Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11336/14
Secção:CA- 2º. JUÍZO
Data do Acordão:11/06/2014
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA - VALOR DA DECISÃO INDIVIDUAL DO RELATOR - ARTº 643º/4 CPC - UNIFORMIDADE DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário:1. Não faz caso julgado formal podendo ser alterada em sede de apreciação do recurso, a decisão de deferimento do relator que, tomada no âmbito do artº 643º nº 4 CPC, não foi objecto de reclamação para a conferência.
2. A uniformidade da jurisprudência é reconhecida pelo legislador tendo por escopo evitar que “à mesma norma jurídica sejam atribuídos sentidos diferentes de sorte que casos particulares, perfeitamente idênticos, venham a ter diverso tratamento jurídico”.
3. A lei assegura até ao extremo limite da hierarquia judicial a função uniformizadora do Supremo Tribunal Administrativo estatuindo no artº 142º nº 3 c) CPTA que haja sempre recurso das decisões que, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, sejam proferidas contra jurisprudência uniformizada, cujo lugar paralelo adjectivo cível consta do artº 629º nº 2 c) vigente, antigo artº 678º nº 2 c) CPC.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:A Universidade de Évora, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja dela vem recorrer, concluindo como segue:

1. Entendeu a sentença impugnada que o contrato de docência (assistente) firmado entre A, e R. em 17.04.2000 e válido até 17.04.2006 se teria renovado por não ter sido denunciado pela R. até 30 dias antes do termo do respectivo prazo.
2. Porém, a sentença dá por provado que em 01.03.2006, isto é, dentro do decurso de vigência do contrato, o A, requereu a prorrogação do mesmo.
3. O pedido do A, de prorrogação do contrato de 17.04.2000 formulado em 01.03.2006 afasta a possibilidade de renovação automática, nos termos do disposto na a!, a) do nº l do art. 369 do Estatuto da Carreira Docente Universitária ( ECDU ).
4. Como bem refere a sentença recorrida, renovação e prorrogação são conceitos distintos.
5. A renovação pressupõe o acordo de ambos os contratantes e o A, ao pedir a prorrogação do seu contrato para além de 17.04.2006 fez saber à Universidade de Évora que apenas pretendia a prorrogação e não a renovação do mesmo.
6. Assim, o contrato celebrado entre A. e R., não sendo concedida a respectiva prorrogação terminaria em 17.04.2006, por denúncia do A..
7. A R, teria apenas de decidir sobre o pedido formulado pelo A,, prorrogação do contrato, o que fez à luz dos nºs. l e 2 do art, 26º, porquanto não foi sequer invocado o pressuposto constante do respectivo nº 3, a saber, terem sido requeridas as provas de doutoramento.
8. O A. não instruiu o seu pedido de prorrogação do contrato, formulado em 01.03,2006, com os elementos expressamente nomeados no n9 2 do art. 269 do ECDU, a saber, o Relatório do Orientador do Doutoramento - cfr. ais. P) e S) da matéria assente.
9. Devido a tal omissão, o Conselho Científico, não apresentou proposta de prorrogação do contrato com o A..
10. Pelo que, por falta dos requisitos exigidos pelo nº 2 do art. 26º do ECDU, o pedido de prorrogação do contrato formulado pelo A. em 01.03.2006 não foi autorizado por Despacho Reitoral de 21.11.2006.
11. O A. não impugnou o Despacho Reitoral de 21.12,2006.
12. Pelo que o contrato celebrado entre A. e R, cessou nos termos da ai. a) do art. 36º do ECDU, por denúncia do A..
13. O acto impugnado e anulado é o Despacho Reitoral de 29,01.2007, comunicado ao A. em 28.02.2007 e publicitado no DR - cfr. ai, DD da matéria assente,
14. Deste Despacho constam: - as razões da não prorrogação do contrato, requerida pelo A,: não ter sido instruído com o Relatório do Orientador do Doutoramento e a prorrogação não ter, por isso, sido proposta pelo Conselho Científico; - a não renovação do contrato, nos termos da ai. a) do art. 36º do ECDU por denúncia do A., porquanto ao pedir a prorrogação do contrato optou pela não renovação do mesmo; - a prorrogação do contrato até 11.02.2007 (final do semestre ímpar do corrente ano lectivo).
15. Ora, a não prorrogação do contrato docente a que se refere o is segmento do Despacho anulado já havia sido decidida por Despacho Reitoral de 21.11.2006 - cfr. ai. U) da matéria assente.
16. Este Despacho de 21.11.2006 não foi impugnado pelo A, pelo que em 26.04.2007 (data da propositura da acção) já se havia consolidado na ordem jurídica, mesmo que padecesse de algum vício, o que não sucede.
17. A rescisão do contrato - referida no 2º segmento do acto anulado - foi operada por denúncia do A., que no decurso da vigência do contrato veio expressamente pedir a prorrogação, assim impedindo a respectiva renovação.
18. Assim, neste particular, o Despacho em causa não define a situação jurídica do A. que é, sim, definida pelo seu requerimento de 01.03.2006, indeferido em 21,11.2006, contra cujo indeferimento o A. não reagiu.
19. Apenas o 3º segmento do Despacho anulado inova a situação jurídica do A prorrogando os efeitos do contrato até fina! de Fevereiro de 2007.
20. Porém, neste segmento, a fundamentação do mesmo é suficiente e congruente, permitindo apurar a razão da decisão: o final dos efeitos do contrato coincidiu com o final do semestre para evitar «sobressaltos» no decorrer desse semestre do ano lectivo.
21. O Despacho anulado não padece de falta de fundamentação porquanto: - nada inova quanto ao indeferimento da prorrogação do contrato, já decidida por Despacho de 21.11.2006, que não foi impugnado; - não decide sobre a rescisão do contrato, porquanto esta resulta da denúncia do mesmo por parte do A; -a prorrogação dos efeitos do contrato entre 17.04.2006 (termo do mesmo) e 11.02.2007 ( final do semestre ) é um poder das Universidades, conforme claramente decorre do nº 3 do art. 36º do ECDU, não carece de particular fundamentação, para além da verificação dos pressupostos legais.
22. O Despacho anulado não padece do vício de falta de audiência prévia, urna vez que na parte que inova, isto é, em que é acto administrativo sindicável, não está a ela sujeito, porquanto é o exercício de um poder vinculado (apenas pode ser prorrogado até finai do ano/semestre).
23. Decidindo como decidiu, a sentença recorrida julgou contra matéria assente, violando o ne 2 do art 26º a ai. a) do nº l do art 36º, ambos do ECDU e a ai, a) do nº 2 do artº 58º do CPTA (na parte em que aprecia uma situação jurídica já consolidada e inimpugnável ).
24. Deve, pois, ser anulada, julgando a acção improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA.


