Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1143/13.6BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:02/04/2021
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR;
REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO;
VALORAÇÃO DOS FACTOS E DAS PROVAS.
Sumário:I. A nulidade aludida na alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC ocorrerá sempre que os fundamentos da decisão se encontrem em oposição com a decisão, no sentido de que entre os fundamentos e a decisão não pode existir contradição lógica.

II. Tal acontecerá se o juiz adotar determinada linha de raciocínio e depois ao invés de a prosseguir, extraindo dela a devida consequência jurídica, assumida no segmento decisório, vir a decidir em sentido divergente ou oposto, que a fundamentação aduzida não permitiria adivinhar.

III. A reapreciação da matéria de facto pelo tribunal, com base na qual é alicerçado o ato administrativo sancionador, não ocorre apenas perante um quadro de verificação de erro manifesto ou grosseiro de apreciação dos factos ou de subsunção dos factos ao direito, por assistir amplos poderes aos tribunais administrativos para conhecer integralmente de facto e de direito, como é próprio de um julgamento de plena jurisdição, designadamente, perante a alegação de ilegalidade do ato punitivo.

IV. O exercício do poder disciplinar pela Administração não constitui um foro próprio ou exclusivo da apreciação da conduta para efeitos disciplinares, nem tão pouco os órgãos administrativos dispõem de prerrogativas especiais de apreciação dos factos, nem da prova que haja sido produzida no âmbito do procedimento administrativo.

V. O juízo acerca da veracidade dos factos não pode ser subjetivo, assente em premissas ou em conceções do foro pessoal ou particular, em impressões ou sequer em juízos de valor, antes devendo ser objetivo, neutral em relação ao conjunto da prova produzida, quase sempre contraditória ou incompleta, exigindo a formulação de juízos de exegese dos factos em relação às provas produzidas.

VI. Analisada de forma objetiva e, por isso, racional, desprendida de quaisquer juízos de valor, é possível concluir pela correta apreciação dos factos que foi feita pela Administração, considerando o conjunto da ampla prova testemunhal produzida, que colheu o depoimento de diversas alunas, de funcionários e de professores, e ainda a acareação realizada entre diversas testemunhas, o que revela o forte propósito de esclarecer a verdade dos factos e de realização de justiça no caso concreto, segundo padrões de isenção e de imparcialidade na apreciação dos factos e das provas.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

O Ministério da Educação, devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 14/07/2017, que no âmbito da ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo, instaurada por R.............., julgou a ação parcialmente procedente, anulou a decisão do Diretor Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo, de 06/07/2012, de aplicação da pena disciplinar de suspensão, graduada em 60 dias, confirmada por ato do Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, de 03/10/2013 e absolveu do pedido de condenação.


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Formula o aqui Recorrente, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

“A) Há ambiguidade e contradição entre os fundamentos utilizados e a decisão proferida, o que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, torna a sentença nula.

B) De entre os factos dados como assentes – factos provados - a sentença a quo referiu os depoimentos prestados pelas alunas L............., B............. e I............, os quais são no essencial convergentes e compatíveis entre si, acerca do modo e das circunstâncias em que os factos ocorreram.

C) As alunas B............. e I............ foram as únicas testemunhas diretas a presenciarem a ocorrência, o que lhes confere uma razão de ciência superior à das demais testemunhas.

D) O Diretor da Escola, que ouviu as três alunas em separado, também ficou com a convicção de que estavam a dizer a verdade, ou seja, que o professor arguido tinha agarrado, empurrado e encostado a L........... à parede, ameaçando-a que a expulsava da escola.

E) O arguido disse, tal como também é referido na decisão a quo, que ele depois de ter repreendido a aluna, largou-a, deixando-a ir embora.

F) Como facilmente se percebe, isso significa que o arguido reconhece que agarrou a aluna, para a repreender, e que só depois dele a ter repreendido e largado é que ela se pôde ir embora.

G) Seria completamente impossível que a professora A........... tivesse interrompido a aula que estava a dar, tivesse saído da sala e descido a escada que tem 32 degraus, em apenas três ou quatro segundos.

H) A decisão a quo desrespeitou o disposto no artigo 127.º do Código do Processo Penal, que dispõe que "Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova e apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente".

I) Bem como contrariou a jurisprudência pacífica dos tribunais superiores, segundo a qual a Administração goza de larga margem de valoração das provas, apenas incumbindo ao controlo judicial, em matéria probatória, nos casos de erro manifesto de apreciação e o desvio de poder no âmbito da discricionariedade volitiva.

J) A decisão a quo desrespeitou, ainda, o princípio da imediação.

K) De facto, a sentença a quo não atendeu à circunstância de que o instrutor do processo disciplinar, por ter tido um contacto direto e pessoal com o local, com as coisas e as pessoas envolvidas, estava incomensuravelmente melhor colocado para criar a sua livre convicção de uma forma mais rigorosa, do que quem se limitou a ler os registos que foram efetuados daquilo que as testemunhas disseram.

L) O instrutor do processo disciplinar criou a sua livre convicção da culpabilidade do arguido e da censura da sua conduta perfeitamente sustentada e baseada em provas existentes nos autos, as quais de resto a decisão a quo levou aos factos provados, pelo que não é compreensível, nem tão pouco aceitável, que, com base numa análise perfeitamente subjetiva, emocional e voluntarista a sentença a quo tivesse decidido sobrepor o seu entendimento àquele que foi adotado pela Administração, tanto mais que não resulta dos autos qualquer elemento que evidencie a existência de erro, muito menos manifesto, na apreciação da prova.

M) Nem tampouco resulta dos autos qualquer evidência que aponte para que tivesse existido qualquer desvio de poder no âmbito da discricionariedade volitiva.

N) Em suma, a decisão enferma de ambiguidade e contradição, bem como fez uma errada apreciação da prova e uma errónea interpretação e aplicação do direito à situação vertente, impondo-se por isso determinar a sua revogação e substituição por outra decisão que não padeça dos referidos vícios.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida.


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O ora Recorrido, notificado da admissão do recursão, não apresentou contra-alegações, nada disse ou requereu.

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Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não foi emitido parecer.

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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

Segundo as conclusões do recurso, as questões suscitadas pelo Recorrente, resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Nulidade, nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por contradição entre os fundamentos e a decisão;

2. Erro de julgamento de direito, por violação do artigo 127.º do Código de Processo Penal, por a Administração gozar de larga margem de valoração das provas e por violação do princípio da imediação.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) – O Autor é professor no Agrupamento de Escolas Baixa-Chiado, Lisboa - por acordo;

B) – Por ofício n.º 1/2012, de 03.01.2012, do Agrupamento de Escolas Baixa- Chiado, o Director do referido Agrupamento reportou ao Director Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo “um incidente disciplinar que ocorreu na escola Básica e Secundária Passos Manuel (…) eventualmente passível de procedimento disciplinar”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, de que se extrai o seguinte:

Venho por este meio reportar um incidente disciplinar que ocorreu na Escola Básica e Secundária Passos Manuel, do Agrupamento de Escolas Baixa-Chiado, entre uma aluna (L...........) que frequenta o 6.° ano de escolaridade, na turma E com o número vinte e um (21) e um docente desta escola, professor R.............. (Presidente do Conselho Geral), do grupo de recrutamento 300 (Português) que é eventualmente passível de procedimento disciplinar se V. Ex.a assim o determinar.

No dia 5 de Dezembro ocorreu um incidente no espaço escolar envolvendo a aluna anterior referida e o citado docente.

Segundo foi descrito pelos diversos envolvidos e pelas testemunhas a aluna L........... encontrava-se a circular no acesso de escadas verticais do edifício com outras colegas e terá soltado um grito estridente no corredor no decorrer de uma brincadeira. O docente estava nesse momento a circular no mesmo espaço e exercendo as suas competências previstas na Lei procedeu de imediato repreendendo a aluna para que não voltasse a proceder de igual modo.

No entanto, segundo a versão dos factos apresentada pela aluna e pelas colegas que a acompanhavam na altura o professor terá procedido à advertência de forma agressiva e com alguma violência física, agarrando a aluna e empurrando-a contra uma parede, incorrendo em eventual infracção passível de censura e de respectiva penalização.

O Encarregado de Educação da aluna L..........., senhor P..........., é o representante dos pais e encarregados da turma da sua filha, participou a situação ao Director (Adjunta do Director, M...........) em 6 de Dezembro sem conseguir proceder à identificação do professor envolvido.

