Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:178/22.2 BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/09/2023
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:TAD
LEGITIMIDADE ATIVA
Sumário:Havendo um prejuízo direto e, conexamente, uma vantagem para o A., ora Recorrente, que decorra imediatamente da impugnação da decisão do Conselho Jurisdicional da Recorrida, desde logo, a sua declaração de nulidade ou anulação, mantendo-se na ordem jurídica a decisão revogada, proferida pelo seu Conselho de Disciplina, mais favorável para o A., ora Recorrente, outra conclusão não se pode retirar que não seja a de que o A. é parte legítima para intentar a presente ação junto do TAD.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O A., Centro Recreativo e Cultural de Távora veio interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral de Desporto (TAD), em 04.10.2022, que, no âmbito do processo n.º 53/2020, absolveu da instância a R., Associação de Futebol de Viana do Castelo (AFVC), dando por verificada a exceção dilatória de ilegitimidade ativa, na ação que o A., ora Recorrente, intentou junto daquele tribunal arbitral e na qual havia peticionado a título principal, a declaração de nulidade do acórdão do Conselho Jurisdicional da R., que, tendo revogado o acórdão do seu Conselho de Disciplina, aplicou ao ali arguido N… Futebol Clube, a sanção de derrota por 3-0, no jogo n.° 204.0.158.0 que este clube disputou em 17.03.2013 contra o Grupo Desportivo de B…. Nos autos, indicou como contrainteressados o Grupo Desportivo de B… e o Sport Clube V….


Em sede de alegações de recurso, concluiu como se segue – cfr. fls. 44 e ss., do SITAF:

«(…)

A) O presente recurso tem por objeto o Acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto proferido em 04 de Outubro de 2022, que julgou improcedente a ação por verificação da existência de uma exceção dilatória insuprível (ilegitimidade ativa), e absolveu a Demandada da instância.

B) O Tribunal a quo concluiu que “Para efeitos disciplinares, não integra o conceito de contrainteressado todo aquele que não é sujeito da relação material controvertida em apreciação, excluindo-se, assim, da mesma todos aqueles que, em abstrato, de forma indireta, reflexa ou mediata, possam vir a alegar um prejuízo”, sendo que, por via disso, “Não comete qualquer nulidade, por preterição de citação, o órgão jurisdicional que promove, em sede de recurso, a citação exclusivamente dos intervenientes na relação material controvertida, objeto do processo disciplinar que deu origem à interposição do dito recurso administrativo ou gracioso”.

C) Com o devido respeito, o Recorrente não pode, de todo, aceitar estes argumentos baseados em correntes doutrinais e de opinião atualmente minoritárias, pelo que considera-se que o Acórdão proferido pelo Colégio de Árbitros do TAD incorre em manifesto erro de julgamento, coartando ilegalmente os mecanismos de defesa do Recorrente, violando o princípio do contraditório e violando inclusivamente princípios constitucionais, impondo-se, por isso, a sua. anulação.

D) Dispõe o artigo 57° do CPTA que, nos processos de impugnação de atos administrativos, “Para além da entidade autora do ato impugnado, são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo”, Em termos idênticos, a figura é referida em sede dos processos de condenação à prática de atos administrativos, no artigo 68° n.° 2 do CPTA.

E) A figura dos contrainteressados tem sido ao longo dos anos uma questão controversa no Direito Processual Administrativo e na Arbitragem, admitindo-se que, em geral, a delimitação dos contrainteressados é efetuada de acordo com o conceito utilizado pelo artigo 10°, n.° 1, do CPTA, no âmbito da legitimidade processual, correspondendo a quem tenha “interesses contrapostos ao autor” ou a existência de legítimo interesse “na manutenção do ato impugnado” (artigos 57,° do CPTA) ou a possibilidade de prejudicar diretamente a prática de um ato administrativo (68.°, n.° 2, do CPTA).

F) Atualmente, é corrente dominante que os contrainteressados são efetivamente partes processuais, defendendo que os contrainteressados são verdadeiros sujeitos processuais que carecem de tutela, devendo ser protegidos pelo princípio da tutela jurisdicional efetiva (art. 20° e 268°/4 da CRP) e pelo princípio do contraditório, que impõe obrigatoriamente a intervenção destes no processo (art. 2o e 95° CPTA e 3.° CPC).

