menor que o pedido (infra petitum), mas jamais para além do pedido, ou para fora do pedido.
F - Logo, a Administração Tributária nunca poderia aplicar deixar de reembolsar a diferença existente entre a taxa prevista na Convenção celebrada entre Portugal e a Alemanha com vista à Eliminação da Dupla Tributação, e a taxa interna portuguesa.
G - Por conseguinte, o Acórdão recorrido errou ao pretender que o pedido deveria ser satisfeito ao abrigo do Dec.-Lei n° 88/94, fundamento nunca invocado ou apresentado pelo ora Recorrido Jurisdicional, pelo que violou o princípio do dispositivo.
Em face do exposto,
deverá:
- Revogar-se o Acórdão recorrido
E, em consequência,
- Declarar-se a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, no momento em que foi devolvida a importância de 292 500, 00 € (ut, alínea b) do art. 6°) »
*
A Recorrida/Rda formalizou contra-alegação, com este quadro conclusivo: «
Nestes termos, a Recorrida conclui as suas alegações requerendo que - caso o recurso não seja liminarmente rejeitado por manifesta e grosseira violação do artigo 685º-A do CPC, aplicável ex vi o artigo 2º do CPPT, por falta de verdadeira censura da sentença recorrida e de se atacar todos os aspectos relevantes dessa mesma decisão - seja o presente recurso julgado improcedente, mantendo-se, consequentemente, a sentença recorrida inalterada, porquanto:
1. Decorre das alegações de recurso que a Recorrente persiste no erro passado - a repetição de argumento já invocado perante o Tribunal a quo no sentido de que o objecto do pedido era um mero reembolso parcial de imposto - sem, refira-se, qualquer verdadeiro esforço de censurar a sentença recorrida.
2. De facto, a Recorrente não ataca a sentença recorrida nem muito menos demonstra o seu erro na apreciação da questão, questionando todos os factos relevantes dados como provados pelo Tribunal a quo para concluir pela procedência do pedido.
3. Com efeito, a Recorrente limita-se a invocar, contra os factos dados como provados e em contradição com as própria posição da AT, a qual declarou expressamente ao longo do procedimento e processo estar a apreciar se estavam reunidos os requisitos para reembolsar na totalidade o imposto retido (cf. fls. 247 a 251 e 414 dos Autos), que a Recorrida teria apenas solicitado um reembolso parcial do imposto retido no pagamento de juros de títulos da dívida de que era titular.
4. A Recorrente limita-se a insistir em que a Recorrida somente solicitou um reembolso parcial de imposto retido, para concluir que a AT e o Tribunal a quo apenas poderiam decidir no sentido preconizado de um reembolso parcial na acção administrativa especial apresentada, sob pena de violação do «princípio do dispositivo». Acontece que o próprio Tribunal a quo decidiu o contrário, isto é, decidiu que a Recorrida requereu um reembolso integral do imposto retido, que esse pedido foi inequivocamente compreendido pela AT e a própria o enquadrou «no âmbito do pedido de isenção ao abrigo do Decreto-Lei n.º 88/94, de 2 de Abril» (cf. fls. 414 dos Autos).
5. Surpreendentemente, nas alegações de recurso da Recorrente não se contesta que a Recorrida preenchia os requisitos para beneficiar de uma isenção de IRC ao abrigo do Decreto-Lei n.º 88/94, de 2 de Abril, como foi provado e na sentença recorrida se reconhece expressamente.
6. E, determinante, no caso sub judice, verifica-se que não se contesta ou sequer se censura a sentença recorrida quando nesta se conclui que a própria AT compreendeu perfeitamente que se solicitava um reembolso integral (e não parcial) e actuou com base nesse entendimento, designadamente solicitando à ora Recorrida e autoridades fiscais alemãs informação no sentido de confirmar se estariam reunidos os requisitos para aquela beneficiar de isenção de IRC.
7. Mais, nas alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, nem sequer se procura contraditar o facto da própria AT declarar expressamente no procedimento que essas informações visavam proceder ao reembolso da totalidade do imposto retido, no valor de € 1.170.000,00 (e não qualquer reembolso parcial).
