Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:973/09.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/18/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:FALTAS AO SERVIÇO,
ACIDENTE EM SERVIÇO,
REGIME DAS FALTAS DADAS APÓS A APRESENTAÇÃO AO SERVIÇO.
Sumário:I. Embora sem ter alta clínica, tendo a trabalhadora regressado voluntariamente ao serviço, existe uma manifestação da trabalhadora de se sentir em condições de retomar a sua atividade habitual.

II. O que significa que desde a data da apresentação ao serviço se tenha de entender que todas as suas faltas não possam ser consideradas como em acidente em serviço.

III. Não obsta a que todas as faltas possam ser justificadas, por acompanhadas da devida justificação, mas não sob o regime do acidente em serviço.

IV. Após a sua apresentação ao serviço e o retomar da sua atividade, a trabalhadora não passou a enquadrar-se numa situação de incapacidade temporária parcial, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, i) do D.L. n.º 503/99, no sentido de poder comparecer ao serviço, embora se encontre ainda impossibilitada para o pleno exercício das suas funções habituais, por essa situação carecer de ser devidamente verificada por um juízo médico, nos termos previstos no artigo 21.º, n.º 1 do D.L. n.º 503/99, o que não ocorreu.

V. Sendo possível reconduzir as faltas dadas por doença dadas pela Autora, a partir da sua apresentação ao serviço, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, j) do D.L. n.º 503/99, como incapacidade temporária absoluta, por se traduzir na impossibilidade temporária do sinistrado ou doente comparecer ao serviço, por não se encontrar apto para o exercício das suas funções, tal não significa que tais faltas dadas sejam classificadas como acidente em serviço.

VI. Depois da apresentação voluntária ao serviço caso a Autora entendesse que não se encontrava totalmente recuperada ou que o seu estado de doença decorria ainda do acidente em serviço, caber-lhe-ia promover a sua submissão a Junta Médica, nos termos do artigo 24.º do D.L. n.º 503/99, de forma a reabrir o seu processo clínico por acidente em serviço.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

O Ministério das Finanças, demandado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 12/01/2017, que no âmbito da ação administrativa especial de impugnação e condenação na prática do ato devido intentada por M....................., melhor identificada nos autos, julgou a ação procedente, condenando a Entidade Demandada no pedido, à prática do ato devido de reconhecimento da situação da Autora como sinistrada em serviço desde 25/08/2006 até à alta médica ocorrida em 28/01/2009, com a inerente justificação das faltas dadas nesse período.


*

Formula o aqui Recorrente Ministério das Finanças, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

1) O objeto do presente recurso jurisdicional é a douta sentença, datada de 12 de janeiro de 2017, que decidiu julgar procedente a ação e condenar o Réu nos pedidos.

2) A sentença recorrida decidiu: a) anular o ato impugnado, por entender que o Réu não estava legitimado a “dar alta” à Autora e considerar que a alta verificava-se a 02-10-2006; b) condenar o Réu à prática de ato administrativo devido, consubstanciado no reconhecimento da situação de sinistrada até à data da alta médica ocorrida em 28-01-2009.

3) A sentença recorrida ao assim decidir cometeu vício de violação de lei, tendo feito uma incorreta interpretação e aplicação dos preceitos legais, na circunstância, atendíveis, designadamente, os artigos 19º, nº 4, 20º e 21º, nºs 1 e 4, todos do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro.

4) Constitui facto assente que a Autora foi funcionária do quadro de pessoal da então Direção-Geral dos Impostos e que, no período temporal compreendido entre 26 de julho de 2004 e 25 de julho de 2007, esteve na situação de requisição no Instituo Nacional de Habitação, mais tarde, Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU).

5) Conforme mostram os factos assentes, em 25.08.06, a Autora sofreu um acidente que foi qualificado como acidente em serviço pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana.

6) Em virtude de ter sofrido o acidente, a Autora, desde 25-08.2006 até 1.10.2006, esteve ininterruptamente ausente do serviço (faltas classificadas como acidente de trabalho pelo indicado Instituto.

7) Em 2.10.2006, retomou o exercício efetivo de funções no mesmo Instituto, tendo, a partir daí, intercalado as múltiplas pretensas situações de ausência ao serviço por acidente em serviço com a normal prestação de serviço, com o gozo de férias e de faltas por conta do período de férias.

8) Em 25.07.2007, a Autora regressou à então Direção-Geral dos Impostos onde pretendeu continuar a intercalar as múltiplas pretensas situações de ausência ao serviço por acidente em serviço com a normal prestação de serviço, com o gozo de férias, de faltas por conta do período de férias, de faltas por doença natural, de faltas para assistência à família e de faltas por falecimento de familiar.

9) Mostram os factos assentes que os períodos temporais durante os quais a Autora esteve ausente do serviço, quer logo a seguir ao acidente, quer posteriormente, isto é, após, voluntariamente, ter regressado ao serviço, o que ocorreu em 2.10.2006, nunca atingiram 90 dias consecutivos.

10) Nos termos do nº 4 do artigo 19º do Decreto-Lei nº 503/99, no caso de a ausência ao serviço por motivo de acidente exceder 90 dias consecutivos, é promovida, pela entidade empregadora, a apresentação do sinistrado a exame de junta médica.

11) No caso da Autora, jamais se verificou o requisito do nº 4 do artigo 19º do Decreto-Lei nº 503/99 para a Autora ser submetida a Junta Médica prevista no nº 1 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 503/99, com vista à verificação e confirmação da incapacidade temporária.

12) Por outro lado, uma vez que a Autora regressou espontaneamente ao serviço, isto é, não aguardou que lhe fosse concedida alta para regressar ao serviço, não se verificou relativamente à mesma qualquer dos requisitos previstos no artigo 20º do Decreto-Lei nº 503/99 para submissão a Junta Médica prevista no nº 1 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 503/99, com vista a atribuição da alta ou a sua revisão.

13) Pelo que, ao invés do que considerou a douta sentença recorrida, o Réu, aqui recorrente, não tinha que notificar a Autora para apresentação a Junta Médica prevista no nº 1 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 503/99, nem tinha que exigir que a mesma apresentasse qualquer documento justificativo da sua situação.

14) Não se tendo verificado qualquer dos requisitos para a realização da Junta Médica prevista no nº1 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 503/99, jamais o Réu poderia, conforme previsto no nº 4 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 503/99, “requerer à ADSE a realização do exame da junta médica”.

15) Nem a apresentação desse requerimento seria da competência do Réu, isto é, de qualquer serviço integrante do Ministério das Finanças, pois que, nos termos no nº 4 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 503/99, “Compete à entidade empregadora ao serviço da qual ocorreu o acidente requerer à ADSE a realização do exame da junta médica…”

16) Como mostram os factos assentes, a Autora sofreu o acidente quando se encontrava ao serviço do Instituto Nacional de Habitação/Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana.

17) Pelo que, ao invés do que considerou a douta sentença recorrida, no caso, também, não era aplicável o nº 4 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 503/99, sendo, assim, com o devido respeito, incorreto o entendimento perfilhado pela douta sentença recorrida de que “nunca foi a A presente a uma Junta Médica como se exigia que o R, diligentemente, tivesse feito, como se determina no nº 4 do artº 21º do DL503/99”.