A Direcção (Adjuntas do Director M........... e M...........) desenvolveu várias diligências internas no sentido de identificar o docente, conseguindo-se chegar ao professor envolvido (R..............) apenas em meados de Dezembro. O docente, R.............., apresentou participação disciplinar do incidente ao Director (Adjunta do Director M...........) vários dias após a sua ocorrência (apenas em 13/12/2011) motivo pelo qual não foi despoletada a aplicação de nenhuma medida disciplinar à aluna, uma vez que havia prescrito o prazo para tal actuação. (…)” - cfr. fls. 7-9 do PA);

C) – Em 01.01.2012, por Despacho do Director Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo, foi instaurado ao ora Autor o processo disciplinar n.º 10.07/00014/RL/12 – cfr. despacho de fls. 4 e fls. 3-30 do PA);

D) – No dia 27.02.2012, foi ouvida, na qualidade de testemunha, L..........., aluna do 6.º ano, que prestou o depoimento inserto a fls. 51-52 do PA), que se dá por integralmente reproduzido, de que se extrai o seguinte:

“(…) À matéria dos autos declarou que no dia 5 de Dezembro de 2011, pelas 11,40 h, depois de ter saído da aula de Língua Portuguesa, de substituição, na sala S3 foi ao piso -1 ter com colegas suas e antes da aula de História e Geografia de Portugal, também na sala S3, quando ia a subir as escadas de madeira entre o piso -1 e o piso O de acesso ao bar e aos dois pátios interiores e estando acompanhada por duas colegas suas, da mesma turma, B............. e I............, aconteceu o seguinte incidente: Vinham as três lado a lado a subir as escadas e estava do lado da parede. Nos últimos degraus já perto do patamar de acesso ao pátio a B.......... pisou-a, sem querer, e na altura soltou um grito alto. Vinha do pátio e estava nesse mesmo patamar um adulto, que na altura não sabia quem era, se era professor ou funcionário pois nunca o tinha visto nesta escola. Era um senhor alto, moreno, magro e sem óculos. Tinha uma pasta na mão esquerda. Nessa altura o senhor agarrou na sua camisola, junto ao seu peito, com a mão direita dele e magoou-a muito porque fez muita força. Continuou a agarra-la no mesmo sítio, empurrou-a com violência e encostou-a à parede onde se encontra urna caixa vermelha para incêndios. Esteve agarrada e encostada à parede algum tempo, talvez dois ou três minutos e o adulto fez força com a sua mão contra o seu peito. Enquanto isto decorreu o senhor ameaçou-a em tom de voz normal mas agressivo, inclinando-se um pouco para si e dizendo “Se eu te voltar a ver a fazer o mesmo expulso-te da escola”. Continuava agarrada na camisola pelo professor, pressionada contra a parede e o senhor perguntou-lhe de que turma ela era.

Respondeu-lhe que era do 6° E. A tudo isto assistiram as suas duas colegas que já disseque estavam encostadas à outra parede no mesmo patamar, em frente ao corrimão ao pé da porta que dá acesso aos pátios. Depois disto o senhor desceu as escadas para o piso -1 e juntou-se às suas duas colegas e as três subiram as escadas para ir para a aula. Nessa altura a B.......... disse-lhe que aquele senhor era professor mas não disse o nome dele nem a disciplina. Depois da aula de História e Geografia de Portugal, nesse mesmo dia 5 de Dezembro, a B.......... disse-lhe que com ela, o ano passado, já tinham acontecido situações parecidas com o mesmo professor.

Mais tarde no dia 13 de Dezembro de 2011, no intervalo das aulas de Língua Portuguesa e de Matemática estava com a J.........., a A.......... e a B.........., todas suas colegas do 6° E, junto à sala dos professores e ao pé da máquina do café quando viu o professor e disse isso à B........... A B.......... foi ter com o professor e ouviu ela dizer ao professor "Porque é que fez aquilo à L...........?" e o professor voltou-se para si e perguntou se era a L............ Com a cabeça disse que sim. Nessa altura o professor perguntou-lhe "Olha lá o que é que eu te fiz?". Não respondeu ao professor mas a B.......... explicou o que tinha acontecido no dia 5 de Dezembro. Nessa altura chorou e apareceu a professora H.......... que a levou para a sala da Direcção para explicar o que tinha acontecido, dizendo-lhe para não chorar e se acalmar.

Depois de tudo isto, no dia 5 de Dezembro, conversou com o seu pai e ele disse-lhe para não ter qualquer contacto com o professor, mas o que tem acontecido é que quando o professor passa por si olha-a de uma maneira esquisita, fixamente, mas não diz nada. (…)” – cfr. fls. 51-52 do PA);

E) – No dia 27.02.2012, foi ouvida, na qualidade de testemunha, B.........., aluna do 6.º ano, que prestou o depoimento inserto a fls. 53-54 do PA), que se dá por integralmente reproduzido, de que se extrai o seguinte:

“(…) Presenciou a L........... a ser agarrada, empurrada e encostada à parede pelo professor, acha que foi com violência, com força de adulto e também ouviu o professor ameaçar a L........... dizendo-lhe que a expulsava da escola. O professor não chegou a cara dele ao pé da cara da L..........., mas ameaçou que a expulsava da escola. Lembra-se de ter dito à L........... que aquela pessoa era um professor, mas não lhe disse o nome nem a disciplina porque não sabe. Ainda hoje não sabe o nome do professor nem a disciplina.

Em resumo no dia 5 de Dezembro viu o professor agarrar a L........... pela camisola com força junto ao peito, empurrá-la e encostá-la à parede e ameaçá-la que a expulsava da escola se ela voltasse a fazer a mesma coisa. É verdade que o ano passado com este professor aconteceu-lhe uma vez uma situação parecida mas nessa altura não fez queixa do professor. (…)” – cfr. fls. 53-54 do PA);

F) – No dia 27.02.2012, foi ouvida, na qualidade de testemunha, I.........., aluna do 6.º ano, que prestou o depoimento inserto a fls. 57-58 do PA), que se dá por integralmente reproduzido, de que se extrai o seguinte:

“(…) À matéria dos Autos declarou que (…) Quando chegaram ao patamar que dá acesso à porta o professor tocou nas costas da L..........., que se voltou para ele, agarrou-lhe na camisola junto ao peito com força e ameaçou-a de expulsá-la da escola dizendo ―Se voltas a fazer isso expulso-te da escola‖, empurrando-a e encostando-a à parede. Só a largou depois de a ter ameaçado que a expulsava da escola. Não tem dúvidas que viu o professor agarrar a camisola da L........... junto ao peito com força, empurrá-la e encostá-la à parede, ameaçando-a que se voltasse a fazer o que fez a expulsava da escola. (…) Acha que o professor agiu com força para com a L..........., a L........... diz que ele a magoou e a L........... ficou assustada e tem medo de ir para junto às salas onde o professor dá aulas que á no piso -1. (…)” – cfr. fls. 57-58 do PA);

G) – No dia 28.02.2012, foi ouvido, na qualidade de testemunha, J........., professor do quadro do Agrupamento de Escolas Baixa- Chiado, que prestou o depoimento inserto a fls. 59 do PA), que se dá por integralmente reproduzido, de que se extrai o seguinte:

“(…) À matéria dos Autos declarou que o texto do seu oficio n° 1/2012, de 3 de janeiro dirigido ao Senhor Director Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo tem todos os elementos de que dispõe sobre o incidente entre o professor R.............. e a aluna L...........

Quando falou com as três alunas em separado ficou com a convicção de que estavam a dizer a verdade ou seja que o professor tinha agarrado, empurrado e encostado a L........... à parede, ameaçando-a que a expulsava da escola. Depois quando mais tarde falou com o professor que conhece desde 1998 e considera ser disciplinador nas suas atitudes, acreditou que alguma coisa teria acontecido com a L..........., mas não ficou convicto que o professor tivesse procedido como as três alunas relatavam à exceção da questão da ameaça que por antecedentes considera mais credível que tivesse acontecido. (…)” – cfr. fls. 59 do PA;

H) – No dia 28.02.2012, foi ouvida, na qualidade de testemunha, M........., professora do quadro do Agrupamento de Escolas Baixa- Chiado, que prestou o depoimento inserto a fls. 60 do PA), que se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 60 do PA);

I) – No dia 28.02.2012, foi ouvida, na qualidade de testemunha, M........., professora do quadro do Agrupamento de Escolas Baixa- Chiado, que prestou o depoimento inserto a fls. 61 do PA), que se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 61 do PA);

J) – Através da Nota de Culpa, constante de fls. 63-64 do processo disciplinar, que se dá por integralmente reproduzida, foi o arguido, ora Autor, acusado do seguinte:

“(…) 3. ARTIGO ÚNICO DE ACUSAÇÃO

O arguido, Professor R.............., docente do Agrupamento de Escolas Baixa Chiado, Presidente do respetivo Conselho Geral, no dia 2011-12-05, pelas 11.40 horas, no patamar das escadas de madeira que ligam o piso -1 ao piso 0 da Escola Secundária com 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico de Passos Manuel, e cuja porta de saída dá para o bar e para os pátios interiores, agarrou a camisola da aluna de 11 anos, do 6.º ano, turma E, n.º 21, L..........., na zona do peito, com força de adulto suficiente para a magoar, o que aconteceu, empurrou-a com violência contra a parede, manteve-a pressionada e encostada à parede durante alguns minutos, ameaçando-a que a expulsava da escola se ela voltasse a gritar alto como momentos antes a aluna, pisada pela sua colega B.........., tinha procedido. O comportamento do arguido foi presenciado, para além da aluna B............., do 6.º E, n.º 4, também pela aluna I.........., do 6.º E, nº 13. Desta grave ocorrência o arguido só deu conhecimento ao seu superior hierárquico em 2011.12.13, ou seja, mais de uma semana depois do incidente.

