Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:188/20.4BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:12/17/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA;
AÇÃO DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL;
PODERES DE VINCULAÇÃO DA CONCORRENTE;
INTERPRETAÇÃO DA PROCURAÇÃO.
Sumário:I. Não incorre a sentença em nulidade decisória, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, als. c) e e) do CPC, se decide a causa em termos inteligíveis e sem incorrer em contradição, e segundo os termos do pedido formulado na petição inicial, sem conhecer ou decidir para além do pedido.

II. Havendo procuração devidamente outorgada pela sócia gerente ao representante da sociedade concedendo-lhe poderes para, em nome daquela, “submeter propostas na plataformas eletrónicas e assinar contratos em geral e contratos de prestação de serviços”, deve considerar-se ex vi do disposto nos artigos 236.º a 239.º do Código Civil, que a mesma constitui documento bastante para o cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 57.º do CCP, tendo em conta que apenas se discute in casu o âmbito dos poderes conferidos pela sociedade ao representante, ao abrigo daquele negócio jurídico privado (o mandato).

III. A procuração outorgada ao referir-se aos poderes de submissão de propostas nas plataformas eletrónicas, comporta um mínimo de correspondência literal, ainda que imperfeitamente expresso, no sentido de atribuição de poderes ao representante para apresentar propostas, em nome da Autora, no âmbito de procedimentos pré-contratuais como o ora em apreço e, para através delas, obrigar ou vincular a sociedade para com (ou perante) as entidades adjudicantes, mediante a aposição da sua assinatura aos documentos que as integram.

IV. O texto da procuração outorgada pela Autora a favor do seu procurador, ao utilizar a expressão “submeter propostas nas plataformas eletrónicas”, não terá querido assumir o significado rigoroso e preciso que consta no artigo 70.º da Lei n.º 96/2015, de 17/08 ou que se extrai dos artigos 68.º a 70.º dessa lei, ao referir-se a carregamento e submissão das propostas ou, sequer ainda, ao regime aprovado pelo D.L. n.º 290-D/99, de 02/08, mas antes ao significado que se extrai do quadro legal da contratação pública, nos termos dos artigos 56.º e 57.º, n.º 4, do CCP, de a apresentação da proposta consistir o momento de vinculação do concorrente perante a entidade adjudicante, tanto mais por essa procuração assumir caráter mais vasto, ser de natureza privada e nem se restringir a procedimentos de contratação pública.

Votação:UNANIMIDADE COM DECLARAÇÃO DE VOTO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Dos Requerimentos apresentados pela Autora em 21/09/2020 (fls. 5253) e em 30/09/2020 (fls. 5280):

Vem a Autora apresentar requerimentos em que alega que apenas o recorrido tem legitimidade para responder às alegações do recorrente, nos termos do artigo 638.º, n.º 5 do CPC.

Com razão.

Não tendo a Entidade Demandada a qualidade de recorrida em relação ao recurso interposto pela Contrainteressada, H......., não lhe assiste o direito de sobre o mesmo se pronunciar, do mesmo modo que, na situação inversa, não cabe o direito à Contrainteressada de alegar o recurso interposto pela Entidade Demandada.

Ocupando a Entidade Demandada e a Contrainteressada a mesma posição passiva na ação, por ambas terem sido demandadas na ação instaurada pela Autora, têm um interesse equivalente, de manutenção na ordem jurídica do ato impugnado.

Interesse este que também é equivalente na presente instância recursiva, por ambas terem vindo interpor recurso decisão proferida pelo Tribunal a quo, assumindo, como recorrentes, uma posição semelhante na instância.

Não cabe o direito de resposta ou de pronúncia em relação ao teor das alegações e respetivas conclusões do recurso interposto da parte que ocupe a mesma posição na lide, como no presente caso.

Não assumindo posições divergentes nem na ação, nem no recurso, não assiste o direito à Entidade Demandada de alegar o recurso interposto pela Contrainteressada, nem a esta o direito de alegar o recurso interposto pela primeira.

O pressuposto da alegação baseia-se numa divergência em relação ao teor dos fundamentos do recurso interposto, o que ora não se verifica, por a Entidade Demandada e a Contrainteressada assumirem processualmente em juízo o mesmo interesse, de manutenção do ato impugnado na ordem jurídica.

Nestes termos, não existe fundamento legal para a alegação apresentada pela Entidade Demandada em relação ao recurso da Contrainteressada, nem da alegação por esta apresentada em relação ao recurso interposto pela primeira.

Termos em que, por inadmissibilidade legal se rejeitam os citados articulados apresentados pela Entidade Demandada, em 14/09/2020, constante a fls. 5199 e pela Contrainteressada, em 22/09/2020, a fls. 5256 dos autos, determinando-se o seu desentranhamento e devolução.

Notifique.


***

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

O Ministério da Defesa Nacional - Força Área Portuguesa e a Contrainteressada, H....... – Aviação, Lda., devidamente identificados nos autos, inconformados, vieram, cada um por si, interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datada de 08/08/2020, que no âmbito da ação de contencioso pré-contratual instaurada por H......., Lda., contra o Ministério da Defesa Nacional e as Contrainteressadas, a H....... – ......, Lda., a B......., Unipessoal, Lda. e a H…………., S.A., julgou a ação parcialmente procedente, anulando o ato praticado pelo Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, datado de 12/03/2020, de exclusão da proposta da Autora e de adjudicação do Lote 1, a favor da proposta da H......., Lda., praticado no âmbito do procedimento de concurso público para a formação do contrato de aquisição de serviços de disponibilização e locação dos meios aéreos que constituem o dispositivo aéreo complementar do DECIR de 2020 a 2023, absolvendo a Entidade Demandada e a Contrainteressada do demais peticionado.

A Autora, H......., Lda., igualmente inconformada, veio interpor recurso subordinado.


*

Formula a Contrainteressada, H....... – ........, Lda., aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem, depois de corrigidas, nos termos do requerimento apresentado:

“1. Por sentença proferida a 08/08/2020, veio o Tribunal a quo anular o ato administrativo praticado pelo Chefe do Estado-Maior da Força Aérea em 12/03/2020, no âmbito do procedimento para a celebração de contrato público para aquisição de serviços de disponibilização e locação dos meios aéreos, que constituem o dispositivo aéreo complementar do DECIR de 2020 a 2023 (anúncio de procedimento n.º 11552/2019, publicado no Diário da República n.º 206, 2.ª série), em concreto referente ao Lote 1.

2. Colocando em causa exclusão da Autora, aqui Recorrida, bem como a decisão de adjudicação a favor da Contrainteressada, ora Recorrente.

3. Bem assim como o contrato que foi celebrado, em 30/03/2020, entre a Contrainteressada e a Força Aérea, relativamente ao Lote 1, na sequência do ato de adjudicação da sua proposta.

4. O referido contrato, ao qual foi atribuído o n.º 20IN500100, tendo a duração de 4 anos, terminando em 31 de dezembro de 2023.

5. Isto significa que a douta sentença impõe a retoma de um procedimento prévio de um contrato que já está em execução, por força de um “vício (…) que, embora não tenha sido especificamente invocado pela autora, pode ser conhecido oficiosamente pelo tribunal (…)

6. Traduzindo-se numa decisão não só impraticável, mas também desproporcionada e contrária à boa-fé.

7. Até porque a decisão da entidade adjudicante não padece de qualquer vício e só podia ser conforme aquela que foi tomada.

8. Na sentença a que se recorre é referido que “(…) o júri do procedimento, antes de propor a exclusão da proposta da autora, devia ter-lhe pedido, para o efeito de análise da mesma, os necessários esclarecimentos quanto ao sentido da declaração contida da procuração apresentada no procedimento e, concretamente quanto ao âmbito ou extensão dos poderes representativos que atribuiu ao procurador que assinou os documentos da proposta.” e que “esclarecimentos esses que não poderiam deixar de ser prestados por quem administra e representa a sociedade em causa, e no caso pelo seu gerente ou gerentes (…) ou por mandatário ou procurador nomeado pela gerência para prática desse ato concreto e especificamente determinado (…)

9. Concluindo que “a decisão de exclusão da proposta da autora, por não ter sido precedida, como legalmente se impunha, de um pedido de esclarecimentos para o apuramento da vontade real da declaração contida na procuração em causa quanto ao âmbito e extensão dos poderes de representação conferidos a I................, e concretamente quanto à suficiência dos mesmos para obrigar a concorrente (…) incorre em violação da lei, por défice de instrução”.

10. Sendo, deste modo, anulável, por força do disposto no art. 163.º do Código do Procedimento Administrativo.

11. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não decidiu da melhor forma face à interpretação e aplicação do Direito, tendo violado o disposto nos artigos 238.º, n.º 1 e 364.º, n.º 1 do CC e os arts. 57.º, n.º 4, 72.º e n.º 6, n.º 2, alínea e) do CCP.

12. O presente recurso tem como objeto matéria de direito da decisão proferida nos presentes autos, a qual, aliás, contraria largamente a jurisprudência administrativa dominante, que vai no sentido de o júri está vinculado a decretar a exclusão de um concorrente quando os documentos constitutivos da sua proposta são assinados por quem não tenha poderes específicos para o efeito.

13. O ato administrativo impugnado pela Autora é válido, na medida em que foi precedido de todo um procedimento pré-contratual, onde foram respeitados todos os trâmites legais.

14. Percorrendo o procedimento em causa, resulta do seu programa que os documentos constitutivos da proposta tinham de ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada e submetidos na plataforma eletrónica acinGov.

15. Sendo que todos os documentos da proposta devem ser assinados pelo representante legal do concorrente ou por um terceiro com poderes suficientes para vincular a concorrente no procedimento pré-contratual (cfr. n.º 4 do art. 57.º do CCP).

16. Todos os documentos submetidos em nome da Autora, que fazem parte da proposta apresentada pela mesma, foram assinados digitalmente na plataforma, através de assinatura eletrónica associada a um certificado de assinatura que não pertence nem à Autora, nem aos seus representantes legais.

17. O certificado de assinatura em causa pertence a I................, terceiro, nele intitulado “diretor de operações”, e não faz qualquer menção aos poderes que lhe foram conferidos pela Autora.

18. Assim, no momento da apresentação da proposta, apenas é possível relacionar o signatário dos documentos constitutivos da proposta da Autora com a própria Autora se for junto documento que lhe confira esses poderes específicos (para assinar os documentos da proposta).

19. De facto, entre os documentos juntos à proposta em nome da Autora, consta uma procuração autenticada (datada de 10/12/2013) a favor do signatário dos documentos que lhe confere somente poderes para “submeter propostas nas plataformas eletrónicas” e “assinar contratos em geral e contratos de prestação de serviços”.

20. Sucede que a procuração não confere poderes a I................ para assinar os documentos que integram a proposta da Autora, ou seja, para vincular a sociedade na fase pré-contratual.

21. Ora, prescreve o n.º 1 do art. 238.º do CC que “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”.

22. Contudo, sugere o Tribunal a quo que a Autora pode ter pretendido conferir poderes ao signatário para além daqueles que constam no texto da procuração por si exibida no momento da apresentação da proposta, isto é, para vinculá-la no procedimento pré-contratual em apreço.

23. Sufraga a douta sentença que “(…) ao conferir poderes a I................ para “submeter propostas”, terá pretendido autorizá-lo expressamente a apresentá-las, em seu nome – e assim, a assinar os respectivos documentos constitutivos – em todos os procedimentos de contratação que se desenrolem sobre plataformas electrónicas (aliás, públicos ou privados), comprometendo neles, na fase pré-contratual, a sua representada”.

24. Afirma o Tribunal a quo que existem dúvidas quanto à extensão e alcance da procuração que mereciam ter sido esclarecidas no âmbito do procedimento pré-contratual e que esse “défice de instrução” pressupõe a retoma do mesmo.

25. Como é evidente, Autora irá sempre pronunciar-se no sentido de que pretendeu conferir poderes ao signatário para vinculá-la no procedimento pré-contratual, ainda que sem qualquer suporte ou correspondência escrita no texto da procuração.

26. Ora, permitir à Autora manifestar-se sobre o conteúdo da procuração, é permitir-lhe corrigir um erro crucial que, nos termos da Lei, tem como consequência a não admissão da sua proposta.

27. O que consubstancia uma decisão violadora do princípio da igualdade, pois, ao contrário da Autora, a ora Recorrente teve todo o cuidado na elaboração dos documentos constitutivos da proposta, de forma a evitar qualquer tipo de “equívoco”.

28. Pelo que estamos perante uma questão que afeta não só o princípio da igualdade, mas também o princípio da tutela da confiança.

29. Não pode, de modo algum, a entidade adjudicante ser permissiva com uma concorrente, ao ponto de encontrar no texto da procuração “palavras” onde elas não estão.

30. Quando se verifica claramente que a procuração não faz referência ao ato de assinar propostas (nem tão pouco de obrigar ou vincular a sociedade nesta fase),

31. Não existe um mínimo de correspondência entre o texto constante da procuração e o poder de representar a sociedade em procedimentos pré- contratuais.

32. Sendo que, na própria decisão, é reconhecido que o termo “submissão”, respeita ao ato material de carregamento de documentos na plataforma eletrónica.

33. Mas conclui o Tribunal a quo, erradamente, que a procuração está redigida de forma “equívoca” e necessitava que fossem prestados esclarecimentos sobre a sua extensão e alcance.

34. O Tribunal a quo faz tábua rasa das firmes regras da contratação pública, isto é, de todas as formalidades e formalismos típicos dos procedimentos pré- contratuais que têm a sua razão de existir, por respeito ao princípio da igualdade de tratamento entre os concorrentes e à necessidade de controlo e transparência do processo concursal.

35. A exclusão da Autora, por insuficiência de procuração apresentada, era a única solução a dar no caso concreto. E, sem dúvida, a única solução justa e respeitadora do princípio da igualdade entre Concorrentes.

36. A entidade adjudicante estava vinculada a esta decisão, por forma a cumprir o disposto no n.º 4 do artigo 57.º CCP e no artigo 146.º n.º 1 alínea e) do CCP.

37. Caso essa decisão não fosse tomada, a entidade adjudicante estaria, aí sim, a atuar em desrespeito pela lei e a tomar decisão ilegal.

38. Do mesmo modo, o Tribunal a quo deveria ter considerado que os documentos constitutivos da proposta da Autora foram assinados por uma pessoa sem poderes suficientes para vincular a Autora no procedimento pré-contratual em apreço, violando dever imposto pelo n.º 4 do art. 57.º do CCP, o que acarreta, sem mais, a invalidade substancial da proposta e a sua exclusão.

39. Aqui importa citar o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1.ª Secção, datado de 10/08/2015, Processo n.º 0542/15, disponível em www.dgsi.pt, no qual se refere que , “A referência, nos arts. 146º, nº. 2, al. e) e 57º, nº. 4, ambos do CCP, a um dever jurídico de, no relatório preliminar, se propor a exclusão da proposta, demonstra que os requisitos exigidos têm de estar cumpridos aquando da elaboração desse relatório e que, detectada a falta, o júri fica vinculado a propor e o órgão adjudicante a decretar, tal exclusão, não existindo, assim, neste âmbito, qualquer margem de livre apreciação por parte desses órgãos.”

40. Ora, através da presente decisão, o Tribunal a quo subverte as regras constantes do Código dos Contratos Públicos, bem como contraria a jurisprudência administrativa sobre esta matéria, da qual resulta claramente que a exclusão da proposta é incontornável, não havendo quaisquer esclarecimentos a prestar sobre o sentido que se pretendeu dar à procuração.