18) De resto, a apresentação a Junta Médica prevista no nº 1 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 503/99 podia, também, ter lugar a requerimento do trabalhador, de conformidade com o disposto no artigo 20º, nº 2, do Decreto-Lei nº 503/99.

19) Uma vez que não se verificou o requisito previsto no nº 4 do artigo 19º do Decreto-Lei nº 503/99 para que a Autora fosse submetida a Junta Médica prevista no nº 1 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 503/99, a Autora jamais se encontrou em situação de incapacidade temporária parcial, a qual, segundo a definição propiciada pela alínea i) do nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 503/99, é aquela “ em que o sinistrado ou doente pode comparecer ao serviço, embora se encontre ainda impossibilitado para o pleno exercício das suas funções habituais”.

20) Com efeito, só a Junta Médica prevista no artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 503/99 tem competência para a verificação e confirmação da incapacidade temporária, parcial ou absoluta.

21) Relativamente à Autora, jamais a Junta Médica prevista no nº 1 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 503/99 verificou ou confirmou qualquer incapacidade temporária.

22) Por outro lado, ao invés do que flui do entendimento perfilhado pela douta sentença recorrida, o artigo 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 503/99 não impede que o trabalhador se apresente ao serviço antes de lhe ser dada alta.

23) Ou seja, de acordo com o estabelecido nesse preceito legal, quando é dada alta ao trabalhador o mesmo deve apresentar-se ao serviço no 1º dia útil seguinte ao da alta e, enquanto não lhe for dada alta, o trabalhador tem a faculdade de se apresentar espontaneamente ao serviço no dia em que entender fazê-lo.

24) Mas, exercendo essa faculdade de se apresentar ao serviço antes de lhe ser dada alta, o trabalhador deixa de estar na situação de acidente em serviço.

25) Pelo que inexistindo norma que obstasse a que a Autora regressasse ao serviço antes de lhe ser dada alta e, bem assim, não lhe tendo sido verificada ou confirmada qualquer incapacidade temporária, com que fundamento, poderia o Réu recusar a prestação de trabalho por parte da Autora, impedindo-a de trabalhar, tanto mais que à mesma não foi atribuído qualquer tipo de restrições clínicas?

26) Desse ângulo, regista-se uma completa omissão por parte da douta sentença recorrida, que não invoca qualquer quadro legal ao qual fosse subsumível a alegada conduta do Réu de recusar a prestação de trabalho por parte da Autora, impedindo-a de trabalhar.

27) Na verdade, inexiste base legal para tais alegados recusa e impedimento, pelo que não merece aceitação o entendimento perfilhado pela douta sentença recorrida.

28) Note-se que do Boletim de Acompanhamento Médico relativo à Autora nada constava quanto à impossibilidade, ou não, de comparência ao serviço e, também, não constava que a Autora, durante os períodos de ausência ao serviço, tivesse estado submetida a tratamento.

29) Acresce que a situação de acidente em serviço só não é incompatível com a prestação de trabalho se for verificada ou confirmada, pela Junta Médica prevista no artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 503/99, uma incapacidade temporária parcial que não implica ausência ao serviço.

30) Mas, nessa hipótese, que não se verificou no caso, a situação de acidente em serviço é incompatível com o gozo intercalado de férias, de faltas para assistência à família, de faltas por conta do período de férias, de faltas por falecimento de familiar e de faltas por doença natural.

31) Pelo que, ao invés do que considerou a douta sentença recorrida, foi corretamente decidido, pelo despacho impugnado, que a Autora a partir do momento em que espontaneamente regressou ao serviço deixou de estar na situação de acidente em serviço, não assistindo à Autora o direito de ser ela, em cada momento, a considerar-se, ou não, na situação de acidente em serviço.

32) Por conseguinte, o Réu, através do despacho impugnado, não deu alta à Autora e, por força do circunstancialismo em que se verificou o regresso da mesma ao serviço, estava o Réu legitimado a considerar que esse regresso, ocorrido em 2.10.06, determinou o fim do processo de acidente em serviço.

33) Pelo que, com o devido respeito, errou a douta sentença recorrida ao ter considerado que o ato impugnado padece de vício de violação de lei.

34) Também, ao invés do que considerou a douta sentença recorrida, a Autora não tem direito a ver reconhecido pelo Réu que a mesma se “encontra na situação de sinistrada em serviço desde 25-08-06 e até 28-01-2009, data da alta, com as inerentes consequências legais, nomeadamente quanto à justificação das faltas dadas no período de 18-08-2008 a 17-09-2008…”

35) Com efeito, não só a eventual procedência do pedido de anulação do ato impugnado teria como consequência a justificação das faltas dadas no período de 18-08-2008 a 17-09- 2008 nos termos pretendidos pela Autora, como, em 25.08.2006, quando ocorreu o acidente, a Autora estava na situação de requisição no Instituto da Habitação, o qual qualificou o acidente como acidente em serviço.

36) Por outro lado, embora a situação da Autora tenha sido tratada como se alta do acidente tivesse ocorrido em 2.10.2006, data em que a Autora, espontaneamente, se apresentou ao serviço no Instituto de Habitação, o despacho impugnado não atuou sobre a situação que fora definida por esse Instituto.

37) Com efeito, a decisão consubstanciada no despacho impugnado, que considerou o fim do processo de acidente em serviço, com todas as consequências daí decorrentes, à data de 02.10.2006, apenas produziu efeitos a partir da data do regresso da Autora à então Direção-Geral dos Impostos.

38) Isto é, não tendo sido atribuída eficácia retroativa ao despacho impugnado, o mesmo deixou incólume tudo quanto fora decidido e concedido à Autora pelo Instituto da Habitação.

39) Acresce que, em 28.01.2009, a Autora já se encontrava na situação de aposentação, pelo que se encontrava extinto o seu vínculo de emprego público, que tinha enquanto funcionária do mapa de pessoal da então direção-geral dos Impostos.

40) Na decorrência do que antecede, a douta sentença recorrida não merece ser confirmada.”.

Pede que o presente recurso seja julgado procedente, revogando­se a decisão recorrida com todas as legais consequências.


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A Recorrida contra-alegou o recurso interposto, expendendo conclusivamente o seguinte:

1 – O exercício de funções não é incompatível com a situação de sinistrado em serviço, uma vez que na situação de incapacidade temporária parcial o sinistrado pode comparecer ao serviço, embora com limitações ou restrições para o pleno exercício das suas funções, segundo critério do médico assistente, face a cada caso concreto, como resulta do artigo 3º nº 1 al. i) do D.L. 503/99, de 20-11.

2 – Encontrando-se o sinistrado ao serviço, pode suceder que ocorram outras situações que levem a que tenha que faltar e que não são originadas pelo acidente, como sejam doença natural, falecimento de familiar, assistência à família e também férias, como sucedeu com a Autora.

3 – A entidade empregadora pode sempre mandar verificar, e quando o julgue conveniente, o estado de saúde do sinistrado, promovendo a sua submissão a Junta Médica, nos termos da parte final do nº 4 do artigo 19º e artigo 21º nº 1 e nº 4 do D.L. 503/99, e não apenas quando a ausência do sinistrado exceda 90 dias consecutivos.