4. Com este seu incorrecto e grave procedimento, circunstanciadamente descrito no artigo único de acusação, em termos de tempo, de modo e de lugar, o arguido, que é educador, docente do Agrupamento de Escolas Baixa Chiado e Presidente do seu Conselho Geral, violou os deveres gerais de zelo e de correcção, citados no artigo 3.º, pontos 2. alíneas e) e h), 7. e 10. do ED, visto que demonstrou não conhecer as normas legais e regulamentares, bem como as ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos, não tratando com respeito, não só a aluna agredida e ameaçada, como também as duas alunas que presenciaram a grave ocorrência, pelo exemplo de comportamento inadequado, desproporcionado e violento a que assistiram.

5. Praticou, assim, a infracção tipificada, prevista e punida no artigo 18° do ED, ponto 1., corpo do ponto - visto que está inviabilizada a manutenção da relação funcional com a grave infracção de agressão física e ameaça verbal à aluna L............. - e alíneas a) e c), com pena de demissão. (…)” – cfr. fls. 63-64 do PA);

K) – Em 08.04.2012, o arguido, ora Autor, apresentou a sua defesa escrita, tendo arrolado, nessa sede, 5 testemunhas, cujo teor se dá por integralmente reproduzida, de que se extrai, entre mais, o seguinte:

“(…) 49°

Uma vez confrontadas pela D.ª D......... quanto ao sucedido as alunas B.......... e I......... afirmaram «A L........... está a chorar porque mentiu ao pai sobre o professor e agora não sabe o que tudo isto vai dar.»

56.º

Refuta-se e impugna-se o teor do artigo único da Acusação, na medida em que:

a) o Arguido segurou a aluna pela camisola, apenas para impedir que esta fugisse e por meros segundos;

b) como resulta evidente, se tivesse empregue a violência que lhe é imputada, tal camisola teria de apresentar danos, o que não sucedeu;

c) o Arguido nunca magoou a aluna L...........;

d) o Arguido nunca a empurrou contra a parede nem a manteve ali pressionada;

e) se o motivo do berro tivesse sido uma pisadela, a aluna não teria deixado de o referir, o que não sucedeu. Pelo contrário,

57°

Perante o berro estridente da aluna L..........., as únicas atitudes do Arguido foram:

a) segurá-la pela camisola para evitar que fugisse;

b) esticar o dedo na sua direcção sem lhe tocar e referir-lhe que, se voltasse a gritar assim de forma infundada, seria expulsa.

c) deixá-la seguir o seu caminho, de seguida. (…)” – cfr. fls. 68-85 do PA);

L) – No dia 23.04.2012, foi ouvida, na qualidade de testemunha, D........., assistente operacional na Escola Passos Manuel, que prestou o depoimento inserto a fls. 93-94 do PA), que se dá por integralmente reproduzido, de que se extrai o seguinte:

“(…) À matéria dos autos declarou em relação ao Art° 49.º da defesa que em Dezembro de 2011, num dia que não consegue concretizar, no corredor do 10 andar estava junto às alunas L..........., B.......... e I.......... Nessa altura a L........... estava a chorar e passou a Dra. H........., Adjunta do Director, que a chamou. Quando ficou sozinha com a B.......... e a I........., elas disseram ―A L........... está a chorar porque mentiu ao pai sobre o professor e agora não sabe o que tudo isto vai dar‖. Nessa altura perguntou às duas alunas o que é que se tinha passado e elas disseram que vinham as três a subir a escada, a L........... deu um grito e o professor R........ voltou-se para ela com um dedo apontado e disse-lhe que não eram maneiras de se gritar numa escola. (…)” – cfr. fls. 93-94 do PA);

M) – No dia 23.04.2012, foi ouvida, na qualidade de testemunha, S........, aluna do 12.º ano, que prestou o depoimento inserto a fls. 95 do PA), que se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 95 do PA);

N) – No dia 24.04.2012, foi ouvida, na qualidade de testemunha, A..........., professora do quadro do Agrupamento de Escolas Baixa-Chiado, que prestou o depoimento inserto a fls. 96-98 do PA), que se dá por integralmente reproduzido, de que se extrai o seguinte:

“(…) declarou que estava no piso superior da escada quando ouviu um grito histérico, não sabendo provocado porquê. Desceu as escadas e viu uma aluna pequena entre a parede e o professor, não sabe se estava encostada e o professor de dedo apontado à aluna, não sabe se lhe estava a tocar, mas estava muito próximo, dizendo que se ela voltasse a gritar-lhe metia um processo e expulsava da escola. Relativamente aos gritos ainda esclareceu que depende das pessoas e do ambiente, mas considerou exagerado o grito da aluna que já classificou de histérico. Não viu o que aconteceu entre o grito da aluna e a situação de ver o arguido perto da aluna com o dedo apontado. Quando o professor falou com a aluna passou pelo local, sem intervir e saiu para a zona do pátio e logo de seguida viu o professor sair e disse ao arguido qualquer coisa do género ―as alunas gritam muito‖. (…)

Acrescenta que entre o grito que ouviu da aluna e a visualização da cena por si, passaram cerca de três ou quatro segundos que foi o tempo de descer um patamar de escadas e reafirma que quando viu a cena o professor não estava a agarrar a aluna e estava a dizer que se ela voltasse a gritar a expulsava, apontando com o dedo próximo da aluna. (…).

Sobre os artigos 56 e 57 não viu o arguido segurar a aluna, não viu o arguido magoar a aluna e também não viu empurrá-la contra a parede e aí a manter pressionada, admitindo como verdadeira a alínea e).

No artigo 57 não viu o que está referido na alínea a), mas são verdadeiros os conteúdos das alíneas b) e c) (…)” – cfr. fls. 96-98 do PA;

O) – No dia 26.04.2012, foi ouvida, na qualidade de testemunha, E........, professora do quadro do Agrupamento de Escolas Baixa-Chiado, que prestou o depoimento inserto a fls. 99-100 do PA), que se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 99-100 do PA);

P) – No dia 27.04.2012, foi ouvida, na qualidade de testemunha, M........, professora do quadro do Agrupamento de Escolas Baixa-Chiado, que prestou o depoimento inserto a fls. 101-102 do PA), que se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 101-102 do PA);

Q) – No dia 03.05.2012, foi realizada a acareação entre as alunas B.........., I.........., e, a assistente operacional, D........., conforme consta do auto de acareação inserto a fls. 108-109 do PA), que se dá por integralmente reproduzido, de que se extrai o seguinte:

“(…) A aluna I......... declarou que não disse à assistente operacional D……. a frase “A L........... está a chorar porque mentiu ao pai sobre o professor e agora não sabe o que tudo isto vai dar”.

A aluna B.......... declarou que foi ela quem disse esta frase, mas não sabe, porque a L........... não lhe disse, porque é que mentiu ao pai e sobre o que é que mentiu. Só sabe que foi sobre o professor R........ mas não sabe sobre que assunto.

As alunas B.......... e I......... declararam que não têm dúvida em como viram o professor R........ Calado agarrar a L........... pela camisola, empurrá-la e encostá-la à parede, ameaçando que a expulsava se ela voltasse a gritar como gritou.

As alunas B.......... e I......... declararam que nessa altura no patamar das escadas não estava mais ninguém presente. Nenhuma das duas viu passar alguém naquela altura.

