Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06247/10
Secção:CA- 2º JUIZO
Data do Acordão:10/14/2010
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA PROMOTORA DE JUSTIÇA
FUNÇÕES PÚBLICAS SEM CARÁCTER PREDOMINANTEMENTE TÉCNICO
Sumário:I – Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, entre outros, a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional e o exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico [alíneas a) e c) do artigo 9º da Lei nº 37/81, de 3/10, na redacção que lhe foi dada pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4].

II – De acordo com os artigos 127º e 129º da Constituição da República Federativa do Brasil, o exercício das funções de Promotor de Justiça da carreira do Ministério Público não corresponde ao exercício de funções [de natureza pública] com carácter predominantemente técnico.

III – Sendo a ré Promotora de Justiça no Estado do Rio de Janeiro, tal facto constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa – exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico –, tal como previsto na alínea c) do artigo 9º da Lei nº 37/81, de 3/10, na redacção que lhe foi dada pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
A..., com os sinais dos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAC de Lisboa, datada de 22-12-2009, que julgou procedente a acção especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, intentada pela Digna Magistrada do Ministério Público junto daquele tribunal.
Para tanto, formulou as seguintes conclusões:
A) Vem o presente recurso interpor da douta sentença de 22-12-2009 que concedeu provimento ao autor e julgou procedente a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa e em consequência determinou o arquivamento do processo de registo pendente na Conservatória dos Registos Centrais.
B) Não se conformando a ora recorrente com a mesma e entendendo que a douta sentença recorrida enferma de ilegalidade, vem a mesma apresentar recurso.
C) Nos termos do artigo 9º da Lei da Nacionalidade [bem como artigo 56º, nº 2 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei nº 237-A/2006, não está em causa aferir da ligação efectiva mas sim da inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional.
D) Questões substancialmente diferentes.
E) A mencionada ligação efectiva à comunidade nacional é verificada através de circunstâncias objectivas que revelem um sentimento de pertença a essa comunidade, como é o caso da língua, relações de amizade, ligações profissionais com portugueses, domicílio, hábitos sociais, apetências culturais, inserção económica e ainda interesse pela história e realidade presente do país.
F) Neste sentido vai o Acórdão do STJ, de 5-12-2002 [Processo nº 02B3582], disponível em www.dgsi.pt/jstj e ainda o Acórdão do STJ, de 11-1-2001 [Processo nº 3534/00];
G) Os factos relevantes para a aquisição de nacionalidade são também a declaração do próprio interessado em adquirir a nacionalidade portuguesa, o que em 22 de Agosto de 2008, a recorrente declarou querer adquirir a Nacionalidade Portuguesa, nos termos do artigo 3º da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, com base na união de facto, bem como a junção de prova que contrariou a oposição deduzida pelo Ministério Público, nomeadamente, a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional pois juntou documentos que comprovam a sua efectiva ligação à comunidade nacional.
H) Não se afigura exigível à recorrente a demonstração de uma maior ligação a Portugal, do que aquela que resulta da normal e diária convivência familiar, com o marido português, convivência essa de há mais de sete anos, quer tenha sido em tempo de namoro, união de facto e casamento!
I) A ora recorrente vive no seio de uma família portuguesa alargada além da família portuguesa que regularmente visita em Portugal.
J) A recorrente casada com um português, filho de um português, a sua inserção na comunidade portuguesa presente no Rio de Janeiro é intensa, contínua e ininterrupta, participando a mesma no dia a dia cultural da referida comunidade.
K) Espírito partilhado quer em Portugal quer no Brasil, não só com os familiares mas também com os amigos da sua família.
L) Provas bastantes e suficientes da ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa do Brasil, com a qual resulta comprovada a sua identificação no seio do meio onde vive.
M) Nos termos do artigo 57º, nº 1 do Regulamento, dispõe-se que "quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo anterior".
N) O que foi feito e bem pela ora recorrente.
O) Neste sentido, vide a jurisprudência do STJ [Acórdão de 25-2-1993, Recurso nº 83.422], onde se considerou que "os fundamentos de oposição à aquisição derivada da nacionalidade portuguesa, considerados no artigo 9º da Lei nº 37/81 de 03/10, constituem meros indícios de factores impeditivos da aquisição da nacionalidade [...] e que carecem de ser completados com a prova de outros factores que sejam expoentes manifestos dessa indesejabilidade...".