4 – Ao trabalhador sinistrado é concedida alta do acidente em serviço, pelo médico assistente ou pela junta médica, formalizada no boletim de acompanhamento médico, quando o mesmo for considerado clinicamente curado ou as lesões ou doença se apresentem insusceptíveis de modificação com terapêutica adequada, como dispõe o artigo 20º do DL 503/99.

5 – À Autora foi-lhe concedida alta pelo médico assistente do Hospital de São José/Centro Hospitalar de Lisboa Central, em 28-01-2009, o qual lhe atribuiu uma incapacidade de 5%, posteriormente confirmada pela Junta médica da Caixa Geral de Aposentações, em 03-11-2010.

6 – O Recorrente não podia, por não estar legitimado, conceder alta à Autora, com efeitos a 02-10-2006, data da sua apresentação ao serviço na sequência do acidente, pois nesta data o processo de acidente em serviço ainda não estava terminado, já que ainda não lhe tinha sido dada alta pelo médico assistente, que ainda avaliava da sua evolução clínica.

7 – A apresentação da Autora ao serviço, nesta data, não resultou do exercício de uma faculdade, que uma vez exercida, implicava que deixava de ser considerada na situação de sinistrada em serviço, como ilicitamente defende o Recorrente, mas antes de uma obrigação de funcionária, na situação de incapacidade temporária parcial, sob pena de incorrer em faltas injustificadas.

8 – A Autora tem direito, por força da anulação do acto impugnado, a que o Recorrente pratique novo acto, que substitua o que foi invalidado, e expurgado dos vícios de que este padecia, repondo a legalidade violada e que consiste em reconhecer à Autora a situação de sinistrada em serviço até à data da alta, que ocorreu em 28-01-2009, com as legais consequências.

9 – A sentença recorrida fez correcta interpretação dos dispositivos legais ao caso aplicáveis, como sejam, o artigo 3º nº 1 al i), artigo19º nº4, artigo 20º e 21º nºs 1 e 4, todos do D.L. 503/99, de 20-11, que fixa o regime dos acidentes em serviço no âmbito da Administração Pública, não merecendo, por isso, qualquer censura.”.

Pede que o recurso seja julgado improcedente, mantendo-se, nos seus precisos termos, a sentença recorrida.


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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Sustenta que só com a alta é que o trabalhador se deve apresentar ao serviço no primeiro dia útil seguinte e embora a Autora se tenha apresentado antes, a alta decorrente do acidente em serviço só lhe foi conferida em 28/01/2009.

Pelo que antes da alta não há cura clínica e a apresentação ao serviço não pode ser considerada como sendo para retomar a atividade.


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O Recorrente veio pronunciar-se sobre o parecer emitido pelo Ministério Público manifestando a sua não concordância, nos termos e com os fundamentos nele expressos.

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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente no recurso jurisdicional, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, por violação dos artigos 19.º, n.º 4, 20.º e 21.º, n.ºs 1 e 4, todos do D.L. n.º 503/99, de 20/11, deixando a Autora de estar na situação de acidente em serviço a partir do momento em que espontaneamente regressou ao serviço, mas com efeitos reportados a partir da data em que regressou à Direção Geral dos Impostos.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“A) M..................... (ou A) era funcionária do quadro da DGI e esteve requisitada no Instituto Nacional da Habitação (ou IHRU) no período de 26-07-2004 a 25-07-2007 (doc nº 1 da PI);

B) Em 25-08-2006 a A sofreu um acidente que foi qualificado pelo INH/IRHU como acidente em serviço;

C) A A esteve na situação de faltas “classificadas como acidente de trabalho” entre 26-08-2006 a 01-10-2006;

D) Em 02-10-2006 regressou ao serviço onde se manteve até 20-10-2006;

E) A A retomou a situação de faltas “classificadas como acidente de trabalho”, no período compreendido entre 23-10-2006 a 19-12-2006;

F) Entre 20-12-2006 e 31-12-2006 a A prestou um dia de trabalho e gozou os demais dias de férias;

G) Em 02-01-2007 a A retomou a situação de faltas “classificadas como acidente de trabalho”, que manteve até 16-01-2007;

H) Entre 17-01 2007 e 20-02-2007 a A prestou um dia de trabalho, doze dias de férias, dois dias de faltas por conta do período de férias, ao abrigo do disposto no artº 66º do DL nº 100/99, de 31-03 e restantes dias de prestação de serviço;

I) Em 21-02-2007 a A retomou à situação de faltas “classificadas como acidente de trabalho”, na qual se manteve até 13-04-2007;

J) Entre 14-04-2007 e 18-04-2007 a A regressou ao serviço;

K) Em 19-04-2007 a A retomou à situação de faltas “classificadas como acidente de trabalho” que perdurou até 08-06-2007;

L) Em 25-07-2007 a A regressou à DGCI;

M) Em Agosto de 2007 a A gozou 4 dias por falecimento de um familiar e 1/5 ao abrigo do disposto no artº 66º;

N) Em Outubro de 2006 a A esteve ausente 30 dias por doença;

O) Em Novembro de 2007 a A gozou 1 dia de férias e esteve ausente 26 dias por doença;

P) Em Dezembro de 2007 a A esteve 13 dias de férias, 4 dias por doença e 3 dias de assistência á família;

Q) Em Janeiro de 2008 a A esteve 2 dias por doença, 5 dias de assistência á família, e 1 dia ao abrigo do artº 53º;

R) Em Fevereiro de 2008 a A gozou um dia ao abrigo do artº 53º;

S) Em Março de 2008 a A esteve 1 dia em tratamento ambulatório;

T) Em Maio de 2008 a A esteve 27 dias ausente por doença tendo apresentado boletim de acompanhamento médico e atestado médico;

U) Em Junho de 2008 a A esteve 30 dias ausente por doença tendo apresentado boletim de acompanhamento médico e atestado médico;

V) Em Julho de 2008 a A esteve ausente por 31 dias, por doença tendo apresentado boletim de acompanhamento médico e atestado médico;

W) Em Julho de 2008 a A esteve ausente 31 dias por doença tendo apresentado boletim de acompanhamento médico e atestado médico;

X) Em Agosto de 2008 a A gozou 0,5 de férias, 15 dias de férias e 6 faltas tendo apresentado boletim de acompanhamento médico;

Y) Em Setembro de 2008 a A gozou 13 dias por doença tendo apresentado boletim de acompanhamento médico e atestado médico e 17 dias de faltas tendo apresentado boletim de acompanhamento médico;

Z) Em 03-11-2008 foi prestada a Informação nº 553-08, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais onde consta, nomeadamente, a informação descrita de B) a Y) e:

(…).

Face a tudo o que foi exposto e tendo em conta que dos documentos remetidos a esta Direcção-Geral em anexo à presente informação não consta comprovativo da alta deste acidente em serviço, necessariamente ter-se-á de recorrer ao estabelecido no diploma que regula esta matéria. Por outro lado importa atentar que a funcionária não se manteve de forma ininterrupta e desde a data do acidente (25/08/06) ausente ao serviço, quer no IHRU quer na DGCI.

Sabendo que o Decreto-lei nº 503/99, de 20 de Novembro dá primordial importância ao conceito de “Alta”, considerando decisivo para o fim do processo, muito embora não haja documento médico de alta, a apresentação ao serviço da funcionária no dia 2/10/06 determina automaticamente o seu regresso ao serviço e, consequentemente, a alta do acidente em serviço. Para esta conclusão também aponta o facto de não existir documento médico no processo que, sem dar alta à funcionária, permita no entanto o seu regresso ao serviço, embora com restrições.