G) Assim, cabe desde logo ao autor, quando propõe a ação, indicar, na sua petição inicial, quem serão os eventuais contrainteressados para que estes tomem conhecimento de que são parte num processo (art. 78°/2/b) e 78°-A CPTA), sendo que somente com a possibilidade de todos intervirem na ação é que a decisão pode vincular eficazmente todos os que por ela possam ser afetados

H) O contrainteressado tem de ser titular de uma posição substantiva, de um direito ou interesse legalmente protegido, tomando como referência a concreta relação material controvertida trazida a juízo (art. 268° CRP), havendo que aferir caso a caso qual o prejuízo que resulta da procedência da ação para o contrainteressado e que leva à eliminação de uma vantagem que lhe foi concedida.

I) Deve, pois, ser feito um juízo de prognose, de modo a determinar se o contrainteressado é efetivamente prejudicado pelo ato praticado e se sim, quais os danos que teria se não fosse chamado a juízo.

J) A doutrina dominante considera que os contrainteressados são intervenientes necessários no processo, sendo que, pelo facto de verem a sua situação jurídica definida pela prática de determinado ato administrativo, têm direito a intervir no processo, não podendo ser deixados à margem deste. Neste novo paradigma do Contencioso Administrativo, devem ser vistos como sujeitos principais dotados de legitimidade ativa e passiva, tanto que o CPTA distingue a participação dos contrainteressados como partes principais (art. 10°/1) da intervenção de terceiros (art. 10°/10)”. Deve ser adotado um conceito amplo de contrainteressado, sendo necessário fugir ao teor literal dos artigos 57° e 68° n.° 2 do CPTA.

K) O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/11/2015 determina que “Na categoria de contra interessado cabem, pois, duas espécies de pessoas; em primeiro lugar, aquelas que são diretamente prejudicados pela anulação ou declaração de nulidade do ato impugnado e, depois, aquelas cujo prejuízo não resulta diretamente dessa anulação ou declaração de nulidade mas que, ainda assim, têm interesse legítimo na manutenção do ato visto que, se assim não for, verão a sua esfera jurídica ser negativamente afetada

L) Paulo Otero explica que “a simples circunstância de o contrainteressado ser materialmente titular de interesses que justificam ser chamado ao processo permite encontrar o fundamento da sua intervenção processual no âmbito do direito fundamental de acesso à justiça que o artigo 20° da Constituição garantem todas as pessoas, desenvolvido e completado peio direito a uma tutela jurisdicional efetiva dos administrados em sede de contencioso administrativo” Logo, a tutela processual dos contrainteressados é um corolário do princípio da justiça administrativa, do princípio do contraditório, e, do princípio da igualdade das partes.

M) Os artigos 57° e 68° n.° 2 do CPTA dão concretização ao regime da legitimidade passiva constante no artigo 10° n.° 1, 2.a parte, do CPTA, que estipula a obrigatoriedade do chamamento ao processo dos contrainteressados. Portanto cabe ao autor, na petição inicial, indicar quem serão os eventuais contrainteressados. Se não o fizer dá azo à recusa da petição pela secretaria nos termos do artigo 80° n. °1 alíneas b) e c) do CPTA). Estamos perante o instituto do litisconsórcio necessário passivo.

N) Em suma, o fundamento da intervenção processual dos contrainteressados no processo assenta em valores de índole constitucional - o direito de acesso à justiça e o direito a uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados conjugados com o princípio do contraditório e o princípio da igualdade das partes, pelo que a situação dos contrainteressados deve ser enquadrada no instituto do litisconsórcio necessário.

O) Transportando o exposto para os factos ocorridos e para os fundamentos da decisão recorrida, parece-nos clara e evidente a posição de contrainteressado do ora Recorrente no âmbito do recurso apresentado pelo GD B… perante o Conselho de Justiça da Demandada.

P) No momento em que o GD B… apresentou tal Recurso pedindo a condenação do N… FC em pena de derrota no encontro disputado entre ambos em 17/03/2013 e, consequentemente, a atribuição dos pontos de vitória a si próprio, tal facto podia acarretar a que o GD B… fosse beneficiado, na prática, com mais 2 pontos na tabela classificativa (pois pelo empate verificado nesse jogo já tinha conquistado um ponto).

Q) Este facto, desde logo, podia potenciar ao GD B… uma pontuação de 29 pontos em vez dos 27, o que desde logo lhe traria grande vantagem na luta pela manutenção (mesmo folgando na 30° e última jornada), pois ficava com 4 pontos a mais do que o antepenúltimo classificado (precisamente o ora Recorrente), condenando quase irremediavelmente este clube à descida.