8. Ora, é evidente que o recurso interposto limita-se, diga-se em abono da verdade, “recorrer por recorrer”, sem qualquer esforço de contradita ou censura à sentença recorrida, em rigor abstraindo-se completamente dos factos dados como provados e das conclusões do Tribunal a quo.
9. A Recorrente limita-se a tentar fazer valer como recurso jurisdicional a mera repetição de um débil argumento já claramente refutado e que, bem vistas as coisas, não pode, de modo algum, ser aceite por este Tribunal.
10. Ora, urge concluir que não há qualquer violação do «princípio do dispositivo» pela sentença recorrida quando o Tribunal a quo decide precisamente nos termos solicitados pela Recorrida na acção administrativa especial e nos mesmíssimos termos já anteriormente requeridos no procedimento administrativo em que reclamou o reembolso integral no imposto retido ao abrigo do Decreto-Lei n.º 88/94, de 2 de Abril.
11. Razão pela qual dever-se-á decidir que a decisão a quo não merece qualquer censura e deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente.
12. Finalmente, refira-se que o fundamento em que se baseia o presente recurso, em contradição flagrante com a posição antes assumida pela AT sobre a natureza do pedido de reembolso apresentado pela Recorrida (i.e., que se trata de um pedido de reembolso total e ao abrigo do Decreto-Lei n.º 88/94, de 2 de Abril), implica mesmo que se reitere a arguição de que o mesmo consubstancia, afinal, litigância de má-fé da Recorrente.
13. De facto, a insistência da arguição, como fundamento do presente recurso, de uma posição que é flagrantemente contrária às declarações expressas da própria AT que o pedido respeitava a um reembolso integral e se enquadrava nos termos do Decreto-Lei n.º 88/94, de 2 de Abril (cf. fls. 247 a 251 dos Autos), conforme expressamente reconhecido na sentença recorrida (cf. fls. 414 dos Autos), é indicador de uma conduta processual reprovável passível de condenação ao abrigo do artigo 104.º, n.º 1 da LGT.

V. DO PEDIDO
Termos em que a decisão a quo não merece qualquer censura, devendo ser mantida no que respeita à procedência da acção administrativa especial apresentada pela ora Recorrida, com as devidas consequências legais.
Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA! »
*
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido do provimento do recurso.
*
Colhidos os vistos legais, compete conhecer.
*******
II
Mostra-se exarado, no acórdão recorrido: «
III. Fundamentação
Dos Factos
Factos Provados
A. A autora é uma instituição de crédito com sede na Alemanha que investe em obrigações dos Estados da União Europeia (Doc. 2 da petição inicial).
B. No dia 15/05/2002, a autora adquiriu obrigações do Tesouro (OT 5.85) da República Portuguesa (ISIN PTO-TEHOE0008), pelo valor bruto de € 109.189.863,01 e líquido de € 100.000.000,00, através de uma central de liquidação internacional denominada “C... Banking, S.A.”, a qual opera no mercado de valores mobiliários em Portugal através do “Banco B...de Negócios”, na qualidade de sub-custodiante e responsável pela retenção na fonte de imposto (Docs. 3 e 4 da PI, fls. 51/68, 113/144 e 223/226).
C. No dia 20/05/2002, o Tesouro Português procedeu ao pagamento de juros à autora no valor de € 5.850.000,00, através do “Banco B...de Negócios”, que remeteu os juros para a “C...” e esta para a autora (fls. 61 e 113/144).
D. Na mesma data, o “Banco B...de Negócios” procedeu a retenção na fonte da quantia de € 1.170.000,00, aplicando a taxa de 20% (fls. 65, 67 e 113/144).
E. O “Banco B...de Negócios - BSN” procedeu de seguida à entrega dessa quantia de imposto retida ao IGCP (fls. 64, 67 e 113/144).
F. No dia 21/08/2002, a autora dirigiu requerimento à Direção de Serviços dos Benefícios Fiscais, intitulado ‘pedido de reembolso parcial do imposto português retido na fonte sobre juros, nos termos da Convenção para evitar a Dupla Tributação entre a Alemanha e Portugal’, do qual constam os dizeres “Attached please find our claim for repayment of the portuguese tax reduction at source on interests and the certificate from C...banking which is confirming that EURO 1.170.000,00 have been deducted. Please repay this amount to our account (…)” (Doc. 5 da PI e fls. 1/8 do processo administrativo tributário apenso).