41. É totalmente inaceitável que o Tribunal a quo decida resolver uma questão de invalidade substancial da proposta inquinada “à nascença”, convidando os representantes legais Autora a prestar esclarecimentos.

42. Conforme se refere no citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 0542/15 que “Face a este regime imperativo, o júri não poderia solicitar esclarecimentos, nem admitir que, em sede de audiência prévia, fosse sanada a falta verificada, dado que o esclarecimento supõe que ainda não haja motivo para a exclusão da proposta e o exercício do direito de audiência não pode servir para juntar documentos que eram inicialmente exigíveis.

43. Mais se acrescenta que tais esclarecimentos nem podiam ser prestados por “depoimento”, pois, conforme dispõe o n.º 1 do art. 364.º do CC, “quando a lei exigir, como forma de declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova (…)

44. No mesmo sentido ainda Acórdão TCAS Proc 185/19.2, de 28-05-2020; “i) No âmbito da contratação pública é exigido que, para além destes poderes para a representação em contratos, sejam conferidos poderes específicos para obrigar/vincular a concorrente no âmbito da contratação electrónica, poderes que devem ser expressos, como se retira do n° 4 do artº 260° do CSC.

ii) A procuração que confere genericamente poderes para “negociar” e “enviar” propostas de contratos, não confere ao procurador o poder de, por si, obrigar a sociedade mandante.

iii) Sendo a proposta apresentada em violação do disposto no n.º 4 do artigo 57.º do CCP, deve ser excluída nos termos do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP.

45. Daqui resulta inequívoco que não se pode substituir o texto da procuração por esclarecimentos dos representantes legais da Autora, pois, assim sendo, violaria também o preceituado no art. 364.º do CC.

46. Mais acresce que, em sede de procedimentos concursais, vigora o princípio basilar da estabilidade das propostas, que se concretiza na impossibilidade de alterar o conteúdo das propostas submetidas na plataforma.

47. Ou seja, apenas podem vir a ser prestados esclarecimentos relativamente a aspetos sobre os quais surjam dúvidas por parte do júri.

48. O que não é, manifestamente, o caso.

49. Os esclarecimentos configuram nada mais do um aclaramento de algum aspeto da proposta, não podendo ser usados para sanar situações que a lei comina com exclusão.

50. Face ao exposto, a decisão do Tribunal a quo traduz-se numa tentativa ilegal de alterar os termos de uma procuração que, como já se disse, não é suscetível de ser alterada.

51. Pelo que a sentença encerra incorreta interpretação do art. 70.º do CCP, na medida em que o pedido de esclarecimentos irá colidir com os princípios acima evidenciados e viola o previsto nos artigos 238.º, n.º 1 e 364.º, n.º 1 do CC e os arts. 57.º, n.º 4 e n.º 6, n.º 2, alínea e) do CCP.

52. Devendo, por isso, ser alterada e substituída por outra que mantenha inalterado o ato de adjudicação do Lote 1 à ora Recorrente.”.

Pede a revogação da decisão recorrida, julgando-se a pretensão da Autora totalmente improcedente e, em consequência, decidindo-se pela manutenção do ato de adjudicação do Lote 1 à aqui Recorrente.


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A Entidade Demandada, Ministério da Defesa Nacional - Força Área Portuguesa, ora Recorrente, no recurso jurisdicional apresentado contra a sentença recorrida, formulou alegações, cujas conclusões ora se reproduzem:

“A) O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta Sentença datada de 08.08.2020, com fundamento em violação do n.º 1 do artigo 609.º e alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA e, ainda, dos n.ºs 1 e 2 do artigo 95.º do mesmo CPTA, bem como por errónea interpretação e aplicação dos artigos 236.º e 238.º do Código Civil e dos artigos 56.º, 57.º, 72.º e 146.º, n.º 2, alínea e) do Código dos Contratos Públicos.

B) A Força Aérea Portuguesa dá aqui por reproduzidos, para todos os efeitos legais, os factos considerados provados pela Sentença em crise – cf. pág. 3 a 15 da Sentença.

C) Na ação administrativa de contencioso pré-contratual proposta contra a Força Aérea Portuguesa pela H…………, Lda. foi formulado o seguinte pedido, que não foi ampliado: «a) Ser declarado anulado o ato administrativo de exclusão da A. do concurso e a adjudicação à H....... – Aviação Ldª da aquisição dos serviços a que se refere o Lote 1 do contrato público NPD ............... para aquisição de serviços de disponibilização e locação dos meios aéreos, que constituem o dispositivo aéreo complementar DECIR de 2020 a 2023. b) Ser a Demandada condenada a recolocar em 1º lugar a proposta da A., por forma a lhe ser adjudicado o Lote 1 do concurso.»

D) Ao decidir que «a admissão desta proposta [da Autora] depende da prestação dos necessários esclarecimentos (por representante legal da concorrente ou por procurador com poderes para a prática desse específico acto), em resposta ao convite que deverá ser formulado pelo júri do procedimento ao abrigo do artigo 72.º do CCP, e em execução desta sentença anulatória, em termos que permitam ter por demonstrado o cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 57.º do CCP», a Decisão impugnada condenou a Força Aérea no que não foi pedido pela H..............., a saber, convidar a Autora a esclarecer a suficiência dos poderes de representação do senhor I................ para obrigar a H............... nos termos exigidos pelo n.º 4 do artigo 57.º do CCP, e operou uma inadmissível ampliação oficiosa do pedido da Autora, padecendo de nulidade por violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 95.º do CPTA e do n.º 1 do artigo 609.º do CPC.

E) A execução da Sentença recorrida implica que a Força Aérea fique impedida de garantir os serviços de disponibilização e locação de meios aéreos para combate aos incêndios referentes ao Lote 1, porque a operação dos 07 HEBL contratualizados com a CI H....... na sequência do ato de adjudicação anulado, deixaria de ter suporte contratual, em manifesta violação do interesse público com valor constitucional declinado em interesse público nacional e em interesses públicos de base territorial consubstanciados na proteção da vida e na segurança dos cidadãos e na salvaguarda do património, do território e do ambiente.

F) Os artigos 236.º a 238.º do Código Civil dão corpo às disposições respeitantes ao método de interpretação da declaração negocial, decorrendo do disposto no n.º 1 do artigo 236.º que o critério de apuramento do sentido da declaração negocial é normativamente construído, mediante a convocação de um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário.

G) É entendimento unânime da jurisprudência cível - veja-se a título exemplificativo o Acórdão da 6.ª Seção do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.11.2019, Proc. n.º 598/11.8T2STC.E1.S1 – que a posição de “um declaratário normal” está funcionalizada à dedução de um sentido, a partir de um comportamento (do declarante), segundo uma coerência de significados entre os vários elementos interpretativos objetivamente disponíveis ao real declaratário e, nos negócios formais, como é o caso vertente, esse sentido tem de ter um mínimo de correspondência no texto do documento.

H) De acordo com os factos provados, a intervenção do senhor I................ (procurador) no procedimento concursal teve lugar ao abrigo de um certificado qualificado emitido para pessoa singular – e não para empresa (H...............) –, na qualidade de diretor de operações, posição funcional que, inequivocamente, não envolve a titularidade de quaisquer poderes de vinculação da H................

I) E o cotejo da procuração outorgada em 10DEZ2013 (alínea i) dos factos provados) com a procuração outorgada em 27MAR2018 (alínea q) dos factos provados) – ambas ao mesmo senhor I................ – é esclarecedor quanto à diferença substantiva existente no âmbito e natureza dos poderes conferidos por aqueles instrumentos, sendo manifesto que pela primeira são atribuídos tão-só poderes gerais de representação para os atos previstos na procuração, não abrangendo poderes de vinculação da H..............., ao contrário do que sucede com a segunda.

J) Em sede de apresentação de propostas nas plataformas eletrónicas de contratação pública, as normas da contratação eletrónica distinguem a «submissão da proposta» da «assinatura da proposta e documentos que a constituem», admitindo que «pode tornar-se necessário distinguir a pessoa que carrega a proposta (v.g., um funcionário do concorrente) e o próprio concorrente, quando se trate de pessoa singular ou, a pessoa com poderes para vincular o concorrente, no caso de este ser uma pessoa coletiva» - cf. Pedro Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, pág. 747, 2.ª edição, e, manifestando a unanimidade da aceitação de tal distinção, cf. Acórdãos de 09.04.2014, 10.09.2015 e 23.04.2020, do Supremo Tribunal Administrativo (Proc. n.ºs 040/14, 05412/15 e 0395/18.0BEFUN).

K) À luz dos critérios de interpretação previstos no n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil, e de acordo com os factos provados pela douta Sentença recorrida, a coerência de significados entre os vários elementos interpretativos disponíveis, aplicáveis ao comportamento do declarante (Sócia Gerente da H...............) – v.g. as características do certificado qualificado e a função em que o senhor I................ interveio no procedimento, o cotejo das procurações de 10DEZ2013 e de 27MAR2018, a distinção fáctica e normativa que existe entre «submissão da proposta» e «assinatura da proposta e documentos que a constituem» nos procedimentos de contratação pública – conduzem inequivocamente à conclusão para um declaratário normal colocado na posição do real declaratário – que é a de Júri do Concurso Público n.º GCMIR/5019019297/2019 – que a procuração de 10DEZ2013 atribui ao senhor I................ tão-só poderes gerais de representação para os atos previstos na mesma procuração, moldando a conduta de interação e comunicação na plataforma eletrónica a ser por ele desenvolvida, e não são poderes de vinculação, uma vez que deles não consta, expressamente, a formação e enunciação «motu proprio» da vontade da H................

L) Neste sentido e tendo presente o estatuído no n.º 6 do artigo 252.º do Código das Sociedades Comerciais, a jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a afirmar, de forma reiterada, que no âmbito da contratação pública é exigido que, para além dos poderes para a representação em contratos, sejam conferidos poderes específicos para obrigar/vincular o concorrente, poderes que devem ser expressos – cf. Acórdão do TCAN de 26.05.2017, Proc. n.º 00440/16.3BEVIS, Acórdão do TCAN de 26.01.2018, Proc. n.º 00280/17.2BEVIS Acórdão do TCAS de 28.05.2020, Proc. n.º 185/19.2BEPDL

M) O n.º 1 do artigo 238.º do Código Civil afastou a relevância dos elementos extra literais e, por consequência, a correspondência entre o sentido da declaração negocial e o texto do documento estabelece-se mediante a comparação do sentido do comportamento do declarante, apurado à luz do disposto no n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil, com o sentido próprio do texto do documento.

N) O que resulta dos factos provados e a aplicação dos critérios previstos no n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil evidenciam que o sentido pretendido pela Sentença recorrida para a procuração de 10DEZ2013 – «o texto da procuração comporta, ainda assim, com um mínimo de correspondência literal, ainda que imperfeitamente expresso, o sentido de atribuição de poderes ao representante para apresentar propostas, em nome da autora, no âmbito de procedimentos pré- contratuais como o ora em apreço, e para através delas obrigar ou vincular a sociedade para com (ou perante) as entidades adjudicantes, mediante a aposição da sua assinatura aos documentos que as integram» – não tem um mínimo de correspondência no texto daquele documento, o que manifestamente viola o n.º 1 do artigo 238.º do Código Civil.

O) A Sentença em crise padece de violação do disposto no n.º 1 do artigo 236.º e no n.º 1 do artigo 238.º do Código Civil e ainda do n.º 6 do artigo 252.º do Código das Sociedades Comerciais na interpretação a que procedeu da procuração de 10DEZ2013, uma vez que da aplicação dos critérios legais de interpretação da declaração negocial resulta que a referida procuração apenas confere poderes gerais de representação para os atos nela previstos e não contempla a formação e enunciação «motu proprio» da vontade da H..............., que, a existir, deveria ser objeto de poderes expressos, como aliás tem sido entendimento jurisprudencial reiterado. (cf. Acórdão do TCAN de 26.05.2017, Proc. n.º 00440/16.3BEVIS, Acórdão do TCAN de 26.01.2018, Proc. n.º 00280/17.2BEVIS, Acórdão do TCAS de 28.05.2020, Proc. n.º 185/19.2BEPDL)

P) Nos termos do n.º 1 do artigo 56.º do CCP a proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo, determinando o n.º 4 do artigo 57.º do mesmo Código que os documentos que constituem a proposta devem ser assinados pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar e estatuindo a alínea e) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP que o Júri deve propor fundamentadamente a exclusão das propostas que não cumpram o disposto no n.º 4 do artigo 57.º do mesmo CCP, isto é, quando os documentos que constituem a proposta não estejam assinados pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar, como foi o caso.

Q) Na contratação pública o formalismo procedimental visa garantir uma rigorosa igualdade de tratamento entre todos os operadores de mercado, mediante a aplicação de regras predeterminadas na lei e nas peças do procedimento.

R) O momento relevante para efeitos de cumprimento das exigências formais referentes à proposta é o momento da sua entrega definitiva, porque é o momento em que é exteriorizada a declaração de vontade do concorrente, sendo entendimento do Supremo Tribunal Administrativo que o compromisso vinculante do concorrente «tem de estar garantido desde o momento da submissão da proposta», sob pena de exclusão em razão de a entidade adjudicante não poder ter «a certeza de que o recorrente se vinculou ao seu conteúdo». – cf. Acórdão de 03.12.2015 (Processo 01028/15).

S) A assinatura da proposta é uma condição que reveste a natureza de formalidade essencial e radica num interesse material fundamental, que confere a necessária segurança ao procedimento, possibilitando à entidade adjudicante o controlo da veracidade da proposta que representa a vontade contratual do concorrente.

T) As propostas que violem formalidades essenciais não são passíveis de regularização, sob pena de manifesta violação do princípio da concorrência na vertente da igualdade de tratamento dos operadores económicos, que tem um dos seus momentos críticos e determinantes para os candidatos a concorrentes precisamente na entrega definitiva das propostas.

U) A omissão que se verifica – falta de poderes de vinculação do procurador que assinou a proposta da H............... – contende e coloca em crise a firmeza e a clareza do compromisso assumido pela H............... com referência à obrigação de executar o contrato em conformidade com o conteúdo do caderno de encargos e constitui uma formalidade essencial, que deveria estar cumprida no momento da apresentação da proposta e é insuscetível de se degradar em irregularidade ou formalidade não essencial.

V) Em consequência do que, não há lugar à aplicação do n.º 1 do artigo 72.º do CCP e a qualquer pedido de esclarecimento pelo Júri, previamente à exclusão da proposta nos termos estatuídos pela alínea e) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP, como também não há lugar à aplicação do n.º 3 do artigo 72.º do CCP, uma vez que a regularização nele prevista tem por objeto as propostas com irregularidades formais não essenciais que careçam de suprimento.

W) Por tudo o que fica exposto, é manifesto que a Sentença recorrida padece de errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 236.º e 238.º do Código Civil e nos artigos 56.º, 57.º, 72.º e 146.º, n.º 2, alínea e) do Código dos Contratos Públicos, uma vez que:

(i). toda a factualidade dada por provada aponta para uma coerência de significados que conduzem a um sentido para a procuração de 10DEZ2013 totalmente contrário ao pretendido pelo aresto em crise e não é objetivamente possível discernir no texto da procuração de 10DEZ2013 qualquer correspondência com a atribuição de poderes de vinculação;

(ii).a suficiência dos poderes de vinculação do representante do concorrente tem que se demonstrar cumprida no momento da entrega definitiva da proposta, não havendo lugar a qualquer regularização posterior por se tratar de uma formalidade essencial.

