Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2187/14.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/17/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores: IRS,
DOCUMENTO LÍNGUA ESTRANGEIRA,
ERRO NA TRADUÇÃO
Sumário:O valor probatório do documento original em língua estrangeira não é afetado pelo lapso evidente e manifesto cometido na sua tradução para língua portuguesa.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

G......, veio deduzir IMPUGNAÇÃO Judicial da decisão de indeferimento parcial do recurso hierárquico deduzido da reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação de IRS do ano de 2010.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou parcialmente procedente a impugnação.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou parcialmente procedente a Impugnação Judicial intentada por G......, contra o ato de deferimento parcial do pedido de recurso hierárquico n.º 150320……., apresentado na sequência da liquidação de IRS, respeitante ao ano de 2010, no montante de €5.498,70.

B. Considerou o douto tribunal a quo, que não obstante, as inexatidões da fatura designada pela letra M, resultarem de uma tradução errada do documento em língua alemã, esta deverá ser considerada justificada.

C. Salvo o devido respeito, por opinião contrária, a Fazenda pública não se conforma com este entendimento, pois a fatura, emitida pela “UMM”, corresponde a uma despesa de saúde no montante de €566,70, enquanto que a alegada fatura traduzida refere a um montante de €507,69.

D. Tal demonstra, sem margem para dúvidas, que não se trata da mesma despesa de saúde, pelo que, o douto tribunal, não andou bem ao considerar que a mencionada despesa se encontrava justificada.

E. Atento o exposto, afigura-se que a douta sentença procedeu a uma errada interpretação das normas vertidas nos artigos 56.º e 78.º do CIRS, razão pela qual se recorre de tal decisão.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»
***
O recorrido veio oferecer as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:
«1.ª A questão jurídica que foi colocada à apreciação do Tribunal foi a de decidir da necessidade de apresentação do recibo de quitação para efeito de dedução à coleta de uma despesa médica.

2.ª Ora, como o Tribunal a quo bem decidiu, a fatura é documento bastante para, nos termos do artigo 128.º do CIRS, comprovar a despesa médica em causa e, consequentemente, justificar a dedução à coleta.

3.ª Ou seja, estando a despesa médica em causa titulada por fatura, era desnecessária a apresentação do recibo de quitação reportado à mesma.

4.ª Acresce que, como bem decidiu o Tribunal recorrido, ainda que o teor do recibo de quitação relevasse para a discussão jurídica em causa (e não releva), era evidente, pela confrontação dos documentos originais (fatura e recibo de quitação) que a tradução do recibo de quitação padecia de um mero lapso material na indicação do valor.

Pelo exposto, deve o recurso interposto pela Fazenda Pública ser julgado improcedente e, consequentemente, manter-se integralmente a douta decisão recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!»

****

Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

****
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
****

A questão invocada pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir do erro de julgamento de facto e de direito, mais precisamente, saber se a inexactidão do documento “designado pela letra M” (emitido pela “UMM”) resultante de errada tradução poderá ser tida em consideração, violando-se o disposto nos artigos 56.º e 78.º do CIRS.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1 - A Adm. Fiscal procedeu à liquidação de IRS do ano de 2010 ao impugnante, com o nº 20115005……, no valor de € 1 948,60 a reembolsar, o qual resultou de um documento de correcção dos elementos declarados relativo á desconsideração, entre outras, das despesas de saúde suportadas, por se entender que as mesmas não se encontravam comprovadas – cfr “ Prints Informáticos” de fls 153 a 164, D.C. nº 10009….. de fls 165 a 179, e Demonstração da Liquidação de fls 81, 94 e 95, e processamento do reembolso, de fls 96 a98, do P.A. apenso.