R) Em face do descrito, era mais do que evidente que o CRC Távora, no momento da interposição desse recurso, era parte interessada no mesmo, nos termos do n.° 1 do artigo 37° e do n.° 2 do artigo 21° do Regimento do Conselho de Justiça da FPF, na medida em que a procedência desse recurso o podia diretamente prejudicar (como efetivamente veio a acontecer), pelo que deveria ter sido indicado como contrainteressado pelo GD B….

S) Aliás, em boa verdade e rigor, no momento da interposição desse recurso e em face da tabela classificativa, deveria o Recorrente GD B… ter indicado como contrainteressados, não somente o N… FC e o CRC Távora, como também, efetivamente, o SC V…, e ainda todos os outros clubes que poderiam ser diretamente afetados pela procedência desse recurso e que poderiam ser ultrapassados na tabela classificativa pelo GD B… e, por ventura, verem-se numa situação de despromoção, tal como veio a acontecer com o CRC Távora, quais sejam: a UD Lanheses, a AD Campos, o GD Moreira de Lima e o Vitorino de Piães.

T) Efetivamente, o interesse em agir e os prejuízos emanados da procedência de um recurso terão de ser aferidos no momento em que o recurso é apresentado em juízo, pelo que, em 31/05/2013, todos esses clubes poderiam ser eventualmente prejudicados pela procedência do Recurso.

U) Perante essa lacuna do GD B…, o Conselho Jurisdicional deveria ter indeferido liminarmente a admissão do recurso, nos termos do artigo 39°, n.° 1, do Regimento, o que não fez, ou, pelo menos, deveria ter notificado o Recorrente para vir sanar tal vício, nos termos do artigo 25°, do Regimento, o que também não fez.

V) Quando a decisão do Acórdão do Conselho de Justiça é publicada em Comunicado Oficial, já o campeonato tinha terminado e o CRC Távora havia alcançado a permanência na última jornada, atingindo 29 pontos contra os 28 do GD B…. Contudo, tal Acórdão veio inverter a posição desses clubes, ficando o GD B… com 30 pontos e obtido a permanência, ao mesmo tempo que o CRC Távora, com os seus 29 pontos, se viu relegado para a divisão inferior.

X) É, pois, evidente e inegável que o Conselho Jurisdicional da Demandada cometeu uma série de atos ilícitos e, com o Acórdão que proferiu, ditou a despromoção do ora Recorrente à divisão inferior da AF Viana Castelo, sem que tivesse dado oportunidade a este (e aos demais clubes interessados) de se pronunciar relativamente ao recurso apresentado pelo GD B…, isto porque o provimento desse recurso seria prejudicial para o CRC Távora, pois era suscetível de atingir e violar os seus direitos e legítimas expectativas (tal como veio efetivamente a acontecer.

W) O Conselho Jurisdicional da Demandada violou as disposições contidas nos artigos 37°. n.° 1, 39°, n.° 1, 21°, n.° 2, e 25° do Regimento do Conselho de Justiça da FPF ex vi artigo 57° do CPTA, e com isso os princípios da legalidade, da justiça e da equidade e do contraditório, tendo proferido o Acórdão com desrespeito absoluto por essas normas do Regimento, decisão essa que atingiu diretamente a esfera jurídico- desportiva do CRC Távora, dado que, com tal Acórdão, a equipa do CRC Távora foi despromovida à divisão inferior da AF Viana Castelo.

Y) A conduta do Conselho Jurisdicional da AF Viana Castelo foi ainda mais censurável na medida em que, tal como consta dos presentes autos, o CRC Távora apresentou, oportunamente, dois requerimentos a alertar para a questão da violação de formalidades essenciais que poderia acarretar a nulidade de todo o processado.

Z) O Conselho Jurisdicional da AF Viana Castelo julga em última instância, pelo que o CRC Távora viu-se obrigado a recorrer ao Tribunal a quo para impugnar o ato administrativo praticado por esse órgão jurisdicional, por forma a salvaguardar os seus legítimos interesses e direitos, pois foi indevidamente forçado a disputar uma divisão inferior aquela a que deveria disputar por direito em função da sua pontuação classificativa.

