Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1637/12.6BELSB
Secção:
Data do Acordão:06/28/2018
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:NOTIFICAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO,
EDITAL
Sumário:I – A regra é que a Administração deve notificar cada ato administrativo ao seu destinatário, através da via postal ou do contacto pessoal.

II – Só há lugar, excecionalmente, a notificação por edital a afixar nos locais do estilo, ou anúncio a publicar no Diário da República, no boletim municipal ou em dois jornais mais lidos da localidade de residência ou sede dos notificandos, se os interessados forem (i) desconhecidos ou (ii) em tal número que torne inconveniente outra forma de notificação.
Votação:
UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

G…….. - EA, C.C, Lda., pessoa coletiva nº ........., com sede na Rua ......, n º 51/53, em L......., interpôs no T.A.C. de L...., a presente ação administrativa especial contra o MUNICÍPIO DE ..., com sede na Praça M........, nº 1, em L........

A pretensão formulada foi a seguinte:

- Declaração de nulidade do ato do Sr. Vereador M.........., de 14.08.2008,

- Condenação do R. ao pagamento das quantias ainda em dívida, a liquidar, incluindo o montante devido pelo IGAPHE (31.859,90 €).

No despacho saneador, o T.A.C. decidiu absolver o réu da instância por caducidade do direito de ação.

*

Inconformada com tal decisão, a autora interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

A

Consta como factos assentes no Saneador-Sentença que

1- “O ato administrativo agora impugnado foi proferido pelo sr. Vereador M.......... em 14/08/2008 referente à restituição do valor de € 21.239.94 €, acrescido de juros vencidos e vincendos, recebidos pela Autora a título de comparticipação a fundo perdido por parte do Município no âmbito do Programa RECRIA, e notificado à Autora através do edital nº …../08/UPBA, afixado em 08/10/2008, publicado no Boletim Municipal da Câmara Municipal de L... do dia 16/10/2008, cfr. fls 255 a 265, do processo administrativo em apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;”

6- “A decisão final do procedimento foi afixada por meio de edital no prédio objeto de intervenção no âmbito do Programa RECRIA, e por edital afixado na respetiva junta de freguesia, em 06/10/2008, respetivamente cfr. Fls. 255 a 260, do processo administrativo em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;”

7– “Tendo igualmente sido publicitado o referido edital no Boletim Municipal da Câmara Municipal de L... do dia 06/10/2008, cfr. processo administrativo em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;”

8– “Em 08.06.2012, a A. é notificada para proceder ao pagamento da quantia de 21.239,94 €, cfr. doc. 1, junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 9– “A presente ação deu entrada neste Tribunal em 4/7/2012.”

B

É, pois, indiscutível que o Rº Município de L...., apenas procedeu à afixação de decisão final do proc. nº 3/R/AB/93 por EDITAL em 08/10/2008 e de PUBLICAÇÃO o no Boletim Municipal em 16/10/2008.

C

Logo, não houve lugar a qualquer notificação direta da sociedade ora Rte como interessada e destinatária do ato até ao momento, nos termos do artº 66º do CPA em vigor ao tempo, uma vez que a notificação de 08/06/2012 apenas visou a exigência do pagamento do montante que o Município entende estar em dívida; Porém,

D

O dever de notificar o destinatário do ato, imposto pelo nº 3 do artigo 268º da CRP, constituindo um instrumento de realização do princípio da tutela jurisdicional consagrado no subsequente nº 4, exige ainda que seja dado conhecimento efetivo do ato aos interessados, o que implica a transmissão dos seus elementos essenciais e a respetiva fundamentação, de modo a que o destinatário possa decidir-se quanto à conveniência da sua impugnação contenciosa, formalidade legal imprescindível não preenchida pelo Município Recorrido; Assim,

E

“Os atos devem ser sempre notificados aos interessados mesmo quando tenham sido oficialmente publicados”, com acolhimento expresso no artigo 66º do CPA que impõe este dever de notificação aos interessados em relação aos atos administrativos que decidam sobre quaisquer pretensões por eles formuladas, imponham dano, sujeições ou sanções, ou causem prejuízos, criem, aumentem ou diminuam direitos dos interessados legalmente protegidos (artigo 66º);

