Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:144/16.7BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:09/12/2019
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:ARTIGO 15.º DO D.L. N.º 214/G/2015
ENTRADA EM VIGOR DA ALTERAÇÃO AO ARTIGO 58.º, N.º 2 DO CPTA
PRAZO DE INSTAURAÇÃO DA AÇÃO ADMINISTRATIVA
Sumário:I. A alteração aprovada ao artigo 58.º n.º 2 do CPTA determina que o prazo de impugnação de atos administrativos é um prazo substantivo, o qual, por aplicação do disposto no artigo 279.º do CC corre em dias seguidos, ao contrário do que vigorou durante a vigência da anterior redação do preceito, em que por estar em causa um prazo processual apenas contavam os dias úteis.
II. O D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10 operou a revisão do direito processual administrativo, introduzindo importantes alterações ao CPTA, enquanto código que regula os processos administrativos instaurados nos Tribunais Administrativos, não tendo sustento a interpretação que considera que as alterações introduzidas ao CPTA só se aplicam aos procedimentos administrativos cujo início seja posterior ao da entrada em vigor das alterações ao CPTA.
III. O artigo 15.º n.º 2 do D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10 refere-se expressamente a processos administrativos, por referência ao processo judicial que é instaurado nos Tribunais Administrativos, não existindo qualquer referência a procedimentos administrativos, não incidindo as alterações em causa ao nível do procedimento administrativo, por nenhuma alteração ser introduzida ao CPA.
IV. As referências que ao longo do CPTA existem ao processo administrativo, referem-se ao processo que correu termos junto da entidade demandada, ao tradicionalmente designado processo administrativo gracioso, por oposição a processo administrativo contencioso.
V. Tais referências ao processo administrativo referem-se ao conjunto de documentos em que se corporiza o exercício da atividade administrativa, segundo a definição de processo administrativo dada pelo n.º 2 do artigo 1.º do CPA, enquanto conjunto de documentos devidamente ordenados em que se traduzem os atos e formalidades que integram o procedimento administrativo.
VI. O n.º 2 do artigo 15.º do D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10 refere-se ao processo administrativo que corre termos no tribunal, no sentido de tais alterações introduzidas ao CPTA se aplicarem a todos os processos administrativos que sejam instaurados nos Tribunais Administrativos a contar da sua entrada em vigor, em 01/12/2015.
VII. A alteração legislativa ao artigo 58.º, n.º 2 do CPTA quanto ao modo de contagem do prazo não contende com os princípios da estabilidade e segurança jurídica, considerando a margem de liberdade legislativa que é conferida ao Estado-legislador e o novo regime só se aplicar para o futuro, aos processos a instaurar.
VIII. As questões atinentes à violação dos direitos e garantias de defesa no âmbito do procedimento disciplinar, não integram o regime de nulidade do procedimento disciplinar, nem da deliberação de aplicação da sanção disciplinar, não se reconduzindo ao regime de invalidade dos atos nulos, segundo o disposto no artigo 161.º do CPA.
IX. Estando a ação sujeita ao prazo de impugnação dos atos anuláveis, de três meses, previsto no n.º 1 do artigo 58.º do CPTA, contado nos termos do seu n.º 2, determina a procedência da exceção de caducidade do direito de ação ou, segundo o artigo 89.º, nº 4, al. k) do CPTA, a procedência da exceção de intempestividade da prática do ato processual, configurada no corpo do citado n.º 4 do artigo 89.º como uma exceção dilatória, que acarreta a absolvição da entidade demandada da instância e não a absolvição do pedido.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

J....., devidamente identificado nos autos de ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo, instaurada contra a Câmara Municipal de Portalegre e o Conselho de Administração dos Serviços de Águas e Transportes da Câmara Municipal de Portalegre, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão proferida em 27/03/2017, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação e absolveu a Entidade Demandada da instância.


*

Formula o aqui Recorrente, nas respetivas alegações (cfr. fls. 322 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1. A sentença recorrida julgou procedente a excepção de caducidade do direito do Autor à acção e, absolveu da entidade demandada da instância, com sustento, designadamente e em súmula, que, “aos presentes autos é aplicável o CPTA na redacção que lhe foi conferida pelo DL 214-G/2015, de 02/10, pois, ao contrário do que entende o autor, a referência a “processos administrativos”, que consta do artigo 15.º, n.º 2, do referido DL deve ser entendida como feita aos processos judiciais que correm nos tribunais administrativos.

2. Porém, afigura-se ao Recorrente que o artº 15 nº 2 do DL nº 214-G/2015 transporta a aplicabilidade das alterações operadas por tal diploma ao CPTA para o campo do inicio do procedimento administrativo, porquanto, a menção constante de tal concreto dispositivo legal a “só se aplicam aos processos administrativos que se iniciem após a sua entrada em vigor”, deve ser interpretada no sentido que “As alterações efetuadas pelo” DL. nº 214-G/2015 “ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, alterada pelas Leis n.os 4-A/2003, de 19 de fevereiro, 59/2008, de 11 de setembro, e 63/2011, de 14 de dezembro”, só se aplicam aos processos que se iniciem junto das entidades administrativas após a sua entrada em vigor.