AA) Ao longo de toda a sua P.l. que gerou os autos em causa, o ora Recorrente enunciou cabalmente factos e circunstancialismos que traduzem no interesse direto nesta demanda e que da procedência da mesma retirará benefício ou utilidade, pelo que é mais do que evidente que o ora Recorrente é contrainteressado nessa contenda disciplinar e, como tal, parte legítima nos presentes autos, porquanto se verifica um nexo de conexão direto e imediato entre o ato em causa que decidiu o processo disciplinar sub judice e a descida de divisão da sua equipa de futebol.

AB) Por tudo o exposto, somente se pode concluir que na relação jurídica material controvertida sub judice o ora Recorrente era efetivamente contrainteressado, pelo que advém dessa realidade a sua legitimidade nos presentes autos.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente Recurso Jurisdicional e, consequentemente, ser revogado o Acórdão Arbitral de que ora se recorre, devendo ainda ser ordenado o prosseguimento desses autos tendente a ser proferida decisão acerca do objeto em litígio (…).»


Não foram apresentadas contra-alegações.


O DMMP junto deste tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art. 146.º e do n.º 2 do art. 147.º, ambos do CPTA, não se pronunciou.


Com dispensa dos vistos, atenta a natureza urgente dos autos, vem o processo à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

I. 1. Questões a apreciar e decidir

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar e decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter concluído pela sua ilegitimidade ativa para intentar a presente ação junto do TAD, de impugnação do acórdão do Conselho Jurisdicional da Recorrida, que revogou a decisão proferida pelo seu Conselho de Disciplina e aplicou ao ali arguido a sanção de derrota por 3-0 no jogo n.° 204.0.158.0, que este clube disputou em 17.03.2013.

II. Fundamentação

II.1. De Facto

A matéria de facto constante da decisão recorrida é aqui transcrita ipsis verbis - cfr. fls. 4 e ss., ref. SITAF:

«(…)

1. O Demandante é uma coletividade desportiva, filiada na Demandada e, por conseguinte, na Federação Portuguesa de Futebol, cuja equipa sénior de futebol disputou na época desportiva de 2013/2014 a Divisão de Honra da Associação de Futebol de Viana do Castelo;

2. O Conselho Jurisdicional da Demandada é um órgão jurisdicional integrado na mesma entidade que se encontra, por sua vez, integrada na Federação Portuguesa de Futebol e que detém o Estatuto de Utilidade Pública Desportiva, através do qual lhe é atribuída a competência para o exercício de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza jurídico- pública, dentro do respectivo âmbito de jurisdição territorial no Distrito de Viana do Castelo.

3. A Federação Portuguesa de Futebol é a entidade tutelar do futebol português, a quem também é atribuída competência para o exercício de poderes regulamentares, disciplinares e de outros de natureza pública em todo o território nacional.

4. Na sequência do jogo GD B… / N… FC, realizado em 17/03/2013, a contar para a 23° Jornada do Campeonato Distrital da Divisão de Honra da Demandada ("AF Viana Castelo”) da época desportiva de 2012/2013, e que terminou “empatado a uma bola”, foi aberto processo disciplinar contra o N… FC e o seu treinador F… por deliberação do Conselho de Disciplina da Demandada, por alegada recusa desse treinador em acatar uma ordem de expulsão dada pelo árbitro, sendo tal facto suscetível de integrar o ilícito disciplinar previsto e punido pelo artigo 77° do Regulamento de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (doravante “RD”), o qual tem como título “Do não acatamento da ordem de expulsão" e prevê uma moldura sancionatória de derrota no jogo e multa de €1.000 a €2.000;

5. Por deliberação do Conselho de Disciplina da Demandada, o N… Futebol Clube foi absolvido dos factos pelos quais estava acusado e o seu treinador suspenso por 40 dias e aplicada a pena de multa de €100;

6. Foi ordenada também a homologação do resultado do encontro (1 -1);

7. Inconformado com esta decisão do Conselho de Disciplina da AFVC, o GD B..., em 27/05/2013, interpôs recurso dessa deliberação para o CJ, tendo identificado como interessado, nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 37.° do RCJ, o N… Futebol Clube, tal como resulta do introito do recurso interposto pelo GD B..., tendo o recurso sido dirigido ao Conselho Jurisdicional da Demandada em 04/06/2013;

8. Em 27/06/2013, o Conselho Jurisdicional proferiu acórdão, revogando a deliberação recorrida e punindo o N... FC com pena de derrota por 3-0 no jogo em questão, atribuindo os 3 pontos da vitória ao GD B..., tendo tal decisão sido publicitada através de Comunicado Oficial da Demandada;