G. A autora juntou em anexo um pedido de reembolso do imposto retido, no montante de € 1.170.000,00, através de formulário MOD. 5 - RFI (denominado pedido de reembolso parcial do imposto português retido na fonte sobre dividendos, juros e royalties, nos termos da convenção para evitar a dupla tributação), nos termos que constam de fls. 19/22 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, bem como de certificado das autoridades fiscais da Alemanha, atestando a sua qualidade de residente fiscal nesse país, e de documento emitido pela “C...” atestando a data do pagamento dos juros das obrigações do Tesouro (Doc. 5 da PI).
H. No dia 05/11/2002, a autora dirigiu novo pedido à Direção de Serviços dos Benefícios Fiscais, solicitando a confirmação do recebimento do requerimento indicado no ponto F (fls. 9/10 do PAT apenso).
I. No dia 30/04/2003, a Direção de Serviços dos Benefícios Fiscais remeteu à autora carta registada com aviso de receção, com devolução do formulário MOD. 5 - RFI, para efeito de correção do pedido de reembolso no sentido de:
- estar preenchido e ser identificada a entidade residente em Portugal / entidade devedora;
- ser indicado o intermediário financeiro residente em território português que interveio na operação (fls. 12 do PAT apenso).
J. No dia 28/07/2003, a autora entregou à Direção de Serviços dos Benefícios Fiscais novo formulário MOD. 5 - RFI, para efeito do pedido de reembolso (fls. 14/15 do PAT apenso).
K. No dia 27/11/2003, a Direção de Serviços dos Benefícios Fiscais remeteu à autora carta registada com aviso de receção, notificando-a para, no prazo de 15 dias, juntar os seguintes elementos:
- identificação do número de identificação fiscal da entidade emitente dos títulos;
- identificação do código do valor mobiliário (código ISIN, número internacional de identificação de valores mobiliários);
- indicação da quantidade total de títulos, indicando a data de aquisição e data do vencimento dos mesmos;
- identificação do intermediário financeiro residente em Portugal que interveio na operação, ou do intermediário financeiro não residente em Portugal que seja cliente direto do intermediário financeiro residente neste país, sendo ainda necessário que os valores mobiliários relativos à dívida pública portuguesa tenham sido registados pela entidade registadora em território português (fls. 20 do PAT apenso).
L. No dia 10/12/2003, a autora informou a Direção de Serviços dos Benefícios Fiscais que o intermediário financeiro residente em Portugal que interveio na operação é o “Banco B...de Negócios Portugal” e novo formulário MOD. 5 - RFI (fls. 22 do PAT apenso).
M. No dia 02/02/2004, a Direção de Serviços dos Benefícios Fiscais remeteu à autora carta registada com aviso de receção, notificando-a para, no prazo de 30 dias, juntar os seguintes elementos:
- identificação do código do valor mobiliário (código ISIN, número internacional de identificação de valores mobiliários);
- indicação da quantidade total de títulos, indicando a data de aquisição e data do vencimento dos mesmos, de acordo com os registos efetuados no vosso banco (fls. 27 do PAT apenso).
N. No dia 02/03/2004, o “Banco B...de Negócios Portugal” informou a Direção de Serviços dos Benefícios Fiscais não ter qualquer registo que os referidos títulos tenham sido detidos pelo requerente (fls. 28 do PAT apenso).
O. Por despacho datado do dia 06/04/2004, o Subdiretor-Geral dos Impostos indeferiu o pedido de reembolso de IRC retido na fonte sobre juros de obrigações do tesouro relativos ano de 2002, com fundamento na inexistência de qualquer registo junto do intermediário financeiro residente em território português, impossibilitando a verificação da autora ter sido titular das referidas obrigações, nos termos que constam de fls. 12 e cujo teor aqui se dá por integramente reproduzido (Doc. 1 da PI).