Pelo exposto, pelos elementos juntos ao processo apenas se pode concluir que a alta do acidente em serviço ocorrido em 25/08/06 no IHRU se deu no dia 2/10/06, pelo que a partir dessa data não podem as ausências por doença reconduzirem-se ao acidente em serviço”.

AA) Sobre a informação referida no ponto anterior recaiu parecer da Chefe de Divisão de Gestão de Pessoal, que aditou:

Nos termos da lei (vide al. n) do nº 1do artigo 3º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20/11) e considerada alta do acidente em serviço a certificação medica do momento a partir do qual se considera que as lesões ou doença desapareceram totalmente ou se apresentam insusceptíveis de modificação com terapêutica adequada de acordo com o nº 2 do artigo 20° do mesmo diploma, a alta pode ser concedida pela junta medica ou pelo medico assistente.

Na situação em apreço constata-se que a funcionaria apresentou-se ao serviço de forma voluntária no dia 2/10/06, estando desde essa data, de forma interpolada, a prestar serviço efectivo, em gozo de férias e a faltar ao serviço por doença natural ou, alegadamente, por motivo de acidente em serviço.

Ora, em face do enquadramento legal constante do citado Decreto-Lei nº 503/99, tal situação não é legalmente possível, não podendo cada funcionário “estar e deixar de estar” em acidente em serviço, conforme em cada momento lhe aprouver.

Neste contexto, não obstante não ter um documento de alta emitido pelo respectivo medico, a apresentação ao serviço de forma sem qualquer tipo de restrições clínicas implicou, automaticamente a alta do acidente em serviço.

Conclui-se, deste modo, que a apresentação da funcionária ao serviço em 2/10/06 determinou o fim do processo de acidente em serviço, com todas as consequências legais daí decorrentes, com a cessação dos direitos previstos no Decreto-Lei nº 503/99, designadamente as que referem a faltas ao serviço e pagamento de despesas efectuadas após a data da alta.

As ausências ao serviço a partir dessa data não podem, assim, ser consideradas como acidente em serviço.

Atento o facto da questão ter sido apenas suscitada pela Direcção de Serviços de Instalações e Equipamentos em Junho de 2008 e de esta Direcção de Serviços ter estado, desde então a recolher elementos junto do IHRU relativos ao eventual processo de acidente em serviço, só agora foi possível, depois de obtidos os elementos julgados necessários, analisar a situação em causa e chegar a uma conclusão.

Durante esse período de tempo, conforme referido na presente informação, a funcionária esteve ausente ao serviço, sendo que, em alguns dias dos meses de Agosto e Setembro não apresentou o necessário atestado médico. O atestado médico foi entregue fora de prazo, em 22/09. Consequentemente foram-lhe injustificadas as respectivas faltas.

No entanto, atento o acima exposto, propõe-se que, nos termos do nº 4 do artº 30º do Decreto-Lei nº 100/99, de 31/03, a entrega fora de prazo do atestado médico seja considerada justificada pela indefinição do enquadramento legal aplicável à respectiva situação, relevando-se a título absolutamente excepcional, o atraso verificado, passando a considerar-se as referidas faltas como justificadas.

BB) Em 10-11-2008 a Subdirectora-Geral dos Recursos Humanos da DGCI proferiu despacho de concordância com a Informação nº 553-08 e parecer referido em AA);

CC) Em 25-11-2008 a A foi notificada do despacho referido no ponto anterior;

DD) Em 03-12-2008 a A interpôs recurso hierárquico do despacho referido em BB) para o Ministro das Finanças e da Administração Pública, que veio a ser indeferido por despacho de 07-10-2009, em concordância com o despacho recorrido (fls 111 a 117, dos autos);

EE) O processo por acidente em serviço correu pelo Hospital de S. José/Centro Hospitalar de Lisboa central, onde lhe foi atribuída uma incapacidade permanente parcial de 5%, e dada alta à A, a 28-01-2009;

FF) Em data anterior a Janeiro de 2009 a A ingressou na situação de aposentação;

GG) A Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações realizada a 03-11-2010, deliberou, relativamente ao acidente ocorrido a 25-08-2006 uma IPP de 5%.

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa agora entrar na análise das questões colocadas para decisão.

Erro de julgamento de direito, por violação dos artigos 19.º, n.º 4, 20.º e 21.º, n.ºs 1 e 4, todos do D.L. n.º 503/99, de 20/11, deixando a Autora de estar na situação de acidente em serviço a partir do momento em que espontaneamente regressou ao serviço, com efeitos reportados a partir da data em que regressou à Direção Geral dos Impostos

Vem a Entidade Demandada recorrer da sentença recorrida, que a condenou no pedido, condenando a reconhecer a situação de acidente em serviço da Autora, com a inerente justificação das faltas dadas ao serviço até à alta ocorrido em 28/01/2009.

Sustenta que a sentença incorre em erro de julgamento de direito, procedendo a uma incorreta interpretação e aplicação dos normativos de direito, os artigos 19.º, n.º 4, 20.º e 21.º, n.ºs 1 e 4, todos do D.L. n.º 503/99, de 20/11.

Sendo a Autora funcionária da Direção Geral dos Impostos, no período compreendido entre 26/07/2004 e 25/07/2007 esteve em situação de requisição no Instituto Nacional da Habitação, depois Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana.

Em 25/08/2006 a Autora sofreu um acidente em serviço, tendo estado ausente do serviço no período entre 25/08/2006 até 01/10/2006 e retornando ao serviço em 02/10/2006, passou a faltar de forma intermitente.

Em 25/07/2007 regressou à Direção Geral dos Imposto e pretendeu continuar a intercalar as múltiplas situações de ausência ao serviço por acidente de serviço com a normal prestação de serviço.

Invoca que os períodos temporais durante os quais a Autora esteve ausente do serviço quer logo a seguir ao acidente, quer posteriormente e após voluntariamente ter regressado ao serviço, que ocorreu em 02/10/2006, nunca atingiram 90 dias consecutivos.

Alega que segundo o artigo 19.º, n.º 4 do D.L. n.º 503/99, a ausência ao serviço por motivo de acidente em serviço por período superior s 90 dias consecutivos, permite que a entidade empregadora promova a apresentação do sinistrado a exame de Junta Médica, o que no caso nunca se verificou, não tendo sido verificada e confirmada a incapacidade temporária.

Por outro lado, considera o Recorrente que tendo a Autora regressado ao serviço, não aguardando pela alta concedida, não se verificou qualquer dos requisitos previstos no artigo 20.º do D.L. n.º 503/99, para a submissão a Junta Médica prevista no artigo 21.º, n.º 1.

Pelo que, em consequência, não tinha o Recorrente de notificar a Autora para apresentação a Junta Médica prevista no artigo 21.º, n.º 1 do D.L. n.º 503/99, nem exigir que a mesma apresentasse qualquer documento justificativo.