9. O Acórdão foi proferido sem o Conselho Jurisdicional ter ordenado a citação do N... FC, indicado como Interessado pelo Recorrente GD B..., em violação do disposto no artigo 40° do Regimento do Conselho de Justiça da FPF;

10. O N... FC apresentou requerimento junto desse Conselho Jurisdicional reclamando da sua não citação, como parte interessada no Recurso, e pedindo a anulação de todo o processado desde a interposição do recurso, assim como a sua necessária citação;

11. Na data em que foi apresentado pelo GD B... (31/05/2013), tinham- se disputado 26 de 28 jornadas no Campeonato da Divisão de Honra da Demandada, sendo a classificação a que consta do doc. de fls., sob o n.° 7, retirada do site wvAv.zerozero.pt, especializado em futebol;

12. Na data em que a decisão do Conselho Jurisdicional é publicada em Comunicado Oficial, já o campeonato tinha terminado e o CRC Távora havia alcançado a permanência na última jornada, atingindo 29 pontos contra os 28 do GD B...;

13. O Demandante apresentou um requerimento perante aquele Conselho Jurisdicional, expondo a situação e pedindo também a anulação de todo o processado após a interposição do recurso, assim como a revogação do acórdão proferido;

14.Na sequência do requerimento do Demandante, a par do também apresentado pelo N… FC, o Conselho Jurisdicional da Demandada deliberou a anulação de todo o processado desde a interposição do Recurso;

15. O Conselho Jurisdicional da Demandada ordenou a citação do N… FC para, querendo, pronunciar-se, tendo o Demandante remetido novo requerimento ao Conselho Jurisdicional, reiterando o pedido para que fosse também citado para se pronunciar;

16. O N... FC apresentou a sua pronúncia, invocando que tal recurso era inadmissível em virtude da não indicação como partes interessadas do Demandante e também do SC Valenciano;

17. O Conselho Jurisdicional da Demandada proferiu novo acórdão, datado de 27/07/2013 decidindo pela atribuição de derrota do N... FC no jogo em causa e a atribuição dos pontos da vitória ao clube recorrente GD B...;

18. Consequentemente, o GD B... permaneceu na Divisão de Honra da Demandada e o Demandante foi relegado para a divisão inferior;

19. A Demandada é uma associação territorial de clubes, de direito privado e com estatuto de utilidade pública, que está filiada na Federação Portuguesa de Futebol e tem como objeto, nomeadamente, a promoção, regulamentação e direção da prática do futebol amador, com área de atuação correspondente ao Distrito de Viana do Castelo;

20. A Demandada é detentora do estatuto de Pessoa Colectiva de utilidade Pública e não tem fins lucrativos, tendo sido constituída sob a forma de associação de direito privado, sendo que os seus fins principais são a promoção, a regulamentação e a direção da prática do futebol não profissional, em todas as suas variantes, na sua área de intervenção;

21. A Demandada realiza os seus fins por intermédio do Conselho de Justiça;

22. O CJ é destituído de personalidade jurídica, sendo apenas um dos vários órgãos da Demandada;

23. A única pontuação final, para efeitos da decisão do CJ, que pode sofrer alteração é a do GD B... e do N... Futebol Clube.

24. A pontuação do Demandante manteve-se inalterada após a decisão proferida pelo CJ, sem prejuízo de ter alterado a sua posição na classificação final do campeonato em consequência de a um terceiro clube (N... Futebol Clube) ter sido aplicada a pena de derrota;

25. A única consequência que advém da decisão do CJ é uma reordenação da classificação final de fodos os clubes associados e que disputaram o campeonato de futebol, em consequência da alteração da pontuação;

26. Nenhum outro clube instaurou qualquer providência cautelar ou ação administrativa especial contra a Demandada, nem o N... Futebol Clube, diretamente prejudicado, nem os demais clubes que estavam em posição de descida de divisão, a saber; ARC Paçô e FC Vila Franca;

27. À data em foi interposto recurso (31.05.2013), a época ainda não tinha terminado, faltando ainda por disputar duas jornadas e ocorrer os encontros n.os 204.00.197.0 a 204.00.2010.0 5, não sendo possível, por isso, ao GD B... e ao CJ fazer essa identificação, por não saber quem potencialmente poderia descer de divisão;

28. Em 31.05.2013, o GD B... tinha apenas um jogo por disputar que se realizou, no dia 02.06.2013, contra o Centro Recreativo e Cultural Távora, cujo resultado foi o empate;

