Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:91/22.3BCLSB
Secção:JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:05/20/2022
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA.
PROVIDÊNCIA CAUTELAR.
COMPETÊNCIA.
PERICULUM IN MORA.
Sumário:I. A exclusão de competência prevista no artigo 4º, n.º 3,  al) a da Lei do TAD consubstancia uma excepção dilatória e dá lugar à absolvição da instância (artigo 89.º n.ºs 1, 2 e 4 alínea a) do CPC)

II. O fundado receio ou periculum in mora, cuja verificação é necessária para a procedência do procedimento cautelar comum, tem de resultar da alegação de factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo.

III. Não ocorre periculum in mora quando os danos invocados pela Requerente consistem, fundamentalmente, na impossibilidade de comparecer à final da competição, quando esta não disputou, nem sequer demonstrou que deveria ter disputado, os quartos e as meias-finais. 

Votação:DECISÃO SUMÁRIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Decisão
(artigo 41.º, n.º 7, da Lei do TAD)


I. Relatório

A a ………………………………, com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) uma providência cautelar contra a Federação Portuguesa …… (Federação ou FP……), pedindo a suspensão da eficácia dos efeitos:

i) Da deliberação da 20.04.2022 do Conselho de Disciplina da Federação, proferida nos autos disciplinares n.º …………., que lhe aplicou uma pena disciplinar de multa no valor de EUR 5.000,00 (cinco mil euros) “sem prejuízo da sanção desportiva decorrente da utilização irregular de jogadores”;

ii) E da decisão datada de 30.04.2022, da Direcção da FP.. que decidiu aplicar-lhe: “(…) 1- Uma sanção de desclassificação do CNDH, época 2021/2022 (…) 2- A desclassificação da Equipa da ………. terá por consequência (...) 2.1. A anulação de todos os pontos conquistados pela ……….., na época 2021/2022, no CNDH; 2.2. A impossibilidade continuar a disputar, época 2021/2022, o CNDH, bem como qualquer outra competição do escalão sénior em que participe; 2.3. A descida ao Campeonato Nacional da Segunda Divisão, a disputar na época 2022/2023, por ser esse o último escalão competitivo da FPR; 2.4 Iniciar a próxima época em que participe com 5 (cinco) pontos negativos (…)”.

No pedido cautelar formulado a Requerente sustenta que: “ Ambas as decisões da FPR ora impugnadas consubstanciam-se numa alegada violação, pela ………., do artigo 37.º n.º1, alínea a) do Regulamento de Disciplina da FP…….., época 2021/2022, ou seja, ambas as decisões de cariz sancionatório aplicadas pela FPR à …… promanam dos mesmos fundamentos materiais, ainda que cada qual tenha algumas especificidades e que de ambas emanem diferentes sanções disciplinares: na primeira, uma sanção pecuniária; na segunda alguma sanções desportivas, entre as quais a mais gravosa sanção disciplinar que pode ser aplicada no fenómeno desportivo: desclassificação, isto é, despromoção ao escalão inferior, descida de divisão.

E quanto à deliberação do Conselho de Disciplina da FP…, de 20.04.2022, a Requerente sufraga em complemento que:

47. (…) o Clube de Rugby do Técnico legitimidade para apresentar contestação no âmbito de um processo disciplinar emergente de um protesto referente a um jogo do Campeonato Nacional da Divisão de Honra de Rugby que opôs uma sua equipa a uma equipa do CDUL, atuando na qualidade de representante e gestor das equipas de rugby da A….Técnico.

(…)

52.É que uma eventual decisão da procedência da exceção de ilegitimidade consubstanciaria uma clamorosa ofensa à tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente garantida e que, desde já, se invoca, atendendo à legitimidade substantiva do Clube ………. nos presentes autos.

53. Sendo que, reitera-se, as sanções aplicadas materialmente se repercutem exclusivamente na esfera jurídica do Clube de Rugby do Técnico e não da AEIS Técnico.

54. Em conclusão, o Clube de Rugby do Técnico tem legitimidade substantiva para, nos termos em que o fez, apresentar a sua contestação no quadro de um processo disciplinar que materialmente a si e apenas a si o afeta e cuja decisão de mérito nos presentes autos apenas terá consequências na sua esfera jurídica.