X) Em consequência do que, deve ser declarada nula ou anulada a Sentença recorrida e mantido o ato de adjudicação do Lote 1 nos precisos termos em que está consubstanciado no Despacho do General Chefe do Estado-Maior da Força Aérea de 12MAR2020.”.

Pede que seja declarada a nulidade da Sentença ou, caso assim não se entenda, que a mesma seja anulada, mantendo-se o ato de adjudicação do Lote 1 do Concurso Público n.º GCMIR/5019019297/2019, nos precisos termos do ato impugnado.


*

A Autora, H......., Lda., igualmente inconformada, notificada da interposição de ambos os recursos, veio interpor recurso subordinado, no âmbito do qual conclui nos seguintes termos, que ora se reproduzem:

“1 – O texto da procuração “submeter propostas nas plataformas electrónicas” e que corresponde exactamente ao conceito vertido nos arts. 2º g) e 70 da Lei 96/2015, tem o mínimo de correspondência literal para efeitos do art. 238º nº 1 do Cod. Civil, como concluiu a decisão recorrida.

2 – A procuração outorgada, tendo como finalidade o negócio jurídico de contratação publica e a proposta apresentada pelo procurador, que nos termos do art. 56 nº 1 do CCP consubstancia a vontade de contratar interpretados segundo as regras dos arts. 236 e 238 do Cod. Civil valem com o sentido pretendido pela Autora em conferir ao seu procurador os poderes necessários e bastantes para a representar e obrigar em todos os actos do procedimento.

3 – Um declaratório normal colocado na posição do Júri do concurso perante o texto da procuração e perante o comportamento da Autora, não podia deixar de entender que a Autora pretendeu mandatar o seu procurador para a representar no procedimento concursal em causa e para em nome dela negociar e contratar as prestações de serviço em concurso, bem como, apresentar as competentes propostas para o efeito preparando-as e assinando-as e bem assim assinar os contratos que para tal se mostrassem necessários, pois só deste modo a declarante atingiria o propósito pretendido que era o de lhe ser adjudicada a prestação de serviços em concurso.

4 – O Júri conhecia perfeitamente vontade real de contratar da recorrente, manifestada através da proposta de conteúdo vinculativo apresentada pelo procurador e pela pronuncias de 05-02-2020 e 28-02-2020 apresentadas no procedimento.

5 – Como conta das alíneas e), f), g), h), i) e j) ficou provado nos autos, que o procurador conhecia a vontade real da declarante e o seu desígnio em contratar e se obrigar no procedimento, sendo de acordo com ela que vale a declaração emitida pela mandante, art. 236 nº 2 do Cod. Civil.

6 – A Ré Força Aérea conhecia também perfeitamente que a vontade real da Autora, expressa na procuração em causa, era a de mandatar o seu procurador para a representar nos procedimentos concursais, como o presente, e para em seu nome negociar e contratar as prestações de serviço em concurso, bem como para o efeito apresentar e assinar as respectivas propostas e o contrato final se fosse caso disso pois assim o tinha já entendido concurso anteriormente por ela lançado em 23-01-2019 com o nº 5019000372 em que a mesma procuração foi apresentada, analisada com esclarecimentos da mesma Autora e, a final verificados como suficientes os poderes conferidos pela mandante.

7 – A vontade real da declarante, por imperativo legal, prevalece sobre o sentido objectivo da interpretação da declaração negocial do júri como normal declaratário, (art. 236 nº 2 do Cod. Civil).

8º – A douta sentença recorrida não aplicou o disposto no art. 236 nº 2 do Cod. Civil ao caso dos autos, uma vez que a Ré Força Aérea e o Júri por ela nomeado conheciam a real vontade de contratar da mandante e a sua real vontade de conferir poderes ao procurador para a representar, apresentar propostas negociando o contrato e tudo o mais.

9º – A sentença recorrida deveria ter aplicado os critérios interpretativos dos arts. 236 e 238 do Cod. Civil também às pronúncias apresentadas ao júri em 05-02 e 27/02/2020, que revelavam inequivocamente a vontade de contratar.

10º – Na contratação publica o ato de submissão da proposta está associado à vontade de contratar da concorrente, (art. 7 nº 1 b) DL 290-D/99 e art. 56 nº 1 do CCP) e o seu sentido como declaração negocial está sujeita aos critérios interpretativos dos negócios formais dos arts. 236 e 238 do Cod. Civil.

11º – O poder para obrigar a concorrente é indissociável do ato jurídico praticado pelo procurador com a submissão da proposta, daí decorrendo como consequência directa e necessária a vinculação da mandante à proposta, por força dos arts. 7 nº 1 b) do DL 290-D/99, 56 nº 1 do CCP e 258 do Cod. Civil.

12º – Os autos reúnem todos os pressupostos legais e contém todos os elementos para dar como verificada a vontade real da mandante de contratar.

13º – A douta sentença recorrida, em vez de ter remetido para o júri do procedimento o apuramento da real vontade da mandante, deveria, de imediato, ter decidido como verificada e provada a real vontade de contratar da Autora por força do disposto no art. 236 nº 2 do Cod. Civil e do regime da contratação pública consagrado no art. 56 nº 1 do CCP.

14º – A sentença na parte sob recurso violou o disposto nos arts. 236 nº 1 e 2 e 238 do Cod. Civil, e 56 nº 1 do CCP e 7 nº 1 b) do DL 290-D/99.

15º – Como consequência da anulação do ato, as referidas normas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas pela douta sentença, no sentido de julgar procedente o pedido formulado na acção de recolocar a proposta da recorrente em 1º lugar e lhe adjudicar o lote 1, em vez de ter devolvido ao júri, a tarefa de apurar a real vontade de contratar, que por já ser do conhecimento do júri, não se justificava.”.

Pede o provimento do recurso subordinado e, em consequência, ser revogada a sentença na parte em que decaiu e substituída por uma outra que mantendo a anulação do ato administrativo impugnado recoloque a proposta da Autora em 1º lugar, adjudicando-lhe a prestação de serviços que constitui o lote 1 posto a curso.


*

A Autora, ora Recorrida, notificada da interposição dos recursos interpostos pela Contrainteressada e pela Entidade Demandada, veio apresentar requerimento autónomo em que requer a atribuição do efeito meramente devolutivo aos recursos interpostos e contra-alegações a ambos os recursos, tendo concluído do seguinte modo:

“1ª – Os efeitos jurídicos do acto impugnado são destruídos pela decisão da sua anulação com eficácia retroativa, como se o ato praticado não tivesse existido na ordem jurídica, art. 163 nº 2 do CPA.

2ª - A sentença recorrida, ao decidir anular o acto impugnado conforme o pedido formulado pela A, invocando também o vício de insuficiência de instrução, não constitui nulidade de excesso de pronuncia prevista nos arts.. 95 nº 1 e 2 do CPTA, 609 nº 1 e 615 nº 1 c) do CPC, por o citado art. 95 nº 3 do CPTA permitir ao Juiz a verificação de causas de invalidade diversas das alegadas.

3ª – A manter-se a decisão favorável, a retoma pela Autora dos serviços adjudicados é um imperativo legal para a tutela jurisdicional efetiva, (arts. 2 do CPTA, 20 e 268 da CRP) e para o restabelecimento da situação que existiria se não tivesse sido praticado o ato impugnado.

4ª - A retoma da prestação dos serviços em substituição da Adjudicatária é economicamente mais vantajosa para o Estado, por a proposta da Autora ser inferior em cerca de 700.000,00€ à da Adjudicatária, acrescendo ainda que a manter-se a decisão recorrida, a Autora terá de ser indemnizada pela não reintegração integral no ordem jurídica, pelos efeitos do ato anulado relativamente à parte do contrato que tenha sido executada pela Adjudicatária.

5ª - O contrato de prestação dos serviços adjudicados foi celebrado por 4 anos, com início em 2020, restando ainda a partir de 31/12/2020 3 anos para a sua execução integral.

6ª – No caso concreto, não existe uma impossibilidade de a recorrida retomar a execução da prestação de serviços do Lote 1, por se tratar de serviços a prestar pelo período de 4 anos e a executar especificamente em cada um dos anos, art. 163 nº1 do CPTA.

7ª - A sentença recorrida decidiu que o procedimento concursal, por défice de instrução, padecia de vício de violação de lei, por o Júri não ter previamente à admissão ou exclusão da proposta formulado à Autora um pedido de esclarecimentos sobre a sua real vontade de contratar.

8ª - O pedido de esclarecimentos que o júri deve dirigir à Autora, não se destina à clarificação de qualquer dos atributos da proposta, mas a apurar a real vontade da Autora quanto aos poderes conferidos ao seu procurador, o que não colide com os princípios da concorrência ou da igualdade de tratamento dos concorrentes.

9ª - O Júri do procedimento interpretou a procuração e a proposta de forma restritiva, quando deveria ter aplicado as regras interpretativas dos arts. 236 a 238 do CC, e como declaratário normal de boa fé e experiente nos negócios da contratação pública, também deveria ter deduzido e concluído que a vontade real da concorrente era de se apresentar, contratar e obrigar no concurso, uma vez que já sabia que essa era a sua real vontade.

10ª - O texto da procuração “submeter propostas nas plataformas electrónicas”, e que corresponde exatamente ao conceito vertido nos arts. 2º g) e 70 da Lei 96/2015, tem o mínimo de correspondência literal para efeitos do art. 238 nº 1 do CC, como concluiu a decisão recorrida.

11ª - A vontade real da declarante conhecida pelo Júri prevalece sobre o sentido objetivo da interpretação da declaração negocial do Júri como normal declaratário, art. 236 nº 2 do CC.

12ª – Na contratação pública, o ato jurídico de submissão da proposta está associado à vontade de contratar da concorrente, art. 7 nº 1 b) do Dec.-Lei 290-D/99 e art. 56 nº 1 do CCP, e o seu sentido como declaração negocial, está sujeito aos critérios interpretativos os negócios formais, arts. 236 e 238 do CC.

13ª – O poder para obrigar a concorrente é indissociável do ato jurídico praticado pelo procurador da submissão da proposta, daí decorrendo como consequência direta e necessária a vinculação da mandante à proposta, por força dos arts. 7 nº 1 b) do Dec.-Lei 290-D/98, art. 56 nº 1 do CC e art. 258 do CC.

14ª - A procuração, tendo como finalidade um negócio jurídico de contratação pública e a proposta apresentada pelo procurador, que nos termos do art. 56 nº 1 do CCP consubstancia a vontade de contratar, interpretados segundo as regras dos arts. 236 e 238 do CC valem para um declaratário normal, com o sentido de a Autora pretender conferir ao seu procurador os poderes necessários e bastantes para a representar e obrigar em todos os atos do procedimento.

15ª- Improcedem todas as conclusões apresentadas pelos recorrentes.”.

Pede que seja negado provimentos a ambos os recursos apresentados pela Entidade Demandada e pela Contrainteressada.


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A Entidade Demandada, notificada do recurso subordinado apresentado pela Autora, H......., Lda., veio apresentar contra-alegações, tendo assim concluído:

“A) O presente recurso jurisdicional vem interposto pela Autora H…………Lda., como recurso subordinado da douta Sentença datada de 08.08.2020, na parte em que absolveu a Força Aérea de «recolocar em 1.º lugar» a sua proposta, «por forma a lhe ser adjudicado o Lote 1 do concurso» e, concomitantemente, é pedida a atribuição de efeito devolutivo aos «recursos interpostos bem como ao recurso subordinado».

B) A atribuição do pretendido efeito devolutivo aos recursos acarreta a produção de efeitos da decisão de anulação do ato de adjudicação do Lote 1 à H......., cominada no aresto em causa, e, nos termos do n.º 2 do artigo 283.º do CCP, arrasta a anulação do contrato referente ao Lote 1.

C) Por efeito da absolvição da instância decidida pela Sentença em crise, a atribuição do efeito devolutivo aos recursos, impede também que a proposta da H............... possa ser colocada em 1.º lugar e que lhe possa ser adjudicado o Lote 1, em nada se alterando a sua posição atual!

D) A Autora não alega, nem demonstra – como legalmente lhe incumbe – a existência de quaisquer prejuízos de difícil reparação para os seus interesses, nem a possibilidade de se virem a constituir situações de facto consumado, que sejam consequência do efeito suspensivo dos recursos interpostos.

E) A produção dos efeitos da anulação do ato de adjudicação do Lote 1 à H......., com a consequente anulação do contrato respetivo, conjugada com a impossibilidade de a proposta da H............... ser colocada em 1.º lugar e ser-lhe adjudicado o Lote 1, determina que os meios aéreos que constituem o mesmo Lote 1 ficam sem poder operar, deixando mesmo de poder ser disponibilizados!

F) O que significa, para o interesse público, um potencial real de danos efetivos em matéria de proteção da vida e da segurança dos cidadãos e da salvaguarda do património, do território e do ambiente, que resultarão da atribuição do pretendido efeito devolutivo.

G) A aplicação do regime regra do efeito suspensivo dos recursos interpostos da Sentença recorrida, previsto no n.º 1 do artigo 143.º do CPTA, possibilita que o contrato referente ao Lote 1 se mantenha em execução até ao trânisto em julgado da decisão final, com a consequente disponibilização e operação dos meios aéreos correspondentes.

H) Dado o conteúdo do segmento decisório da Sentença em crise, a Autora não tem interesse real e concreto na atribuição de efeito devolutivo seja à anulação e à absolvição da instância, seja só à anulação, seja só à absolvição da instância, uma vez que em nenhuma das situações a Autora consegue que seja alterada a sua posição, que a sua proposta seja colocada em 1.º lugar e/ou que lhe seja adjudicado o Lote 1!

I) Não tendo a Autora ora Recorrente demonstrado quaisquer prejuízos de difícil reparação decorrentes do efeito suspensivo dos recursos interpostos – n.º 3 do artigo 143.º do CPTA – e estando demonstrado que a impossibilidade de garantir os serviços de disponibilização e locação de meios aéreos referentes ao Lote 1, que decorre da atribuição do pretendido efeito devolutivo, constitui um grave prejuízo para o interesse público cuja satisfação este procedimento de contratação pública visou assegurar – n.º 5 do artigo 143.º do CPTA –, deve ser mantido o regime regra previsto no n.º 1 do artigo 143.º do mesmo Código, isto é, deve ser mantido o efeito suspensivo dos recursos interpostos.

J) A Força Aérea Portuguesa dá por reproduzidos, para todos os efeitos legais, os factos considerados provados pela Sentença em crise – cf. pág. 3 a 15 da Sentença.

K) A Autora ora Recorrente não articulou quaisquer factos que pudessem sustentar a interpretação ou a presunção de que o Júri do procedimento em causa conhecia a vontade real da Sócia Gerente da H................

L) As normas da contratação eletrónica distinguem a «submissão da proposta» – a que se aplicam os artigos 68.º a 70.º da Lei n.º 96/2015 – da «assinatura da proposta e documentos que a constituem», que se rege pelo artigo 54.º da mesma Lei n.º 96/2015, considerando que entre ambas as realidades existe uma diferença de natureza e de função – Acórdãos de 09.04.2014, 10.09.2015 e 23.04.2020, do Supremo Tribunal Administrativo (Proc. n.ºs 040/14, 05412/15 e 0395/18.0BEFUN).