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O Recorrido, devidamente notificado – vd. fls. 349 - não contra-alegou.

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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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O recurso interposto não evidencia controvérsia no tocante à matéria de facto julgada provada, nem cumpre introduzir alterações, pelo que se remete para os termos do elenco probatório decidido em 1ª Instância – artº. 663º nº 6 CPC, ex vi artº 140º CPTA.



DO DIREITO


a. reclamação para a conferência - artº 643º/4 CPC; deferimento do relator - carácter provisório da decisão;

Por despacho de fls. 222, no Tribunal a quo não foi admitido o recurso interposto com fundamento no regime do artº 27º nº 1 i) CPTA.
Em via de reclamação para este TCA ao abrigo do regime do artº 643º nº 4 CPC, por decisão do Relator de 24.10.2013, a fls. 334/336, foi entendido que na ausência de invocação expressa do regime do artº 27º nº 1 i) CPTA ocorre nulidade por incompetência funcional, entretanto sanada por não arguida em via de recurso; consequentemente foi deferida a reclamação e ordenada a subida do processo.
Todavia, o assim decidido no despacho de 24.10.2013 contraria jurisprudência uniformizada pelo acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, também ao abrigo do artº 148º CPTA, no sentido de que “o artº 27º nº 2 é aplicável quer o relator tenha, ou não, invocado os poderes que alude o artº 27º nº 1 i) do CPTA” tirada no recurso nº 1360/13 de 05.12.2013.
Importa, pois, decidir a questão do valor da decisão individual do relator que defira a reclamação deduzida contra o despacho que não admita o recurso, regime do artº 643º nºs. 1 e 4 CPC, na circunstância de não lhe ter seguido reclamação para a conferência nos termos do artº 652º nº 3 CPC, saber se o despacho do relator faz caso julgado formal, ou não faz, questão que vem sendo discutida na doutrina quer antes quer na vigência das alterações adjectivas promovidas pela Lei 41/2013, 26.06.
No caso concreto a questão do valor a atribuir ao deferimento da reclamação assente em decisão individual do relator no Tribunal de recurso assume particular importância atendendo a que a lei assegura até ao extremo limite da hierarquia judicial a função uniformizadora do Supremo estatuindo no artº 142º nº 3 c) CPTA que haja sempre recurso das decisões que, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, sejam proferidas contra jurisprudência uniformizada, cujo lugar paralelo adjectivo cível consta do artº 629º nº 2 c) vigente, antigo artº 678º nº 2 c) CPC.
Aliás, foi recentemente reafirmado que a discordância com o entendimento uniformizado, embora legítima, não é relevante só por si, na medida em que “(..) É necessário trazer uma argumentação nova e poderosa, quer pela via da evolução doutrinal posterior, quer pela via da actualização interpretativa. (..)” – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, P. nº 3871/12 da 2ª Secção Cível de 11.09.2014.