29. O Demandante, no dia 31.05.2012, ainda tinha dois encontros por disputar, que apenas lhe permitiriam, em caso de vitórias, terminar o campeonato com a pontuação final de 31 pontos, o que em nada beliscaria a procedência ou não do recurso interposto pelo GD B...;

30. O CJ proferiu o acórdão sub judice no pretérito dia 27.07.2013;

31.O Demandante foi notificado do acórdão proferido pelo CJ no pretérito dia 01.08.2013;

32. O Demandante instaurou providência cautelar, com decretamento provisório, de suspensão da deliberação plasmada no acórdão sub judice, proferido pelo CJ, no processo n.° 1300/13.5BEBRG, que correu seus termos pela Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, por sentença transitada em julgado;

33.A providência cautelar instaurada pelo Demandante no processo supramencionado tinha a mesma causa de pedir que a dos presentes autos;

34. O Demandante na providência cautelar supramencionada indicou que a ação principal seria configurada como uma “ação de impugnação de ato administrativo, a interpor nos termos do artigo 50°, n.° 1, do CPTA, tendente à anulação do acórdão do Conselho Jurisdicional da Associação de Futebol de Viana do Castelo, datado de 27/07/2013

35. Em 05.02.2015, o Demandante instaurou, no TAF de Braga, a presente ação administrativa especial de impugnação do acórdão sub judice tendo imputado ao acórdão em apreço (apenas) o vício de falta de citação enquanto alegado contrainteressado.

36. Por sentença de 2606.2020 do TAF de Braga - UO 1, proferida no processo n.° 521/15.0BEBRG - 2.a espécie, este Tribunal declarou a incompetência material, em razão da jurisdição, para conhecer do litígio entre as Partes, tal como consta no ponto I, autuado neste Tribunal como Processo n.° 53/2020, a que se seguiu a tramitação descrita no ponto IV. (…)».


II.2. De Direito
i) Do erro de julgamento em que incorreu a decisão recorrida ao ter considerado, ao abrigo das disposições conjugadas dos «(…) art.° 9.°, n.° 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), conjugado com os art.° 55°, n.° 1, alínea a) do CPTA.», que «[n]ão sendo parte, nem contrainteressada na relação jurídica material controvertida, não pode agora a Demandante arrogar uma legitimidade processual que a factualidade relevante para o objeto do litígio não lhe confere».
Insurge-se o A., ora Recorrente, contra o assim decidido, alegando e concluindo, em suma, que seja «dado provimento ao presente Recurso Jurisdicional e, consequentemente, (…) revogado o Acórdão Arbitral de que ora se recorre, devendo ainda ser ordenado o prosseguimento desses autos tendente a ser proferida decisão acerca do objeto em litígio.»
Cumpre decidir.
O objeto da ação foi assim delimitado pelo tribunal a quo:
«VI.
Do saneamento do processo
Na sequência do despacho arbitral n.° 1, o presente Colégio Arbitral, compulsados os pedidos e argumentação das partes, para efeitos da delimitação da instrução prevista no artigo 57°, n.° 2, da Lei do TAD, fixou como objeto as seguintes exceções e questões essenciais, que assim se enunciam, ali de forma meramente preliminar:
1) da inutilidade superveniente da lide;
2) da ilegitimidade ativa do Demandante;
3) da inimpugnabilidade do ato impugnado, por caducidade do direito de ação;
4) da legalidade do acórdão recorrido e eventuais consequências legais com impacto na esfera jurídica do Demandante.
A final, e depois de pronúncia sobre a improcedência da inutilidade superveniente da lide, prevista no artigo 277°, alínea e) do Código de Processo Civil (CPC), a delimitação do objeto do presente litígio integra as seguintes questões:
i) aferir se o Demandante é parte legítima, chamando ainda à colação o disposto no artigo 9.°, n.° 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), conjugado com os artigos 55°, n.° 1, alínea a) e 57° do CPTA;
ii) apreciar a legalidade do acórdão recorrido, e designadamente se, a existir uma situação de ilegalidade, a mesma deve ser configurada como de anulabilidade ou de nulidade, nos termos previstos no Código do Procedimento Administrativo e demais legislação regulamentar aplicável;
e,
iii) se se verifica a inimpugnabilidade do ato impugnado, por ter decorrido o prazo, considerando ainda o disposto no artigo 58.° do CPTA. (…)».