A B.......... continua a afirmar que o professor estava no patamar das escadas, mas a I......... reafirma que o professor estava a subir as escadas. Ambas dizem que de certeza não passou ninguém por ali naquela altura. Também ambas referem que o professor R........ agarrou a L........... com força e empurrou-a contra a parede também com força porque a L........... referiu que foi com força que isso aconteceu. Como nenhuma das duas foi a empurrada não sabem se foi com força ou não. (…)” – cfr. fls. 108-109 do PA);

R) – No dia 17.05.2012, foi realizada a acareação entre a aluna L..........., e o arguido, ora Autor, conforme consta do auto de acareação inserto a fls. 112 do PA), que se dá por integralmente reproduzido, de que se extrai o seguinte:

“(…) O arguido referiu a sua versão dos factos constante na defesa apresentada adiantando que quando agarrou a aluna pela camisola foi na zona do braço. Sobre a frase referida pela aluna B............. na acareação realizada no dia 3 de Maio de 2012 “a L........... está a chorar porque mentiu ao pai sobre o professor e agora não sabe o que tudo isto vai dar‖, a aluna referiu que não mentiu ao pai e nada disse à B.......... que pudesse fazer com que ela proferisse a frase anterior (…)” – cfr. fls. 112 do PA;

S) – No Relatório Final, datado de 18.05.2012, que se dá por integralmente reproduzido, a factualidade evidenciada na Nota de Culpa que antecede, foi considerada provada, extraindo-se do mesmo o seguinte:

“(…) Sobre os artigos 71 a 87 - folhas 83 e 84 - argumenta a defesa que os testemunhos das três jovens têm algumas divergências e que não permitem com o mínimo de certeza, dizer que os factos se passaram como vêm referidos na acusação. No entender do instrutor as acareações que posteriormente se comentarão nos pontos 11 e 12 deste relatório, definirão se a versão dos factos ocorridos no dia 5 de Dezembro de 2011, é a das três jovens ou se, pelo contrário, é a do arguido. Há, no entanto, já algumas certezas, como sejam a de que o arguido agarrou a L........... pela camisola e a ameaçou de que a expulsava da escola se ela voltasse a gritar da forma como o tinha feito. No final da defesa apresentada pela ilustre advogada, refere-se que o arguido é um professor disciplinador no sentido de formar jovens, que não se demite da sua função de docente, que não é nem nunca foi uma pessoa violenta, sendo um profissional empenhado, competente e diligente.

10. Relativamente às declarações das cinco testemunhas arroladas verifica-se uma concordância com as argumentações da defesa, nomeadamente, nos aspectos do profissionalismo do docente, da sua exigência e responsabilidade, respeitando os alunos e dando-se ao respeito, não sendo violento mas empenhado, competente e diligente, sendo que é notória a indisciplina dos alunos mais jovens, com alguma agressividade e até violência, o que implica que, quem pretende repreendê-los, os tenha que segurar para não fugirem. Também há grande concordância nas declarações quanto à pouca eficácia dos processos disciplinares, a não ser que se ameace os alunos com expulsão. As testemunhas também consideram que aquelas escadas são um local propício aos gritos dos alunos, porque aumenta os efeitos sonoros. Finalmente a docente A.......... salienta que considerou exagerado o grito da aluna. No entanto, nenhuma das cinco testemunhas presenciou o que aconteceu no dia 5 de Dezembro de 2011.

Apenas a testemunha A.......... diz ter ouvido o grito da aluna L..........., que considerou exagerado, quando estava no piso superior da escada, que dista trinta e dois degraus do local do incidente e, no fim da descida, viu uma aluna pequena, entre a parede e o professor, mas não sabe se ela estava encostada à parede, e viu o professor de dedo apontado à aluna, muito próximo desta, dizendo-lhe que se ela voltasse a gritar, colocava-lhe um processo e expulsava-a da escola.

(…)

Feita a acareação, cujo auto se encontra a folhas 108 e 109, é de salientar que as alunas confirmaram com convicção os seus depoimentos constantes a folhas 53, 54, 57 e 58, o mesmo acontecendo com a assistente operacional D........., com as suas declarações a folhas 93 e

94. A aluna B.......... assumiu que foi ela que proferiu a frase “a L........... está a chorar porque mentiu ao pai sobre o professor e agora não sabe o que tudo isto vai dar”. A aluna B.......... também referiu que não sabe se a L........... mentiu ao pai e também não sabe, no caso de ter mentido, sobre que assunto foi. As alunas B.......... e I......... declararam que não têm dúvidas em como viram o professor agarrar a L........... pela camisola, empurrá-la e encostá-la à parede, ameaçando-a que a expulsava da escola se ela voltasse a gritar como gritou.

Ambas referiram que a L........... lhes disse que tinha sido empurrada com força mas, como não foram empurradas, não sabem se foi com força ou não.

12. Foi solicitada, em 2012.05.04, pela ilustre advogada, a realização de uma acareação entre o arguido e a aluna L............. - folha 110. Realizada a acareação, em 2012.05.17 - folha 112 - é de salientar que a aluna continua a confirmar com convicção o seu depoimento e que o arguido tem a versão que consta da sua defesa, apenas clarificando que, quando agarrou a aluna pela camisola, isso aconteceu na zona do braço e não no peito como a L..........., a B.......... e a I......... dizem ter acontecido. Também a L............. refere que a frase “a L........... está a chorar porque mentiu ao pai sobre o professor e agora não sabe o que tudo isto vai dar”, dita mais tarde pela B.......... à assistente operacional D........., não tem razão de ser porque não mentiu ao pai e nada disse à B.......... que pudesse fazer com que ela proferisse a frase anterior.

11.5 - FACTOS APURADOS

13. Analisada toda a prova recolhida no decurso do presente processo disciplinar entendo ter ficado suficientemente provado que o arguido, Professor R.............., docente do Agrupamento de Escolas Baixa Chiado, Presidente do respetivo Conselho Geral, no dia 2011.12.05, pelas 11.40 horas, no patamar das escadas de madeira que ligam o piso -1 ao piso O da Escola Secundária com 2° e 3° Ciclos do Ensino Básico de Passos Manuel, e cuja porta de saída dá para o bar e para os pátios interiores, agarrou pela camisola a aluna de 11 anos, do 6° ano, turma E, n° 21, L..........., na zona do peito, com força de adulto suficiente para a magoar, o que aconteceu, empurrou-a com violência contra a parede, manteve-a pressionada e encostada à parede durante alguns momentos, ameaçando-a que a expulsava da escola se ela voltasse a gritar alto como momentos antes a aluna, pisada pela sua colega B.........., tinha procedido. O comportamento do arguido foi presenciado, para além da aluna B............., do 6° E, n° 4, também pela aluna I.........., do 6° E, n° 13.

Desta grave ocorrência o arguido só deu conhecimento ao seu superior hierárquico em 2011.12.13, ou seja, mais de uma semana depois do incidente.

Com este seu incorrecto e grave procedimento, circunstanciadamente descrito, em termos de tempo, de modo e de lugar, o arguido, que é educador, docente do Agrupamento de Escolas Baixa Chiado e Presidente do seu Conselho Geral, violou os deveres gerais de zelo e de correcção, citados no artigo 3.º, pontos 2. alíneas e) e h), 7. e 10. do ED, visto que demonstrou não conhecer as normas legais e regulamentares, bem como as ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos, não tratando com respeito, não só a aluna agredida e ameaçada, como também as duas alunas que presenciaram a grave ocorrência, pelo exemplo de comportamento inadequado, desproporcionado e violento a que assistiram.

Praticou, assim, a infracção tipificada, prevista e punida no artigo 18° do ED, ponto 1., corpo do ponto - visto que está inviabilizada a manutenção da relação funcional com a grave infracção de agressão física e ameaça verbal à aluna L............. - e alíneas a) e c), com pena de demissão.

III – CONCLUSÕES

14. No caso sub judice assumiu o arguido a conduta citada e considerada provada no ponto 13. deste relatório, mas há igualmente um conjunto de atenuantes que é necessário ter em consideração. Assim, o tempo de serviço prestado pelo arguido de uma forma considerada pelas testemunhas como profissional, diligente e competente, configura a aplicação da alínea a), do artigo 22° do ED, como circunstância atenuante especial. Também a grave indisciplina dos alunos mais jovens, que vem ocorrendo na Escola Secundária com 2° e 3° CEB de Passos Manuel, pode ser considerada atenuante extraordinária para o comportamento do arguido, o que implica ter em consideração o conteúdo do artigo 23° do ED.