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De modo que a questão de fundo no caso concreto tem de ser apreciada em conjugação com a regra da admissibilidade excepcional de recurso das decisões proferidas contra jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal Administrativo no domínio do artº 27º nº 1 i) CPTA, consagrada no artº 142º nº 3 c) CPTA, tendo por lugar paralelo na jurisdição cível o artº 629º nº 2 c) CPC.

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No domínio estritamente adjectivo, a questão apresenta-se nos seguintes termos.

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Antes da revisão processual introduzida pelo DL 303/07 de 24.08, o indeferimento ou retenção do recurso permitia a reclamação para o presidente do tribunal que seria competente para conhecer do recurso, artº 688º nº 1 CPC e o artº 689º nº 2 dispunha expressamente que “a decisão do presidente não pode ser impugnada mas, se mandar admitir ou subir imediatamente o recurso, não obsta a que o tribunal ao qual o recurso é dirigido decida em sentido contrário” o que significa que a decisão do presidente do tribunal não constituía caso julgado formal.
Sendo esta natureza provisória estabelecida para a decisão do relator do acórdão em sede de apreciação preliminar do recurso para o Pleno das secções cíveis de acórdão em contradição com outro anteriormente proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, podendo, pois, o Pleno na apreciação do recurso contrariar o despacho de admissão lavrado pelo relator caso considere que não se verificam os pressupostos formais – cfr. artºs. 692º nºs 1 e 4 e 658º nº 2 CPC.
No quadro da reforma do DL 303/2007 quanto ao disposto no artº 689º nº 2 CPC de atribuir definitividade à admissão ou subida imediata do recurso (ordenada no despacho do presidente) se confirmada pelo tribunal de recurso, salienta a doutrina que “(..) Esta norma não tem correspondente na versão actual.
Mas decorre do novo regime que:
- a decisão de indeferimento da reclamação pela conferência é definitiva;
- a decisão de deferimento da reclamação quando haja sido tomada pela conferência (em reclamação que para ela tenha lugar, nos termos do artº 700º nº 3), é igualmente definitiva;
- embora seja mais discutível, a decisão de deferimento do relator (que não seja objecto de reclamação para a conferência) não obsta a que, no momento de apreciação do recurso, a conferência decida em sentido contrário.
No sentido deste entendimento pronuncia-se Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed. p. 98 (..)”(1)

No domínio da reforma processual introduzida pela Lei 41/2013, 26.06, quanto ao disposto no artº 643º nº 4 CPC em segmento doutrinário divergente, sustenta-se como segue: “(..) Suscitam-se dúvidas quanto ao valor da decisão individual do relator que julgue procedente a reclamação, sem posterior intervenção da conferência.
Quando a competência para decidir era atribuída ao presidente do tribunal superior (antes da reforma de 2007), a lei deixava expresso que a respectiva decisão não vinculava nem o relator, nem os adjuntos (artº 689º nº 2), do anterior CPC). Mas tal preceito foi retirado e não surge agora no artº 643º, o que nos confronta com a alternativa de atribuir relevo ao preceituado da norma geral do artº 620º nº 1, sobre o caso julgado formal, ou considerar que a decisão singular tem carácter provisório, podendo ser modificada pela conferência.
Neste sentido, cfr. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed. p. 98, segundo o qual “a decisão do tribunal superior que confirme o despacho reclamado quer provenha do relator por não impugnada, quer provenha da conferência. Bem como a decisão do tribunal superior provinda da conferência que defira a reclamação, fazem caso julgado formal”, ao passo que quando a “decisão de deferir a reclamação provier do relator, por não ter havido reclamação para a conferência, terá a mesma carácter provisório, podendo ser alterada, na pendência do recurso, por sugestão dos adjuntos”. A esta solução adere também Lebre de Freitas, CPC anot., vol III, tomo I, 2ª ed., pág.76.
À semelhança do que decorre do artº 595º nº 3, relativamente ao despacho saneador, parece-nos mais correcto considerar que, na ausência de impugnação da decisão para a conferência, a decisão singular do relator em sede de apreciação da reclamação produz caso julgado formal. … Neste sentido, cfr. também Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007, pág. 113. (..)” (2)
Todavia, como saliente a doutrina constitucionalista, “(..) É diferente falar em segurança jurídica quando se trata de caso julgado e em segurança jurídica quando está em causa a uniformidade ou estabilidade da jurisprudência. Sob o ponto de vista do cidadão, não existe um direito à manutenção da jurisprudência dos tribunais, mas sempre se coloca a questão de saber se e como a protecção da confiança pode estar condicionada pela uniformidade, ou, pelo menos, estabilidade, na orientação dos tribunais. … A bondade da decisão pode ser discutida pelos tribunais superiores que, inclusivamente, a poderão “revogar” ou “anular”, mas o juiz é, nos feitos submetidos a julgamento, autonomamente responsável. “(..) (3)