Neste pressuposto, reapreciando a decisão do tribunal a quo que recaiu sobre a suscitada ilegitimidade ativa do A., ora Recorrente - cfr. alínea i) que imediatamente antecede -, cumpre realçar, desde logo com respaldo nos factos provados, o seguinte:
O acórdão do Conselho de Jurisdicional da Recorrida, datado de 27.07.2013, e impugnado junto do tribunal a quo, decidiu, revogando a decisão do Conselho de Disciplina, pela aplicação da pena disciplinar de derrota por 0-3 ao N... Futebol Clube, com a consequente atribuição dos pontos da vitória ao Grupo Desportivo B..., com quem havia disputado o jogo em causa – cfr. factos n.º 17 e 30 supra.
Na sequência do que, o Grupo Desportivo B... permaneceu na Divisão de Honra e o A., ora Recorrente, foi relegado para a divisão inferior – cfr. facto n.º 18 supra.
A única pontuação absoluta final que sofreu alteração, por efeito da decisão do Conselho Jurisdicional impugnada junto do TAD, foi a pontuação dos dois clubes que disputaram o jogo entre si, pois que um ficou vencedor e outro vencido – cfr. facto n.º 23 supra e do qual se considera não escrita a parte final com o seguinte teor «sendo, por isso, este último o único prejudicado diretamente», por conclusiva – cfr. art. 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art. 140.º do CPTA – e conforme se fez constar já da transcrição supra dos factos julgados provados pelo tribunal a quo.
Pese embora a pontuação absoluta do A., ora Recorrente, se tenha mantido inalterada pela decisão proferida pelo Conselho Jurisdicional da Recorrida – cfr. facto n.º 24 supra – certo é que a sua posição relativa na classificação final do campeonato foi alterada em consequência desta mesma decisão – cfr. facto n.º 24 idem.
A decisão do Conselho Jurisdicional da Recorrida impugnada junto do TAD na presente ação, teve como consequência uma reordenação da classificação final dos clubes associados que disputaram aquele campeonato de futebol, ou seja, provocou uma alteração da posição relativa de algumas equipas, de entre as quais, a do A., ora Recorrente – cfr. facto n.º 25 supra.
Ad latere, de realçar ainda que o A., ora Recorrente, foi notificado desta decisão do Conselho Jurisdicional da Recorrida – cfr. facto n.º 31 supra.
Aqui chegados, e tendo resultado provado que, como consequência da decisão proferida pelo Conselho de Justiça da Recorrida, a posição relativa do A., ora Recorrente, se alterou, tendo este, inclusivamente, descido de divisão, não se percebe como é que, em sede de apreciação do pressuposto processual da legitimidade ativa, enquanto exceção dilatória, se considerou, face a todo o exposto, que o Recorrente, ali demandante, não teria um interesse direto em demandar, impugnando o assim decidido, que, como vimos o prejudicou diretamente, tendo sido lesado por tal decisão – cfr. factos n.º 17, 18, 23, 24 e 25 supra transcritos.
Nos processos de jurisdição arbitral necessária que correm termos no TAD, «[t]em legitimidade para intervir como parte em processo arbitral necessário no TAD quem for titular de um interesse direto em demandar ou contradizer» - cfr. art. 52.º, n.º 1 da Lei n.º 74/2003, de 06.09 (Lei do TAD).
Rege também, como norma de enquadramento, e de aplicação subsidiária, ao abrigo do art. 61.º da Lei do TAD, o disposto no art. 55.º, n.º 1, alínea a), do CPTA, que, no âmbito das ações administrativas impugnatórias, como é o caso, dispõe que tem legitimidade ativa «[q]uem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos»(1).
Para Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, este «interesse direto (…) pressupõe que o demandante tem um interesse atual e efetivo na anulação ou declaração de nulidade do ato administrativo, permitindo excluir as situações em que o interesse invocado é reflexo, indireto, eventual ou meramente hipotético. É assim de excluir a legitimidade ativa, com fundamento na falta de interesse direto, para a impugnação do ato de admissão de um concorrente num concurso por parte dos demais concorrentes admitidos, na medida em que esse ato não prejudica direta e imediatamente a posição relativa dos outros concorrentes na graduação final (…)»(2)
Francisco Paes Marques, por seu turno, aduz cristalinamente que o «carácter direto do interesse (…) tem que ver com a repercussão imediata do acto na esfera do particular, contrapondo-se a um interesse meramente longínquo, eventual ou hipotético».(3)