IV – PROPOSTA

15. Tendo em consideração tudo o que até aqui ficou exposto, proponho que seja aplicada ao arguido, professor R.............., docente do quadro do Agrupamento de Escolas Baixa Chiado, Presidente do Conselho Geral, a pena de suspensão, graduada em sessenta dias, nos termos dos artigos 9.º, ponto 1. alínea c) e 10°, pontos 3. e 4. do ED, sendo competente para a sua aplicação o Exmo. Senhor Director Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo, nos termos do artigo 14.º, n° 2. do ED, aprovado pela Lei n° 58/2008, de 09.09. (…)” – cfr. fls. 113-124 do PA);

T) – Com data de 06.07.2012, o Director Regional da Educação de Lisboa e Vale do Tejo, proferiu despacho de concordância sobre o teor do Relatório que antecede, e aplicou ao arguido, ora Autor, a pena disciplinar de suspensão, graduada em 60 dias – por acordo; cfr. fls. 27-33 dos autos;

U) – De tal despacho, em 03.08.2012, o ora Autor interpôs recurso hierárquico, o qual, por despacho do Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, de 12.04.2013, foi julgado improcedente, por extemporaneidade – cfr. fls. 27-33 dos autos;

V) – Em 09.09.2013, os serviços jurídicos da Inspecção-Geral da Ciência e da Educação elaboraram a Informação n.º I/03096/SC/12, sobre a “providência cautelar interposta pelo arguido R........ , Presidente do Conselho Geral do Agrupamento de Escolas da Baixa-Chiado”, que se dá por integralmente reproduzida, na qual propuseram a “revogação do despacho do Senhor SEAE, datado de 13.04.2013, por se ter verificado que o RH interposto pelo arguido em 03.08.2012 se mostrava tempestivamente apresentado” e que “apreciado o mérito do recurso hierárquico ora apreciado, este deverá ser indeferido, mantendo-se a decisão recorrida” – cfr. fls. 113-117 dos autos;

W) – Com data de 03.10.2013, o Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar proferiu despacho de concordância sobre o teor da Informação identificada na alínea antecedente, negou provimento ao recurso e confirmou a pena de disciplinar de suspensão, graduada em 60 dias – cfr. fls. 113 dos autos;

X) – Em 23.05.2014, foi proferida sentença no âmbito do processo que correu termos no extinto 2º. Juízo Criminal de Lisboa, sob o n.º 1550/11.9PBLSB, que absolveu o arguido, ora Autor, da prática de crime de ofensas à integridade física simples – cfr. certidão de fls. 152-157 dos autos;

Y) – A decisão judicial identificada na alínea antecedente transitou em julgado em 23-06-2014 – cfr. certidão de fls. 152 dos autos;

Z) Em 13.12.2011, o ora Autor apresentou ―participação de ocorrência de natureza disciplinar‖, que foi recebida e assinada pelo/a Director(a) de Turma/CE, na qual relata o ocorrido, em 05.12.2011, com a aluna L............., que se dá por integralmente reproduzida – cfr. fls. 24 do PA).

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão.


*

Motivação: A convicção que permitiu julgar provados os factos referidos assentou no acordo das partes, atenta a posição processual assumida pelas partes nos respectivos articulados, no exame e na avaliação crítica e conjugada do teor dos documentos constantes dos autos e do PA), constituído por 1 volume, conforme discriminado em cada uma das alíneas do probatório.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

1. Nulidade, nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por contradição entre a matéria de facto julgada provada

Sustenta o Recorrente a nulidade decisória da sentença recorrida, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, com o fundamento de existir uma contradição entre a matéria de facto julgada provada, decorrente dos fundamentos utilizados e a decisão que veio a ser proferida.

Alega que, considerando os factos provados, que são compatíveis entre si, acerca do modo e das circunstâncias em que os factos ocorreram, não poderia ter sido proferida a decisão no sentido da não prova da infração disciplinar.

Tendo o depoimento das alunas sido convergente e compatível entre si, as quais são as únicas testemunhas diretas e presenciais e tendo o arguido referido que depois de ter repreendido a aluna, a largou, significa que admite que antes a tinha agarrado.

Do mesmo modo de não ser possível que a Professora tivesse interrompido a aula que estava a dar, tivesse saído da sala e descido as escadas que tem 32 degraus, em apenas três ou quatro segundos.

Vejamos.

A nulidade aludida na alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC ocorrerá sempre que os fundamentos da decisão se encontrem em oposição com a decisão, no sentido de que entre os fundamentos e a decisão não pode existir contradição lógica.

Tal acontecerá se o juiz adotar determinada linha de raciocínio e depois ao invés de a prosseguir, extraindo dela a devida consequência jurídica, assumida no segmento decisório, vir a decidir em sentido divergente ou oposto, que a fundamentação aduzida não permitiria adivinhar.

Compulsadas as conclusões do presente recurso, assim como a sua respetiva alegação, decorre não ser possível concluir pela invocada nulidade decisória, pois o que se verifica é que o Tribunal a quo procedeu a uma valoração diferente dos factos julgados provados, extraindo deles um entendimento quanto à veracidade dos factos julgados provados no âmbito do processo disciplinar, mas sem que, em si mesmo, tal se traduza numa contradição entre os fundamentos e a decisão.

O próprio Recorrente refere que a sentença sobrepôs o seu entendimento sobre os factos julgados provados, em detrimento do juízo efetuado pelo instrutor do processo disciplinar e das provas coligidas na fase de instrução, pelo que estará em causa não uma contradição entre os fundamentos e a decisão, mas uma diferente valoração dos fundamentos de facto.

Por isso, a própria alegação de recurso não permite concluir por tal contradição.

Além de que, confrontada, quer a fundamentação de facto, quer a fundamentação de direito aduzida na sentença recorrida, com a decisão que foi proferida pelo Tribunal a quo, não existe a invocada contradição, pois que não é possível extrair o juízo que o juiz tenha fundamentado a decisão num determinado sentido e haja concluído noutro sentido, oposto ou divergente.

O que existe é a valoração dos factos dados por assentes para deles se extrair a conclusão jurídica, com a qual o Recorrente não concorda, mas que em si mesma não enferma da nulidade invocada.

Nestes termos, será de improceder, por não provado, o fundamento do recurso.

2. Erro de julgamento de direito, por violação do artigo 127.º do Código de Processo Penal, por a Administração gozar de larga margem de valoração das provas e por violação do princípio da imediação

No demais, sustenta o Recorrente o erro de julgamento de direito da sentença recorrida com o fundamento na violação do artigo 127.º do Código de Processo Penal (CPP), por a Administração gozar de larga margem de valoração das provas e ainda, por violação do princípio da imediação.

Invoca que a decisão recorrida desrespeita o citado artigo 127.º do CPP, nos termos do qual, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente.

Entende que, como o tem reconhecido a jurisprudência dos tribunais superiores, a Administração goza de larga margem de valoração das provas, apenas incumbindo o controlo judicial, em matéria probatória, nos casos de erro manifesto de apreciação e o desvio de poder no âmbito da discricionariedade volitiva.

Por isso, nos termos em que a sentença decidiu, entende ter sido violado o princípio da imediação, nos termos do qual o instrutor do processo disciplinar, por ter um contacto direto e pessoal com o local, as coisas e as pessoas envolvidas, estava melhor colocado para criar a sua livre convicção de uma forma mais rigorosa.

Mais alega que não é compreensível, nem aceitável que, com base numa análise subjetiva, emocional e voluntarista, a sentença a quo tivesse decidido sobrepor o seu entendimento àquele que foi adotado pela Administração, tanto mais, por não resultar dos autos qualquer elemento que evidencie a existência de erro e, muito menos, manifesto na apreciação da prova.

Nem ainda, que tenha existido desvio de poder no âmbito da discricionariedade volitiva.

Vejamos.

Não sendo impugnado o julgamento de facto da presente sentença, será com base nos factos dados como provados que assentará o julgamento de direito e a análise do fundamento do recurso.

O que está em causa é o alegado erro de valoração dos factos em que incorre a sentença recorrida, em substituição daquele que foi formulado pela Administração.

O que exige analisar a concreta factualidade julgada provada na sentença recorrida, com a qual não existe dissenso, para com base nela aferir do invocado erro de julgamento na apreciação e valoração dos factos.

Com relevância para a decisão a proferir sobre o fundamento do recurso resulta da matéria de facto provada que o Diretor do Agrupamento de Escolas Baixa-Chiado reportou ao Diretor Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo, um incidente disciplinar, passível de eventual procedimento disciplinar ocorrido entre uma aluna que frequenta o 6.º ano e um docente, descrito do seguinte modo: “Segundo foi descrito pelos diversos envolvidos e pelas testemunhas a aluna (…) encontrava-se a circular no acesso de escadas verticais do edifício com outras colegas e terá soltado um grito estridente no corredor no decorrer de uma brincadeira. O docente estava nesse momento a circular no mesmo espaço e exercendo as suas competências previstas na Lei procedeu de imediato repreendendo a aluna para que não voltasse a proceder de igual modo. No entanto, segundo a versão dos factos apresentada pela aluna e pelas colegas que a acompanhavam na altura o professor terá procedido à advertência de forma agressiva e com alguma violência física, agarrando a aluna e empurrando-a contra uma parede, incorrendo em eventual infracção passível de censura e de respectiva penalização. (…) O docente, (…), apresentou participação disciplinar do incidente ao Director (…) vários dias após a sua ocorrência (apenas em 13/12/2011) motivo pelo qual não foi despoletada a aplicação de nenhuma medida disciplinar à aluna, uma vez que havia prescrito o prazo para tal actuação.”.