3. Efectivamente, o artº 9 do Cód. Civil estatui que na interpretação da lei “Não pode... ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, e que “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

4. In casu, a expressão “processos administrativos” utilizada pelo legislador no nº 2 do artº 15 do DL nº214-G/2015 ecoa em perfeita sintonia com a menção a “processo administrativo” constante do disposto nos artºs 8 nº3, 57, 68 nº2, 72 nº2 al. l), 81 nº3, 83 nº5, 84 nºs 1, 2, 3, 5 e 6, e 85 nº5, neste último inclusive por referência à sua epigrafe “Envio do processo administrativo”, todos do CPTA na redacção anterior às alterações operadas pelo DL. nº 214-G/2015, os quais se reportam ao processo que correu junto da entidade administrativa, ou seja, ao processo durante a fase do procedimento administrativo.

5. Também, se o legislador pretendesse reportar-se aos “processos judiciais que correm nos tribunais administrativos”, como pugna a sentença recorrida, tê-lo-ia feito mediante uso de tal concreta expressão, ou de qualquer outra que inequivocamente o evidenciasse, e nos termos habituais em tantas outras alterações legislativas em sede de direito processual, como por exemplo as operadas pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, ao Código de Processo Civil, cujo artº 5º alude, nas suas várias alíneas, a “só são aplicáveis às ações instauradas”, “não são aplicáveis às ações pendentes”

6. Além do que, também a menção a “que se iniciem” constante do aludido preceito legal é relevante, pois que em cuidada terminologia jurídica, somente junto das entidades administrativas o processo se inicia, pois que, nos tribunais o processo é instaurado ou proposto, distribuído, autuado e tramitado.

7. Inicio do processo na fase administrativa que resulta expressamente consagrada no artº 54 do CPA de 2002 (actual artº 53 do CPA vigente, com as alterações introduzidas pelo DL nº 4/2015 de 7/1), e evidenciada na epigrafe do mesmo, esta a de “Iniciativa”.

8. Acresce que, o prazo do direito do Autor à acção começa a contar a partir da ocorrência de um dos factos previstos no artº 59 do CPTA, os quais, e todos eles, que tem por referência o acto a impugnar praticado em fase administrativa, em consequência, o processo na fase administrativa, daí a acuidade da questão suscitada, não no “sentido que dispusesse sobre a aplicação no tempo de normas procedimentais”, como vertido na sentença recorrida, mas porque, sendo “uma norma que disciplina a aplicação no tempo de regras processuais”, o começo de prazo resultante da aplicabilidade da mesma tem por referência determinado momento procedimental.

9. Ademais, o entendimento sufragado na sentença recorrida, a propósito da referência constante do mencionado nº 2 do artº15 do DL nº 214-G/2015, no sentido que “a referência a “processos administrativos... deve ser entendida como feita aos processos judiciais que correm nos tribunais administrativos”, torna absolutamente inócuo tal preceito legal, como assim o do nº3 do mesmo dispositivo, por redundante, uma vez que por decorrência do disposto no nº1 do mesmo, e até por decorrência do disposto no nº1 do artº 12 do Cód, Civil quanto à aplicação da lei para o futuro, todas as alterações operadas por tal diploma ao CPTA entraria em vigor a 1/12/2015 e, em consequência, abrangeriam os processos instaurados nos tribunais administrativos após tal data.

10. Assim, a tal entendimento opõe-se o preceituado nos nºs 2 e 3 do artº 15 do DL nº 214-G/2015, e a expressão “sem prejuízo do disposto nos números seguintes” constante do nº1 de tal preceito legal.

11. Mais: o referido entendimento vertido na sentença recorrida, ao fazer recair no dia 1/12/2015 a entrada em vigor das alterações operadas ao CPTA pelo DL 214-G/2015, sem qualquer exepção, contende, em absoluto, com os princípios da estabilidade e segurança jurídica.

12. De facto, se ao abrigo do artº 59 do CPTA o facto gerador do começo da contagem de prazo de direito à acção ocorrer em momento prévio a 1/12/2015, mas o respectivo prazo de 3 meses (90 dias) consagrado no artº 58 nº1 al b) do CPTA terminar em momento posterior a tal data, então, por virtude do entendimento consignado na sentença recorrida, o Autor, depois de contabilizar tal prazo ao abrigo das normas vigentes antes da alteração operada pelo DL nº 214-G/2015, porque no momento da verificação do facto gerador do começo do prazo e em que tal diploma não estava ainda em vigor, logo contabilizando o prazo com suspensão nas férias judiciais, veria as regras de contagem do mesmo alteradas, e em pleno curso do prazo, passando o mesmo a ser continuo, isto é sem suspensão nas férias judiciais, e consequentemente com términos em momento anterior àquele que decorria das regras inicialmente aplicáveis.