b. liberdade de interpretação da lei, igualdade perante a lei e segurança jurídica – artºs. 203º e 288º al. m), 13º nº 1 e 2º,CRP;

Do ponto de vista principialista, a questão toma os seguintes contornos.

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A opção por uma das citadas alternativas – caso julgado formal ou decisão provisória – do valor a atribuir ao deferimento pelo relator do Tribunal ad quem da reclamação advinda da 1ª Instância por não admissão do recurso interposto, implica interpretar de forma integrada dois princípios fundamentais que se projectam com carácter estruturante no domínio da função jurisdicional tal como disciplinada no direito adjectivo, a saber: o princípio da liberdade de interpretação da lei configurado como limite material de revisão constitucional nos termos das disposições conjugadas dos artºs. 203º e 288º al. m) CRP, e o princípio da igualdade de todos os indivíduos perante a lei, artº 13º nº 1 CRP.
Efectivamente, como ensina a doutrina especializada, a uniformidade da jurisprudência é reconhecida pelo legislador tendo por escopo evitar que “(..) à mesma norma jurídica sejam atribuídos sentidos diferentes de sorte que casos particulares, perfeitamente idênticos, v[enham] a ter diverso tratamento jurídico … A máxima constitucional – a lei é igual para todos – fica reduzida a fórmula vã, se, em consequência da liberdade de interpretação jurisdicional, a casos concretos rigorosamente iguais corresponderem soluções jurídicas antagónicas ou divergentes. O que importa essencialmente, para efeitos práticos, é a actuação concreta da lei, e não a sua formulação abstracta. (..)”. (4)
E exige-se uma interpretação integrada porque, seguindo a máxima de Gomes Canotilho, “os princípios coexistem, as regras excluem-se” o que significa, que a aplicação simultânea e compatibilizada de princípios tem que ter presente que estes “(..) ao constituírem exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, à lógica do tudo ou nada), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflituantes; as regras não deixam espaço para qualquer outra solução … em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objecto de ponderação e de harmonização, pois eles contêm apenas “exigências” ou “standards” que, em “primeira linha” (prima facie), devem ser realizados; as regras contêm “fixações normativas” definitivas, sendo insustentável a validade simultânea de regras contraditórias … os princípios suscitam problemas de validade e peso (importância, ponderação, valia); as regras colocam apenas questões de validade (se elas não são correctas devem ser alteradas) .(..)”.(5)
Interpretação integrada que convoca, ainda, o princípio da segurança jurídica, que a doutrina e jurisprudência do Tribunal Constitucional fazem decorrer do princípio do Estado de Direito consagrado no artº 2º da CRP.
Numa acepção ampla, o princípio da segurança jurídica acolhe, como salienta a doutrina, “(..) uma evidência científica, obtida mediante experimentação sucessiva: que eu apenas posso orientar a minha vontade para o futuro; nunca para o passado … pressupõe assim um grau, mais ou menos intenso, de previsibilidade objectiva das actuações públicas. (..)
Na sua dimensão apriorística, o princípio é entendido enquanto elemento de “certeza na orientação” (ou certitudo) das condutas humanas.
Na sua dimensão aposteriorística, ele impõe uma segurança na implementação (ou securitas) das situações da vida já ocorridas, dentro de uma determinada ordem jurídica.
(..) Através da “certeza na orientação”, cabe aos poderes públicos adoptar normas jurídicas suficientemente claras, precisas e esclarecedoras, que possam servir de parâmetro de reflexão e de decisão pelo indivíduo, bem como garantir uma estabilidade no método e conteúdo de tomada de decisões jurídico-públicas, sejam elas “actuações administrativas” ou “decisões jurisdicionais”.(..)
[não sendo de] aceitar que uma inversão de jurisprudência consolidada seja entendida como constitucionalmente inadmissível, por decorrência de uma exigência de “segurança jurídica”. Duas razões substanciais se impõem: i) por um lado, tal conduziria a uma cristalização de soluções jurisprudenciais incorrectas ou inadequadas ao fluir dos tempos, esquecendo o “princípio da normatividade” e o “princípio da prossecução do interesse público”; ii) por outro lado, isso pressuporia que a jurisprudência constituiria fonte imediata de Direito Administrativo, sobrepondo-se às próprias fontes escritas; solução que repudio por colocar em crise a legitimação democrática inerente ao “princípio da legalidade”. (..)” (6)