P. No dia 03/05/2007, o Subdiretor-Geral dos Impostos autorizou o reembolso à autora do montante de € 292.500,00, correspondente à diferença entre o imposto liquidado e cobrado à taxa de 20% e a taxa de 15% que é o limite máximo devido nos termos da CDT entre Portugal e a Alemanha, por se ter confirmado que a requerente suportou na totalidade o imposto retido em Portugal, pelo que é parte legítima para o pedido de reembolso do mesmo, apesar de não ter retido os títulos durante todo o período (fls. 233/237).

Factos Não Provados
Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa.

Motivação de decisão de facto
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório. »
***
Primeiramente, impõe-se manifestar, ao invés do preconizado pela Rda, não haver lugar a imediata rejeição do presente recurso jurisdicional, porque o art. 685.º-A CPC é inaplicável à tramitação deste processo (1) e a alegação produzida pelo Recorrente/Rte, sintetizada nas conclusões acima transcritas, se mostra conforme com o estabelecido no art. 690.º CPC (2), permitindo, objetivamente, identificar o apontamento de errado julgamento, ao acórdão recorrido, motivo que, a proceder, determinará, como pede, a respectiva revogação.
O erro assacado decorre de se haver entendido que a impugnante/autora tem direito ao reembolso da totalidade (€ 1.170.000,00) do IRC retido na fonte, no âmbito de operação tributária sobre pagamento de juros de obrigações do tesouro, quando, para o Rte, essa devolução, apenas, deve ascender a € 292.500,00, correspondente à diferença entre o imposto liquidado e cobrado à taxa de 20% e o que era devido, à taxa de 15%, nos termos da CDT celebrada entre Portugal e a Alemanha.
O tribunal recorrido apoiou a solução sob crítica, em primeira linha, no pressuposto de que, embora a impugnante não tenha invocado, expressamente, nos pedidos de reembolso dirigidos aos serviços da administração tributária/at, o regime constante do DL. 88/94 de 2.4. (3), estes, pelas incidências do procedimento desenvolvido, entenderam que se tratava de um pedido de isenção de IRC, benefício previsto, sem dúvidas, no identificado diploma legal. Neste quadrante, o versado acórdão expendeu: «
(…).
Como ponto prévio e na senda do que foi supra sublinhado, cumpre aqui assinalar que em momento algum anterior à propositura da presente impugnação, a autora fez referência ao citado diploma legal, mormente nos pedidos de reembolso que dirigiu à Administração Fiscal.
Contudo, temos por certo que a falta de indicação do diploma legal aplicável ou a utilização de um meio erróneo não deve servir desde logo para vedar ao sujeito passivo a obtenção da tutela que pretende obter junto da Administração Fiscal. A este propósito, subscrevemos na íntegra as considerações efetuadas em aresto do TCAN de 28/09/2006 (proc. n.º 0244/06, disponível em http://www.dgsi.pt/jtcan.nsf), quanto a saber se foi ou não formulada perante a Administração uma reclamação graciosa: “[tal] devolve-se numa questão de interpretação do respetivo requerimento, interpretação que deve ser resolvida segundo o método hermenêutico que decorre dos princípios jurídicos comuns à interpretação das declarações negociais e à interpretação das leis, condensados nos arts. 236º e 9º do Código Civil, já que os requerimentos constituem declarações das partes sujeitas ao princípio da autonomia da vontade e cuja função é a de precisar os termos do assunto ou questão cuja resolução se pretende através do pedido formulado. Pedido que, constituindo o efeito jurídico, declarativo ou constitutivo, que se quer obter da Administração, pode, contudo, estar subentendido ou escondido debaixo dos termos verbais do requerimento, ser um pedido implícito, desde que revelado objetivamente (ou segundo o ponto de vista de um destinatário normal colocado na posição da destinatária - cfr. art. 236º do CC) como sendo o único reflexo lógico a que os fundamentos alegados no requerimento podem aduzir.