M) Tendo presente a distinção entre «submissão da proposta» e «assinatura da proposta e documentos que a constituem» e considerando o disposto no n.º 6 do artigo 252.º do Código das Sociedades Comerciais, a jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a afirmar, de forma reiterada, que no âmbito da contratação pública é exigido que para a representação em contratos, sejam conferidos poderes expressos e específicos para obrigar/vincular a concorrente no âmbito da contratação eletrónica e que a procuração que confere genericamente poderes para “negociar” e “enviar” propostas de contratos, não confere ao procurador o poder de, por si, obrigar a sociedade mandante - Acórdão do TCAN de 26.05.2017, Proc. n.º 00440/16.3BEVIS, Acórdão do TCAN de 26.01.2018, Proc. n.º 00280/17.2BEVIS, Acórdão do TCAS de 28.05.2020, Proc. n.º 185/19.2BEPDL.

N) Em face dos factos dados por assentes pela Sentença recorrida e de acordo com os critérios de interpretação previstos nos artigos 236.º e 238.º do Código Civil, os poderes conferidos pela Sócia Gerente da H............... ao senhor I................ na procuração de 10DEZ2013 – “submeter propostas nas plataformas eletrónicas e assinar contratos em geral e contratos de prestação de serviços” – são, apenas e só, poderes gerais de representação sem qualquer possibilidade de obrigar ou vincular a H................

O) Os artigos 236.º a 238.º do Código Civil dão corpo às disposições respeitantes ao método de interpretação da declaração negocial.

P) Nos termos do n.º 2 do artigo 236.º do Código Civil a vontade real da Sócia Gerente da H............... valeria se e na medida em que fosse conhecida pelo Júri do concurso.

Q) Não foi dado como provado pela Sentença em crise que o Júri do concurso conhecesse a vontade real da Sócia Gerente da H............... relativamente aos poderes outorgados ao seu representante na procuração de 10DEZ2013.

R) Não tendo sido articulados factos, nem demonstrado o conhecimento pelo Júri do concurso da vontade real da Sócia Gerente da H............... relativamente aos poderes atribuídos pela procuração de 10DEZ2013, a correta aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 236.º do Código Civil impede o entendimento de que recaía sobre o Júri o dever de pedir esclarecimentos à H............... para conhecer a sua vontade real, impondo-se, ao invés, a aplicação do n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil.

S) Tratando-se de um negócio formal, o n.º 1 do artigo 238.º do Código Civil exige a comparação do sentido da declaração negocial apurado nos termos do n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil com o texto da procuração de 10DEZ2013.

T) No caso vertente, o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário pode deduzir do comportamento do declarante, com um mínimo de correspondência no texto do documento, é que, como bem concluiu o Júri do concurso: o procurador da H............... apenas tem poderes gerais de representação e não tem poderes para a formação e enunciação «motu proprio» da vontade da H..............., que, a existir, deveria ser objeto de poderes expressos, como tem sido entendimento jurisprudencial reiterado (neste sentido, veja-se Acórdão do TCAN de 26.05.2017, Proc. n.º

U) Assiste razão à Recorrente quando entende que não há lugar à realização de qualquer pedido de esclarecimento pelo Júri do procedimento, uma vez que o momento relevante para efeitos de cumprimento das exigências formais referentes à proposta é o momento da sua entrega definitiva – cf. Acórdão do STA de 03.12.2015 (Proc. n.º 01028/15) –, sendo que a assinatura da proposta, garantindo um interesse material fundamental, reveste a natureza de formalidade essencial, insuscetível de se degradar em formalidade não essencial – Acórdão do TCAS, de 28.05.2020 (Proc. n.º 185/19.2BEPDL).

V) Por tudo o que fica exposto, tendo presente o objeto circunscrito deste recurso subordinado e porque a Sentença recorrida padece de errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 236.º e 238.º do Código Civil e nos artigos 56.º, 57.º, 72.º e 146.º, n.º 2, alínea e) do Código dos Contratos Públicos, deve a mesma ser alterada nos seus fundamentos de direito, sem prejuízo da integral manutenção da decisão de absolvição do pedido.”.

Pede que seja mantido o efeito suspensivo de todos os recursos interpostos da sentença de 08.08.2020 e, porque a sentença recorrida padece de errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 236.º e 238.º do Código Civil e nos artigos 56.º, 57.º, 72.º e 146.º, n.º 2, alínea e) do Código dos Contratos Públicos, deve a mesma ser alterada nos seus fundamentos de direito, sem prejuízo da integral manutenção da decisão de absolvição do pedido.


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A Contrainteressada, ora Recorrida, veio pronunciar-se sobre a atribuição de efeito devolutivo requerido pela Autora e ainda contra-alegar o recurso subordinado pela mesma interposto.

Pede que não seja atribuído efeito devolutivo aos recursos interpostos, antes se mantendo o efeito suspensivo decorrente do artigo 143.º, n.º 1 do CPTA.

Na contra-alegação, formula as seguintes conclusões:

“1) O facto de a Autora/Recorrente ter utilizado a mesma procuração em procedimentos anteriores não legitima nem pode pesar no juízo de legalidade do documento no presente processo;

2) A prestação de esclarecimentos sobre este tema em procedimentos anteriores também não releva para os presentes autos pois, em bom rigor, a lei estabelece que não deve haver lugar a esclarecimentos relativos a esta matéria;

3) A Autora pretende prevalecer-se do facto de já ter concorrido a vários concursos nos quais a Força Aérea figurava como entidade adjudicante afirmando que esta entidade já conhecia a sua vontade real;

4) Não releva, em matéria de contratação pública o conhecimento da vontade real do concorrente, pois a aplicação desta regra interpretativa contende com o princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes;

5) As alegações da Autora/Recorrente demonstram o desprimor desta face ao cumprimento das regras cumpridas pelos restantes concorrentes afirmando ser dever do júri conhecer a sua vontade real devendo igualmente desconhecer as observações levadas a cabo pelos concorrentes em sede audiência prévia entendendo para tanto tal questão já tinha ficado esclarecida âmbito do concurso nº 5019000372 de aquisição de serviços de operação, gestão e manutenção de aeronaves B3 lançado em 23/01/2019;

6) Os conhecimentos técnicos do real declaratário não devem leva-lo a concluir pela presunção de poderes do procurador da Autora/Recorrente, antes pela diferenciação de poderes para submeter documentos na plataforma do concurso e poderes para obrigar a concorrente;

7) O júri está legalmente obrigado a propor a exclusão do concorrente que não apresente documentos assinados por pessoa com poderes para vincular a concorrente;

8) Não existe nenhum preceito que vincule o júri a indagar a vontade real do concorrente;

9) A jurisprudência é unânime no que se refere à falta de referência expressa a poderes para obrigar a concorrente em sede de contração pública, entendendo que nesta situação a concorrente deve ser excluída;

10) A ausência de poderes não configura uma formalidade passível de ser suprida mediante esclarecimentos;

11) A doutrina, jurisprudência bem como a melhor interpretação das regras relativas à interpretação de negócios formais, articuladas com os princípios do direito da contratação pública apontam no sentido da improcedência do pedido deduzido pela Autora/Recorrente e pela invalidade dos fundamentos utilizados para sustentar a sua tese.”.

Pede que o recurso subordinado apresentado pela Autora seja julgado improcedente.


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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo o objeto dos recursos delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em relação a cada um dos recursos, às seguintes:

A. Recurso da Contrainteressada

1. Erro de julgamento de direito, por violação dos artigos 238.º, n.º 1 e 364.º, n.º 1 do CC e 57.º, n.ºs 4 e 6, 70.º e 72.º e n.º 6, n.º 2, alínea e) do CCP.

B. Recurso da Entidade Demandada

1. Violação dos artigos 609.º, n.º 1 do CPC e 95.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, incorrendo a sentença em nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, c) e e) do CPC;

2. Errada aplicação dos artigos 236.º e 238.º do CC e dos artigos 56.º, 57.º, 72.º e 146.º, n.º 2, e), do CCP.

C. Recurso subordinado, da Autora

1. Da atribuição do efeito devolutivo a todos os recursos, nos termos do artigo 143.º, n.ºs 3, 4 e 5 do CPTA;

2. Violação dos artigos 236.º, n.ºs 1 e 2 e 238.º do CC, do artigo 56.º, n.º 1 do CCP e do artigo 7.º, n.º 1, b) do D.L. n.º 290-D/99.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

a) Em Outubro de 2019, mediante anúncio publicado no Diário da República e no Jornal Oficial da União Europeia, foi publicitada a abertura de um procedimento de concurso público, por despacho do Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, para formação de um contrato de aquisição de serviços de disponibilização e locação dos meios aéreos que constituem o dispositivo aéreo complementar do DECIR de 2020 a 2023, a adjudicar por lotes (cfr. fls. 141 a 154 do processo administrativo);

b) O Programa do Procedimento estabelecia, no artigo 5.º, n.º 2, que os documentos constitutivos das propostas deveriam ser apresentados na plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante, disponível em https://www.acingov.pt (acinGov), e assinados eletronicamente, mediante a utilização de certificados de assinatura eletrónica;

c) O Programa do Procedimento estabelecia, no artigo 8.º, n.º 1, o seguinte:

«(…)

1. A proposta do concorrente é constituída pelos seguintes documentos:

a) Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP) do concorrente;

b) Documento elaborado, preferencialmente, em conformidade com a minuta de resposta constante do ANEXO I ao Programa do Procedimento contendo a seguinte informação para cada um dos lotes a que apresenta proposta:

i. Preço Diário da Disponibilidade Operacional por Aeronave;

ii. Preço total da Disponibilidade Operacional [para a totalidade das aeronaves e para totalidade do(s) Período(s) Operacional(ais) Anual(ais)];

iii. Preço da HORA DE VOO;

iv. Preço total das HORAS DE VOO.

c) Documento elaborado pelo concorrente, que evidencie o cumprimento dos requisitos técnicos elencados no Anexo A1 do Caderno de Encargos. A demonstração de como as aeronaves propostas cumprem os referidos requisitos deve ser sustentada através de referências a informação do fabricante ou de entidade detentora do respetivo certificado de tipo da aeronave, de equipamentos e modificações;

d) Os manuais ou documentos técnicos dos fabricantes e entidades responsáveis pelas modificações, referidos na alínea anterior, devem ser disponibilizados, completos, em formato digital.

(…)»;

d) Apresentaram propostas no procedimento, em relação ao lote 1, a H..............., Lda. (autora), a B..............., Lda., a H......., Lda. e a H..............., S.A. (cfr. fls. 317 a 3286 do processo administrativo);

e) A proposta da autora era constituída, entre o mais, pelo Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP), por um documento elaborado em conformidade com a minuta de resposta constante do Anexo I do Programa do Procedimento e por um documento destinado a evidenciar o cumprimento dos requisitos técnicos elencados no Anexo A1 do Caderno de Encargos (cfr. fls. 2213 e seguintes do processo administrativo);

f) Do Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP) que integrava a proposta da autora constava, no que ora interessa, na Parte II, o seguinte:

«(…)

B: Informações sobre os representantes do operador económico # 1

- Se aplicável, indicar o(s) nome(s) e endereço(s) da(s) pessoa(s) habilitada(s) a representar o operador económico para efeitos do presente procedimento de contratação:

Nome próprio

I.............

Apelido

............. (..)

Cargo/Agindo na qualidade de:

director/procurador

Caso necessário, fornecer informações pormenorizadas sobre a representação (forma assumida, dimensão, efeito...):

- (…)»

(cfr. fls. 2214 a 2229 do processo administrativo, especificamente a fls. 2217);

g) Do documento elaborado em conformidade com a minuta de resposta constante do Anexo I do Programa do Procedimento que integrava a proposta da autora constava, entre o mais, o seguinte:

«(…)


Programa Anexo I

Resposta da Proposta


1 – H............... ……………..LDA, NIPC n.º ............. com sede em…………, Estrada de Vale do Lobo, ……..Almancil, neste ano [ato] representada pelo seu procurador, Sr. I................, portador do cartão de cidadão espanhol Nº………., residente em Cerro…………., ……………….São Brás de Alportel, tendo tomado inteiro e perfeito conhecimento do caderno de encargos relativo à execução do contrato a celebrar na sequência do procedimento de concurso público n.º GCMIR/5019019297/2019 “Aquisição de Serviços de Disponibilização e Locação dos Meios Aéreos que constituem o Dispositivo Aéreo Complementar do DECIR DE 2020 A 2023”, declara, sob compromisso de honra, que se obriga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas.

2 - Declara ainda que se obriga a cumprir o conteúdo do mencionado caderno de encargos, por lote, com atributos de preço e com custos propostos e constantes da tabela seguinte:

(…)

3 - Declara também que se submete, em tudo o que respeitar à execução do CONTRATO, ao que se achar prescrito na legislação portuguesa em vigor.

(…)»

(cfr. fls. 2213 do processo administrativo);

h) Do documento destinado a evidenciar o cumprimento dos requisitos técnicos elencados no Anexo A1 do Caderno de Encargos que integrava a proposta da autora constava, entre o mais, o seguinte:

«(…)

H..............., NIPC n.º ............. com sede em…….., Estrada de Vale do Lobo, …………Almancil, representada pelo seu procurador, Sr. I................, portador do cartão de cidadão espanhol Nº……………, residente em…………….., ……….São Brás de Alportel, vem por este meio evidenciar o cumprimento dos requisitos técnicos elencados no Anexo A1 do Caderno de Encargos.

(…)

(cfr. fls. 2230 do processo administrativo);

i) Com a proposta da autora foi junta uma procuração autenticada por advogado, datada de 10 de Dezembro de 2013, da qual consta o seguinte:

“H............., LDA, representada pela sócia Gerente M............., com poderes para o acto, constitui seu procurador o Sr. Cmdt. I................, casado, titular do B.I. n.º …….., residente no ……………….São Brás de Alportel, a quem confere os necessários poderes para em nome da mandante submeter propostas nas plataformas eletrónicas e assinar contratos em geral e contratos de prestação de serviços.”

(cfr. fls. 2307 do processo administrativo);

j) Os documentos que constituíam a proposta da autora, contidos em ficheiros individualizados, foram assinados de forma digital por I................, titular da assinatura electrónica qualificada que lhes foi aposta, e com recurso a um certificado de assinatura electrónica emitido para o próprio (pessoa singular), que o identificava como “director de operações” da H..............., Lda. (cfr. fls. 2214 a 2230 do processo administrativo);

k) Em 22 de Janeiro de 2020, o júri do procedimento elaborou o relatório preliminar, no qual propôs, entre o mais, a admissão da proposta da autora e a ordenação da mesma em primeiro lugar, com a consequente adjudicação do lote 1 a favor da mesma (cfr. fls. 3349 a 3368 do processo administrativo);

l) No âmbito da sua pronúncia para efeitos de audiência prévia, a concorrente H......., Lda. sustentou a exclusão da proposta apresentada pela H..............., Lda. para o lote 1, com fundamento, entre o mais, no seguinte: “Que a assinatura dos documentos que a constituem foi efetuada por um representante sem poderes suficientes para obrigar a H............... em procedimentos de contratação pública – em violação clara dos artigos 57.º/1 e 57.º/4 do CCP” (cfr. fls. 3389 a 3423 do processo administrativo);

m) No âmbito da sua pronúncia para efeitos de audiência prévia, a H..............., S.A. sustentou a exclusão da proposta apresentada pela H..............., Lda. para o lote 1, por “violação do disposto artigo 57.º n.º 4 CCP, o que determina a sua exclusão nos termos do artigo 146.º n.º 2 alínea e) e nos termos do artigo 146.º n.º 2 alínea d), articulado com o preceituado no artigo 57.º n.º 1 alínea b)” (cfr. fls. 3438 a 3471 do processo administrativo);

n) Em 5 de Fevereiro de 2020, em resposta às pronúncias apresentadas pela H......., Lda. e pela H..............., S.A., foi apresentado um documento assinado electronicamente por I................, no qual consta, entre o mais, que “a H............... quis mandatar e mandatou o seu mandatário I............ para praticar todos os actos necessários para se apresentar ao concurso, intervir nele e por fim assinar os contratos, conferindo-lhe, para o efeito, os necessários poderes, mediante procuração, formal”, acompanhado de um exemplar da certidão de registo comercial permanente da autora (cfr. fls. 3487 a 3507 do processo administrativo);

o) Em 21 de Fevereiro de 2020, o júri do procedimento elaborou um relatório final, que designou, em relação ao lote 1, como “Relatório Final – 1”, no qual propôs a exclusão da proposta da autora, “nos termos do artigo 57.º, n.º 4, com o artigo 146.º, n.º 2, alínea e) do CCP”, com a consequente adjudicação a favor da proposta apresentada pela H......., Lda., do qual consta, entre o mais, o seguinte:

«(…)

47. Finalmente cumpre apreciar das alegadas ilegitimidade e inexistência de poderes para obrigar as concorrentes, H...............-…., Lda., A........... S.R.L. e B......., Unipessoal, Lda., invocadas pelas concorrentes H.......-………, Lda. e H............... -……., S.A..