F

A dispensa da notificação prevista no artigo 66º do CPA apenas é possível nos casos em que os atos sejam praticados oralmente na presença dos interessados ou quando estes, através de qualquer intervenção ou procedimento, revelem perfeito conhecimento do respetivo conteúdo (artigo 67º do CPA), o que não é o caso;

G

A notificação tem por objeto o conhecimento oportuno do ato suscetível de afetar a esfera jurídica do interessado, implicando a sua falta ou notificação tardia impossibilidade de o opor ao interessado enquanto essa notificação não for realizada;

H

Deste modo, “devendo um ato administrativo ser notificado e publicitado, o prazo para a impugnação apenas poderá começar a correr a partir do momento em que se efetua a notificação, visto que o objetivo desta formalidade – sendo exigida constitucionalmente – é justamente o de permitir aos destinatários um conhecimento oficial e formal do ato”.

I

O Município de L...., não notificou até ao momento a sociedade Autora e ora Rte na qualidade de interessada e destinatária do ato administrativo impugnado, nos termos do artº 66º do CPA e do artº 59º nº 1 e 2 do CPTA, ambos com a redação em vigor ao tempo, pelo que, de harmonia com o disposto no artº 59º nºs 1 e 2 do CPTA, a impugnação deduzida e entregue em Juízo no dia 04/07/2012, se encontra em tempo. Mas ainda que assim se não entendesse,

J

Sendo inaplicável ao caso sob recurso o disposto no artº 59º nº 3 do CPTA visto não estarmos perante “quaisquer outros interessados,” mas sim perante o destinatário direto;

L

Tendo presente que

-a única notificação recebida pela ora Rte ocorreu no dia 08/06/2012 – notificação para pagamento – conforme doc 1 junto com a petição inicial (artº 59º nº 1 do CPTA, em vigor ao tempo) e que

- ação de impugnação do ato entrado em juízo em 04/07/2012 e também que

- entre 08/06/2012 e 04/07/2012 nem sequer decorreram trinta dias quando se sabe que nos termos do disposto no artº 58º nº 2 do CPTA em vigor ao tempo, o prazo impugnação judicial é de noventa dias, contados a partir da notificação (artigo 59º nº 1 do CPTA), A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL ESTÁ EM TEMPO.

M

Improcede, pois, a exceção da caducidade.

N

Também o ato administrativo impugnado padece de clara falta de fundamentação, tornando a sua justificação insuficiente e obscura, visto que

- não explicita quais as obras a cuja realização a Rte se tenha vinculado perante o Munício Rº;

- não descreve as obras a cargo da Rte não efetuadas por esta, por culpa sua;

- nem justifica a gravidade da pretensa omissão no âmbito do eventual incumprimento;

- não faz qualquer prova do pagamento à Rte do montante cujo reembolso pretende;

O

A fundamentação do ato é, pois, superficial, insuficiente e obscura (artigos 123º, 124º e 125º nºs 1 e 2, 135º e 136º do CPA e artº 342º n 1 do Código Civil), sendo este anulável.

P

O Mº Juiz a quo fez errada interpretação e aplicação do artigo 59º nº 3 do CPTA, com a redação em vigor ao tempo, violando o disposto nos artigos 55º nº 1, 66º, 67º, 123º, 124º e 125º nºs 1 e 2, 135º e 136º do CPA, artigos 58º nº 2, alínea b), 59º nº 1 e 2 do CPTA, com a redação em vigor ao tempo e artº 342º n 1 do Código Civil].

*

O recorrido contra-alegou, concluindo assim:

1. Desde outubro de 2006, que os serviços do R. enviaram sucessivas notificações para recorrente, as quais foram remetidas para a sua sede sita na Rua ........ , 51/53, sendo que a própria recorrente, reconheceu no cabeçalho da petição inicial que a “G…….., Empresa A,C.C., Lda., pessoa coletiva ........., com sede na Rua ........ nº51/53, em L....,” assim como o reconhece no art. 23.º da PI.