2 - Em 10.02.2012, o Impte apresentou uma reclamação graciosa do acto tributário referido supra, pretendendo que deva ser considerado as despesas de saúde por si incluídas em declaração de substituição apresentada em 25.10.2011, a qual mereceu decisão de deferimento parcial, não tendo sido consideradas as despesas de saúde suportadas no estrangeiro por falta de documentos de suporte tidas com válidos pela Adm. Fiscal, tendo-se elaborado o correspondente D.C. nº 10031….., e liquidação nº 20125……, de 12.11.2012 em que se apurou um reembolso de imposto já efectuado a favor do contribuinte- cfr “Prints Informáticos”, de fls 116, 128, 129, 130 a 132, 165, 180 a 193, do P.A.; requerimento de fls 2 e segs, e Informação e despacho, de fls 169 a 173, do Proc. Recl. Graciosa apenso.

3 - Em 13.12.2012, o Impte deduziu recurso hierárquico da decisão proferida na impugnação administrativa referida supra, que mereceu despacho de deferimento parcial de 04.07.2014 dimanada pela D.S.IRS, mantendo a desconsideração das despesas de saúde referentes á factura nº 2963 e recibo de pagamento em 27.02.2011, por se tratar despesas incorridas em 2011, e do recibo de quitação de 05.08.2010 referente a diferente factura que titula tal despesa anteriormente apresentada na reclamação graciosa com o nº 235966, e por falta de documento de quitação referente á factura nº 91526590,tendo-se em conformidade, elaborado um D.C. com o nº 1005….. e emitida liquidação de imposto nº 201455…… de reembolso de imposto já processada a seu favor. –cfr “Prints Informáticos” de fls 133, 146,147, 148 a 150, do P.A.; requerimento de fls 4 e 5, recibo de quitação de fls 17, factura de fls 40 e 41,despacho aposto sobre Informação dos serviços, de fls 61 a 71, do Rec. Hier. apenso e factura de fls ( renumeradas) 10 e 11, do Proc. Recl. apenso.

4 - A presente petição de impugnação foi enviada a este Tribunal por via postal, em 16.10.2014 – cfr Comprovativo de Entrega, de fls 5 e folha de rosto da p.i de fls 6, dos autos.

5 - Em sede impugnatória foram juntos a correspondência dimanada da Clinica “E…..” e cópia da factura nº 21001810, traduzida para português, de fls 12 a 16, assim como um recibo emitido em 09.12.2010, referente á factura nº 2009949, de fls 17 e 18, dos autos.
X

Factos Não Provados

Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
X

Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»

*




Com base na matéria de facto supra transcrita, o Meritíssimo Juiz do TAF de Sintra julgou parcialmente procedente a impugnação judicial.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com aquela decisão, na parte respeitante à “fatura designada pela letra M”. Com efeito, invoca erro de julgamento de facto, mais precisamente, saber se a inexatidão do documento emitido pela “UMM” resultante de errada tradução poderá ser tida em consideração, violando-se o disposto nos artigos 56.º e 78.º do CIRS.

Com efeito, o tribunal considerou ilegal a correção da liquidação de IRS da Impugnante que desconsiderou enquanto despesa de saúde sustentada por uma fatura emitida pela “UMM”.

A sentença recorrida, nesta parte, considerou o seguinte: “Quanto à despesa incorrida reportada à UMM, igualmente não aceite por falta do documento de quitação, não se tratando de pagamento antecipado, estando a mesma titulada por correspondente fatura, não se compreende a que título é que a Adm. Fiscal impunha ao s.p. a apresentação de documento de quitação para aceitar a mesma, já que nos termos do CIRS os documentos de suporte de tais despesas podem-se se cingir à correspondente fatura que titula a prestação de serviços, tendo inclusive admitido a apresentação de meras declarações de recebimento de quantias recebidas e não de recibos de quitação, pelo que é destituído de sentido uma maior exigência formal de tais encargos em comparação com os incorridos no território nacional – cf. art. 128.º, do CIRS. Nos termos expostos entende-se que ainda que o recibo ora junto com a p.i. contenha inexatidões que se admitem resultarem de uma tradução errada em língua alemã, será de considerar justificada a referida despesa.”