48. Relativamente a esta matéria cumpre apreciar o seguinte:

a. Dispõe o artigo 57.º, n.º 4 do CCP que “Os documentos referidos nos n.ºs 1 [Documentos com os atributos] e 2 [Documentos contendo os termos ou condições a que entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule] devem ser assinados pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar”, sancionando com a exclusão da proposta caso tal não se verifique, de acordo com o artigo 146.º, n.º 2 alínea e) do CCP.

b. Ainda quanto à matéria das assinaturas, e já não dos poderes para obrigar, cumpre atentar no artigo 54.° da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto, que estatui no n.º 1 “Os documentos submetidos na plataforma eletrónica, pelas entidades adjudicantes e pelos operadores económicos, devem ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada, nos termos dos n.ºs 2 a 6.” e no seu n.º 7 que “Nos casos em que o certificado digital não possa relacionar o assinante com a sua função e poder de assinatura, deve a entidade interessada submeter à plataforma eletrónica um documento eletrónico oficial indicando o poder de representação e a assinatura do assinante.”.

c. Em face do que antecede, constata-se ser pacífico na doutrina e jurisprudência que quem tem poderes para obrigar não tem necessariamente que ser a mesma pessoa, que está na plataforma em representação do concorrente, podendo-o, no entanto, ser.

d. Assim, é aceite que quem tem poderes para obrigar e está na plataforma em nome do concorrente, vincula-o por esta via quando submete/carrega a proposta e, por outro lado, quem tem poderes para carregar, submeter a proposta na plataforma poderá não ter poderes para obrigar o concorrente.

e. Deste modo, é fundamental o sentido e alcance do conceito «poder para obrigar», enquadrado à luz do disposto no artigo 56.° do CCP quanto à definição de proposta “(…) declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo”, ou seja a proposta é uma declaração negocial quanto à qual, em face de norma administrativa especial, são aplicáveis o disposto nos artigos 217.° e seguintes do Código Civil e nos artigos 67.° e 160.° e 163.° do Código Civil respetivamente quanto às pessoas singulares ou coletivas.

f. No que respeita às pessoas coletivas presentes no presente procedimento, importa ainda atentar, quanto a cada uma delas em particular, ao respetivo regime previsto no Código das Sociedades Comerciais para o tipo de sociedade, quando aplicável.

g. Regressando ao «poder de obrigar» e ao conteúdo da forma sobre como se pode manifestar esse poder, importa atentar que formalidade essencial exigida no CCP é que os documentos constantes no seu artigo 57.º, n.º 1 sejam assinados por quem tem poder para obrigar, daqui não resultando uma qualquer forma, ou formalidade específica a não ser a de assinar estes documentos.

h. Ora, a assinatura destes documentos para que obriguem uma pessoa coletiva, carece de ser aposta por quem tenha os poderes para a representar, decorrentes da lei, ou do ato constitutivo da sociedade ou de instrumento específico que confira poderes para o ato.

i. Neste último grupo de situações inclui-se a faculdade de os representantes legais ou convencionais da sociedade nomearem “(…) mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados atos ou categorias de atos, sem necessidade de cláusula contratual expressa.” (negrito nosso), conforme dispõem os artigos 252.º, n.º 6 e 391.º, n.º 6 do Código das Sociedades Comerciais.

j. Quanto à procuração dispõe o artigo 262.º do Código Civil que esta é “(…) o ato pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos.”, dispondo o seu n.º 2 que “Salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar.”.

k. Nesta sequência e conforme anteriormente referido, para efeitos do disposto no artigo 57.º, n.º 4 do CCP, basta a assinatura do concorrente ou de representante que tenha poderes para obrigar, pelo que é suficiente para este efeito a procuração particular com poderes específicos.

l. Por fim, importa recordar que nos termos do artigo 258.º do Código Civil, “O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.”, pelo que sendo a procuração uma forma de representação, a declaração negocial emitida pelo procurador (representante) produz efeitos jurídicos na esfera do representado.

(…)

51. No que respeita à proposta da concorrente H…………., Lda., verifica-se que:

a. A concorrente H...............-…., Lda. encontra-se registada na plataforma eletrónica acinGov.Academia de A………formática, Lda.;

b. A proposta apresentada a este procedimento é constituída pelos seguintes documentos:

(…)

c. Cada um dos documentos supra indicados e que integram a proposta foram assinados através da aposição no documento e na plataforma do seguinte certificado de assinatura digital qualificada:



- Conforme Recibo de Submissão da Proposta (negrito nosso)

d. Quer no documento Anexo I, quer no DEUCP a concorrente indica I................ como seu procurador, conforme resulta respetivamente das expressões “(…) neste a[t]no representada pelo seu procurador, Sr. I................ (...)” (cfr. Anexo I) e “(...) B: Informações sobre os representantes do operador económico #1

Se aplicável, indicar o(s) nome(s) e endereço(s) da(s) pessoa(s) habilitada(s) a representar o operador económico para efeitos do presente procedimento de contratação:

Nome próprio

I............

Apelido

............. (...)

Cargo/Agindo na qualidade de:

director/procurador

(...)” (cfr. Página 3 e 4 DEUCP).

e. Estando a concorrente representada por procurador integrou na proposta o documento «Procuração H...............», com o seguinte conteúdo “H..........., LDA, representada pela sócia Gerente M..........., com poderes para o acto, constitui seu procurador o Sr. Cmdt. I................, (...) a quem confere os necessários poderes para em nome da mandante submeter propostas nas plataformas eletrónicas e assinar contratos em geral e contratos de prestação de serviços.”.

f. Ora, no caso em concreto apenas está em causa a validade do documento «Procuração H...............», porquanto da validade deste documento resulta quer a existência de poderes para obrigar, quer a submissão à plataforma de documento eletrónico oficial com indicação do poder de representação.

g. Em sede de pronúncias foi arguido pela H.......-………, Lda. que a expressão “(…) submeter propostas (...)” deve ser interpretada em sentido restritivo, como não conferindo poderes ao procurador para obrigar a concorrente, suportando-se tal argumento no já referido princípio da pessoalidade da gerência cujo corolário resulta do artigo 252.º, n.º 6 do Código das Sociedades Comerciais (CSC), e na evocação de alguma da jurisprudência administrativa.

h. Ora, atentos ao sentido da jurisprudência, em particular o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04/09/2014, no processo n.º 040/14, efetivamente conclui-se pelo procedência do alegado, já que da expressão “(…) confere os necessários poderes para em nome da mandante submeter propostas nas plataformas eletrónicas (...)”, não pode ser outra a interpretação do Júri, quando colocado na posição do destinatário numa relação jurídico-administrativa e tendo sido suscitada a questão nos termos em que o foi, de que a gerência da sociedade ao emitir uma declaração negocial naquele sentido e com aquele conteúdo, ao registar-se na plataforma e adquirir uma assinatura «eletrónica de qualidade» (conforme acima verificámos a assinatura é pessoal, mas pertença da organização) para o seu procurador e não «de representação», objetivou apenas conferir a este seu procurador os poderes para a representar para efeitos da interação com as Entidades Adjudicantes na plataforma eletrónica.

i. Interação esta que não abrange os poderes para por si delimitar o sentido e alcance da vontade de contratar, detendo antes e apenas os poderes para comunicar nas plataformas eletrónicas essa vontade, pelo que se têm por não assinados por quem tem poderes para obrigar os documentos da proposta violando-se assim o disposto no artigo 57.º, n.º 4 do CCP.

j. Quanto à procuração é ainda arguida a sua nulidade com fundamento na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º do Código do Notariado (CN), porquanto do ato notarial não consta “A menção dos documentos apenas exibidos com indicação da sua natureza, data de emissão e entidade emitente e, ainda, tratando-se de certidões de registo, a indicação do respetivo número de ordem ou, no caso de certidão permanente, do respetivo código de acesso;” (Cfr. alínea g) do n.º 1 do artigo 46.º ex vi artigo 151.°, todos do CN por remissão do artigo 38.° do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março).

k. Quanto a esta última questão, importa atentar no n.º 2 do artigo 70.° do CN que dispõe “As nulidades previstas nas alíneas (...) g) do número anterior consideram-se sanadas, conforme os caso:” prosseguindo na respetiva alínea f) “Se em face da inobservância do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 46.°, ou da incorreta menção dos requisitos nele exigidos, for comprovado, mediante exibição da certidão de registo ou do correspondente código de acesso, que a mesma já existia à data da celebração do ato.”.

l. Daqui resulta não estarmos perante uma nulidade insanável que opere de forma automática, mas sim perante uma nulidade que admite prova em contrário, prova essa que se traduz na “(…) apresentação de documento[s] que se limite[m] a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta (...)”, o que nos termos do n.º 3 do artigo 72.° do CCP constitui o Júri no dever de solicitar à concorrente e permitir a apresentação da respetiva Certidão Permanente ou outro documento idóneo para efeitos do disposto no referido artigo 70.°, n.º 2 alínea f) do CN.

m. Ora, quanto a esta questão importa recordar que neste procedimento a Certidão Permanente é um documento exigido na fase de habilitação, pelo que aquele documento sempre viria a ser obrigatoriamente junto ao procedimento, caso o sentido da decisão de adjudicação constante do relatório preliminar se mantivesse e viesse a ser acolhido pelo órgão competente para a decisão de contratar.

n. Contudo, e como referimos anteriormente, tendo sido suscitada a questão, independentemente da fase do procedimento porquanto se trata de matéria que carece de comprovação e ainda não apreciada, incumbia ao Júri proceder a esse pedido de exibição.

o. Ocorre porém, como vimos no parágrafo 38 supra, que a concorrente H...............-……………, Lda. veio juntar cópia da Certidão Permanente com o seguinte código de acesso……………, tomando tal ato do Júri inútil, e tendo-se assim por sanada a alegada nulidade.

p. No entanto, conforme anteriormente concluído na subalínea i. e com os pressupostos ali expendidos, a proposta deve ser excluída nos termos conjugados do artigo 57.º, n.º 4, com o artigo 146.º, n.º 2, alínea e) do CCP.

52. Em face do que antecede delibera o Júri:

(…)

b. Quanto ao Lote 1:

(1) Excluir a proposta da concorrente H............... –……, Lda., com os fundamentos anteriormente aduzidos e nos termos do artigo 57.º, n.º 4, com o artigo 146.º, n.º 2, alínea e) do CCP:

(2) Ordenar as propostas de acordo com a tabela seguinte:

(…)»

(cfr. fls. 3508 a 3552 do processo administrativo);

p) Em 28 de Fevereiro de 2020, foi apresentada a pronúncia da autora no exercício do direito de audiência prévia, em documento assinado electronicamente por I................, no qual consta, entre o mais, que o “mandatário” da autora tem “manifestamente poderes para a representar em todos os atos do procedimento concursal, designadamente assinar documentos que fazem parte da proposta e que integram o contrato final” (cfr. fls. 3584 a 3647 do processo administrativo);

q) Nessa pronúncia consta, entre o mais, que “a vontade real da mandante era e sempre foi conferir ao seu procurador I............. ............. os poderes necessários para em nome da mandante, não só submeter propostas nas plataformas eletrónicas, como também representar a mandante em todo o procedimento concursal, bem como na assinatura do contrato final praticando materialmente todos os demais atos necessários no aludido fim”, incluindo “todos os atos de que depende a formação da vontade de contratar, todos os procedimentos prévios ao contrato e por fim à assinatura do contrato que determina a perfeição da declaração negocial”; e com a mesma foi junta uma procuração (com apostilha) outorgada em Ayamonte, perante notário, em 27 de Março de 2018, escrita em língua espanhola e com tradução para língua portuguesa devidamente legalizada, mediante a qual a H..............., Lda. concedeu poderes especiais a I................ para, entre o mais, “outorgar quaisquer garantias, escrituras, acordos, contratos, pactos e documentos similares, incluindo contratos públicos, candidaturas e licitações com autoridades de aviação civil, governos, ministérios, agências, administradores e entidades similares (…)” e “representar a sociedade em todos os assuntos relacionados com a apresentação de propostas para qualquer tipo de licitação pública ou privada na Espanha” (cfr. fls. 3584 a 3647 do processo administrativo);

r) Em 5 de Março de 2020, o júri do procedimento elaborou um segundo relatório final, que designou, em relação ao lote 1, como “Relatório Final – 2”, mantendo o teor e as conclusões do primeiro relatório final e a proposta que nele havia sido feita quanto à exclusão da proposta da autora e à adjudicação da proposta da H......., Lda., do qual consta, entre o mais, o seguinte:

«(…)

55. O júri revisitou todo o procedimento, bem como as propostas em crise. (…)

62. Ainda relativamente ao Lote 1 na pronúncia da concorrente H...............- Helicópteros - Operações, Actividades e Serviços Aéreos, Lda. alega-se que o Júri na sua análise não atentou na segunda parte da fórmula “(...) a quem confere os necessários poderes para em nome da mandante submeter propostas nas plataformas eletrónicas e assinar contratos em geral e contratos de prestação de serviços.” (sublinhado e negrito nosso). Contudo, o Júri não só se deteve sobre esta expressão, até porque quer a concorrente a concorrente H.......- ………….Lda., quer a concorrente H...............-………………, Lda. o haviam invocado em sede de audiência prévia e de intervenção incidental, respetivamente, como se lhe assacaram os mesmos juízos de insuficiência, ou seja o procurador pode assinar o que o representado negociou, mas não está munido dos poderes para negociar os termos contratuais.

63. Na verdade, não obstante, se compreenda que através da junção da procuração outorgada no Cartório de Ayamonte (Espanha) em 22 de março de 2018, a concorrente pretende demonstrar o sentido real da vontade do declaratário, aquela procuração, que não confere poderes de representação em território nacional, vem sim reforçar a insuficiência suscitada por outra concorrente dos poderes conferidos na procuração junta a este procedimento.

64. Em face do que antecede perante os elementos constantes do procedimento administrativo delibera Júri manter o sentido da deliberação de exclusão da proposta, improcedendo o alegado em sede de audiência prévia.