13. E, contrariamente ao que a sentença recorrida consigna, a data de notificação do acto impugnado ao Recorrente em nada conflitua com o supra mencionado, interpretado que seja o nº2 do artº 15 do DL 214-G/2015 no sentido, e de acordo, com o que se deixou vertido, pois que, de tal modo, sempre tal momento de notificação se mostra abarcado pela não aplicabilidade das alterações operadas ao CPTA pelo referido diploma legal.

14. Assim sendo, como sob o ponto de vista do Recorrente é, ao presente processo é aplicável o CPTA na redacção anterior Às alterações operadas pelo DL. nº 214-G/2015 (isto é, a decorrente da versão originária (Dec. Lei nº15/2002 de 22/2) com as alterações introduzidas até à sua 5ª versão resultante da Lei nº63/2011 de 14/12).

15. Atento o exposto, a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, por incorrecta interpretação e aplicação das normas e princípios supra mencionados ao caso em apreço.

16. E, na esteira do exposto, o prazo para o Autor instaurar os presentes autos somente teria o seu termo, como teve, a 31/3/2016, data em que efectivamente o fez, em virtude do que, os presentes autos sempre se mostram tempestivamente instaurados.

17. De facto, o processo administrativo (procedimento disciplinar) na génese dos presentes autos foi instaurado, iniciando-se por despacho de 6 de Fevereiro de 2015 do Sr. Presidente do Concelho de Administração dos Serviços de Águas e Transportes da Câmara Municipal de Portalegre, ratificado em reunião ordinária de 18 de Fevereiro de 2015 de tal Concelho de Administração – vide artºs 03: e 04: da P.I., e doc.s nºs 1 e 3 anexos à mesma –, sendo-lhe aplicável o artº 58 do CPTA na redacção anterior à actual, em concerto a da al. b) do seu nº2, pelo que o prazo de 3 meses ali previsto, suspendendo-se na férias judiciais, e convertendo-se por tal efeito em 90 dias, teve inicio 11/12/2015, porque o subsequente à notificação ao Autor do acto impugnado (operada a 10/12/2015), o qual se suspendeu nas férias judiciais do Natal que decorreram entre 22/12/2015 e 3/1/2016, e nas férias judiciais da Páscoa que decorreram entre 20 e 28 de Março – artºs 58 do CPTA, 138 do CPC, 279 do Código Civil, e, a titulo exemplificativo, os Ac.s do TCANorte, proc.s nºs 00760/06.5BEPNF e 02450/07.2BEPRT, respectivamente de 29/11/2007 e 29/4/2010, AC. TCASul, proc nº 04027/10 de 7/2/2011, ponto VI), e Ac. STA, proc nº 0703/07, de 8/11/2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

18. Pelo exposto, impõe-se a procedência do recurso com a consequente revogação da decisão recorrida, e substituição por outra que considere improcedente a excepção de caducidade do direito do Autor, aqui Recorrente, à acção, e devolução dos autos ao Tribunal a quo para julgamento, com a consequente alteração, por aditamento, da matéria de facto provada na parte que decorre directamente do exposto.

Sem prescindir:

19. A sentença recorrida sustenta igualmente, em súmula, que os vícios que o Recorrente imputa ao acto impugnado reconduzem-se à anulabilidade, designadamente, porque o autor não alega qualquer facto que permita ao tribunal concluir que, se provado, estaria preenchida a previsão normativa do artigo 161.º, n.º 2, alínea d), do CPA2015.

20. No entanto, atendendo aos contornos do processado na sede disciplinar em causa nos autos, especificamente, ao conteúdo da acusação, termos da defesa, e ao acto impugnado, afigura-se ao Recorrente que, com excepção do que tange à falta de fundamentação alicerçada nos artºs 22: a 31: da P.I., e da omissão do dever de decisão acerca das nulidades invocadas pelo Recorrente no âmbito disciplinar, que agora reconhece consubstanciadoras de mera anulabilidade e por isso se penitencia, os restantes vícios por si assacados na P.I., e que aqui dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, reconduzem-se, efectivamente, às nulidades assacadas, quer de per si, quer no seu conjunto.

21. E assim é, ainda que se tenha em consideração a “defesa” apresentada no âmbito disciplinar pelo Recorrente, pois que, na mesma, em momento algum o mesmo alcançou qual a acusação e concretos factos que sobre si pendiam, como assim como fora obtido o montante de 4765,00€, e naquela suscitou desde logo todas as nulidades que até então se lhe afiguravam existentes.

22. Sendo que, o poder disciplinar tem a sua razão de ser nos fins públicos do direito sancionatório, por isso que, em sede disciplinar têm de ser observados os mesmos princípios garantísticos de defesa do Arguido que presidem ao direito penal.