2. Tendo sido devolvidas as sucessivas notificações ainda em fase de audiência prévia, os serviços promoveram a notificação pessoal (cfr. a fls. 242 a 246), posteriormente a notificação por via edital (cfr a fls. 248 a 253) e, por fim, o edital afixado no prédio intervencionado e na respetiva junta de freguesia, em 06/10/2008 e 08/10/2008, respetivamente, cfr. fls. 255 a 260, o que fizeram ao abrigo do disposto no então art. 70.º, n.º 1, b) e d) do CPA em consequência da impossibilidade de notificação da ora Recorrente em face das sucessivas devoluções, quer das notificações remetidas para a sede, quer das dirigidas à Rua J………., n.º 32, r/c Dto. Assim,

3. É válida e eficaz a notificação por via edital com o n.º 69/08/UPBA, afixada em 08/10/2008 pelos serviços do Recorrido (cfr. a fls 255 a 265 do processo administrativo).

4. Sendo o vício invocado o de falta de fundamentação, ainda que o mesmo existisse, tal vício seria gerador de anulabilidade e não de nulidade como a recorrente pretende pelo que o prazo para a impugnação dos atos administrativos anuláveis seria de três meses, nos termos então art. 58º, n. º2 al b) do CPTA.

5. Tendo a ação dado entrada em 04/07/2012 há muito que se encontra ultrapassado o prazo legal para a propositura da ação. De qualquer modo, e ainda que assim não se entenda,

6. Refere a recorrente que o ato se encontra viciado por falta de fundamentação requerendo em sede de recurso que o tribunal ad quem anule o ato impugnado, contudo olvida a Recorrente que o tribunal a quo nem sequer decidiu quanto à questão de fundo – invocada falta de fundamentação - sendo que o recorrido Município de L...., arrolou testemunhas as quais nem sequer chegaram a ser inquiridas, nem prescindidas, nem indeferido o seu depoimento pelo que a ser dado provimento ao presente recurso terá de baixar ao tribunal a quo para ser proferida decisão sobre a questão de fundo. Caso assim não se entenda, sempre se dirá que

7. O Ato não se encontra viciado por falta de fundamentação porquanto,

8. O despacho impugnado consistiu, nos termos previstos no art. 125.º n.º 1 do CPA, numa declaração de concordância com os pareceres e respetivos fundamentos que se encontram ingressos no processo nº3/R/BA/93, designadamente com o teor da informação n.º 359/08/UPBAB e respetivos despachos (cfr a fls 354 e verso). Ora,

9. A Recorrente tem perfeito conhecimento de quais os trabalhos que não realizou, bem como os que executou em desconformidade com o projeto aprovado, encontrando-se os mesmos enunciados na informação n.º 277/06/UPBAB, a fls. 190 a 195 do processo instrutor.

10. O despacho em crise encontra-se ainda suportado em pareceres do Departamento Jurídico da Câmara Municipal de L... , designadamente no Parecer n.º 151/DJ/DAJU/2006 (fls. 211 a 228), o qual conclui que “a obrigação decorrente para o particular no âmbito do RECRIA é a de realizar a totalidade das obras, e não apenas parte, ainda que a comparticipação seja distribuída em três momentos” pelo que “o requerente/particular ao não concluir a obra a que se propôs entra em incumprimento da sua obrigação, caducando o seu direito ao valor ainda a atribuir, podendo a Câmara solicitar a restituição dos valores já prestados, por aquele se haver apoderado dos mesmos indevidamente declarando a resolução do contrato, nos termos dos art.s 801.º n.º 2 e 436.º n.º 1 ambos do Código Civil (CC), ex vi n.º 2 do art. 186.º do CPA”.

11. Pretende ainda a Recorrente fazer crer que não celebrou qualquer convénio com o Município de L....,, limitando-se a executar as obras assumidas pelo anterior proprietário do imóvel (cfr. art.s 15.º e 16.º da PI), o que não corresponde de todo à verdade.

12. Na realidade foi a própria recorrente que requereu em 24 de março de 1994, a transmissão de posição no processo RECRIA n.º 3/R/BA/93, em virtude de ter adquirido o imóvel por escritura celebrada em 3 de março de 1994, cfr. fls. 114 do processo instrutor, sucedendo à anterior proprietária em todas as suas obrigações, designadamente as decorrentes do programa RECRIA e

13. Foi a recorrente que recebeu a respetiva comparticipação financeira do Município para a realização daquelas obras, no montante de € 21.239,94, contrariamente ao alegado nos art.s 8.º a 11º da PI, e não as realizou.

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Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cf. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, artigos 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas. Sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo (cf. artigos 73º/4, 141º/2/3, 143º e 146º/1/3 do CPTA).

Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule (isto no sentido muito amplo utilizado no CPC), deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e condições legalmente exigidos para o efeito.

Assim, as questões a resolver neste recurso - contra a decisão recorrida – são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – FACTOS PROVADOS segundo o tribunal recorrido

A) O ato administrativo agora impugnado foi proferido pelo Sr. Vereador M.......... em 14/08/2008 referente à restituição do valor de € 21.239,94, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, recebidos pela Autora a título de comparticipação a fundo perdido por parte do Município no âmbito do Programa RECRIA, e notificado à Autora através do Edital n.º 69/08/UPBA, afixado em 08/10/2008, publicado no Boletim Municipal da Câmara Municipal de L.... do dia 16/10/2008, cfr. fls. 254 verso e 255 a 265, do processo administrativo em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

B) Desde outubro de 2006 que os serviços da Câmara Municipal de L..., enviam sucessivas notificações para a Autora, desde logo a título de audiência prévia, cfr. fls 230 a 253, do processo administrativo em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

C) Foram remetidas notificações para a Rua ........ , 51/53 (ofício n.º ........./06/....., com data de 06/12/2006, e ofício n.º .../07/....., com data de 18/01/2007, cfr. fls. 234 e 239, do processo administrativo em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

D) A sede da A. tem como morada a Rua ........ , 51/53, em L....,, cfr. certidão permanente, junta com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

E) Face à devolução daquelas notificações, e ainda em fase de audiência prévia, os serviços municipais promoveram a notificação pessoal e posteriormente a notificação edital, cfr. fls. 242 a 246 e 248 a 253, do processo administrativo em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

F) A decisão final do procedimento foi afixada por meio de edital no prédio objeto da intervenção no âmbito do programa RECRIA, e por edital afixado na respetiva junta de freguesia, em 06/10/2008 e 08/10/2008, respetivamente, cfr. fls. 255 a 260, do processo administrativo em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

G) Tendo igualmente sido publicitado o referido edital no do dia 16/10/2008, cfr. processo administrativo em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

H) Em 08.06.2012, a A. é notificada para proceder ao pagamento da quantia de 21.239,94 €, cfr. doc. 1, junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

I) A presente ação deu entrada neste tribunal em 4/7/2012, cfr. informação do SITAF.

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II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Considerando o sistema jurídico relativo à atividade de administração pública, isto é, à atividade orientada primacialmente para os interesses públicos e o bem comum como definido pela lei fundamental e pela legislação infraconstitucional; considerando que a administração pública tem como características ser uma atividade de conformação social ativa, através de medidas concretas que, orientadas pelo interesse geral e suportadas por dinheiros públicos, se destinam à regulação de casos individuais e à materialização de determinados projetos de interesse geral nos termos da lei; ou seja, considerando que o Direito administrativo é um meio de servir o fim prático de um governo efetivo desejado pelos cidadãos; podemos concluir que (1º) o princípio (estruturante) democrático, (2º) o princípio fundamental da vinculação do juiz à lei e (3º) o princípio geral da prossecução do interesse geral ou bem comum são diretrizes na utilização do método jurídico que imposto, i.a., pelas regras jurídicas resultantes do artigo 9º do CC para que, do modo menos subjetivo possível, atribuamos os corretos significados jurídicos aos enunciados linguísticos que constituem as fontes de direito. Dessa forma metodologicamente correta poderá a jurisdição administrativa fazer valer o princípio fundamental da juridicidade administrativa, no quadro de um Estado de Direito em que o poder legislativo assenta na legitimidade democrática e em que os poderes do Estado estão racionalmente divididos (primazia da lei sobre todos os atos de administração pública; a lei como o pressuposto de toda a atividade de administração pública; vinculação particularmente intensa da atividade administrativa à legislação oriunda da reserva de lei parlamentar; bem comum e interesse público como razão de ser e único fim da atividade de administração pública; princípio geral da limitação da discricionariedade administrativa; ausência de presunção de legalidade da atividade administrativa; princípio fundamental da tutela jurisdicional plena e efetiva).

Considerada a factualidade dada por assente, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso.

Passemos, assim, à análise do recurso de apelação.

Do que acima se expôs resulta que são as seguintes AS QUESTÕES A RESOLVER contra a decisão jurisdicional ora impugnada:

- Erro de direito quanto à caducidade do direito de ação, já que a A. nunca foi notificada do ato administrativo impugnado.