Instaurado processo disciplinar ao docente em causa, no seu âmbito a aluna em causa foi ouvida na qualidade de testemunha, tendo referido o seguinte: “(…) quando ia a subir as escadas de madeira entre o piso -1 e o piso 0 de acesso ao bar e aos dois pátios interiores e estando acompanhada por duas colegas suas, da mesma turma, (…), aconteceu o seguinte incidente: Vinham as três lado a lado a subir as escadas e estava do lado da parede. Nos últimos degraus já perto do patamar de acesso ao pátio a B.......... pisou-a, sem querer, e na altura soltou um grito alto. Vinha do pátio e estava nesse mesmo patamar um adulto, que na altura não sabia quem era, se era professor ou funcionário pois nunca o tinha visto nesta escola. (…). Nessa altura o senhor agarrou na sua camisola, junto ao seu peito, com a mão direita dele e magoou-a muito porque fez muita força. Continuou a agarra-la no mesmo sítio, empurrou-a com violência e encostou-a à parede onde se encontra urna caixa vermelha para incêndios. Esteve agarrada e encostada à parede algum tempo, talvez dois ou três minutos e o adulto fez força com a sua mão contra o seu peito. Enquanto isto decorreu o senhor ameaçou-a em tom de voz normal mas agressivo, inclinando-se um pouco para si e dizendo “Se eu te voltar a ver a fazer o mesmo expulso-te da escola”. Continuava agarrada na camisola pelo professor, pressionada contra a parede e o senhor perguntou-lhe de que turma ela era. Respondeu-lhe que era do 6° E. A tudo isto assistiram as suas duas colegas que já disse que estavam encostadas à outra parede no mesmo patamar, em frente ao corrimão ao pé da porta que dá acesso aos pátios. Depois disto o senhor desceu as escadas para o piso -1 e juntou-se às suas duas colegas e as três subiram as escadas para ir para a aula. Nessa altura a B.......... disse-lhe que aquele senhor era professor mas não disse o nome dele nem a disciplina. Depois da aula de História e Geografia de Portugal, nesse mesmo dia 5 de Dezembro, a B.......... disse-lhe que com ela, o ano passado, já tinham acontecido situações parecidas com o mesmo professor. (…)”.

A outra aluna, de nome B.........., igualmente na qualidade de testemunha, referiu o seguinte: “(…) Presenciou a L........... a ser agarrada, empurrada e encostada à parede pelo professor, acha que foi com violência, com força de adulto e também ouviu o professor ameaçar a L........... dizendo-lhe que a expulsava da escola. O professor não chegou a cara dele ao pé da cara da L..........., mas ameaçou que a expulsava da escola. Lembra-se de ter dito à L........... que aquela pessoa era um professor, mas não lhe disse o nome nem a disciplina porque não sabe. Ainda hoje não sabe o nome do professor nem a disciplina. Em resumo no dia 5 de Dezembro viu o professor agarrar a L........... pela camisola com força junto ao peito, empurrá-la e encostá-la à parede e ameaçá-la que a expulsava da escola se ela voltasse a fazer a mesma coisa. É verdade que o ano passado com este professor aconteceu-lhe uma vez uma situação parecida mas nessa altura não fez queixa do professor. (…)”.

Também a aluna, I......... prestou o depoimento, do qual se extrai o seguinte: “(…) Quando chegaram ao patamar que dá acesso à porta o professor tocou nas costas da L..........., que se voltou para ele, agarrou-lhe na camisola junto ao peito com força e ameaçou-a de expulsá-la da escola dizendo “Se voltas a fazer isso expulso-te da escola”, empurrando-a e encostando-a à parede. Só a largou depois de a ter ameaçado que a expulsava da escola. Não tem dúvidas que viu o professor agarrar a camisola da L........... junto ao peito com força, empurrá-la e encostá-la à parede, ameaçando-a que se voltasse a fazer o que fez a expulsava da escola. (…) Acha que o professor agiu com força para com a L..........., a L........... diz que ele a magoou e a L........... ficou assustada e tem medo de ir para junto às salas onde o professor dá aulas que á no piso -1. (…)”.

Um professor do quadro do Agrupamento de Escolas, identificado na matéria de facto, prestou depoimento na qualidade de testemunha, com o seguinte teor: “(…) Quando falou com as três alunas em separado ficou com a convicção de que estavam a dizer a verdade ou seja que o professor tinha agarrado, empurrado e encostado a L........... à parede, ameaçando-a que a expulsava da escola. Depois quando mais tarde falou com o professor que conhece desde 1998 e considera ser disciplinador nas suas atitudes, acreditou que alguma coisa teria acontecido com a L..........., mas não ficou convicto que o professor tivesse procedido como as três alunas relatavam à exceção da questão da ameaça que por antecedentes considera mais credível que tivesse acontecido. (…)”.

Nos termos da matéria de facto assente, foram ainda ouvidas na qualidade de testemunhas, duas professoras do quadro do Agrupamento de Escolas Baixa-Chiado.

Proferida a acusação, o professor apresentou a sua defesa, da qual se extra o seguinte: “(…) Refuta-se e impugna-se o teor do artigo único da Acusação, na medida em que:

a) o Arguido segurou a aluna pela camisola, apenas para impedir que esta fugisse e por meros segundos;

b) como resulta evidente, se tivesse empregue a violência que lhe é imputada, tal camisola teria de apresentar danos, o que não sucedeu;

c) o Arguido nunca magoou a aluna L...........;

d) o Arguido nunca a empurrou contra a parede nem a manteve ali pressionada;

e) se o motivo do berro tivesse sido uma pisadela, a aluna não teria deixado de o referir, o que não sucedeu. Pelo contrário,

57°

Perante o berro estridente da aluna L..........., as únicas atitudes do Arguido foram:

a) segurá-la pela camisola para evitar que fugisse;

b) esticar o dedo na sua direcção sem lhe tocar e referir-lhe que, se voltasse a gritar assim de forma infundada, seria expulsa.

c) deixá-la seguir o seu caminho, de seguida. (…)”.

A assistente operacional na Escola também prestou depoimento, de que se extrai o seguinte: “(…) num dia que não consegue concretizar, no corredor do 10 andar estava junto às alunas L..........., B.......... e I.......... Nessa altura a L........... estava a chorar e passou a Dra. H........., Adjunta do Director, que a chamou. Quando ficou sozinha com a B.......... e a I........., elas disseram “A L........... está a chorar porque mentiu ao pai sobre o professor e agora não sabe o que tudo isto vai dar”. Nessa altura perguntou às duas alunas o que é que se tinha passado e elas disseram que vinham as três a subir a escada, a L........... deu um grito e o professor R........ voltou-se para ela com um dedo apontado e disse-lhe que não eram maneiras de se gritar numa escola. (…)”.

A professora A..........bela também foi ouvida, tendo declarado: “(…) estava no piso superior da escada quando ouviu um grito histérico, não sabendo provocado porquê. Desceu as escadas e viu uma aluna pequena entre a parede e o professor, não sabe se estava encostada e o professor de dedo apontado à aluna, não sabe se lhe estava a tocar, mas estava muito próximo, dizendo que se ela voltasse a gritar-lhe metia um processo e expulsava da escola. Relativamente aos gritos ainda esclareceu que depende das pessoas e do ambiente, mas considerou exagerado o grito da aluna que já classificou de histérico. Não viu o que aconteceu entre o grito da aluna e a situação de ver o arguido perto da aluna com o dedo apontado. Quando o professor falou com a aluna passou pelo local, sem intervir e saiu para a zona do pátio e logo de seguida viu o professor sair e disse ao arguido qualquer coisa do género “as alunas gritam muito”. (…) Acrescenta que entre o grito que ouviu da aluna e a visualização da cena por si, passaram cerca de três ou quatro segundos que foi o tempo de descer um patamar de escadas e reafirma que quando viu a cena o professor não estava a agarrar a aluna e estava a dizer que se ela voltasse a gritar a expulsava, apontando com o dedo próximo da aluna. (…). (…) não viu o arguido segurar a aluna, não viu o arguido magoar a aluna e também não viu empurrá-la contra a parede e aí a manter pressionada, admitindo como verdadeira a alínea e). No artigo 57 não viu o que está referido na alínea a), mas são verdadeiros os conteúdos das alíneas b) e c) (…)”.

Por sua vez, extrai-se ainda da matéria de facto assente que foi feita a acareação entre as alunas B.........., I......... e a assistente operacional, de onde se extrai que ambas as alunas “não têm dúvida em como viram o professor R........ (…) agarrar a L........... pela camisola, empurrá-la e encosta-la à parede, ameaçando que a expulsava se ela voltasse a gritar como gritou. (…) nessa altura no patamar das escadas não estava mais ninguém presente. Nenhuma das duas viu passar alguém naquela altura. (…) de certeza que não passou ninguém por ali naquela altura. (…)”.