Portanto, interpretando a sentença o Meritíssimo Juiz a quo faz assentar a sua fundamentação em dois argumentos, o principal é o de que a fatura é documento suficiente para a aceitação da despesa de saúde, nos termos do art. 128.º do CIRS, e um outro fundamento é o de que existe recibo que embora com inexatidões, justificam a despesa.

A Recorrente Fazenda Pública não coloca em causa nas suas conclusões de recurso a sentença recorrida na parte em que considerou ilegal a não aceitação da despesa de saúde incorrida na “UMM” por não ser exigível a apresentação de documento de quitação, nos termos do art, 128.º do CIRS, vem apenas sindicar as inexatidões do documento de tradução referentes à quitação que a Impugnante juntou com a p.i., relativamente à qual o Tribunal a quo também emitiu pronúncia.

Por se revelar necessário para a decisão da presente causa, ao abrigo do art. 660.º, n.º 1, do CPC adita-se à matéria de facto os seguintes pontos:

6 – Em 09.12.2010 foi emitido pela “UMM”, em língua alemã, um documento do qual consta “n.º 2009940”, “EUR 566,70” e as datas “08.02.2010-09.02.2010” (cf. documento de fls. 17 dos autos, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais);

7 – O documento referido na alínea anterior foi objeto de tradução para a língua portuguesa, do qual consta, para além do mais, que relativamente à fatura n.º 2009949, a emitente “UMM” declara ter recebido da Impugnante o montante de 507,69€ para o tratamento de “08.02.2010 – 09.02.2010” (cf. documento de fls. 18 dos autos, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).

A convicção do tribunal para dar como provado estes dois factos, fundou-se na análise dos documentos referidos em cada uma das alíneas e que foram juntos com a p.i.

Ora, independentemente da relevância daqueles factos e documentos para a sustentação da decisão de 1.ª instância, porque na verdade subjaz à sentença o entendimento principal de que o documento de quitação é desnecessário, fundamento que não foi sindicado em sede de recurso, a verdade é que é evidente que também não se verifica erro de julgamento na parte da fundamentação que adianta um segundo motivo para se admitir a despesa de saúde, existe uma quitação e a inexatidão do documento de tradução resulta de um lapso que não coloca em causa o seu valor probatório, nem a decisão recorrida.

Senão, vejamos.

Analisado o documento original (n.º 2009940 emitida pela “UMM”) que consta dos autos, verifica-se que foi emitido em língua alemã. Desse documento original consta inequivocamente o valor de “EUR 566,70” e as datas “08.02.2010-09.02.2010”.

Ora, esse documento foi objeto de tradução para língua portuguesa, da qual resulta que a emitente “UMM” declara ter recebido o montante de 507,69€ para o tratamento de “08.02.2010 – 09.02.2010”.

Portanto, resulta à evidência, mesmo para quem não domine a língua alemã, que estamos perante um lapso na tradução, que em vez de se fazer constar na tradução o valor 566,70€, se fez constar o de 507,69€.

O valor probatório do documento original passado em língua estrangeira não é afetado pelo lapso na tradução que é evidente e manifesto. Não se encontra violado o disposto no art. 365.º do Código Civil, conforme invoca a Recorrente. Não estamos perante qualquer dúvida sobre a autenticidade do documento, mas um mero lapso de escrita na tradução, que de modo algum impossibilita a aplicação do direito. Efetivamente, não há dúvidas quanto à identidade da despesa de saúde.

Pelo exposto, e sem mais considerações por manifestamente desnecessárias, não se verifica o erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida, e, portanto, deve ser negado provimento ao recurso.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a Recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).
Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

O valor probatório do documento original em língua estrangeira não é afetado pelo lapso evidente e manifesto cometido na sua tradução para língua portuguesa.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
****
Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 17 de setembro de 2020.

____________________________

Cristina Flora

____________________________

Tânia Meireles da Cunha

____________________________

Susana Barreto