Vejamos, pois.

A.

A decisão recorrida apreciou uma só questão, a da tempestividade da ação, concluindo como já vimos (cf. artigo 89º/1-h) CPTA/2002).

Esta ação entrou em 04-07-2012.

Para o TAC, a ilegalidade apontada na p.i. ao ato administrativo impugnado, de 14-08-2008 (referente à decisão de mandar restituir certo montante em dinheiro), é fundamento de anulabilidade do mesmo (artigo 135º CPA/91). E tem razão, porque a ilegalidade em causa é a da falta de fundamentação.

Portanto, o prazo legal para vir a juízo atacar tal decisão de agosto de 2008 com base em tal causa de anulação é o de 3 meses previsto nos artigos 58º/2-b) e 59º do CPTA/2002.

B.

Para o início da contagem de tal prazo, o TAC atendeu à notificação edital de 08-outubro-2008. Como tal, ante uma anulabilidade, tal prazo estaria largamente ultrapassado.

Ora, o problema é que o R. nunca tentou, sequer, notificar o ato administrativo impugnado à A. na forma postal e ou pessoal, antes do edital (cf. artigos 66º, 68º e 70º CPA/1991), sendo relevante, sobretudo, que a ora autora não foi nem é considerada como desconhecida do réu.

Com efeito, segundo o artigo 70º do CPA/91, as notificações podem ser feitas:

a) por via postal, desde que exista distribuição domiciliária na localidade de residência ou sede do notificando;

b) pessoalmente, se esta forma de notificação não prejudicar a celeridade do procedimento ou se for inviável a notificação por via postal;

c) por telegrama, telefone, telex ou telefax, se a urgência do caso recomendar o uso de tais meios;

d) por edital a afixar nos locais do estilo, ou anúncio a publicar no Diário da República, no boletim municipal ou em dois jornais mais lidos da localidade de residência ou sede dos notificandos, se os interessados forem desconhecidos ou em tal número que torne inconveniente outra forma de notificação.

Sempre que a notificação seja feita por telefone, será a mesma confirmada nos termos das alíneas a) e b), consoante os casos, no dia útil imediato, sem prejuízo de a notificação se considerar feita na data da primeira comunicação.

A possibilidade de a notificação ser feita através da publicação em edital ou em jornal (oficial ou não) só é admissível quando não se conhece o paradeiro ou a identidade dos interessados a notificar ou quando o número de pessoas a notificar tornar inconveniente outra forma de notificação.

Como se vê, a regra são as notificações por via postal e por contacto pessoal (cf. artigo 70º/1-a)-b)-d) do CPA/91).

A comunicação do ato através de uma publicação só é consti­tucionalmente legítima - por um lado, no caso de a Administração não saber a identidade dos interessados com legitimidade e participação procedimental (hipótese pouco frequente, de resto) ou de não saber o seu paradeiro - porque a notificação é, então, impossível, ou então, quando se trate de números manifestamente inconvenientes, não certa­mente 15 ou 20 destinatários.

C.

Porém, o paradeiro da empresa autora era obviamente conhecido e não há notícia de real impossibilidade de notificação por contacto pessoal com a empresa (em termos subsidiariamente previstos, aliás, no CPC).

Note-se ainda que as notificações (pessoais, na tipologia processual civil) por via postal ocorridas sem sucesso anteriormente foram-no relativamente à audiência prévia e não relativamente ao ato administrativo de agosto-2008 (artigo 120º CPA).

Pelo que a notificação edital do ato administrativo referido no facto A) foi ilegal e ineficaz.

Alheia a esta questão do prazo para intentar a ação é a da notificação do ato de 08-06-2012 (facto H).

Assim, sendo ilegal a notificação edital da decisão de 2008, por ilegal preterição da notificação por via não edital, deve-se concluir que a autora não foi legalmente notificada do ato administrativo de 2008 antes da p.i., havendo, portanto, violação dos artigos 268º/3 da CRP, 70º do CPA/91 e 59º/1 do CPTA/2002.

*

III - DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, julgando improcedente a exceção de caducidade do direito de ação.

Custas a cargo do R.

Registe-se e notifique-se.

Lisboa, 28-06-2018


Paulo H. Pereira Gouveia – Relator

Catarina Jarmela

Conceição Silvestre