(…)»

(cfr. fls. 3669 a 3720 do processo administrativo);

s) Em 12 de Março de 2020, por despacho proferido pelo Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, com remissão para o relatório final elaborado pelo júri, foi decidida a adjudicação do lote 1 a favor da proposta da H......., Lda. (cfr. fls. 3721 do processo administrativo);

t) Em 30 de Março de 2020, foi celebrado entre o Estado e a H......., Lda. o contrato de aquisição de serviços de disponibilização e locação dos meios aéreos que constituem o dispositivo aéreo complementar do DECIR de 2020 a 2023, tendo por objecto o lote 1 posto a concurso (cfr. fls. 3810 a 3856 do processo administrativo).

2.2. Os factos acima enunciados, que foram alegados pelas partes ou deles são instrumentais, encontram-se, todos eles, provados pelos documentos que integram o processo administrativo respeitante à matéria dos autos.

Inexistem, de resto, quaisquer outros factos que, tendo sido alegados e interessando para a decisão a proferir, tenham sido considerados como não provados.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional, os quais se analisarão segundo a sua ordem lógica e prioritária de conhecimento e de forma conjunta, quanto aos fundamentos comuns.

B. Recurso da Entidade Demandada

1. Violação dos artigos 609.º, n.º 1 do CPC e 95.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, incorrendo a sentença em nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, c) e e) do CPC

Vem a Entidade Demandada invocar no presente recurso que a sentença recorrida ao decidir como decidiu, no sentido de convidar a Autora a esclarecer a suficiência dos poderes de representação do senhor I................ para obrigar a Autora, veio a condenar no que não foi pedido pela Autora, numa inadmissível ampliação oficiosa do pedido, padecendo de nulidade por violação do artigo 95.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA e artigo 609.º, n.º 1 do CPC e nos termos do artigo 615.º, n.º 1, als. c) e e) do CPC.

Sem razão.

A Autora instaurou a presente ação de contencioso pré-contratual pedindo a anulação do ato de exclusão da proposta por si apresentada ao concurso e de adjudicação à Contrainteressada da aquisição dos serviços a que se refere o Lote 1 do contrato e, ainda, a condenação da Entidade Demandada a recolocar a proposta da Autora em 1.º lugar, de forma a lhe ser adjudicado o referido Lote 1.

Por sua vez a sentença recorrida julgou a ação parcialmente procedente, anulando o ato praticado pelo Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, datado de 12/03/2020, de exclusão da proposta da Autora e de adjudicação do Lote 1, a favor da proposta da H......., Lda., praticado no âmbito do procedimento de concurso público para a formação do contrato de aquisição de serviços de disponibilização e locação dos meios aéreos que constituem o dispositivo aéreo complementar do DECIR de 2020 a 2023, absolvendo a Entidade Demandada e a Contrainteressada do demais peticionado.

Mais resulta da sua fundamentação de direito que foi entendido não existir fundamento legal para a exclusão da proposta apresentada pela Autora e, consequentemente, para a adjudicação ocorrida, mas antes o júri do concurso dever solicitar esclarecimentos à concorrente Autora, nos termos do artigo 72.º do CCP, razão pela qual, não é possível, de imediato, condenar à admissão da proposta apresentada pela Autora.

Configurado o pedido formulado na petição inicial e analisado o decidido na sentença recorrida, é de entender por a mesma não extrapola o pedido deduzido pela Autora, não consubstanciando uma decisão que decida coisa diferente ou para além do que haja sido peticionado.

Tendo sido pedida a anulação do ato impugnado, o qual procede à exclusão da proposta apresentada pela Autora e à adjudicação da proposta apresentada pela Contrainteressada, foi concedido provimento ao pedido, mas porque se entendeu que estavam reunidos os pressupostos legais para ser formulado o convite ao esclarecimento da proposta, segundo o artigo 72.º do CCP, dele dependendo a decisão a proferir, de admissão ou de exclusão da proposta da Autora, não foi concedido provimento ao pedido de condenação.

Além de que a fundamentação de facto ou de direito da sentença recorrida não enferma de qualquer ambiguidade ou sequer de contradição em relação ao seu dispositivo, de resto, não invocada pelo Recorrente.

O Recorrente não substancia o fundamento da nulidade decisória invocada, prevista no artigo 615.º, n.º 1, c) do CPC, por nada alegar em termos que permitam a subsunção dos argumentos invocados nos pressupostos da citada norma legal, visto não ser alegada contradição ou ambiguidade da sentença.

Mesmo no tocante à nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, e) do CPC, não existem motivos para entender que o Tribunal a quo decidiu coisa diferente do peticionado pela Autora.

Não estão, por isso, verificados os pressupostos previstos nas alíneas c) e e), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ao prever a nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão ou que ocorra alguma sua ambiguidade, do mesmo modo que não existe uma condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Nestes termos, não tem o ora Recorrente qualquer razão ao assacar a nulidade decisória da sentença com os fundamentos com que o fez, sendo de julgar improcedente, por não provado, o suscitado pelo Recorrente.

A. e B. Recursos da Contrainteressada e da Entidade Demandada

1. Erro de julgamento de direito, por violação dos artigos 236.º, 238.º, n.º 1 e 364.º, n.º 1 do CC e 56.º, 57.º, n.ºs 4 e 6, 70.º, 72.º e n.º 6, n.º 2, alínea e) e 146.º, n.º 2, e), do CCP

Vêm a Contrainteressada e a Entidade Demandada dirigir o erro de julgamento de direito contra a sentença recorrida, com fundamentos que são comuns, por estar em causa a alegada violação dos mesmos normativos de direito.

A questão decidenda respeita a saber se incorre a sentença recorrida em erro de julgamento ao decidir que não existe fundamento para a imediata exclusão da proposta apresentada pela Autora, antes lhe devendo ter sido pedidos esclarecimentos, de forma a interpretar a declaração prestada, no respeitante aos poderes do representante legal da Autora no procedimento pré-contratual em causa, por ambos os Recorrentes defenderem existir fundamento legal para a exclusão da proposta apresentada pela Autora, nos termos do disposto no artigo 57.º, n.º 4 do CCP, por aplicação do artigo 146.º do CCP, nos termos decididos no ato impugnado.

Segundo a alegação da Contrainteressada, o Tribunal a quo não decidiu da melhor forma, tendo violado o disposto nos artigos 238.º, n.º 1 e 364.º, n.º 1, do CC e os “artigos 57.º, n.º 4, 72.º e n.º 6, n.º 2, alínea e) do CCP”, pois estava vinculado a excluir a proposta, a mesma não carecendo de quaisquer esclarecimentos, por lhe faltar um requisito essencial que não é suscetível de ser sanado a posteriori.

Defende que, ao contrário do decidido na sentença recorrida, não existiu défice de instrução.

Alega que segundo o Programa do Concurso os documentos constitutivos da proposta tinham de ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada e submetidos a plataforma eletrónica, devendo os documentos ser assinados pelo representante legal do concorrente ou por um terceiro com poderes suficientes para o efeito de vincular a concorrente no procedimento, segundo o disposto no artigo 57.º, n.º 4 do CCP.

Sustenta que quanto à proposta apresentada pela Autora, todos os documentos foram assinados digitalmente na plataforma, através de assinatura eletrónica associada a um certificado de assinatura que não pertence nem à Autora, nem ao seu representante legal.

O certificado de assinatura pertence a um terceiro, I................, que é o diretor de operações, pois esse certificado não faz qualquer menção aos poderes que foram conferidos pela Autora ao seu titular.

O que segundo a Recorrente, a assinatura digital aposta nos documentos constitutivos da proposta apresentada em nome da Autora, não permite relacionar o signatário à Autora.

Para cumprir o artigo 57.º, n.º 4 do CCP, no momento da apresentação da proposta tornava-se imperativo ao signatário comprovar, através de documento, que se encontrava habilitado para assinar os documentos para, desta forma, vincular a Autora ao procedimento pré-contratual.

A procuração outorgada a favor de I................ apenas confere poderes para carregar os documentos que integram a proposta na plataforma eletrónica, nada referindo sobre os poderes para vincular a sociedade na fase pré-contratual.

Também dissente a Contrainteressada em relação à sentença recorrida, que possa a concorrente vir suprir as deficiências da procuração mais tarde, através de esclarecimentos.

Entende, por isso, que os documentos constitutivos da proposta apresentada pela Autora foram assinados por pessoa sem poderes suficientes para vincular a Autora no procedimento pré-contratual, violando o artigo 57.º, n.º 4 do CCP.

Nos mesmos termos o entende a Entidade Demandada, a quem é imputável a autoria do ato impugnado.

Segundo a sua alegação, as normas da contratação pública distinguem a submissão da proposta, da assinatura da proposta e dos documentos que a constituem, pois enquanto a submissão da proposta se rege pelos artigos 68.º a 70.º da Lei n.º 96/2015, a assinatura da proposta e dos documentos que a constituem se rege pelo artigo 54.º da Lei n.º 96/2015.

Mais invoca que a jurisprudência tem realçado esta diferenciação.

Neste sentido, entende que a sentença recorrida não cumpre os critérios de interpretação da declaração negocial, previstos no artigo 236.º, n.º 1 do CC, devendo extrair-se da procuração outorgada a favor de I................ que o mesmo só detém os poderes para a prática dos atos previstos na procuração, os quais não incluem poderes de vinculação.

Razão porque, tal como defende a Contrainteressada, considera não existir fundamento legal para o pedido de esclarecimentos, devendo a proposta ser excluída.

Vejamos.

Explanada a argumentação das Recorrentes, as quais convergem nos fundamentos do recurso, a questão decidenda assume natureza exclusivamente de direito e respeita à interpretação do conteúdo da procuração outorgada a favor de I................ a fim de determinar se a mesma concede poderes de vinculação da concorrente no âmbito do procedimento pré-contratual, vinculando-a perante a entidade adjudicante pela proposta apresentada.

Em ambos os recursos não é posto em causa que a referida procuração preveja poderes de vinculação da concorrente na fase contratual, do mesmo modo que nada se mostra impugnado acerca da legalidade do processo de submissão eletrónico da proposta e das respetivas assinaturas digitais.

A única questão colocada como objeto do recurso respeita a saber se a procuração outorgada concede poderes de vinculação da concorrente em relação à proposta submetida na plataforma eletrónica, no âmbito do procedimento pré-contratual.

Por outras palavras, se pode extrair-se do teor da procuração outorgada pela sócia gerente da sociedade concorrente ao concurso, a favor do seu procurador, I................, os poderes de vinculação da referida sociedade.

Não está em causa saber se a submissão da proposta e a assinatura dos documentos pelo representante da sociedade concorrente é condição suficiente e adequada para a sua vinculação, mas antes analisar o exato teor da procuração para saber se dela resulta a outorga de poderes ao procurador para submeter a proposta desmaterializada e para vincular a sociedade.

Assumindo a presente controvérsia a natureza de questão de direito, a sua análise terá de se basear na concreta factualidade que se encontra demonstrada em juízo, pois será com base nos factos da causa e, muito em particular, no exato teor da procuração outorgada, que se terão de interpretar e aplicar os normativos de direito e, consequentemente, a decisão a proferir.

Conforme se extrai do julgamento da matéria de facto assente, em outubro de 2019, mediante anúncio publicado no Diário da República e no Jornal Oficial da União Europeia, foi publicitada a abertura de um procedimento de concurso público, por despacho do Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, para formação de um contrato de aquisição de serviços de disponibilização e locação dos meios aéreos, que constituem o dispositivo aéreo complementar do DECIR de 2020 a 2023, a adjudicar por lotes.

O artigo 5.º, n.º 2 do Programa do Procedimento prevê que os documentos constitutivos das propostas devem ser apresentados na plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante e assinados eletronicamente, mediante a utilização de certificados de assinatura eletrónica.

No que se refere aos documentos apresentados pela Autora, do Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP) que integrava a proposta consta, na Parte II, “B: Informações sobre os representantes do operador económico # 1”, como nome e endereço da pessoa habilitada a representar o operador económico para efeitos do presente procedimento de contratação, I................, agindo “na qualidade de: director/procurador” (sublinhado nosso).

Do documento elaborado em conformidade com a minuta de resposta constante do Anexo I do Programa do Procedimento, que integra a proposta da Autora consta que “H............... LDA, NIPC n.º ............. com sede em………., Estrada de Vale do Lobo, ………Almancil, neste ano [ato] representada pelo seu procurador, Sr. I................, portador do cartão de cidadão espanhol Nº…………, residente em Cerro do Botelho ………….São Brás de Alportel, tendo tomado inteiro e perfeito conhecimento do caderno de encargos relativo à execução do contrato a celebrar na sequência do procedimento de concurso público n.º GCMIR/5019019297/2019 “Aquisição de Serviços de Disponibilização e Locação dos Meios Aéreos que constituem o Dispositivo Aéreo Complementar do DECIR DE 2020 A 2023”, declara, sob compromisso de honra, que se obriga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas.

2 - Declara ainda que se obriga a cumprir o conteúdo do mencionado caderno de encargos, por lote, com atributos de preço e com custos propostos e constantes da tabela seguinte:

(…)

3 - Declara também que se submete, em tudo o que respeitar à execução do CONTRATO, ao que se achar prescrito na legislação portuguesa em vigor. (…)” (sublinhados nossos).

Do documento destinado a evidenciar o cumprimento dos requisitos técnicos elencados no Anexo A1 do Caderno de Encargos, que integra a proposta da Autora também se retira o seguinte: “H............... LDA, NIPC n.º ............. com sede em……………, Estrada de Vale do Lobo, ………..Almancil, representada pelo seu procurador, Sr. I................, portador do cartão de cidadão espanhol Nº………., residente em Cerro do Botelho …………..São Brás de Alportel, vem por este meio evidenciar o cumprimento dos requisitos técnicos elencados no Anexo A1 do Caderno de Encargos.” (sublinhados nossos).

Com relevo, encontra-se também provado que com a proposta da Autora foi junta uma procuração autenticada por advogado, datada de 10 de dezembro de 2013, da qual consta o seguinte:

H............., LDA, representada pela sócia Gerente M............., com poderes para o acto, constitui seu procurador o Sr. Cmdt. I................, casado, titular do B.I. n.º………., residente no ………………São Brás de Alportel, a quem confere os necessários poderes para em nome da mandante submeter propostas nas plataformas eletrónicas e assinar contratos em geral e contratos de prestação de serviços.” (sublinhados nossos).

Além de que, segundo a matéria de facto assente, os documentos que constituem a proposta da Autora, contidos em ficheiros individualizados, foram assinados de forma digital por I................, titular da assinatura eletrónica qualificada que lhes foi aposta e com recurso a um certificado de assinatura eletrónica emitido para o próprio (pessoa singular), que o identifica como “director de operações” da H..............., Lda..

Extrai-se ainda da factualidade assente que no relatório preliminar elaborado pelo júri do concurso, se previa a admissão de todas as propostas apresentadas ao concurso, incluindo a apresentada pela Autora, sendo a mesma ordenada em primeiro lugar, com a consequente proposta de adjudicação do Lote 1 a seu favor.

Na sequência de outras concorrentes suscitarem a questão da exclusão da proposta apresentada pela Autora na fase de audiência prévia, com o fundamento de a assinatura dos documentos que a constituem ter sido efetuada por um representante sem poderes suficientes para obrigar a sociedade concorrente em procedimentos de contratação pública, veio a ser praticado o ato ora impugnado, de exclusão da proposta da Autora e de adjudicação a favor da ora Contrainteressada, não obstante a concorrente, Autora, também na fase de audiência prévia ter vindo a apresentar esclarecimentos e a apresentar documento que refere expressamente que o mandatário da Autora tem poderes para a representar em todos os atos do procedimento pré-contratual, designadamente, assinar documentos que fazem parte da proposta e que integram o contrato.