23. Entre os quais o princípio da vinculação temática e defesa, consagrados nos artºs 32 nº 10 e 269 nº 3 da CRP, e o seu corolário da proibição vertida no artº 359 do CPP segundo o qual “a alteração substancial dos factos descritos na acusação não pode ser tomada em conta pelo Tribunal para o efeito de condenação no processo em curso”, sendo que “também a diversa qualificação pode significar a alteração substancial dos factos, ainda que naturalísticamente considerados sejam os mesmos

24. O que, chama à colação o Direito Penal e Processual Penal para dentro do domínio sancionatório administrativo disciplinar, que tem por imperativo constitucional inerente ao direito sancionatório público, que ser levada em linha de conta pelos Tribunais.

25. Princípios constitucionais e processuais penais que encontram expressão no actual regime disciplinar de direito público, nomeadamente, nos artºs 203 nº1 e 220 nº5 da LGTFP.

26. Ora, se no âmbito do direito processual penal, em decorrência dos princípios constitucionais supra evidenciados, e melhor vertidos na P.I., a omissão do direito de defesa do arguido, e a da alteração substancial dos factos consignada em sentença, acarretam a nulidade do processado e da sentença, bem se compreende que, em sede disciplinar, tais violações de direitos essenciais e fundamentais do trabalhador arguido, acarretem, respectivamente, a nulidade insuprível do processo, e da decisão final.

27. Pois que, “São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais, ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade”, como assim, “Os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental” – artº 133 nºs 1 e 2 al d) do CPA2015.

28. E, os quais, como decore do artº 134 do CPA2015, não “produzem quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade”, e a respectiva “nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.”

29. Estes os casos dos autos, porquanto, a factualidade dada como provada no acto impugnado, por referência ao relatório final que o fundamenta, não encontra identidade na matéria de facto vertida na acusação – artºs 06: a 16: da P.I. –, como assim, no mesmo foram dados como provados sob os nºs 9 a 14 factos que configuram matéria nova relativamente àqueles constantes da acusação – artºs 06: a 16: da P.I –, e ainda naquele foi operada uma alteração da qualificação jurídica das infrações disciplinares, passando o Recorrente duma imputação de violação dos deveres gerais de zelo e isenção, previstos nos nºs 4 a 7 do artº 73 da LGTFP, para uma condenação pela violação dos artº 73 nº1 al.s b), c) e f), conjugados com os nºs 4,7 e 8, da LGTFP, ou seja dos deveres gerais de isenção, imparcialidade e obediência – artºs 17: a 21: da P.I.

30. O que acarreta a violação dos princípios da vinculação temática de defesa do arguido e, em decorrência o conteúdo essencial dos respectivos direitos fundamentais do Recorrente.

31. Também, quer a acusação, quer a decisão final impugnada, carecem de factualidade típica que permita o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos de qualquer infracção disciplinar, cujas circunstâncias de tempo, lugar e modo tampouco se mostram descritas, inviabilizando assim, e ab initio, o conhecimento, quer pelo Recorrente, quer pelo Tribunal, das concertas infracções imputadas, e seu número, e existência, ou não, de facto duradouro, logo verificação da prescrição – artºs 32: a 55: da P.I.

32. O que se consubstancia falta de elementos essenciais da decisão final sancionatória.

33. Quanto ao dever de reposição de 4765,00€, foi violado, em absoluto o direito de defesa do Recorrente, porquanto nunca foi chamado a pronunciar-se, uma vez que quer em sede de acusação, quer no relatório final, a Sr. Instrutora do processo, somente consignou que tal matéria era da competência do Concelho de Administração do Serviços de águas e Transportes da Câmara Municipal de Portalegre, pelo que foi violado o direito de defesa do Recorrente – artºs 56: a 67: da P.I. –, e também quanto a tal matéria, com fundamento aliás no exarado no acto impugnado, é peremptório que foi violado o principio da presunção de inocência, este basilar do direito sancionatório, e correspectivamente, direito fundamental do Recorrente enquanto arguido.

34. Tudo questões que em sede processual penal geram a nulidade, como assim, pelos mesmos motivos e por tudo quanto se deixa exposto, a geram em sede disciplinar.

35. Vícios que se reconduzem à nulidade para cujo apuramento não é necessária uma laboriosa indagação em termos de direito, o que é suficiente para se concluir que a procedência dos mesmos é palmar, pois que ressalta dos artºs 32 nº 10, 269 nº 3, ambos da CRP, 203 nº 1 e sobretudo 220 nº 5 da LGTFP, e da mera leitura da acusação e decisão final, quando muito intermediada pela leitura da “defesa” apresentada pelo Recorrente no âmbito disciplinar e P.I. na génese dos presentes autos.