Em suma, sempre que haja dúvidas sobre qual seja a providência que é demandada, por não ter sido expressamente indicada, deve ela ser apurada perante o texto do requerimento, as circunstâncias que o justificam, as razões de facto e de direito aduzidas em seu fundamento e as consequências lógico-jurídicas que provocam e que o requerente pretendeu nitidamente alcançar com o pedido formulado (elementos literais, históricos, teleológicos e sistemáticos, quer de ordem interna do requerimento, quer do sistema jurídico atingido pelos fundamentos invocados).”
Ora, no caso em apreciação, a autora efetua um pedido que ela própria intitula de ‘reembolso parcial’ (‘claim for parcial repayment’, no original inglês), mas em que solicita de forma inequívoca o pagamento de € 1.170.000,00, ou seja, a totalidade do imposto retido na fonte.
E se é verdade que o formulário utilizado foi efetivamente o de pedido de reembolso parcial, para evitar a dupla tributação, tal circunstância assentou na falta de requerimento próprio para o efeito, como afirma a autora e não é disputado pelo réu. Sendo certo que, na sequência das notificações que lhe foram dirigidas, a autora remeteu informações à Administração Fiscal, das quais se pode retirar o teor da sua pretensão, posto que estavam em causa juros de títulos de dívida pública.
Como já ficou expresso, a pretensão do sujeito passivo deve ser apurada perante o texto do requerimento, as circunstâncias que o justificam, as razões de facto e de direito aduzidas em seu fundamento e as consequências lógico-jurídicas que provocam e que pretendia alcançar com o pedido formulado.
E neste conspecto, cremos ser sintomático que as notificações dirigidas à autora pela Direção dos Serviços dos Benefícios Fiscais, na sequência do pedido de reembolso, claramente divergem no seu sentido. De facto, ao passo que a primeira notificação menciona como assunto ‘pedido de reembolso parcial do imposto português’, já as seguintes se referem a ‘pedido de reembolso de imposto português’, fazendo-se referência a estarem em causa valores mobiliários relativos à dívida pública portuguesa.
Ademais, a decisão ora impugnada igualmente se pronuncia sobre vários pedidos de ‘reembolso de imposto português sobre juros de títulos de dívida pública’.
Donde se retira inequivocamente que a Administração Fiscal entendeu o alcance do requerimento da autora, ainda que não inicialmente, mas seguramente com os requerimentos que posteriormente lhe foram dirigidos, por forma a enquadrá-lo no âmbito de pedido de isenção ao abrigo do Decreto-Lei n.º 88/94. »
Para o Rte, esta posição, a ser assumida pela at, implicaria violação do princípio da legalidade, imposto, ao exercício das suas atribuições, pelo art. 55.º LGT, na perspectiva de que não tem de “adivinhar” a pretensão correta ou os fundamentos certos do impetrado pelos contribuintes.
O coligido primado, da atividade administrativa em geral, exige que os órgãos da administração pública, v.g., tributária, atuem em obediência à lei e ao direito, nos limites dos poderes atribuídos e em conformidade com os fins para que estes lhes foram conferidos (4). Ora, se, num imediato impulso, esta formulação parece, consistentemente, apoiar o sustentado pelo Rte, não podemos olvidar a necessidade, hodierna, cada vez mais subscrita, de efetivar uma aplicação concertada, interdependente, dos vários princípios estruturantes da atuação dos entes administrativos, de molde a conseguir resultados, tendencialmente, justos e equilibrados. Queremos, com isto, significar, por exemplo, ser preciso temperar as, aparentemente, rígidas exigências do princípio da legalidade com alguma flexibilidade subjacente ao princípio da justiça (5), enquanto orientador dos serviços no sentido de tratarem de forma justa os administrados, intentando, para o efeito, sempre, descobrir a verdade material, ainda que o resultado seja contrário aos interesses a defender, patrimoniais no caso, específico, da at.