Do mesmo modo não podia o Réu requerer à ADSE a realização do exame da Junta Médica, nos termos do artigo 21.º, n.º 4 do D.L. n.º 503/99, ao qual não caberia ao ora Recorrente, mas à entidade empregadora ao serviço da qual ocorreu o acidente requerer à ADSE a realização do exame da junta médica, o Instituto Nacional da Habitação.

Donde, defende a Recorrente que, também ao contrário do decidido, não era aplicável o artigo 21.º, n.º 4 do D.L. n.º 503/99.

Assim, sustenta o Recorrente que não se verificando o requisito previsto no artigo 21.º, n.º 4 para que a Autora fosse submetida a Junta Médica do artigo 21.º, n.º 1 do D.L. n.º 503/99, a Autora nunca se encontrou em situação de incapacidade temporária parcial, segundo a definição dada no artigo 3.º, n.º 1, i) do D.L. n.º 503/99.

Além de que invoca que o artigo 20.º, n.º 1 do D.L. n.º 503/99 não impede que o trabalhador se apresente ao serviço antes de lhe ser dada alta, deixando de estar na situação de acidente em serviço.

A situação de acidente em serviço só não é incompatível com a prestação de trabalho se for verificada ou confirmada pela Junta Médica prevista no artigo 21.º, n.º 1 do D.L. n.º 503/99, uma incapacidade temporária parcial que não implica ausência ao serviço.

Mais entende que a situação de acidente em serviço é incompatível com o gozo intercalado de férias, de faltas para assistência à família, de faltas por conta do período de férias, de faltas por falecimento de familiar e de faltas por doença natural.

Donde, segundo o Recorrente, a Autora a partir do momento em que espontaneamente regressou ao serviço deixou de estar na situação de acidente em serviço.

Vejamos.

Explanada toda a principal argumentação de facto e de direito apresentada no presente recurso pelo Recorrente, importa atender antes de mais à factualidade dada como provada, por ser com base nela que se decidirá do fundamento do recurso.

Compulsando a fundamentação de facto da sentença recorrida pode confirmar-se os pressupostos de facto em que o Recorrente sustenta o presente recurso, sendo de destacar o seguinte:

- A Autora, sendo do quadro da Direção Geral dos Impostos, esteve requisitada no Instituto Nacional da Habitação (ou Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana) no período entre 26/07/2004 e 25/07/2007;

- em 25/08/2006 sofreu um acidente que foi qualificado pelo INH/IRHU como acidente em serviço;

- entre 26/08/2006 a 01/10/2006 a Autora esteve na situação de faltas dadas como acidente de trabalho;

- em 02/10/2006 a Autora regressou ao serviço;

- entre 23/10/2006 a 19/12/2006 a Autora retomou a situação de faltas classificadas como acidente de trabalho;

- entre 20/12/2006 e 31/12/2006 a Autora prestou um dia de trabalho e gozou os demais dias de férias;

- em 02/01/2007 a Autora retomou a situação de faltas classificadas como acidente de trabalho, até 16/01/2007;

- entre 17/01/2007 e 20/02/2007 a Autora prestou um dia de trabalho, doze dias de férias, dois dias de faltas por conta do período de férias, ao abrigo do disposto no artigo 66.º do D.L. n.º 100/99, de 31/03 e os restantes dias de prestação de serviço;

- em 21/02/2007 a Autora retomou à situação de faltas classificadas como acidente de trabalho, até 13/04/2007;

- entre 14/04/2007 e 18/04/2007 a Autora regressou ao serviço;

- em 19/04/2007 a Autora retomou à situação de faltas classificadas como acidente de trabalho, até 08/06/2007;

- em 25/07/2007 a Autora regressou à Direção Geral dos Impostos;

- em Agosto de 2007 a Autora gozou 4 dias por falecimento de um familiar e 1/5 ao abrigo do disposto no artigo 66.º do D.L. n.º 100/99, de 31/03;

- em outubro de 2006 a Autora esteve ausente 30 dias por doença;

- em novembro de 2007 a Autora gozou 1 dia de férias e esteve ausente 26 dias por doença;

- em dezembro de 2007 a Autora esteve 13 dias de férias, 4 dias por doença e 3 dias de assistência à família;

- em janeiro de 2008 a Autora esteve 2 dias por doença, 5 dias de assistência à família, e 1 dia ao abrigo do artigo 53.º;

- em fevereiro de 2008 a Autora gozou um dia ao abrigo do artigo 53.º;

- em março de 2008 a Autora esteve 1 dia em tratamento ambulatório;

- em maio de 2008 esteve 27 dias ausente por doença, tendo apresentado boletim de acompanhamento médico e atestado médico;

- em junho de 2008 esteve 30 dias ausente por doença, tendo apresentado boletim de acompanhamento médico e atestado médico;

- em julho de 2008 esteve ausente por 31 dias, por doença, tendo apresentado boletim de acompanhamento médico e atestado médico;

- em agosto de 2008 gozou meio dia de férias, 15 dias de férias e 6 faltas, tendo apresentado boletim de acompanhamento médico;

- em setembro de 2008 gozou 13 dias por doença, tendo apresentado boletim de acompanhamento médico e atestado médico e 17 dias de faltas, tendo apresentado boletim de acompanhamento médico;

- em 10/11/2008 foi proferido despacho que decidiu que embora não exista um documento que tivesse dado alta à Autora, a apresentação voluntária ao serviço, sem qualquer tipo de restrições clínicas, em 02/10/2016, implicou automaticamente a alta do acidente em serviço, com todas as consequências legais, determinando o fim do processo de acidente em serviço, com a cessação dos direitos previstos no D.L. n.º 503/99, no que se refere a faltas ao serviço e pagamento de despesas efetuadas após a alta e as faltas dadas após essa data não poderem ser consideradas como acidente em serviço;

- interposto recurso hierárquico, por despacho de 03/12/2008 foi o mesmo indeferido;

- em data anterior a janeiro de 2009 a Autora foi aposentada;

- o processo por acidente em serviço correu no Hospital de S. José/Centro Hospitalar de Lisboa Central, onde foi dada alta em 28/01/2009.

Explanada a factualidade pertinente da causa, que não vem impugnada no presente recurso, vejamos o direito aplicável.

Mostra-se incontrovertido que tem aplicação ao presente litígio o disposto no D.L. n.º 503/99, de 20/11, que aprova o novo regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública.

Com relevo, estabelece o artigo 3.º do D.L. n.º 503/99 os conceitos legais para efeitos de aplicação do presente diploma, nos seguintes termos:

“(…)

i) Incapacidade temporária parcial - a situação em que o sinistrado ou doente pode comparecer ao serviço, embora se encontre ainda impossibilitado para o pleno exercício das suas funções habituais;

j) Incapacidade temporária absoluta - a situação que se traduz na impossibilidade temporária do sinistrado ou doente comparecer ao serviço, por não se encontrar apto para o exercício das suas funções;

(…)

n) Alta - a certificação médica do momento a partir do qual se considera que as lesões ou doença desapareceram totalmente ou se apresentam insusceptíveis de modificação com terapêutica adequada;

o) Recidiva - lesão ou doença ocorridas após a alta relativa a acidente em serviço em relação às quais seja estabelecido nexo de causalidade com o mesmo;

p) Agravamento - lesão ou doença que, estando a melhorar ou estabilizadas, pioram ou se agravam;

q) Recaída - lesão ou doença que, estando aparentemente curadas, reaparecem.”.