36. Sendo que, como o acórdão mencionado na sentença recorrida reconhece, “boa parte da doutrina tem sustentado, face ao artº269º, nº3 da CRP, que a violação do direito de audiência e defesa implicam ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental de defesa e, consequentemente, a nulidade do acto final - cf. neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, CRP anotada, 3ª edição, p. 947 e Pedro Machete, in A Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo, UCL, p. 309 e nota 651, citando Esteves de Oliveira, Freitas do Amaral, Rui Machete e Jorge Miranda.”, a qual o Recorrente sufraga, não por conveniência, mas pelos motivos que lhe estão subjacentes

37. Assim, porque estamos perante actos a que faltam elementos essenciais, como assim que violam o conteúdo essencial dos supra referidos direitos fundamentais do Recorrente, num e noutro caso aliás fruto de consagração constitucional, e ademais os quais a lei expressamente comina com a nulidade insuprível, que por isso não produzem quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade”, e a respectiva “nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.

38. Concomitantemente, é o acto impugnado nulo, porque ferido de nulidade insuprível e, em virtude disso mesmo não produz quaisquer efeitos jurídicos.

39. O mesmo se diga, pelos motivos supra expostos, do acto consequente de processo expressamente cominado com a nulidade insuprível, pois que, se inserido neste e subsequente ao momento em que se verifica a nulidade será, ele mesmo, em decorrência, nulo.

40. Assim, também pelo exposto, a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, por incorrecta interpretação das normas e princípios supra mencionados, e sua aplicação ao caso em apreço, pelo que se impõe a procedência do recurso com a consequente revogação da decisão recorrida, e substituição por outra que considere improcedente a excepção de caducidade do direito do Autor, aqui Recorrente, à acção.”.


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O Recorrido, notificado, veio a juízo dizer que a sentença proferida deve ser integralmente mantida, não merecendo qualquer reparo, prescindindo de apresentar alegações (fls. 343).

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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento, embora com absolvição da entidade demandada do pedido, por estar em causa uma exceção perentória (cfr. fls. 359 e segs.).

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O processo teve os vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, indo agora à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Erro de julgamento de direito, por incorreta interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 15.º do D.L. n.º 214-G/2015, sendo aplicável o artigo 58.º do CPTA na redação anterior à atual;

2. Erro de julgamento quanto ao regime de invalidade do ato impugnado, que se reconduz ao regime da nulidade.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“1) Em 07/12/2015 o conselho de administração dos serviços municipalizados de águas e transportes da entidade demandada decidiu aplicar ao autor uma pena disciplinar de suspensão por 90 dias e decidiu ordenar que procedesse à reposição de €4.765,00 [cf. fls. 118-122, dos autos em suporte de papel].

2) Em 10/12/2015 o autor assinou o documento designado por “Certidão de Notificação Pessoal de Decisão”, que tem o teor de fls. 117, dos autos em suporte de papel, que se dá aqui por integralmente reproduzido, a coberto do qual lhe foi dado conhecimento da decisão descrita no ponto anterior.

3) Em 31/03/2016 o autor remeteu, através de correio electrónico, a este tribunal a petição inicial, que tem o teor que consta de fls. 2-14, dos autos em suporte de papel, que se dá aqui por integralmente reproduzido [cf. quanto ao dia e modo pelo qual a petição inicial foi remetida a este tribunal fls. 1, dos autos em suporte de papel].”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional.

1. Erro de julgamento de direito, por incorreta interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 15.º do D.L. n.º 214-G/2015, sendo aplicável o artigo 58.º do CPTA na redação anterior à atual

Defende o Recorrente o erro de julgamento da decisão recorrida, por errada interpretação e aplicação do disposto do n.º 2 do artigo 15.º do D.L. n.º 214-G/2015, sendo aplicável o artigo 58.º do CPTA na redação anterior à atual.

A decisão recorrida interpretou de modo diferente a norma legal em causa, aplicando ao processo a nova redação do artigo 58.º do CPTA, introduzida pelo D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10.

Vejamos.

A questão material controvertida prende-se com a interpretação e aplicação do artigo 15.º do D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10, diploma que, de entre um conjunto de alterações a diversos diplomas legais, com relevo, aprovou a revisão do direito processual administrativo, introduzindo alterações ao ETAF e ao CPTA.

De entre as alterações introduzidas ao CPTA encontra-se o disposto no artigo 58.º do CPTA, quanto aos prazos de impugnação, passando a prever nos seus n.ºs 1 e 2 que a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo e a de atos anuláveis tem lugar no prazo de três meses, contados nos termos do disposto no artigo 279.º do Código Civil (CC).

Esta última alteração aprovada significa que o prazo de impugnação de atos administrativos é um prazo substantivo, o qual, por aplicação do disposto no artigo 279.º do CC corre em dias seguidos, ao contrário do que vigorou durante a vigência da anterior redação do preceito, em que por estar em causa um prazo processual apenas contavam os dias úteis.

Isso determinou que, na prática, ao alterar-se o modo de contagem do prazo de impugnação de atos anuláveis, passando a ser um prazo substantivo, o prazo ficou mais reduzido.