Neste enquadramento, quanto ao litígio em presença, não obstante a circunstância de a impugnante, no requerimento identificado no ponto F. dos factos provados, ter omitido qualquer tipo de referência ao DL. 88/94 de 2.4., tal como o tribunal recorrido, julgamos que os intervenientes serviços da at conseguiram, antes de emitir o despacho impugnado, percepcionar estarem a lidar com um pedido de isenção de IRC, objetiva e especificamente, enquadrável no regime jurídico daquele diploma. Na realidade, versando, com atenção, o conjunto de diligências retratadas nas alíneas I. a M. dos factos provados, resultam, manifestos, indícios a apontar nessa direção, como é o caso, do explícito apontamento da necessidade de que “os valores mobiliários relativos à dívida pública portuguesa tenham sido registados pela entidade registadora em território português” – cfr. parte final da alínea K. Aliás, a confirmação desta avaliação reside no fundamento adoptado pelo despacho (impugnado) que indeferiu o pedido de reembolso do IRC retido, ipsis verbis, na inexistência de qualquer registo junto do intermediário financeiro residente em território português, impossibilitando a verificação da autora ter sido titular das referidas obrigações - alínea O. dos factos provados.
Acresce, versada a posterior decisão (6), do mesmo Subdiretor-Geral dos Impostos, autorizando o reembolso do montante de € 292.500,00, ser possível constatar que o respectivo enquadramento jurídico é, na totalidade, referido ao DL. 88/94 de 2.4., dissipando-se, assim, quaisquer dúvidas sobre a abordagem, no todo, empreendida pela at, independentemente, das omissões/imprecisões atribuíveis ao pedido inicial da autora.
Em suma, a defesa, pelo acórdão recorrido, de que a at entendeu e assumiu estar a tratar de um pedido de isenção de IRC, apoiado pelo regime instituído no DL. 88/94 de 2.4., tem de manter-se, porque, tal solução, não implica qualquer violação do princípio da legalidade, conjugado com o da justiça, como acima se sustentou. Por outro lado, o judiciado de forma alguma traduz afronta ao princípio do dispositivo, traduzido no art. 264.º CPC. Efetivamente, compulsada a petição inicial desta ação administrativa especial, é evidente, como causa de pedir, o apontar de ilegalidade ao despacho impugnado “por violação das várias regras do Decreto-Lei n.º 88/94, de 2 de Abril,…”, não fazendo sentido tentar alargar a abrangência deste princípio processual judicial até às incidências privativas do procedimento (administrativo) tributário.
Antes de, em consequência do expendido, desacolher este apelo, cumpre referir que o tribunal de 1.ª instância enfrentou e dirimiu a questão de saber se a autora reunia condições para beneficiar da isenção de IRC, prevista e disciplinada no DL. 88/94 de 2.4., tendo chegado à conclusão de que, no âmbito deste processo judicial, conseguiu comprovar, enquanto entidade não residente, os requisitos indispensáveis para usufruir da mercê em causa. Ora, apesar de a consideração dos termos em que se acham elaboradas as decisões, da entidade administrativa competente, mencionadas nos pontos O. e P. dos factos provados, nitidamente (7), apontarem no sentido de que a requerente não reunia todas as condições para poder beneficiar do regime instituído no disputado diploma legal, o Rte, como é patente da síntese traduzida nas conclusões inicialmente reproduzidas, de forma alguma atacou o julgamento efetivado quanto a esta específica e determinante matéria, o que, sem mais, impõe a respectiva subsistência.
*******
III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se negar provimento ao recurso.
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Custas a cargo do recorrente.
*
(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 21 de maio de 2013

ANÍBAL FERRAZ
JORGE CORTÊS
EUGÉNIO SEQUEIRA



1- Por força do, expressamente, disposto no art. 11.º n.º 1 DL. 303/2007 de 24.8.
2- Redação anterior à vigência do DL. 303/2007 de 24.8.
3- Isentava, de IRS ou IRC, os rendimentos de valores mobiliários representativos de dívida pública qualificáveis como rendimentos de capitais, obtidos por entidades que em território português não tivessem residência, sede …
4- Cfr. art. 3.º Código do Procedimento Administrativo/CPA.
5- Igualmente, previsto, de modo expresso, no art. 55.º LGT.
6- Cfr., P. dos factos provados.
7- Em comum, a falta de registo nas contas das instituições depositárias e, acrescentando a segunda, o facto de “a requerente apenas adquiriu os títulos 5 dias antes da data do vencimento dos juros” – cfr. fls. 236.