Com pertinência para a decisão a proferir, por integrar o objeto do recurso, interessa ainda atender ao que estabelecem os seguintes preceitos do D.L. n.º 503/99 a respeito da incapacidade temporária:

Artigo 19.º

Faltas ao serviço

1 - As faltas ao serviço, resultantes de incapacidade temporária absoluta motivadas por acidente, são consideradas como exercício efectivo de funções, não implicando, em caso algum, a perda de quaisquer direitos ou regalias, nomeadamente o desconto de tempo de serviço para qualquer efeito.

2 - As faltas por acidente em serviço devem ser justificadas, no prazo de cinco dias úteis, a contar do 1.º dia de ausência ao serviço, mediante apresentação dos seguintes documentos:

a) Declaração emitida pelo médico que o assistiu ou por estabelecimento de saúde, quando ao sinistrado tenham sido prestados cuidados que não determinem incapacidade para o exercício de funções por período superior a três dias;

b) Boletim de acompanhamento médico previsto no artigo 12.º

3 - No caso de o estado do trabalhador acidentado ou de outra circunstância, devidamente comprovada, não permitir o cumprimento do prazo previsto no número anterior, este contar-se-á a partir da cessação do impedimento.

4 - No caso de a ausência ao serviço por motivo de acidente exceder 90 dias consecutivos, é promovida, pela entidade empregadora, a apresentação do sinistrado a exame de junta médica com competência para justificar as faltas subsequentes, sem prejuízo da possibilidade de verificação do seu estado de saúde pela mesma junta, sempre que a entidade empregadora o julgue conveniente.

5 - Para efeitos do n.º 1, consideram-se motivadas por acidente em serviço as faltas para realização de quaisquer exames com vista à qualificação do acidente ou para tratamento, bem como para a manutenção, substituição ou reparação de próteses e ortóteses a que se refere o artigo 13.º, desde que devidamente comprovadas, e as ocorridas até à qualificação do acidente nos termos do n.º 7 do artigo 7.º ou entre o requerimento e o reconhecimento da recidiva, agravamento ou recaída previsto no artigo 24.º

6 - As faltas para comparência a actos judiciais, desde que devidamente comprovadas, consideram-se justificadas e não implicam a perda de quaisquer direitos ou regalias.

Artigo 20.º

Alta

1 - Quando o trabalhador for considerado clinicamente curado ou as lesões ou a doença se apresentarem insusceptíveis de modificação com terapêutica adequada, o médico assistente ou a junta médica prevista no artigo 21.º, conforme os casos, dar-lhe-á alta, formalizada no boletim de acompanhamento médico, devendo o trabalhador apresentar-se ao serviço no 1.º dia útil seguinte, excepto se lhe tiver sido reconhecida uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual ou para todo e qualquer trabalho, caso em que se consideram justificadas as faltas dadas até à realização da junta médica da Caixa Geral de Aposentações.

2 - Se após a alta concedida pelo médico assistente o trabalhador não se sentir em condições de retomar a sua actividade habitual, pode requerer à entidade empregadora a sua apresentação à junta médica prevista no artigo 21.º, que deverá realizar-se no prazo máximo de 15 dias úteis, considerando-se justificadas as faltas dadas até à sua realização.

3 - A junta médica prevista no número anterior deve declarar se o sinistrado está em condições de retomar o serviço ou indicar a data de apresentação a nova junta médica, devendo a respectiva decisão ser notificada pessoalmente ao interessado, no próprio dia, e à entidade empregadora, pela via mais expedita, no prazo de dois dias úteis.

4 - Após a alta, caso a ausência ao serviço tiver sido superior a 30 dias consecutivos, o trabalhador deve ser examinado pelo médico do trabalho, para confirmação da sua aptidão relativa ao respectivo posto de trabalho, devendo, no caso de ser declarada inaptidão temporária, ser presente à junta médica prevista no artigo 21.º e, no caso de declaração de incapacidade permanente, ser comunicado o facto à Caixa Geral de Aposentações, sem prejuízo do disposto no artigo 23.º

5 - Após a alta, se for reconhecido ao acidentado uma incapacidade permanente ou se a incapacidade temporária tiver durado mais de 36 meses, seguidos ou interpolados, a entidade empregadora deve comunicar o facto à Caixa Geral de Aposentações, que o submeterá a exame da respectiva junta médica para efeitos de confirmação ou de verificação de eventual incapacidade permanente resultante do acidente e de avaliação do respectivo grau de desvalorização.

6 - No caso de não ter sido reconhecida ao acidentado uma incapacidade permanente e este não se conformar com tal decisão, pode requerer à Caixa Geral de Aposentações, no prazo de 90 dias consecutivos após a alta, a realização de junta médica, para os fins previstos no número anterior.

Artigo 21.º

Junta médica

1 - A verificação e confirmação da incapacidade temporária, a atribuição da alta ou a sua revisão, previstas nos artigos 19.º e 20.º, e a emissão do parecer referido no artigo 23.º competem a uma junta médica composta por dois médicos da ADSE, um dos quais preside, e um médico da escolha do sinistrado.

2 - Caso se demonstre necessário, a ADSE poderá fazer substituir um dos seus representantes na junta médica por um perito médico-legal.

3 - A constituição e o funcionamento da junta prevista no número anterior são da responsabilidade da ADSE, que deverá promover a sua realização na secção que corresponda à área de residência do sinistrado.

4 - Compete à entidade empregadora ao serviço da qual ocorreu o acidente requerer à ADSE a realização do exame da junta médica e suportar os respectivos encargos, incluindo os relativos à eventual participação do médico indicado pelo sinistrado.

5 - Se o sinistrado não indicar à ADSE o médico da sua escolha, no prazo de 10 dias úteis contado da notificação da data da realização da junta médica, este será substituído por um médico designado pela ADSE.

6 - Os hospitais, estabelecimentos de saúde ou quaisquer outras entidades devem prestar à junta médica a informação que lhes seja solicitada e fornecer-lhes os elementos de natureza clínica relativos aos trabalhadores sinistrados.

7 - As decisões da junta médica são notificadas ao sinistrado e à respectiva entidade empregadora.

Artigo 22.º

Junta de recurso

1 - O sinistrado pode solicitar à entidade empregadora a realização de junta de recurso, mediante requerimento fundamentado com parecer médico, no prazo de 10 dias úteis a contar da notificação da decisão da junta médica referida no artigo 21.º

2 - A junta de recurso tem a mesma composição da junta médica prevista no artigo anterior, devendo ser integrada por médicos diferentes, à excepção do médico da escolha do sinistrado, que pode ser o mesmo.

3 - À junta de recurso aplica-se o disposto nos n.os 2, 3, 4 e 6 do artigo anterior.

4 - A junta médica, cuja decisão é objecto de recurso, deve facultar ao sinistrado, a solicitação deste, as informações constantes do respectivo processo no prazo de dois dias úteis.

5 - Se a junta de recurso declarar o sinistrado em condições de regressar ao serviço, as faltas dadas até à notificação dessa decisão são consideradas justificadas.

Artigo 23.º

Reintegração profissional

1 - No caso de incapacidade temporária parcial que não implica ausência ao serviço, o superior hierárquico deve atribuir ao sinistrado trabalho compatível com o seu estado, em conformidade com o parecer do médico que o assista, do médico do trabalho ou da junta médica, dispensando-o do serviço para comparecer às consultas e tratamentos que tenha de efectuar dentro do seu horário de trabalho.