Tendo por base a factualidade descrita, foi elaborado o Relatório Final que concluiu para prática de uma infração, decorrente de o professor ter agarrado a aluna pela camisola, na zona do peito, tendo-a empurrado com violência contra a parede, mantendo-a pressionada e encostada à parede durante alguns momentos, ameaçando-a que a expulsava da escola se ela voltasse a gritar alto, de que veio a culminar a aplicação de uma pena de suspensão graduada em 60 dias, considerando existir um conjunto de atenuantes.

Tendo presente a factualidade descrita e a demais constante do julgamento de facto da sentença recorrida, veio a sentença recorrida a proferir o seguinte discurso fundamentador:

E a questão que importa responder com acuidade nos autos é a de saber se esta punição – a suspensão do Autor, por um período de 60 dias – assenta em factos que permitam criar a convicção segura/certeza apodíctica da prática das infracções que ao mesmo foram imputados, para além de toda a dúvida razoável, pois, de contrário, vigorará o princípio da presunção da inocência do arguido e do princípio «in dubio pro reo».

E, em rigor, tendo presente o lastro factual que se mostra apurado nos autos, conclui-se que a conjugação dos vários depoimentos existentes no processo disciplinar não são suficientes para legitimar uma convicção suficientemente segura, por parte do titular do poder disciplinar, da prática pelo ali arguido, ora Autor, de todos os factos que lhe foram imputados, designadamente, que agarrou a camisola da aluna com força suficiente para a magoar, que a empurrou com violência contra a parede, que a manteve pressionada e encostada à parede durante alguns minutos, e que o grito (alto) que foi dado pela aluna decorreu do facto de ter sido pisada pela sua colega B...........

Com efeito, analisada a acusação constata-se que a mesma basicamente deu como provados os factos descritos no relato prestado pela aluna L............., corroborados - diríamos - apenas, em parte, pelos depoimentos prestados pelas duas colegas que presenciaram ao incidente, B............. e I.............

Pois, pela análise dos relatos prestados pelas duas alunas não era seguro que o professor tivesse agarrado a aluna com força suficiente para a magoar, que a tivesse empurrado com violência contra a parede e que a tivesse mantido encostada contra a parede alguns minutos, como ainda não era seguro que a pisadela tivesse ocorrido, e que, a ter efectivamente ocorrido, que o grito alto que foi dado pela aluna tivesse sido dele consequência. Aliás, nesses tais relatos - prestados já no processo disciplinar - as duas alunas não fizeram sequer alusão de que a aluna L............. havia sido pisada antes do grito, afirmando a aluna B.......... Brás que “presenciou a L........... a ser agarrada, empurrada e encostada à parede pelo professor”, que “acha que foi com violência” e que “O professor não chegou a cara dele ao pé da cara da L...........” e a aluna I............ que “Acha que o professor agiu com força para com a L..........., a L........... diz que ele a magoou”.

(…)

E a verdade é que, depois de ter sido notificado da referida acusação, o mesmo veio afirmar o seguinte na sua defesa escrita, no artigo 49.º, que “Uma vez confrontadas pela D.ª D......... quanto ao sucedido as alunas B.......... e I......... afirmaram «A L........... está a chorar porque mentiu ao pai sobre o professor e agora não sabe o que tudo isto vai dar»”, no artigo 56.º, refutou e impugnou o teor da acusação, afirmando que “segurou a aluna pela camisola, apenas para impedir que esta fugisse e por meros segundos” , pois que “como resulta evidente, se tivesse empregue a violência que lhe é imputada, tal camisola teria de apresentar danos, o que não sucedeu”, que “nunca magoou a aluna L...........; (…) nunca a empurrou contra a parede nem a manteve ali pressionada; (…) se o motivo do berro tivesse sido uma pisadela, a aluna não teria deixado de o referir, o que não sucedeu.” (cfr. alínea K) do probatório).

Mais declarou no artigo 57.º da sua defesa escrita que “Perante o berro estridente da aluna L..........., as únicas atitudes do Arguido foram: a) segurá-la pela camisola para evitar que fugisse; b) esticar o dedo na sua direcção sem lhe tocar e referir-lhe que, se voltasse a gritar assim de forma infundada, seria expulsa. c) deixá-la seguir o seu caminho, de seguida” (cfr. alínea K) do probatório).

Ou seja, segundo a versão dos acontecimentos apresentada pelo arguido, a aluna L........... gritou de forma estridente; o arguido segurou a aluna pela camisola por segundos, para evitar que a mesma fugisse; esticou o dedo na sua direcção, sem lhe tocar e disse-lhe que se a mesma voltasse a gritar daquela forma seria expulsa.

Estávamos aqui perante duas versões dos acontecimentos, ainda que com alguns pontos comuns do que já havia sido relatado pela aluna L............. e pelas duas alunas que presenciaram o ocorrido.

Nessa sequência, foram ouvidas as 5 testemunhas arroladas pelo Autor na sua defesa escrita.

(…)

Ora, como acima antecipámos, atenta a prova produzida no processo disciplinar, não se nos afigura ser possível asseverar com suficiente grau de certeza a prática pelo arguido de todos os factos que lhe foram imputados.

Como se concluiu no Relatório Final, o que ficou apurado, com certeza, no processo disciplinar é que, após o grito, alto e estridente, da aluna L............., o arguido agarrou a aluna pela camisola e, apontando-lhe o dedo, sem a tocar, lhe disse que a expulsava da escola se ela voltasse a gritar da forma como o tinha feito.

Agora, que o arguido agarrou a camisola da aluna com força suficiente para a magoar, que a empurrou com violência ou com força contra a parede, que a manteve pressionada e encostada à parede durante alguns momentos [não tendo o Relatório Final sido suficientemente preciso quanto a esta última parte, alterando a expressão “alguns minutos”, constante da acusação, para “alguns momentos”], que a aluna L............. foi pisada num pé pela aluna B............., e que o grito se deveu numa relação causa-efeito ao facto de a mesma ter sido pisada, são factos que estiveram na base da imputação das infracções ao arguido, mas que, na verdade, analisando todos os depoimentos, não ficaram provados no processo disciplinar de tal forma a ser possível formar a convicção, para lá da dúvida razoável, tal como vinha imputado ao arguido na acusação.

(…)

Basicamente o que temos aqui são duas versões diferentes sobre esta questão, não tendo sido apurado qual era a versão que correspondia à realidade. Agora não se pode é concluir no Relatório Final que a aluna B............. disse que “não sabe se a L........... mentiu ao pai”, quando não foi isso que a testemunha disse.

(…)

Portanto, considerando estas afirmações, as declarações das referidas alunas quanto à força/violência exercida pelo professor - que, na realidade, desconheciam, porque não a vivenciaram - não permitem configurar prova idónea para sustentar a imputação ao arguido quanto a tais factos.

O mesmo se diga em relação ao alegado facto de o arguido ter agarrado a camisola pela zona do peito. Pois se num momento inicial as declarações das alunas eram convergentes quanto a esse ponto, a verdade é que, depois, já em sede de acareação, as alunas B............. e I............ relataram que não tinham dúvidas que a aluna L........... tinha sido agarrada pela camisola, mas já nada referiram se foi ou não pela zona do peito.

Por outro lado, as declarações da professora Anabela Neves também foram totalmente desconsideradas no relatório final que sustentou o acto punitivo.

(…)

Ou seja, verificando-se a prova coligida em sede de instrução, conclui-se que a mesma não era inequivocamente esclarecedora ou clarificadora da imputação ao arguido da conduta ilícita que lhe foi assacada - de agressão física e ameaça verbal - para lá da dúvida razoável.

O que significa que a prova produzida, no âmbito do processo disciplinar em análise, não se mostra dotada do grau de certeza e de segurança que se deve exigir nesta matéria na e para a sustentação da imputação/efectivação de responsabilidade disciplinar ao arguido.

Cumpre relembrar, neste ponto, que não é o arguido que tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada, uma vez que o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção impende sobre o titular do poder disciplinar.

É, pois, o titular do poder disciplinar que tem de se estribar em provas que permitam um juízo de certeza, uma convicção segura que esteja para além de toda a dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que lhe são imputados.

Nesta conformidade, tendo em conta que a prova coligida no processo disciplinar deve legitimar uma convicção segura da materialidade dos factos imputados ao arguido, para além de toda a dúvida razoável - o que não sucede in casu - conclui-se que, no caso vertente, a decisão disciplinar punitiva mostra-se inquinada de erro sobre os pressupostos de facto, por errada apreciação da prova.

Deve, assim, a decisão punitiva, com este fundamento, ser anulada.”.

A supra transcrita fundamentação de direito da sentença recorrida não se pode manter, enfermando de um erro de julgamento de direito, na apreciação dos factos e das provas.