Com base na factualidade provada, importa agora analisar se existe fundamento legal para a exclusão da proposta tal como foi entendido pela entidade adjudicante, nos termos do ato impugnado, incorrendo a sentença recorrida em erro de julgamento de direito ao decidir de modo diferente.

Analisada a factualidade pertinente, importa considerar os normativos de direito convocados para o caso.

Estabelece o artigo 57.º, n.º 4 do CCP, que os documentos referidos nos n.ºs 1 e 2 que constituem a proposta, devem ser assinados pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar.

As propostas que não cumpram o disposto neste n.º 4 do artigo 57.º, devem ser excluídas do procedimento, sob proposta do júri e decisão do órgão competente, conforme resulta, conjugadamente, dos artigos 146.º, n.º 2, alínea e) e 148.º, n.ºs 1 e 4, do CCP.

A Lei n.º 96/2015, de 17/08, que regula a disponibilização e a utilização das plataformas eletrónicas de contratação pública previstas no CCP, estabelece, por sua vez, no n.º 1 do artigo 54.º, que os documentos submetidos na plataforma eletrónica, pelas entidades adjudicantes e pelos operadores económicos, devem ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada, nos termos dos n.ºs 2 a 6.

Segundo o seu n.º 2, os documentos elaborados ou preenchidos pelos operadores económicos, incluindo os documentos que constituem as propostas, devem ser assinados com recurso a certificados qualificados de assinatura eletrónica próprios ou dos seus representantes legais.

Nos termos do seu n.º 7, nos casos em que o certificado digital não possa relacionar o assinante com a sua função e poder de assinatura, deve a entidade interessada submeter à plataforma eletrónica um documento eletrónico oficial indicando o poder de representação e a assinatura do assinante.

Como decidido na sentença recorrida, da conjugação dos citados preceitos resulta que os documentos referidos no n.º 1 do artigo 57.º do CCP, devem ser assinados pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar, segundo o artigo 57.º, n.º 4, do CCP, com recurso a assinatura eletrónica qualificada, nos termos do artigo 54.º, n.º 1, da Lei n.º 96/2015, de 17/08.

A essa assinatura eletrónica deve estar associado, por força do disposto no n.º 2 do artigo 54.º da Lei n.º 96/2015, um certificado qualificado do próprio concorrente ou de um seu representante, nele identificado e habilitado nessa qualidade, contendo a necessária informação sobre os poderes de representação (sujeitos a prévia confirmação pela entidade certificadora, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, da Lei n.º 96/2015, de 17/08).

Nos termos do n.º 7 deste artigo 54.º, é admissível a utilização de um certificado digital que, não sendo do próprio do concorrente, nem tendo sido emitido para um seu representante nessa específica qualidade e que, por isso, não permita relacionar o assinante com a sua função e poder de assinatura, pertença a uma pessoa que tenha os necessários poderes representativos para obrigar o concorrente, desde que, nesse caso, seja apresentado, juntamente com a proposta, um documento indicando o poder de representação (e assinatura) do assinante, como o seja, por exemplo, a certidão permanente da sociedade ou uma procuração.

Esse documento destina-se a fazer prova, aquando da apresentação da proposta, dos poderes do assinante para, mediante a aposição da sua assinatura nos respetivos documentos constitutivos, vincular o concorrente (em nome do qual a proposta é apresentada) para com a entidade adjudicante, justificando perante a mesma os poderes do representante para obrigar o concorrente ao cumprimento dos termos e condições relativos à execução do contrato com que se dispõe a contratar, e não apenas para o ato de entrega ou inclusão eletrónica desses documentos, através do seu carregamento na plataforma e subsequente submissão da proposta, a que se referem os artigos 68.º a 70.º da Lei n.º 96/2015, de 17/08.

Isto porque, é de conceder que tais poderes possam ser conferidos pela concorrente a pessoa diferente.

Como se decidiu na sentença recorrida e resulta da matéria de facto provada, todos os documentos que constituem a proposta da Autora encontram-se assinados por I................, com recurso a assinatura eletrónica qualificada e o certificado qualificado associado a essa assinatura, que foi emitido para pessoa singular, identifica I................ como seu titular.

Por este motivo, não pode presumir-se, com fundamento na parte final da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do D.L. n.º 290-D/99, de 02/08, que a pessoa que apôs a assinatura eletrónica aos documentos da proposta é representante, com poderes bastantes, da Autora, pois tal pressuporia que o titular da assinatura eletrónica qualificada fosse a própria Autora, e, no caso, não é, sendo antes I............ Remon.

O certificado utilizado permite associar o assinante à Autora, mas apenas por referência à função por ele exercida, in casu, “director de operações” e “procurador”, ambas referidas nos documentos constitutivos da proposta (vide alínea f) da matéria de facto assente), qualidade da qual não resulta, nem permite presumir ou inferir, a titularidade de poderes para vincular ou obrigar a concorrente, Autora, em nome da qual o mesmo apresentou a proposta.

É precisamente porque não é possível relacionar o assinante ao poder de assinatura dos documentos da proposta em nome da concorrente, que não poderia deixar de ser apresentado um documento adicional com a necessária indicação do poder de representação e assinatura do assinante, nos termos exigidos pelo n.º 7 do artigo 54.º da Lei n.º 96/2015, de 17/08.

Documento este que, no caso, foi apresentado e que se destina a comprovar, para efeitos de cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 57.º do CCP, que o assinante, que mencionou expressamente atuar como “procurador” da concorrente, tinha poderes para obrigar a Autora ao cumprimento dos termos e condições relativos à execução do contrato com que esta se dispôs a contratar, mediante a aposição da sua assinatura aos documentos da proposta, através da qual manifestou à entidade adjudicante, em nome da concorrente, a vontade de contratar da sua representada e o modo pelo qual esta se dispunha a fazê-lo (artigo 56.º, n.º 1, do CCP).

Como se encontra inequivocamente demonstrado em juízo, com a proposta da Autora foi apresentada uma procuração mediante a qual, através da sua gerente, a Autora atribuiu a I............ poderes representativos (artigo 262.º, n.º 1 do Código Civil) para a prática dos atos nela especificamente indicados (artigos 252.º, n.º 6 e 260.º, n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais), ou seja, no presente caso, “submeter propostas nas plataformas eletrónicas” e “assinar contratos em geral e contratos de prestação de serviços” (cfr. alínea i) dos factos provados).

É perante o texto desta procuração que incide o cerne do litígio, quanto a aferir se os poderes conferidos ao procurador são suficientes para vincular a Autora ou se, pelo contrário, os documentos constitutivos da proposta se devem ter por assinados por quem não tem poderes para obrigar, nos termos exigidos pelo disposto no n.º 4 do artigo 57.º do CCP, o que consubstancia causa de exclusão da proposta, por força da alínea e) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP.

Para o apuramento do sentido com que a procuração em causa deve valer, do qual depende a fixação do conteúdo e do alcance dos poderes representativos outorgados, devem convocar-se os critérios normativos previstos nos artigos 236.º a 238.º do Código Civil.

Extrai-se do conteúdo normativo do n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil, que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

Salvaguarda o disposto no seu n.º 2, que sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.

Considerando a natureza formal da procuração que ora está em causa, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, como previsto no n.º 1 do artigo 238.º do Código Civil, sem prejuízo da ressalva prevista no n.º 2, que admite que esse sentido pode valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.

No caso concreto, quanto ao sentido da declaração exteriorizada através da procuração em causa, quanto ao âmbito e extensão dos poderes representativos atribuídos pela Autora ao procurador que, em nome dela, apresentou a proposta no procedimento pré-contratual, temos por seguro que foram concedidos poderes para a submissão da proposta, tal como constante do elemento literal da procuração, ou seja, para o carregamento e assinatura dos documentos que integram a proposta.

Este sentido, corresponde efetivamente àquele que um declaratário normal, colocado na sua posição, poderia deduzir do texto do documento que lhe foi apresentado.

A expressão prevista na procuração de poderes para “submeter propostas nas plataformas electrónicas” está associada ao ato material de entrega eletrónica das mesmas e, juridicamente, ao momento em que o concorrente efetiva a entrega da proposta, após o respetivo carregamento em plataforma eletrónica, nos termos do disposto nos artigos 2.º, alínea g) e 70.º da Lei n.º 96/2015, de 17/08.

A questão é se a expressão prevista na procuração deve ser interpretada segundo o seu sentido estritamente literal.

Importa considerar que segundo o direito da contratação pública – aqui considerado como o regime legal que abrange o procedimento pré-contratual até ao momento da celebração do contrato –, a assinatura do contrato não consiste o momento pelo qual o adjudicatário se vincula perante a entidade adjudicante, pois este momento ocorreu muito antes, ainda na fase do procedimento pré-contratual, com a apresentação de proposta e nela, dos documentos em que o concorrente se obriga ou vincula a dar execução ao contrato em conformidade com o caderno de encargos e nos termos e condições contidos na proposta apresentada.

Por isso, o concorrente fica de imediato adstrito e vinculado quando apresenta a proposta e não apenas na fase de outorga do contrato.

No caso da procuração outorgada pela sociedade concorrente, Autora, a favor do procurador I................, tal como entendido na sentença recorrida, julgamos que o texto da procuração ao se referir aos poderes de submissão de propostas nas plataformas eletrónicas, comporta um mínimo de correspondência literal, ainda que imperfeitamente expresso, no sentido de atribuição de poderes ao representante para apresentar propostas, em nome da Autora, no âmbito de procedimentos pré-contratuais como o ora em apreço e, para através delas, obrigar ou vincular a sociedade para com (ou perante) as entidades adjudicantes, mediante a aposição da sua assinatura aos documentos que as integram.

Não se desconhecendo a distinção que se extrai da legislação portuguesa, entre poderes para obrigar a pessoa coletiva e poderes para submeter documentos em plataformas eletrónicas, nos termos decorrentes do disposto nos artigos 57.º, n.º 4 do CCP, 54.º, n.º 7 da Lei n.º 96/2015, de 17/08 e 7.º, n.º 1 do D.L. n.º 290-D/99, de 02/08, em termos que não permitem associar que a assinatura eletrónica pertence forçosamente a um representante com poderes para obrigar o seu proponente, julgamos que, no caso concreto, perante a concreta factualidade apurada, estando em causa uma concorrente que não é nacional portuguesa, não sendo igualmente nacional português o seu procurador e que a referida procuração foi emitida no contexto de uma relação submetida ao direito privado, que a Autora, ao conferir poderes a I............ para “submeter propostas”, terá pretendido autorizá-lo expressamente a apresentá-las, em seu nome e assim, a assinar os respetivos documentos constitutivos, em todos os procedimentos de contratação que se desenrolem sobre plataformas eletrónicas, comprometendo neles, na fase pré-contratual, a sua representada, que assim fica vinculada.

Como decidido no Acórdão do STA, datado de 19/11/2020, Processo n.º 0185/19.2BEPDL, “seja na mobilização dos artigos 236.º e 238.º do Código Civil, uma vez que, estando em causa a interpretação de um documento que consubstancia um negócio jurídico privado, são aquelas as regras jurídicas que podem e devem ser utilizadas para a respectiva interpretação; seja no resultado da interpretação a que se chega e que é o adequado segundo as regras mobilizadas.”.

Acresce que, no caso, além dos poderes concedidos para a fase pré-contratual, também foram expressamente concedidos poderes para a fase da celebração do contrato, ao serem atribuídos poderes para “assinar contratos em geral e contratos de prestação de serviços” e, não apenas, em procedimentos de contratação pública ou, sequer, apenas aqueles que se desenrolem eletronicamente.

A Autora ao outorgar a procuração em causa, com a concreta redação adotada, concedeu poderes para submeter propostas em procedimentos pré-contratuais, não havendo elementos interpretativos para entender que apenas quis conceder poderes para a mera entrega eletrónica da proposta, pretendendo excluir dos poderes concedidos para a submissão da proposta, os poderes para a vincular com a emissão das respetivas declarações negociais e, concretamente, com a apresentação de propostas contratuais, às quais os proponentes ficam obrigados.

As regras de experiência comum levam-nos a crer que, caso a mandante tivesse efetivamente querido excluir os poderes de vinculação da concorrente Autora em relação à proposta apresentada pelo seu procurador, teria adotado uma redação linguística na procuração outorgada que fosse compatível com esse desiderato.

Além de ser de conceder que, não sendo nacionais portugueses quer a Autora, quer o seu procurador, não conheçam tão exaustivamente a complexa regulamentação nacional em matéria de contratação pública, não apenas constante de um Código, já de si muito vasto e tecnicamente muito denso, como repartida em inúmeros diplomas avulsos, pelos quais, no seu todo, se rege o sistema da contratação pública.

Por isso, se entende que o texto da procuração outorgada pela Autora a favor do seu procurador, ao utilizar a expressão “submeter propostas nas plataformas eletrónicas”, não terá querido assumir o significado rigoroso e preciso que consta no artigo 70.º da Lei n.º 96/2015, de 17/08 ou que se extrai dos artigos 68.º a 70.º dessa lei, ao referir-se a carregamento e submissão das propostas ou, sequer ainda, ao regime aprovado pelo D.L. n.º 290-D/99, de 02/08, mas antes ao significado que se extrai do quadro legal da contratação pública, nos termos dos artigos 56.º e 57.º, n.º 4, do CCP, de a apresentação da proposta consistir o momento de vinculação do concorrente perante a entidade adjudicante, tanto mais por essa procuração assumir caráter mais vasto, ser de natureza privada e nem se restringir a procedimentos de contratação pública.

Pelo que, confrontando o texto da procuração, assim como a demais atuação da Autora no âmbito do procedimento pré-contratual, não podia a Entidade Demandada adotar a interpretação segundo a qual os poderes conferidos ao procurador não incluíam os de vincular a concorrente para com a entidade adjudicante quanto ao cumprimento dos termos e das condições relativos à execução do contrato com que, em nome dela, se havia disposto a contratar nos termos da proposta submetida, ou seja, entender que, nos termos da procuração outorgada, a vontade da Autora é apenas a de conferir ao procurador “os poderes para a representar para efeitos da interacção com as Entidades Adjudicantes na plataforma electrónica” e que estes poderes não abrangiam os necessários para “por si delimitar o sentido o alcance da vontade de contratar”, mas apenas para “comunicar nas plataformas electrónicas essa vontade” [cfr. alínea h) do ponto 51 do primeiro relatório final, transcrito na alínea o) dos factos provados].

Como igualmente não poderia deduzir, que os poderes para “assinar contratos em geral e contratos de prestação de serviços” incluíam apenas os de “assinar o que o representante negociou”, mas não para “negociar os termos contratuais” [cfr. ponto 62 do segundo relatório final, transcrito na alínea e) dos factos provados].

O comportamento do próprio representante permite deduzir o contrário, uma vez que o mesmo se dirigiu à entidade adjudicante em nome da Autora, apresentando-lhe a proposta na qualidade de seu procurador, que expressamente indicou nos documentos em causa e justificando os seus poderes de representação com a apresentação do documento em causa.