2 - O trabalho compatível inclui a atribuição de tarefas e a duração e o horário de trabalho adequados ao estado de saúde do trabalhador.

3 - Quando se verifique incapacidade permanente que impossibilite o trabalhador de exercer plenamente as suas anteriores funções ou quando destas possa resultar o agravamento do seu estado de saúde, este tem direito a ocupação em funções compatíveis com o respectivo estado, a formação profissional, a adaptação do posto de trabalho, a reclassificação ou reconversão profissional e a trabalho a tempo parcial.

4 - As situações referidas nos números anteriores não implicam redução de remuneração nem perda de quaisquer regalias, sem prejuízo do disposto no regime da reclassificação e da reconversão profissional.

5 - A reclassificação e a reconversão profissional não podem, porém, em qualquer caso, implicar diminuição de remuneração.

Artigo 24.º

Recidiva, agravamento e recaída

1 - No caso de o trabalhador se considerar em situação de recidiva, agravamento ou recaída, ocorrida no prazo de 10 anos contado da alta, deve apresentar à entidade empregadora requerimento de submissão à junta médica referida no artigo 21.º, fundamentado em parecer médico.

2 - O reconhecimento da recidiva, agravamento ou recaída pela junta médica determina a reabertura do processo, que seguirá, com as necessárias adaptações, os trâmites previstos para o acidente e confere ao trabalhador o direito à reparação prevista no artigo 4.º.”.

Analisados os factos e invocado o direito aplicável, impõe-se a respetiva subsunção dos factos ao direito, com vista a apreender do invocado erro de julgamento da sentença recorrida.

Decorre dos autos que tendo o acidente sofrido pela Autora sido classificado como acidente em serviço, foram as respetivas faltas dadas desde a data da sua ocorrência, em 25/08/2006, até 01/10/2006, consideradas como acidente em serviço.

Sem que a Autora tivesse tido alta clínica, apresentou-se voluntariamente ao serviço em 02/10/2006.

A primeira questão que se coloca no presente recurso prende-se em determinar se o regresso ao serviço da Autora em 02/10/2006 implicou que cessasse a situação do acidente em serviço.

A resposta terá de ser positiva, pois a apresentação ao serviço corresponde a uma manifestação da trabalhadora de se sentir em condições de retomar a sua atividade laboral habitual.

Neste sentido, veja-se o disposto no artigo 20.º, n.º 2 do D.L. n.º 503/99, que admite que após a alta, o trabalhador não se sinta em condições de retomar a sua atividade.

O caso configurado em juízo consiste o caso inverso ao descrito na citada na norma legal, em que a Autora, sem ter tido alta clínica, nos termos do artigo 20.º, n.º 1 do D.L. n.º 503/99, se considera apta e em condições de retomar o serviço, apresentando-se voluntariamente ao serviço, passando a exercer as suas funções.

O que significa que desde a data da apresentação da Autora ao serviço se tenha de entender que todas as suas faltas não possam ser consideradas como em acidente em serviço.

Não obsta a que todas as faltas possam ser justificadas, por acompanhadas da devida justificação, mas não sob o regime do acidente em serviço.

Este entendimento é o que se mostra em consonância com toda a factualidade dada como provada no julgamento de facto, em que desde a sua apresentação ao serviço a Autora se colocou nas mais variadas situações de faltas ao serviço, desde por motivo de doença e apresentação de justificação médica, a assistência a familiares, ao gozo de férias e faltas por falecimento de familiar.

Se assim não fosse, a Autora não se encontraria em todas as situações de faltas descritas.

A própria atuação da Autora, ao requerer a justificação das faltas sob os citados regimes, de assistência a familiares, de gozo de férias, de faltas por falecimento de familiar e também, por doença e respetiva apresentação de justificação médica, assim o determinam.

Acresce que após a sua apresentação ao serviço e o retomar da sua atividade, a Autora não passou a enquadrar-se numa situação de incapacidade temporária parcial, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, i) do D.L. n.º 503/99, no sentido de poder comparecer ao serviço, embora se encontre ainda impossibilitada para o pleno exercício das suas funções habituais, pois essa situação carecer de ser devidamente verificada por um juízo médico, nos termos previstos no artigo 21.º, n.º 1 do D.L. n.º 503/99.

A Autora decidiu de forma livre e espontânea apresentar-se ao serviço, sem estar munida da respetiva alta, mas também sem se fazer acompanhar de qualquer parecer médico no sentido da sua incapacidade temporária parcial ou que a impossibilitasse de exercer normalmente as suas funções.

Nem resulta do julgamento da matéria de facto que a Autora, desde 2006 até 2009 o tenha feito, por em nenhum momento ter invocado perante a entidade empregadora que se encontrava na situação de incapacidade temporária parcial, devidamente verificada e confirmada por uma Junta Médica, nos termos do artigo 21.º, n.º 1 do D.L. n.º 503/99.

Tanto mais que não se encontra provado nos autos que a Autora alguma vez tenha invocado não poder normalmente exercer as suas funções ou que fosse necessário promover a sua reintegração profissional, nos termos do artigo 23.º, n.º 1 do D.L. n.º 503/99, no sentido de lhe ser atribuído trabalho compatível com o seu estado de saúde.

Além de que, sendo possível reconduzir as faltas dadas por doença dadas pela Autora, a partir da sua apresentação ao serviço em 02/10/2006, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, j) do D.L. n.º 503/99, como incapacidade temporária absoluta, por se traduzir na impossibilidade temporária do sinistrado ou doente comparecer ao serviço, por não se encontrar apto para o exercício das suas funções, tal não significa que tais faltas dadas sejam classificadas como acidente em serviço.

Quando motivadas por situação de doença, terão esse respetivo enquadramento legal, mas sem que se enquadrem na situação de acidente em serviço.

Para o efeito, depois da apresentação voluntária ao serviço caso a Autora entendesse que não se encontrava totalmente recuperada ou que o seu estado de doença decorria ainda do acidente em serviço, caber-lhe-ia promover a sua submissão a Junta Médica, nos termos do artigo 24.º do D.L. n.º 503/99, de forma a reabrir o seu processo clínico por acidente em serviço.

A Autora decidiu voluntariamente apresentar-se ao serviço, o que implica considerar-se que se sentia em condições de retomar o seu normal exercício de funções.

Se posteriormente se colocou novamente em situação de doença, caberia analisar se a mesma tinha ou não alguma conexão com o acidente em serviço, o que não foi efetuado.

Não pode é associar-se inelutavelmente o estado de doença ao acidente em serviço, antes importando aferir se essa doença tem alguma conexão com o acidente em serviço, o que a Autora nunca promoveu, nem nunca invocou.

Não é possível extrair do julgamento de facto da sentença recorrida que qualquer dos atestados médicos apresentados pela Autora tenham estabelecido esse nexo causal entre a doença e o acidente em serviço.

Entendendo a trabalhadora que as faltas dadas deveriam continuar a ser classificadas como motivadas da situação de acidente em serviço, ao invés de simplesmente serem faltas por doença, deveria ter promovido as diligências necessárias a esse reconhecimento.