Perante o que, é inegável que o aqui Recorrente, ali A., é parte legítima para impugnar a decisão do Conselho Jurisdicional da Recorrida junto do TAD, pois que, por força daquela decisão, desceu de divisão.
Carecendo de sentido, para o efeito da específica exceção dilatória que foi conhecida, o raciocínio levado a cabo pelo tribunal a quo, de que «a apreciação da legitimidade processual do Demandante obriga a apurar verificar se o CCR Távora era titular de um interesse direto e pessoal na relação material controvertida, ou seja, no âmbito do processo disciplinar relativo ao jogo disputado entre GD B... e o N... FC e que culminou com o acórdão do Conselho Jurisdicional da Demandada, agora aqui impugnada pelo Demandante.» para depois concluir que «[n]ão sendo parte nem contrainteressada na relação jurídica material controvertida, não pode agora a Demandante arrogar uma legitimidade processual que a factualidade relevante para o objeto do litígio não lhe confere.»
Atentemos no essencial, havendo um prejuízo direto como o que se referiu e, conexamente, havendo uma vantagem para o A., ora Recorrente, que decorra imediatamente da impugnação da decisão do Conselho Jurisdicional, desde logo, a sua declaração de nulidade ou anulação, mantendo-se na ordem jurídica a decisão revogada, proferida pelo Conselho de Disciplina da Recorrida, mais favorável para o A., ora Recorrente, pois que havia decidido pelo empate – cfr. factos n.º 5 e 6 supra -, ou seja, como decisão neutra em termos de alteração do posicionamento relativo das restantes equipas, outra conclusão não se pode retirar que não seja a de que o A. é parte legítima para intentar a presente ação junto do TAD.
Ao ter julgado verificada a exceção dilatória de ilegitimidade ativa – ao abrigo das disposições conjugadas dos art.s 9.º e 55.º e 89.º, n.º 1, 2 e 4, alínea e), todos do CPTA, ex vi art. 61.º da Lei do TAD -, por entender que o A. não era titular de um interesse direto em demandar, errou o tribunal a quo, razão pela qual a decisão recorrida não se pode manter.
Certo é que a invocada qualidade de contrainteressado é uma questão que cumprirá conhecer em sede da apreciação do mérito do recurso, ultrapassadas que sejam as demais exceções dilatórias invocadas – cfr. ponto VI do acórdão arbitral ora recorrido, supra transcrito – não se deixando de aduzir, porém, que nos parece carente de melhor ponderação a posição vertida na decisão recorrida, pois que, num procedimento, chamemos-lhe assim, em que a posição relativa dos clubes em determinado campeonato, depende da pontuação absoluta de cada um, na ação em cujo pedido – de revogação de uma decisão que havia decidido pelo empate (decisão neutra), por uma que decida a aplicação de pena disciplinar de derrota (decisão que vai, inevitavelmente, alterar a pontuação absoluta dos dois clubes que disputaram o jogo em causa, mas também a posição relativa de alguns) -, serão também contrainteressados os clubes que tenham, em relação àqueles dois, pontuações absolutas inferiores, face à pontuação máxima que possa ser atribuída pela pena de derrota aplicável, pois que têm um interesse contraposto ao do autor, na medida em que um pedido assim formulado, traduz-se, em ultima análise, num ataque, também, à posição relativa destes últimos no campeonato de futebol em causa.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recuso e em revogar a decisão recorrida, ordenando-se a baixa dos autos para que os autos prossigam para conhecimento do mérito do recurso, se a tal nada mais obstar.

Sem Custas.

Lisboa, 09.02.2023

Dora Lucas Neto

Pedro Nuno Figueiredo

Ana Cristina Lameira

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(1) De notar, porém, uma diferença importante e que, de algum modo parece inculcar que a na Lei do TAD se agrega no mesmo pressuposto, a questão da legitimidade processual e a da legitimidade substantiva, pois que, no art. 55.º, n.º 1, alínea a) do CPTA, releva a alegação da titularidade de um interesse direto (e pessoal) e no art. 52.º, n.º 1 da Lei do TAD, parece relevar a titularidade efetiva de um interesse direto.
(2) In Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Edição, 2017, pgs. 374 e 375.
(3) A legitimidade processual activa no Contencioso Administrativo, in Comentários à Legislação Processual Administrativa, volume I, 5.ª edição, coordenação: Carla Amado Gomes/Ana F. Neves/Tiago Serrão), AAFDL Editora, Lisboa, 2020, pg. 737.