No presente caso, a proposta foi apresentada por quem é dotado de poderes para o efeito, enquanto procurador da Autora, assim como os documentos da proposta, como a declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, que está assinada pelo procurador, com indicação específica desta qualidade, pelo que, ao conceder poderes ao procurador para “submeter propostas nas plataformas eletrónicas” e “assinar contratos em geral e contratos de prestação de serviços”, se deve interpretar o sentido da declaração emitida pela gerente da sociedade Autora, como tendo mandatado o representante dos poderes para vincular a sociedade ao teor da proposta submetida e à futura celebração do contrato.

Sendo o procedimento pré-contratual eminentemente vinculístico, por estar submetido a regras imperativas, não é de aceitar que as exigências de ordem formal se substituam ou ponham em crise o respeito pela materialidade, por a forma dever estar ao serviço da substância e não se dever sobrepor à substância.

Por isso, como decidido no citado Acórdão do STA, datado de 19/11/2020, Processo n.º 0185/19.2BEPDL:

O procedimento de contratação pública, sendo formal e as suas regras de teor vinculado para as entidades adjudicantes, ainda assim impõe que a interpretação das mesmas (das regras da contratação pública) se tenha de fazer em consonância com os princípios enunciados no artigo 1.º-A do CCP, pelo que a interpretação do teor da procuração nos termos do disposto nos artigos 236.º e 238.º do C. Civ – (…) – é também a solução que se alcança de uma interpretação do artigo 57.º, n.º 4 do CCP em conformidade com os princípios da boa-fé e da concorrência. Com efeito, importa ser rigoroso na verificação dos poderes do representante para submeter a proposta, mas essa verificação tem de obedecer a critérios de materialidade e de razoabilidade.”.

De resto, poder-se-ia fazer o teste inverso e questionar se, num caso como o descrito, mediante a concreta factualidade dada como assente, se a Autora se viesse a arrogar que não estava vinculada à proposta que apresentou, seria de conceder que lhe assistisse razão, por a Autora efetivamente não se encontrar obrigada a dar pontual cumprimento aos termos em que se propôs na sua declaração negocial.

Em face dos factos julgados provados, julgamos que assim não seria possível entender, por a Autora se encontrar efetivamente vinculada a respeitar e cumprir integralmente os termos constantes da proposta apresentada e dos documentos que a integram.

Donde, no presente caso, ao contrário do invocado por ambos os Recorrentes, não resultam violadas as normas dos artigos 236.º, 238.º, n.º 1 e 364.º, n.º 1 do CC e 56.º, 57.º, n.ºs 4 e 6, 70.º, 72.º e n.º 6, n.º 2, alínea e) e 146.º, n.º 2, e), do CCP, não existindo fundamento para a exclusão da proposta apresentada pela Autora.

Do mesmo modo que, em face da fundamentação antecedente, se julga não existir fundamento para o convite ao esclarecimento, nos termos do artigo 72.º do CCP, tal como foi decidido na sentença recorrida, não se colocando a necessidade de ser a Autora convidada a esclarecer o sentido da procuração outorgada a favor de I.................

Nesta questão não se acolhe o decidido na sentença sob recurso, pois nos termos antecedentes, é possível extrair, mediante um exercício de interpretação da declaração emitida pela Autora, a vontade real da declarante, em termos que dispensam qualquer esclarecimento.

De resto, como antes referido, o julgamento da matéria de facto revela que, ainda na fase procedimental, a Autora emitiu documento que atesta que o seu procurador, I................ tem “poderes para a representar em todos os atos do procedimento concursal, designadamente assinar documentos que fazem parte da proposta e que integram o contrato final” (vide alínea p) dos factos assentes), mais declarando que a sua vontade sempre foi conferir poderes ao seu procurador I................ para, em seu nome, submeter propostas nas plataformas e a representar em todo o procedimento concursal, além dos poderes para a assinatura do contrato final, para além do demais que resulta provado na alínea q) do julgamento da matéria de facto.

Deste modo, um declaratório normal, colocado na posição do júri do concurso, perante o texto da procuração e em face do comportamento da Autora, não podia deixar de entender que a Autora pretendeu mandatar o seu procurador para a representar no procedimento concursal em causa e para, em nome dela, negociar e contratar as prestações objeto do concurso, preparando a proposta, assinando-a e apresentando-a na plataforma eletrónica, assim como, assinar o respetivo contrato, vinculando-a nos precisos termos.

A procuração outorgada, tendo como finalidade o negócio jurídico de contratação pública e a proposta apresentada pelo procurador, que nos termos do artigo 56.º, n.º 1 do CCP, consubstancia a vontade de contratar, interpretadas segundo as regras dos artigos 236.º e 238.º do Código Civil, valem com o sentido pretendido pela Autora em conferir ao seu procurador os poderes necessários e bastantes para a representar e obrigar em todos os atos do procedimento, até à assinatura do contrato.

Não se pode, por isso, entender, tal como perpassa na fundamentação de direito da sentença sob recurso, que a entidade adjudicante não conhecia perfeitamente a vontade real de contratar da Autora, manifestada através da proposta de conteúdo vinculativo apresentada pelo procurador e pelas declarações prestadas no procedimento, sendo no sentido da vontade real da declarante, quanto à vontade em contratar e se obrigar no procedimento, que vale a declaração emitida pela mandante, segundo o disposto no artigo 236.º, n.º 2 do Código Civil.

Pelo exposto, com base nas razões de facto e de direito invocadas, será de entender não assistir razão aos ora Recorrentes no respeitante ao erro de julgamento de direito da sentença recorrida, ao decidir pela anulação do ato impugnado, por inexistir fundamento para a exclusão da proposta apresentada pela Autora e a consequente adjudicação da proposta da Contrainteressada, sendo de julgar o fundamento do recurso improcedente, por não provado.

Consequentemente, será de manter a sentença recorrida no tocante à anulação do ato impugnado, que determinou a exclusão da proposta apresentada pela Autora e a adjudicação da proposta da Contrainteressada, e em revogá-la na parte em que decidiu pela formulação do convite do júri ao esclarecimento da Autora quanto ao sentido da declaração, decidindo-se, em substituição, pela admissão da proposta da Autora, com as respetivas consequências legais a extrair em sede de execução do julgado.


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Termos em que, será de negar provimento aos recursos interpostos pela Contrainteressada e pela Entidade Demandada, por não provados, mantendo-se a sentença recorrida na parte em que determinou a anulação do ato praticado pelo Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, datado de 12/03/2020, de exclusão da proposta da Autora e de adjudicação do Lote 1, a favor da proposta da H......., Lda., praticado no âmbito do procedimento de concurso público para a formação do contrato de aquisição de serviços de disponibilização e locação dos meios aéreos que constituem o dispositivo aéreo complementar do DECIR de 2020 a 2023 e em revogá-la na parte em que determinou o convite ao esclarecimento da proposta apresentada pela Autora, mais se decidindo, em substituição, pela admissão da proposta da Autora, com as respetivas consequências legais a extrair em sede de execução do julgado.

C. Recurso subordinado, da Autora

1. Violação dos artigos 236.º, n.ºs 1 e 2 e 238.º do CC, do artigo 56.º, n.º 1 do CCP e do artigo 7.º, n.º 1, b) do D.L. n.º 290-D/99

Vem a Autora interpor recurso subordinado contra a sentença recorrida, na parte em que decidiu pela improcedência do pedido de condenação à admissão da proposta da Autora, por o júri do concurso dever formular o convite à prestação de esclarecimentos e só depois, se dever aferir as condições para a sua admissão.

Invoca que o texto da procuração ao referir-se expressamente a “submeter propostas nas plataformas electrónicas” corresponde exatamente ao conceito vertido nos artigos 2.º, g) e 70.º, da Lei n.º 96/2015, tendo o mínimo de correspondência literal para efeitos do artigo 238.º, n.º 1 do Código Civil, como concluiu a decisão recorrida.

Por isso, entende que a sentença recorrida não aplicou o disposto no artigo 236.º, n.º 2 do Código Civil ao caso, uma vez que a Entidade Demandada e o júri do procedimento conheciam a real vontade de contratar da mandante e a sua real vontade de conferir poderes ao procurador para a representar, apresentar propostas negociando o contrato e tudo o mais, daí resultando a violação do disposto nos artigos 236.º, n.ºs 1 e 2 e 238.º do Código Civil, e 56.º, n.º 1 do CCP e 7.º, n.º 1 b) do D.L. n.º 290-D/99, devendo o pedido ter sido julgado procedente e a proposta da Recorrente ser recolocada em 1º lugar , com a consequente adjudicação do lote 1, em vez de ter devolvido ao júri, a tarefa de apurar a real vontade de contratar, que por a mesma já ser do conhecimento do júri.

Vejamos.

O fundamento do recurso subordinado, tal como invocado pela Autora, mostra-se analisado e conhecido por efeito dos recursos principais interpostos pela Contrainteressada e pela Entidade Demandada, nos mesmos se tendo conhecido dos erros de julgamento de direito invocados contra a sentença recorrida, em termos que são favoráveis à ora Recorrente.

Nos termos da fundamentação antecedente, que ora se acolhe, sendo de negar provimento aos recursos interpostos pelos Recorrentes principais, com o conteúdo e a fundamentação antecedente, dá-se total acolhimento ao fundamento do recurso subordinado, por incorrer a sentença recorrida em erro de julgamento no tocante à aplicação dos artigos 236.º, n.ºs 1 e 2 e 238.º do Código Civil.

Pelo que, com a fundamentação antes acolhida, será de conceder provimento ao recurso subordinado interposto pela Autora, o que determina a revogação da sentença recorrida na parte em que absolveu a Entidade Demandada e a Contrainteressada do pedido de condenação à admissão da proposta apresentada pela Autora e à sua consequente recolocação em primeiro lugar no que respeita ao Lote 1, com as demais consequências legais a extrair em sede de execução do julgado.

2. Da atribuição do efeito devolutivo a todos os recursos, nos termos do artigo 143.º, n.ºs 3, 4 e 5 do CPTA

Por último, subsiste para decisão o teor do requerimento apresentado pela Autora, ora Recorrida, referente ao pedido de atribuição do efeito devolutivo a todos os recursos, nos termos do artigo 143.º, n.ºs 3, 4 e 5 do CPTA.

Sustenta a Autora que aos recursos interpostos deve ser atribuído o efeito meramente devolutivo, pois decorre da sentença recorrida a decisão de anulação do ato impugnado e que a admissão da sua proposta fica unicamente dependente dos esclarecimentos a prestar, na sequência de convite a formular pelo júri do procedimento.

Alega que apesar de a reintegração completa do direito da Autora já não ser possível, por o contrato celebrado com a Contrainteressada já se ter iniciado, estamos perante um contrato para a prestação de serviços com a duração de quatro anos, restando ainda três anos, a partir de 31/12/2020 para a sua execução.

Por isso, defende que não ocorrendo uma impossibilidade absoluta da retoma do contrato, justifica-se a atribuição do efeito devolutivo pelos prejuízos graves e de difícil reparação que poderão ser causados com a suspensão da execução da decisão.

Vejamos.

É de conceder provimento ao requerido, tendo a Autora, ora Recorrida razão quanto ao invocado, o qual é ainda mais reforçado perante o sentido da fundamentação antecedente e da decisão a proferir, que determina o juízo de não provimento dos recursos interpostos pelos Recorrentes e de manutenção da sentença recorrida na parte em que determinou a anulação do ato impugnado, mais determinando à Entidade Demandada a admissão da proposta apresentada pela Autora, com as demais consequências legais, a extrair em sede de execução do julgado.

O que se afigura suficiente para conceder provimento ao requerido pela Autora, por, no presente caso, a suspensão dos efeitos da sentença recorrida ser passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora.

Termos em que, será de conceder razão ao requerido, nos termos do disposto no artigo 143.º, n.º 3 do CPTA, atribuindo-se o efeito meramente devolutivo aos recursos interpostos.


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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Não incorre a sentença em nulidade decisória, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, als. c) e e) do CPC, se decide a causa em termos inteligíveis e sem incorrer em contradição, e segundo os termos do pedido formulado na petição inicial, sem conhecer ou decidir para além do pedido.

II. Havendo procuração devidamente outorgada pela sócia gerente ao representante da sociedade concedendo-lhe poderes para, em nome daquela, “submeter propostas na plataformas eletrónicas e assinar contratos em geral e contratos de prestação de serviços”, deve considerar-se ex vi do disposto nos artigos 236.º a 239.º do Código Civil, que a mesma constitui documento bastante para o cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 57.º do CCP, tendo em conta que apenas se discute in casu o âmbito dos poderes conferidos pela sociedade ao representante, ao abrigo daquele negócio jurídico privado (o mandato).

III. A procuração outorgada ao referir-se aos poderes de submissão de propostas nas plataformas eletrónicas, comporta um mínimo de correspondência literal, ainda que imperfeitamente expresso, no sentido de atribuição de poderes ao representante para apresentar propostas, em nome da Autora, no âmbito de procedimentos pré-contratuais como o ora em apreço e, para através delas, obrigar ou vincular a sociedade para com (ou perante) as entidades adjudicantes, mediante a aposição da sua assinatura aos documentos que as integram.

IV. O texto da procuração outorgada pela Autora a favor do seu procurador, ao utilizar a expressão “submeter propostas nas plataformas eletrónicas”, não terá querido assumir o significado rigoroso e preciso que consta no artigo 70.º da Lei n.º 96/2015, de 17/08 ou que se extrai dos artigos 68.º a 70.º dessa lei, ao referir-se a carregamento e submissão das propostas ou, sequer ainda, ao regime aprovado pelo D.L. n.º 290-D/99, de 02/08, mas antes ao significado que se extrai do quadro legal da contratação pública, nos termos dos artigos 56.º e 57.º, n.º 4, do CCP, de a apresentação da proposta consistir o momento de vinculação do concorrente perante a entidade adjudicante, tanto mais por essa procuração assumir caráter mais vasto, ser de natureza privada e nem se restringir a procedimentos de contratação pública.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em:

1. Negar provimento aos recursos interpostos pela Contrainteressada e pela Entidade Demandada, mantendo a sentença recorrida na parte em que determinou a anulação do ato praticado pelo Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, datado de 12/03/2020, de exclusão da proposta da Autora e de adjudicação do Lote 1, a favor da proposta da H......., Lda., praticado no âmbito do procedimento de concurso público para a formação do contrato de aquisição de serviços de disponibilização e locação dos meios aéreos que constituem o dispositivo aéreo complementar do DECIR de 2020 a 2023 e em revogá-la na parte em que determinou o convite ao esclarecimento da proposta apresentada pela Autora, decidindo-se, em substituição, pela admissão da proposta da Autora, com as respetivas consequências legais a extrair em sede de execução do julgado;

2. Conceder provimento ao recurso subordinado interposto pela Autora;

3. Atribuir efeito meramente devolutivo aos recursos interpostos.

Custas pela Entidade Demandada e Contrainteressada, ora Recorrentes, em ambas as instâncias.

Registe e Notifique.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, tem voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores, Pedro Marchão Marques e Alda Nunes.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


DECLARAÇÃO DE VOTO

Votei a decisão, revendo a posição expressada no acórdão de 28.05.2020, no proc. n.º 185/19.2BEPDC, por mim relatado (em que se concluiu que no âmbito da contratação pública é exigido que, para além destes poderes para a representação em contratos, sejam conferidos poderes específicos para obrigar/vincular a concorrente no âmbito da contratação electrónica, poderes que devem ser expressos, como se retira do n° 4 do artº 260° do CSC). Neste particular acolhe-se, agora, a doutrina que emana do recentíssimo acórdão do STA de 19.11.2020, tirado, por unanimidade, naquele mesmo processo.


(Pedro Marchão Marques)