Por aplicação do disposto nos citados preceitos, a decisão recorrida julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação, decisão com a qual o Recorrente não concorda, invocando que à luz do disposto no n.º 2 do artigo 15.º do D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10, as alterações introduzidas ao CPTA não se aplicam ao presente processo, por o processo administrativo se ter iniciado antes de aprovadas e entradas em vigor tais alterações.

Por isso, invoca o Recorrente o erro de julgamento no tocante à interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 15.º do D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10.

Sem razão, tendo o Tribunal a quo procedido a um correto julgamento da matéria de exceção em causa.

Como se disse, o diploma em causa, o D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10, operou a revisão do direito processual administrativo, introduzindo importantes alterações ao CPTA, enquanto código que regula os processos administrativos instaurados nos Tribunais Administrativos, isto é, o processo judicial administrativo.

Não tem sustento a interpretação sustentada pelo Recorrente de a revisão ao CPTA introduzida pelo D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10 só se aplicar aos procedimentos administrativos cujo início seja posterior ao da entrada em vigor das alterações ao CPTA.

Não só o disposto no n.º 2 do artigo 15.º do D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10 se refere expressamente a processos administrativos, por referência ao processo judicial que é instaurado e corre termos nos Tribunais Administrativos, como nenhuma referência existe aos procedimentos administrativos.

Além de que tais alterações introduzidas pelo D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10 não incidem ao nível do procedimento administrativo, nem nenhuma alteração ser introduzida em relação ao Código de Procedimento Administrativo (CPA).

No demais, as referências que existem ao longo do CPTA ao processo administrativo, como se referindo ao processo que correu termos junto da entidade administrativa demandada, pretende referir-se ao que tradicionalmente era designado por processo administrativo gracioso, por oposição a processo administrativo contencioso.

Tais referências ao processo administrativo no CPTA não são aptas a inverter o ora expendido, pois referem-se ao conjunto de documentos em que se corporiza o exercício da atividade administrativa.

Na definição dada pelo n.º 2 do artigo 1.º do CPA, o processo administrativo é o conjunto de documentos devidamente ordenados em que se traduzem os atos e formalidades que integram o procedimento administrativo.

Atento o que antecede é fácil de ver que o disposto no n.º 2 do artigo 15.º do D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10 ao referir que “as alterações efectuadas pelo presente decreto-lei ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos (…), só se aplicam aos processos administrativos que se iniciem após a sua entrada em vigor” só pode referir-se ao processo administrativo que corre termos no tribunal, pois não se pode iniciar um processo administrativo por referência ao procedimento administrativo ou a um conjunto de documentos.

A interpretação sustentada pelo ora Recorrente confunde os conceitos de processo e de procedimento administrativo, de modo que apenas se o legislador se tivesse referido ao procedimento administrativo, ao invés do processo administrativo, tinha sustento o ora alegado no presente recurso jurisdicional.

Ademais, estão em causa alterações a um Código de Processo, não fazendo sentido a interpretação de que este código pretenda referir-se não ao processo judicial, mas ao procedimento administrativo que corre termos, não junto dos tribunais, mas da Administração Pública.

Por todo o exposto, as alterações introduzidas ao CPTA aplicam-se a todos os processos administrativos que sejam instaurados nos Tribunais Administrativos a contar da sua entrada em vigor, em 01/12/2015.

Apurando-se que o ora Recorrente veio a juízo instaurar a presente ação administrativa em 31/03/2016, não existem dúvidas de que se aplicam a essa ação as alterações ao CPTA introduzidas pelo D.L. n.º 214-G/2015, de entre as quais, o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 58.º do CPTA, quanto ao prazo e quanto ao modo de contagem do prazo de impugnação de atos administrativos anuláveis.

Tal alteração legislativa veio repor aquele que era o regime em vigor ao tempo da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA), antes da entrada em vigor do CPTA e que corresponde à tradição do direito processual administrativo.

No demais, sendo a regra normal de qualquer alteração legislativa que ela apenas se aplique para o futuro, in casu, por referência aos processos administrativos que se iniciem ou a instaurar, de modo a que a lei nova não tenha eficácia retroativa, não se apresenta redundante que o legislador assim tenha previsto, considerando que quando a lei nova entra em vigor, muitos processos administrativos se encontram pendentes ou em curso, pretendendo-se que as novas regras não se apliquem aos processos que se encontrem a decorrer, mas apenas àqueles que sejam instaurados sob a vigência da lei nova.

Acresce que nos números seguintes, nos n.ºs 3 a 5 do artigo 15.º do D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10, o legislador diferiu a entrada em vigor de algumas alterações aprovadas por esse diploma, pelo que, não se apresenta despicienda a previsão na lei do momento da entrada em vigor, nos termos do disposto no n.º 2 do citado artigo 15.º.