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Passando à decisão do caso concreto e aplicando a doutrina principialista citada, cumpre harmonizar os princípios fundamentais em presença - os princípios da liberdade de interpretação da lei e o da igualdade de todos os indivíduos perante a lei, em correlação com a dimensão aposteriorística do princípio da segurança jurídica -, ponderando o peso e validade de cada um por reporte à regra constante do artº 142º nº 3 c) CPTA da prescrição imperativa de natureza excepcional da admissibilidade de recurso das decisões proferidas contra jurisprudência uniformizada pelo Supremo.
Por quanto vem de ser dito, por força da regra constante do artº 142º nº 3 c) CPTA o juízo de ponderação dos princípios em causa sobre o caso concreto evidencia-se em favor dos princípios da igualdade de todos os indivíduos perante a lei e da segurança jurídica e, consequentemente, de decisão a favor da uniformidade da jurisprudência estabelecida no domínio do artº 27º nº 1 i) e nº 2 CPTA, sufragando o entendimento do carácter transitório da decisão singular do relator do Tribunal ad quem que defira a reclamação provinda da 1ª Instância por não admissão do recurso interposto da sentença e de que não tenha havido reclamação para a conferência, passível de ser alterada pela conferência que intervém no julgamento do recurso, em analogia com o regime dos artºs 692º nºs 1 e 4 e 658º nº 2 CPC, já citados supra, dentro da lógica de obviar a uma efectiva contradição de jurisprudência uniformizada no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

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Concluindo, o despacho do Relator de 24.10.2013, a fls. 334/336, de deferimento da reclamação deduzida contra o despacho de não admissão do recurso com fundamento no regime do artº 27º nº 1 i) CPTA não faz caso julgado formal tendo, antes, carácter transitório, pelo que a sua prolação no domínio do presente processo não constitui factor impeditivo de aplicabilidade da jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal Administrativo em torno do modo de reacção de sentença proferida pelo juiz singular em processo que siga a forma de acção administrativa especial de valor superior à alçada do TAC, nos termos que seguem.


c. reclamação para a conferência - artº 27º/1/i)/2 CPTA – jurisprudência uniformizada;