Não se subscreve o entendimento assumido no presente recurso de que a reapreciação da matéria de facto pelo tribunal, com base na qual é alicerçado o ato administrativo sancionador, só pode ocorrer perante um quadro de verificação de erro manifesto ou grosseiro de apreciação dos factos ou de subsunção dos factos ao direito, por assistir amplos poderes aos tribunais administrativos para conhecer integralmente de facto e de direito, como é próprio de um julgamento de plena jurisdição, designadamente, perante a alegação de ilegalidade do ato punitivo, como no presente caso.

O exercício do poder disciplinar pela Administração não constitui um foro próprio ou exclusivo da apreciação da conduta para efeitos disciplinares, nem tão pouco os órgãos administrativos dispõem de prerrogativas especiais de apreciação dos factos, nem da prova que haja sido produzida no âmbito do procedimento administrativo.

Por isso, a apreciação e julgamento que os tribunais administrativos são convocados a fazer inserem-se nos seus amplos poderes de julgamento da legalidade, nos termos do artigo 3.º do CPTA.

Como decidido no recente Acórdão do STA, de 29/10/2020, Processo n.º 035/12.0BECBR (0812/18): “Ora, para alcançar essa verdade dos factos, os tribunais têm de dedicar tempo e cuidado à reconstituição dos factos objecto do processo, não devendo aderir acriticamente à versão da realidade dos factos de uma ou de outra das partes, ainda que uma delas seja a Administração. É que, se é verdade que o artigo 607.º, n.º 5, do CPC (aqui aplicável ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA) consagra o princípio da livre a apreciação da prova, não há como interpretar este princípio como conferindo ao julgador uma liberdade ilimitada de apreciação da prova, a qual incluiria a decisão de, pura e simplesmente, não a controlar – bastando, desde logo, para chegar a esta conclusão a leitura integral do mencionado n.º 5 –; e, sobretudo, não há que confundir este princípio com o exercício de poderes discricionários por parte da Administração.”.

Por isso, de acordo com o citado aresto do STA, “os tribunais, excepcionados os casos em que estão legalmente impedidos de o fazer, não só podem, como devem reapreciar o julgamento de facto realizado pela Administração em toda a sua extensão, ou seja, devem reapreciar todos os elementos de prova que foram produzidos nos autos. Não aceitar isto equivale a deixar os particulares nas mãos da Administração, assim se esvaziando ou mesmo privando de sentido o direito de acesso à justiça e aos tribunais, constitucionalmente consagrado no artigo 20.º da CRP.”.

No mesmo sentido, o Acórdão do STA, da mesma data, Processo n.º 0301/14.0BEBRG (01478/17).

Neste sentido, não assiste razão ao Recorrente ao defender no presente recurso que os tribunais só podem intervir no julgamento de facto realizado pela Administração quando estejam perante erros manifestos ou grosseiros, por tal não ter acolhimento no ordenamento jurídico.

Porém, sem prejuízo, reconhecendo-se os amplos poderes dos tribunais administrativos para reapreciar o julgamento de facto e de direito em que assentou o ato impugnado, de aplicação da sanção disciplinar de suspensão, por 60 dias, não se pode subscrever o julgamento que foi feito pelo Tribunal a quo, por enfermar ele próprio de erro de julgamento na apreciação dos factos e das provas.

Considerando toda a factualidade constante do julgamento de matéria de facto da sentença recorrida, a qual não se mostra impugnada no presente recurso, denota-se ter a sentença recorrida se substituído à Administração na apreciação dos factos e das provas, fazendo uso dos poderes de sindicância judicial, mas em termos que contrariam o conjunto da prova produzida, globalmente considerada.

O juízo acerca da veracidade dos factos não pode ser subjetivo, assente em premissas ou em conceções do foro pessoal ou particular, em impressões ou sequer em juízos de valor, antes devendo ser objetivo, neutral em relação ao conjunto da prova produzida, quase sempre contraditória ou incompleta, exigindo a formulação de juízos de exegese dos factos em relação às provas produzidas.

No presente caso, analisada de forma objetiva e, por isso, racional, desprendida de quaisquer juízos de valor, é possível concluir pela correta apreciação dos factos que foi feita pela Administração, considerando o conjunto da prova testemunhal que foi produzida.

Além de a prova testemunhal sem ampla, por ter colhido o depoimento de diversas alunas, de funcionários e de professores, foi ainda produzida a acareação entre diversas testemunhas, o que revela o forte propósito de esclarecer a verdade dos factos e de realização de justiça no caso concreto, segundo padrões de isenção e de imparcialidade na apreciação dos factos e das provas.

Ao contrário do que foi entendido na sentença recorrida, não existiu uma total negação dos factos pelo professor, pois admite que segurou a aluna pela camisola (embora sob a alegação de que o fez para impedir que fugisse), embora negue a demais factualidade.

Porém, o relato apresentado pelas diversas alunas inquiridas, em diversos momentos do procedimento disciplinar, foi sempre mantido nos seus termos, sendo por isso coerente e, consequentemente, credível, devendo ser valorado nos seus precisos termos.

Até porque existe suficiente prova produzida no processo disciplinar que as alunas em causa eram as únicas testemunhas presentes no local, no momento do incidente.

A demais prova produzida, seja pelas demais testemunhas, seja pelo professor visado, não é de molde a permitir o juízo que foi formulado na sentença recorrida.

Neste sentido, a prova que foi produzida no processo disciplinar, a qual, reafirma-se, não foi posta em causa na presente ação, mas apenas a valoração dos factos que dela se extrai, permite entender por o professor ter agarrado a aluna pela camisola no dia, hora e local descritos no relatório final, tendo-a empurrado com violência contra a parede e aí mantido durantes alguns momentos, ameaçando-a que a expulsava da escola.

Tal factualidade tem arrumo na vasta prova testemunhal produzida e nas respetivas acareações realizadas, afigurando-se suficiente para alicerçar o julgamento da prática da infração disciplinar, por violação dos deveres gerais de zelo e de correção, nos termos do artigo 3.º, pontos 2, alíneas e) e h), 7 e 10 do Estatuto Disciplinar.

Em consequência, atentas as razões de facto e de direito antecedentes, será de julgar procedente o fundamento do recurso, incorrendo a sentença recorrida em erro de julgamento na apreciação dos factos e do direito.


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Termos em que será conceder provimento ao recurso, em revogar a sentença recorrida e, em substituição, em julgar a ação improcedente, por não provada.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. A nulidade aludida na alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC ocorrerá sempre que os fundamentos da decisão se encontrem em oposição com a decisão, no sentido de que entre os fundamentos e a decisão não pode existir contradição lógica.

II. Tal acontecerá se o juiz adotar determinada linha de raciocínio e depois ao invés de a prosseguir, extraindo dela a devida consequência jurídica, assumida no segmento decisório, vir a decidir em sentido divergente ou oposto, que a fundamentação aduzida não permitiria adivinhar.

III. A reapreciação da matéria de facto pelo tribunal, com base na qual é alicerçado o ato administrativo sancionador, não ocorre apenas perante um quadro de verificação de erro manifesto ou grosseiro de apreciação dos factos ou de subsunção dos factos ao direito, por assistir amplos poderes aos tribunais administrativos para conhecer integralmente de facto e de direito, como é próprio de um julgamento de plena jurisdição, designadamente, perante a alegação de ilegalidade do ato punitivo.

IV. O exercício do poder disciplinar pela Administração não constitui um foro próprio ou exclusivo da apreciação da conduta para efeitos disciplinares, nem tão pouco os órgãos administrativos dispõem de prerrogativas especiais de apreciação dos factos, nem da prova que haja sido produzida no âmbito do procedimento administrativo.

V. O juízo acerca da veracidade dos factos não pode ser subjetivo, assente em premissas ou em conceções do foro pessoal ou particular, em impressões ou sequer em juízos de valor, antes devendo ser objetivo, neutral em relação ao conjunto da prova produzida, quase sempre contraditória ou incompleta, exigindo a formulação de juízos de exegese dos factos em relação às provas produzidas.

VI. Analisada de forma objetiva e, por isso, racional, desprendida de quaisquer juízos de valor, é possível concluir pela correta apreciação dos factos que foi feita pela Administração, considerando o conjunto da ampla prova testemunhal produzida, que colheu o depoimento de diversas alunas, de funcionários e de professores, e ainda a acareação realizada entre diversas testemunhas, o que revela o forte propósito de esclarecer a verdade dos factos e de realização de justiça no caso concreto, segundo padrões de isenção e de imparcialidade na apreciação dos factos e das provas.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, em revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a ação improcedente, por não provada, mantendo o ato impugnado na ordem jurídica.

Sem custas nesta instância de recurso e custas pelo Autor na 1.ª instância.

Registe e Notifique.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores, Pedro Marques e Alda Nunes.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)