Quanto à alegação de que esta alteração legislativa contende com os princípios da estabilidade e segurança jurídica, assim não se pode atender, considerando a margem de liberdade legislativa que é conferida ao Estado-legislador.

Da alteração do regime de contagem de prazo de impugnação de atos administrativos, prevista no n.º 2 do artigo 58.º do CPTA e da previsão de essa regra só se aplicar aos processos administrativos que se iniciem em juízo posteriormente não se deteta qualquer violação de princípio ou norma constitucional, como a do Estado de Direito democrático, em que assentam os princípios da certeza e da segurança jurídicas, por a lei nova apenas se aplicar para o futuro.

No demais, conforme o probatório assente, o ora Recorrente foi notificado da deliberação impugnada em 10/12/2015, em momento em que já se encontravam em vigor as alterações ao CPTA introduzidas pelo D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10, considerando o disposto no n.º 1 do citado artigo 15.º, que prevê que tal diploma entre em vigor 60 dias após a sua publicação.

O que significa que aquando a notificação do ato impugnado, já as novas regras relativas à contagem do prazo de impugnação de atos anuláveis se encontravam em vigor.

Não tem, pois, razão de ser todo o alegado na alegação de recurso, não enfermando a sentença recorrida do erro de julgamento que lhe é invocado, sendo aplicável ao presente processo o CPTA, segundo a redação que foi aprovada pelo D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10 e, consequentemente, a nova regra de contagem de prazo, ditando a intempestividade da ação administrativa de impugnação de ato administrativo que foi instaurada pelo Autor, ora Recorrente.

Nestes termos, é de manter a decisão recorrida, que julgou a exceção de caducidade do direito de ação procedente, por ter sido ultrapassado o prazo legal previsto, segundo os n.ºs 1 e 2 do artigo 58.º do CPTA.

2. Erro de julgamento quanto ao regime de invalidade do ato impugnado, que se reconduz ao regime da nulidade

No demais, sustenta o Recorrente que a sentença recorrida erra quanto ao regime de invalidade do ato impugnado, por o mesmo enfermar de vícios que se reconduzem ao regime de invalidade dos atos nulos e, em consequência, ser tempestiva a presente ação administrativa.

Alega o Recorrente que atendendo aos contornos do procedimento disciplinar, atento o conteúdo da acusação, os termos da defesa e ao ato impugnado, pelo menos, em parte, reconduzem-se ao regime da nulidade, pois o Recorrente em momento algum alcançou qual a acusação e os concretos factos que sobre si pendiam, assim como de que modo foi obtido o valor de € 4.765,00.

Defende o Recorrente que tendo aplicação o Direito Penal e o Direito Processual Penal ao direito administrativo sancionatório disciplinar, valem os princípios constitucionais e processuais penais, o que determina a aplicação do regime da nulidade em caso da omissão do direito de defesa do arguido e da alteração substancial dos factos consignada em sentença, por estarem em causa direitos fundamentais do trabalhador arguido e, em consequência, a nulidade insuprível do processo e da decisão final.

Conclui o Recorrente que ao decidir em sentido contrário, a sentença recorrida incorre em julgamento de direito.

Também sem razão, não podendo proceder os fundamentos do recurso alegados pelo Recorrente.

Todas as questões suscitadas pelo Recorrente, atinentes aos direitos e garantias de defesa do ora Recorrente no âmbito do concreto procedimento disciplinar que foi prosseguido pela entidade demandada, ora Recorrida, no caso de terem sido violados ou de algum modo preteridos ou afetados, não integram o regime de nulidade do procedimento disciplinar, nem da deliberação impugnada, aplicativa da sanção disciplinar, do mesmo modo que não enferma a sentença ora recorrida dessa censura.

Como antes tivemos oportunidade de defender (cfr. E-Book Curso de Especialização Temas de Direito Administrativo, Centro de Estudos Judiciários, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/TemasDireitoAdmin/Curso_Especializacao_Temas_Direito_Administrativo.pdf), é abundante a jurisprudência dos Tribunais Superiores no sentido de a nulidade insuprível decorrente da falta de audiência do arguido em procedimento disciplinar, de omissão de diligências essenciais em processo ou de violação das garantias de defesa, não constitui uma nulidade à luz do regime de invalidade dos atos nulos, segundo o disposto no atual artigo 161.º do CPA.

Nesse sentido, entre outros, vide os Acórdãos do STA, Processo n.º 911/08, de 23/09/2009; Processo n.º 498/09, de 08/10/2009; Processo n.º 1091/08, de 22/06/2010 e Processo n.º 723/10, de 07/06/2011.

Tal como entendido na sentença recorrida, mesmo que se viessem a demonstrar todos os factos e o respetivo enquadramento no Direito ao caso aplicável, em relação a todas as alegadas invalidades do procedimento disciplinar e da deliberação impugnada invocadas pelo Autor, nunca seria de concluir pela nulidade do procedimento ou da deliberação impugnada, por falta de enquadramento do litígio em causa em alguma das alíneas do disposto no n.º 2 do artigo 161.º do CPA.