Não estando a Direção Geral dos Impostos munida de toda a informação relevante e pertinente a avaliar a situação, nos termos que resultam das alíneas Z) e AA) do julgamento da matéria de facto, considerando que o acidente em serviço ocorreu em 25/08/2006, quando a trabalhadora se encontrava na situação de requisitada noutro serviço, apenas tendo regressado ao lugar do quadro em 25/07/2007, em junho de 2008 é que foram solicitados elementos, permitindo que só depois dos esclarecimentos dos factos, em 03/11/2008 fosse elaborada a Informação dos serviços.

O que resulta da factualidade apurada é que apenas enquanto permaneceu no Instituto Nacional da Habitação as faltas dadas depois da apresentação ao serviço em 02/10/2006, foram classificadas como dadas em situação de acidente em serviço, segundo as alíneas E), G), I) e K) do probatório, pois o mesmo entendimento não foi seguido pela Entidade Demandada.

Por isso, o presente litígio respeita apenas à relação laboral da Autora com a Entidade Demandada.

Tendo a Autora regressado ao serviço e passado a intercalar o período de exercício de funções com o mais variado tipo de faltas, sem a prévia verificação médica da situação de incapacidade temporária parcial da trabalhadora, nos termos do artigo 21.º, n.º 1 do D.L. n.º 503/99 ou a iniciativa da trabalhadora nos termos do artigo 24.º, de forma a suscitar a recidiva, o agravamento ou a recaída, segundo as respetivas noções dadas pelas alíneas o), p) e q) do n.º 1 do artigo 3.º do D.L. n.º 503/99, não é possível reconduzir as faltas dadas pela Autora como sendo enquadradas no regime de acidente em serviço.

Tal entendimento implica que não enferme de ilegalidade a atuação da Entidade Demandada, nos termos descritos no julgamento de facto da sentença recorrida.

A atuação da Entidade Demandada apenas incide desde o momento em que a trabalhadora cessou a situação de requisição e passou a estar sob a sua direta dependência hierárquica e funcional, o que ocorreu a partir de 25/07/2007, por isso, nada afetando os atos anteriormente praticados pelo Instituto Nacional de Habitação.

Por isso, não interfere nem com o ato de classificação do acidente como sendo em serviço, nem com o enquadramento das faltas dadas pela trabalhadora no período em que esteve requisitada como sendo ocorridas como em acidente em serviço.

Tratam-se de atos administrativos praticados por outro ente jurídico, sobre os quais a Entidade Demandada não dispõe de competência legal.

Por outro lado, nada resulta da atuação da Entidade Demandada, nos termos apurados nos autos que, por algum modo tenha querido ou pretendido interferir com a atuação do Instituto Nacional da Habitação, por nada dispor em relação aos atos administrativos praticados por este organismo.

Carece, pois de sentido falar em revogação de atos praticados por outra entidade, por tal não ocorrer, desde logo em face da competência para a revogação, segundo o prescrito nos artigos 142.º, n.º 1 e 138.º, do CPA/91, à data aplicável e, consequentemente, na violação do artigo 141.º, n.º 1 do CPA/91 ou sequer da verificação do disposto no artigo 133.º, n.º 2, b) do CPA/91.

Por isso, não se podem extrair tais efeitos dos atos jurídicos praticados pela Entidade Demandada.

Do mesmo modo, também se extrai do probatório apurado que desde a data em que a trabalhadora regressou à Direção Geral dos Impostos não existiu qualquer atuação da Entidade Demandada no sentido da classificação das faltas dadas como sendo em acidente em serviço.

Daí que enferme a sentença recorrida de erro de julgamento quanto à valoração dos factos e quanto à interpretação e aplicação dos normativos de direito ao entender que o despacho impugnado veio a proceder à revogação dos atos praticados pelo Instituto Nacional de Habitação, assim como ao extrair da matéria factual constante do julgamento de facto que tenha existido a classificação das faltas dadas pela Autora como ocorridas em acidente em serviço desde o momento em que regressou à Direção Geral dos Impostos.

Nenhuma dessa factualidade se pode extrair no julgamento dos factos provados.

A Entidade Demandada aceitou a justificação das faltas dadas pela Autora, nos seus variados enquadramentos legais, segundo o que resulta da matéria de facto assente, incluindo as faltas dadas por doença, o que não significa que essa doença se relacione ou tenha o nexo causal verificado e confirmado como sendo em consequência do acidente em serviço.

Isso mesmo se extrai do teor da alínea AA) da matéria de facto, nos termos em que, não obstante os atestados médicos por doença terem sido apresentados pela Autora para além do prazo legal, foram considerados para efeitos de justificação das faltas dadas por doença.

Incorre, pois, a sentença recorrida em erro de julgamento ao associar, sem mais, as faltas dadas por doença, às faltas dadas como acidente em serviço, sem a existência de um qualquer laudo médico que assim o ateste.

Termos em que, em face de todo o exposto, atentos os fundamentos de facto e de direito invocados, será de julgar procedente, por provado, o fundamento do recurso, incorrendo a sentença recorrida em erro de apreciação e valoração dos factos e de interpretação e aplicação dos normativos de direito, implicando a sua revogação e a consequente improcedência da ação administrativa instaurada pela Autora, por não provada.

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Termos em que, será de conceder provimento ao recurso jurisdicional, por provados os seus fundamentos.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Embora sem ter alta clínica, tendo a trabalhadora regressado voluntariamente ao serviço, existe uma manifestação da trabalhadora de se sentir em condições de retomar a sua atividade habitual.

II. O que significa que desde a data da apresentação ao serviço se tenha de entender que todas as suas faltas não possam ser consideradas como em acidente em serviço.

III. Não obsta a que todas as faltas possam ser justificadas, por acompanhadas da devida justificação, mas não sob o regime do acidente em serviço.

IV. Após a sua apresentação ao serviço e o retomar da sua atividade, a trabalhadora não passou a enquadrar-se numa situação de incapacidade temporária parcial, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, i) do D.L. n.º 503/99, no sentido de poder comparecer ao serviço, embora se encontre ainda impossibilitada para o pleno exercício das suas funções habituais, por essa situação carecer de ser devidamente verificada por um juízo médico, nos termos previstos no artigo 21.º, n.º 1 do D.L. n.º 503/99, o que não ocorreu.

V. Sendo possível reconduzir as faltas dadas por doença dadas pela Autora, a partir da sua apresentação ao serviço, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, j) do D.L. n.º 503/99, como incapacidade temporária absoluta, por se traduzir na impossibilidade temporária do sinistrado ou doente comparecer ao serviço, por não se encontrar apto para o exercício das suas funções, tal não significa que tais faltas dadas sejam classificadas como acidente em serviço.

VI. Depois da apresentação voluntária ao serviço caso a Autora entendesse que não se encontrava totalmente recuperada ou que o seu estado de doença decorria ainda do acidente em serviço, caber-lhe-ia promover a sua submissão a Junta Médica, nos termos do artigo 24.º do D.L. n.º 503/99, de forma a reabrir o seu processo clínico por acidente em serviço.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso interposto e em revogar a sentença, julgando a ação administrativa instaurada pela Autora improcedente, por não provada, absolvendo a Entidade Demandada do pedido.

Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marques)


(Alda Nunes)