P) Se tais pressupostos não passam de factores que podem obstaculizar a aquisição derivada da nacionalidade portuguesa, então haverá que reconhecer que quem os alegar tem de demonstrar a sua existência.
Q) Incumbia ao Ministério Público, como autor da oposição, o ónus de provar a existência de factos que tornam impeditivo o direito [aquisição à nacionalidade].
R) No caso da sentença ora recorrida, não pode considerar-se satisfeito o ónus probatório que recaía sobre o Ministério Público e não se pode afirmar que conseguiu refutar a prova que a ora recorrente fez da sua ligação à comunidade nacional.
S) Tal como decidido no Acórdão do TCA Sul, de 13-11-2008 [Recurso nº 03697/08] e Acórdão do TCA Sul [Processo nº 03697/2008];
T) Invoca ainda a douta sentença recorrida como fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, o facto de a ora recorrente exercer no Brasil as funções de Promotor de Justiça, o que entende consubstanciar o exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico.
U) Quanto às suas funções de "Promotora de Justiça substituta", exercidas pela ora recorrente há que atentar no facto de que há uma profunda divergência quanto à natureza jurídica do cargo de Promotor de Justiça em Portugal e no Brasil.
V) A começar pelo título de Magistrado que um membro do Ministério Público Português ostenta em Portugal, em divergência com o que ocorre no Brasil, onde o Promotor de Justiça não é membro do Poder Judiciário.
X) De facto, basta analisar a certidão de casamento da ora recorrente, junta aos autos, onde se verifica que o seu marido é qualificado como Magistrado e a ora recorrente como Promotora de Justiça.
W) Com efeito, é opinião geral dos maiores especialistas brasileiros em Direito Administrativo, que um membro do Ministério Público no Brasil não é agente político, possuindo perfil meramente técnico.
Y) É notória a diferença entre Magistrado do Ministério Público Português e Promotor de Justiça do Ministério Público Brasileiro, em virtude do aspecto meramente técnico conferido à função este último, pelo que se considera provado serem de índole predominantemente técnica as funções exercidas pela ora recorrente.
Z) Face a todo o exposto, deve a sentença ora recorrida ser julgada improcedente, e em consequência ser dado provimento ao presente recurso fazendo-se a habitual e acostumada JUSTIÇA”.
O recorrido não contra-alegou.
Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida considerou provada, com base nos documentos juntos aos autos, a seguinte factualidade:
i. A... fez dar entrada na Conservatória dos Registos Centrais em 22 de Agosto de 2008 de "Declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa" com fundamento em viver em união de facto com cidadão português há mais de três anos – cfr. doc. de fls. 13 dos autos.
ii. A... nasceu em 6 de Agosto de 1975 no Estado brasileiro da Bahia – cfr. doc. de fls. 14 dos autos.
iii. Filha de B...e de C..., ambos cidadãos brasileiros – cfr. doc. de fls. 14 dos autos.
iv. A... é cidadã nacional da República Federativa do Brasil – cfr. docs. de fls. 18, 19, 20 e 21 dos autos.
v. A... reside habitualmente na rua ..., Rio de Janeiro, Brasil – cfr. docs. de fls. 12 e de fls. 24 dos autos.
vi. Em 26 de Junho de 2008 A... vivia em regime de união de facto há mais de três anos com D...– cfr. doc. de fls. 24 dos autos.
vii. D...é cidadão nacional português, natural do Brasil – cfr. docs. de fls. 25 e 33 dos autos.
viii. A... exerce o cargo de Promotor de Justiça, no qual foi investida em 1-7-2005, tendo em vista a sua aprovação no XXVII Concurso Público para ingresso na Carreira do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, e “vitaliciada” em 1-9-2007, exercendo as funções institucionais do Ministério Público elencadas no artigo 129º da Constituição da República Federativa do Brasil – cfr. doc. de fls. 47 dos autos.
ix. A... casou no Rio de Janeiro com D...em 6 de Setembro de 2008 – cfr. cópia de certidão de fls. 78 dos autos.
x. A... visitou Portugal em Abril de 2007 – cfr. doc. de fls. 22 dos autos.
xi. A... visitou Portugal em Maio de 2009 – cfr. doc. de fls. 100 dos autos.
xii. Nas visitas que fez a Portugal A... esteve em Vila Real, Lisboa [onde visitou a Torre de Belém e o Monumento aos Descobrimentos], a cidade do Porto, e a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – cfr. docs. de fls. 79 a 86 dos autos.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Como se viu, o objecto do presente recurso jurisdicional é a sentença do TAC de Lisboa, datada de 22-12-2009, que julgou procedente a acção especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa intentada pelo Ministério Público contra A..., ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 5º, 9º, alíneas a) e c), 10º, nº 1, 25º e 26º, da Lei nº 37/81, de 3/10 [Lei da Nacionalidade], na redacção introduzida pelo artigo 1º da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4, e artigos 4º do DL nº 237-A/06, de 14/12, e 56º e segs. do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo mesmo DL.