Designadamente, o caso em presença não se enquadra na alínea d), do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, por ser de recusar que os factos alegados pelo Autor, ora Recorrente, se traduzam na violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, do mesmo modo que a situação em causa não se subsume na sua alínea g), por o procedimento prosseguido não carecer, em absoluto, da forma legal prescrita ou sequer, nos termos da alínea l) do preceito legal em causa, por não existir a preterição total do procedimento disciplinar.

Assim, mesmo que a deliberação impugnada incorresse na censura que se mostra alegada em juízo, a mesma não se reconduziria ao regime de invalidade dos atos nulos, de modo a que a presente ação administrativa pudesse ser instaurada independentemente de prazo.

Antes está a ação sujeita ao prazo de instauração que se encontra previsto para a impugnação dos atos anuláveis, de três meses, previsto no n.º 1 do artigo 58.º do CPTA, contado nos termos do seu n.º 2, o que determina a procedência da exceção de caducidade do direito de ação como decidido na sentença recorrida ou, melhor, segundo o disposto na alínea k), do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, a procedência da exceção de intempestividade da prática do ato processual, configurada no corpo do citado n.º 4 do artigo 89.º como uma exceção dilatória, que acarreta a absolvição da Entidade Demandada da instância e não a absolvição do pedido, como defendido pelo Ministério Público.


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Termos em que será de negar provimento ao recurso interposto pelo Autor, por não provados os seus fundamentos, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica.


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Sumariando, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. A alteração aprovada ao artigo 58.º n.º 2 do CPTA determina que o prazo de impugnação de atos administrativos é um prazo substantivo, o qual, por aplicação do disposto no artigo 279.º do CC corre em dias seguidos, ao contrário do que vigorou durante a vigência da anterior redação do preceito, em que por estar em causa um prazo processual apenas contavam os dias úteis.

II. O D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10 operou a revisão do direito processual administrativo, introduzindo importantes alterações ao CPTA, enquanto código que regula os processos administrativos instaurados nos Tribunais Administrativos, não tendo sustento a interpretação que considera que as alterações introduzidas ao CPTA só se aplicam aos procedimentos administrativos cujo início seja posterior ao da entrada em vigor das alterações ao CPTA.

III. O artigo 15.º n.º 2 do D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10 refere-se expressamente a processos administrativos, por referência ao processo judicial que é instaurado nos Tribunais Administrativos, não existindo qualquer referência a procedimentos administrativos, não incidindo as alterações em causa ao nível do procedimento administrativo, por nenhuma alteração ser introduzida ao CPA.

IV. As referências que ao longo do CPTA existem ao processo administrativo, referem-se ao processo que correu termos junto da entidade demandada, ao tradicionalmente designado processo administrativo gracioso, por oposição a processo administrativo contencioso.

V. Tais referências ao processo administrativo referem-se ao conjunto de documentos em que se corporiza o exercício da atividade administrativa, segundo a definição de processo administrativo dada pelo n.º 2 do artigo 1.º do CPA, enquanto conjunto de documentos devidamente ordenados em que se traduzem os atos e formalidades que integram o procedimento administrativo.

VI. O n.º 2 do artigo 15.º do D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10 refere-se ao processo administrativo que corre termos no tribunal, no sentido de tais alterações introduzidas ao CPTA se aplicarem a todos os processos administrativos que sejam instaurados nos Tribunais Administrativos a contar da sua entrada em vigor, em 01/12/2015.

VII. A alteração legislativa ao artigo 58.º, n.º 2 do CPTA quanto ao modo de contagem do prazo não contende com os princípios da estabilidade e segurança jurídica, considerando a margem de liberdade legislativa que é conferida ao Estado-legislador e o novo regime só se aplicar para o futuro, aos processos a instaurar.

VIII. As questões atinentes à violação dos direitos e garantias de defesa no âmbito do procedimento disciplinar, não integram o regime de nulidade do procedimento disciplinar, nem da deliberação de aplicação da sanção disciplinar, não se reconduzindo ao regime de invalidade dos atos nulos, segundo o disposto no artigo 161.º do CPA.

IX. Estando a ação sujeita ao prazo de impugnação dos atos anuláveis, de três meses, previsto no n.º 1 do artigo 58.º do CPTA, contado nos termos do seu n.º 2, determina a procedência da exceção de caducidade do direito de ação ou, segundo o artigo 89.º, nº 4, al. k) do CPTA, a procedência da exceção de intempestividade da prática do ato processual, configurada no corpo do citado n.º 4 do artigo 89.º como uma exceção dilatória, que acarreta a absolvição da entidade demandada da instância e não a absolvição do pedido.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus respetivos fundamentos, mantendo a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente – artigos 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º e 12.º n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Pedro Marchão Marques)

(Alda Nunes)