O ora Recorrido interpôs contra a ora Recorrente acção administrativa especial peticionando a anulação do despacho proferido pelo Reitor da Universidade de Évora, que identifica em cumulação com o demais peticionado no domínio reparatório.
Nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada do TAC o julgamento da matéria de facto e de direito compete a uma formação alargada de três juízes, órgão que decide em conferência - cfr. artº 40º nº 3 ETAF -, incumbindo a elaboração do acórdão ao juiz relator, juiz titular do processo por distribuição, mediante vistos prévios dos juízes-adjuntos, cfr, artº 92º nº 1 CPTA.
A alçada dos TAC’s reporta à alçada dos Tribunais de Comarca da Jurisdição Comum, artº 6º nº 3 do ETAF, fixada em 3 740,98€ pelo artº 24º nº 1 LOFTJ e neste momento em € 5 000,00 conforme artº 31º da Lei 52/2008 de 28.08.
Tratando-se de causa com valor indeterminável este é fixado por reporte a um estalão superior ao da alçada do TCA, que corresponde ao dos Tribunais da Relação – vd. artºs. 34º nºs. 1 e 2 CPTA e 6º nº 4 ETAF), o que significa no domínio do citado artº 24º nº 1 LOFTJ 14 963,94€ mais 0,01€ ex vi artº 312º CPC e presentemente nos termos do artº 31º da Lei 52/2008 de 28.08 de 30 000,00€ mais um cêntimo, 0,01€ ex vi artº 312º nº 1 CPC.
De modo que no caso concreto e atendendo à data da interposição da causa em 26.04.2007 (artº 299º nº 1 CPC, ex- 308º nº 1) o valor a que compete atender é de 15 000,01€, atribuído pelo Autor na petição.
Todavia, corrente maioritária de jurisprudência tem vindo a admitir que as acções administrativas especiais de valor superior à alçada do TAC podem ser julgadas de facto e de direito pelo juiz singular mediante a invocação expressa do regime do artº 27º nº 1 al. i) CPTA e que, neste quadro, haverá lugar a reclamação para a conferência por força do estatuído no nº 2 do citado artº 27º CPTA, nada obstando a que se convole oficiosamente o eventual recurso interposto em reclamação para a conferência nos termos do disposto nos artºs 199º nº 1 e 265-A, CPC (erro na forma de processo e princípio da adequação formal) desde que se mostrem preenchidos os necessários pressupostos para apreciação do requerimento na veste de reclamação, nomeadamente da tempestividade (10 dias, artº 29º nº 1 CPTA), sendo neste sentido o acórdão do STA de 19.10.2010 prolatado no rec. nº 542/10.
Doutrina consolidada mediante acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, tirado no recurso para uniformização de jurisprudência nº 420/12 de 05.06.2012.
Acresce que mediante acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, também ao abrigo do artº 148º CPTA e tirado no recurso nº 1360/13 de 05.12.2013 reiterou-se que “o artº 27º nº 2 é aplicável quer o relator tenha, ou não, invocado os poderes que alude o artº 27º nº 1 i) do CPTA”.

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É o caso, pelo que da sentença proferida não em formação alargada de três juízes mas pelo Juiz singular, cabe reclamação para a conferência que julgaria da matéria de facto e de direito na presente acção administrativa especial, não fora o caso de ter sido proferida expressamente ao abrigo do regime estatuído no artº 27º nº 1 al. i) CPTA.
Exactamente como sustentado no despacho de 14.05.2013 a fls. 222 dos autos cumpre aduzir que não é possível o recurso ao mecanismo da convolação porque o prazo contínuo de 10 dias se mostra ultrapassado (vd. artºs. 144º nº 1 CPC).
Efectivamente, notificado o ora Recorrente da sentença de 30.03.2013 por CTT datado de 08.04.2013 (declaração do próprio a fls. 233 dos autos), 2ª feira, e presumindo-se notificado no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, 5ª feira, (ex-artº 254º nº 3 CPC, regime hoje no artº 249º nº 1), o meio adjectivo de recurso interposto deu entrada no TAF de Beja em 13.05.2013 (fls.204 e 233 dos autos) ou seja, para além do citado período de 10 dias.
Pelo exposto e resumindo, não é admissível o recurso interposto porque da sentença proferida cabia reclamação para a conferência por referência expressa ao regime do artº 27º nº 1 al. i) CPTA e, do mesmo modo, caberia deduzir a dita reclamação ainda que o Senhor Juiz não tivesse invocado o regime do citado normativo, doutrina consagrada nos acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, tirado no recurso para uniformização de jurisprudência nº 420/12 de 05.06.2012 e nº 1360/13 de 05.12.2013, não sendo possível convolar o recurso para a reclamação devida por se mostrar ultrapassado o prazo adjectivo de 10 dias aplicável para o efeito, conforme jurisprudência tirada no acórdão do STA de 19.10.2010 prolatado no rec. nº 542/10.



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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em não conhecer do recurso interposto, por indevido.

Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 06.NOV.2014



(Cristina dos Santos) .............................................................................................................

(Paulo Gouveia) ....................................................................................................................

(Nuno Coutinho) ..................................................................................................................

1)Lebre de Freitas, Código de Processo Civil – anotado, Vol. 3º Tomo 1, 2ª ed. Coimbra Editora, pág.76
2) Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Almedina/2013, págs.143/144.
3) Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 7ª edição, Almedina/2003, págs. 264/265.
4) Alberto dos Reis, Código de Processo Civil – anotado, Vol. VI, Coimbra Editora/1981, pág. 234.
5) Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 7ª edição, Almedina/2003, págs. 1161/1162.
6) Miguel Prata Roque, A dimensão transnacional do direito administrativo, aafdl/2014, págs. 376,379/381