E fê-lo por ter vislumbrado dois fundamentos de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: não se ter provado qualquer circunstância que pudesse revelar um sentimento estável de pertença à comunidade nacional portuguesa e pelo facto daquela, promotora de justiça no Brasil, exercer funções públicas sem carácter predominantemente técnico, o que no entender da sentença recorrida integra inequivocamente o fundamento de oposição previsto na alínea c) do artigo 9º da Lei nº 37/81, de 3/10 [Lei da Nacionalidade], na redacção introduzida pelo artigo 1º da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4.
Inconformada, a ré pede a revogação da sentença sob censura, alegando para tanto que fez prova da sua efectiva ligação à comunidade nacional e, por outro lado, que as funções de promotor de justiça que exerce no Brasil correspondem, nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil, a funções públicas com carácter predominantemente técnico, pelo que também não se mostra verificado o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa previsto na alínea c) do artigo 9º da Lei nº 37/81, de 3/10 [Lei da Nacionalidade].
Vejamos então se assiste razão à recorrente, começando por apreciar a justeza do decidido no tocante à verificação do fundamento de oposição previsto na alínea c) do artigo 9º da Lei nº 37/81, de 3/10, posto que verificado este, fica irremediavelmente comprometido o êxito do presente recurso jurisdicional, de nada valendo a demonstração da existência da efectiva ligação da recorrente à comunidade nacional.
Isto dito, importa determinar se, face à Constituição da República Federativa do Brasil, o exercício das funções de Promotor de Justiça da carreira do Ministério Público no Estado do Rio de Janeiro, corresponde ao exercício de funções [de natureza pública] com carácter predominantemente técnico.
Nos termos do artigo 127º, corpo, da Constituição da República Federativa do Brasil, “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, estabelecendo o seu § 1º que “são princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”.
E, nos termos do artigo 129º, nºs I a IX, da Constituição da República Federativa do Brasil, constituem funções institucionais do Ministério Público, entre outras, “a promoção da acção penal pública, a promoção da acção de inconstitucionalidade, o exercício do controle externo da actividade policial e a requisição de diligências de investigação e a instauração de inquérito policial”.
De acordo com o ensinamento do Prof. Jorge Miranda, no Manual de Direito Constitucional, Tomo V, 2ª edição, a págs. 29, citado na decisão recorrida, na função jurisdicional do Estado “define-se o Direito [iuris dictio] em concreto, perante situações da vida [litígios entre particulares, entre entidades públicas e entre particulares e entidades públicas, e aplicação de sanções], e em abstracto, na apreciação da constitucionalidade e da legalidade de actos jurídicos [maxime, de actos normativos]”.
Ora, tal como entendeu a sentença recorrida, a Constituição da República Federativa do Brasil estabelece inequivocamente que o Ministério Público integra ainda a função jurisdicional do Estado, razão pela qual se afigura não ser possível qualificar o exercício das funções dos respectivos agentes como sendo predominantemente técnicas, já que os mesmos detêm uma ligação e envolvência de tal forma intensa com o Estado brasileiro [como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado] que justifica a inviabilização duma ligação ao Estado Português, mesmo através da aquisição derivada da nacionalidade, constituindo por isso o exercício dessas funções – de carácter não predominantemente técnico, repita-se – fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, tal como previsto na alínea c) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade.
E, sendo assim, fica desde logo prejudicada a apreciação da inexistência do outro fundamento – a efectiva ligação da recorrente à comunidade nacional – que a sentença recorrida teve por verificado.
Destarte, improcedem todas as conclusões da alegação da recorrente.

IV. DECISÃO
Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os Juízes do 2º Juízo do TCA Sul, em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar a decisão recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Outubro de 2010

[Rui Belfo Pereira – Relator]
[António Coelho da Cunha]
[Fonseca da Paz]