55.Face ao exposto deveria o Clube ………….. ter sido julgado parte legítima nos presentes autos. Não o tendo sido, o seu direito de defesa (que é o direito de defesa da A………..) foi precludido, o que se traduz na anulabilidade do projeto de decisão, nos termos do disposto no artigo 163º, nº1, do Código de Processo Administrativo, o que se requer seja declarado.

Continua a Requerente a alegar, nos artigos 59º e 60º da p.i., que: “(…)em momento algum foi a AEIST notificada para comparecer a qualquer inquirição de testemunhas, fossem as arroladas por si, fossem as arroladas pelo C………...” o que significa “que foi preterida a devida audiência prévia da A…………..”

Relativamente ao que denomina “Decisão Final" do Conselho de Disciplina da FP…… alega que a mesma “deliberou pela procedência do protesto apresentado pelo C……….., na qual este alega que a A………. utilizou irregularmente nove jogadores no jogo que ocorreu no dia 23 de Março de 2022, no Complexo Desportivo de Évora, em que se defrontaram, precisamente, C……… e A……….” secundando ” o C……….. na tese de que a A………..incorreu na prática da infração prevista no artigo 37º, n.º1, alínea a) do Regulamento de Disciplina da FP…. Mais alegou o C………….que o Comunicado da Direcção da FP……… correspondia a uma medida adotada com ‘Inteira justiça”, "nos termos da regulamentação aplicável" - sem, contudo, referir qual essa regulamentação, e admitindo mesmo que a medida se tivesse ancorado no artigo 25.º n.º1, alínea t) dos Estatutos da FP…… (integração de casos omissos...)” e que mal andou ao ter concluído que o vício em presença é o de violação de lei, com o desvalor nos termos do artigo 163º do CPA (artigos 63º a 103 do r.i).

Sustenta, em conclusão, que a deliberação do Conselho de Disciplina da FP…….., de 20.04.2022, é anulável “por preclusão do direito de defesa da A…………, nos termos de para os efeitos do artigo 163.º, n.º 1 do Código do Processo Administrativo (CPA”) e “ por preterição do direito de audiência prévia da Recorrente, na vertente do direito à produção de prova antes de decisão, nos termos de para os efeitos do artigo 163º, nº1 do Código do Processo Administrativo (CPA)”, e é nula “por violação do artigo 161º, nº1, alíneas g) e h) do CPA e, sem conceder, caso se entende que o vício existente é o da anulabilidade, o prazo geral de três meses para a impugnação da decisão ainda está a correr, inexistindo, pois, qualquer conformação da A………. com a decisão (e desaplicando-se o artigo 87º do RGC por inconstitucional, face à violação do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente tutelado).

Relativamente à decisão da Direcção da Federação de 30.04.2022 defende nos artigos 134º e 137º do referido articulado que os Estatutos da FP…….. não cometem qualquer competência sancionatória à Direcção da Requerida. Assevera, assim, “que a FP… aplicou uma sanção disciplinar de desclassificação, e outras sanções conexas com efeitos desportivos, através de um órgão - a Direcção - que não tinha poderes para tal, pelo que padece de invalidade, concretamente de vício de anulabilidade, que se requer seja declarado, nos termos e para os efeitos do artigo 163.9, n.9 1 do CPA.”

Conclui, entre o mais, que a “A decisão é anulável porque a FP…. aplicou uma sanção disciplinar de desclassificação, e outras sanções conexas com efeitos desportivos, através de um órgão - a Direcção - que não tinha poderes para tal, pelo que padece de invalidade, o que se requer seja declarado, nos termos e para os efeitos do artigo 163º, nº 1 do CPA.” Mais alega que a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da Requerida viola as disposições legais e regulamentares aplicáveis. Mostra-se assim preenchido o primeiro requisito (fumus boni iuris) de que depende o decretamento da medida cautelar que ora se requer.

Afirma ainda que a execução das decisões impugnadas causará prejuízos graves e irreparáveis na esfera jurídica do Requerente, quer de natureza desportiva, quer de natureza patrimonial, dado que deixaria de “competir no Campeonato Nacional da Divisão de Honra e a descer para um escalão inferior, desportivamente muito menos relevante” causando “a saída dos principais jogadores do plantei, senão todos, que apenas querem competir no Campeonato Nacional da Divisão de Honra e não num escalão mais baixo”.

A este impacto negativo do ponto de vista desportivo somar-se-á os enormes prejuízos financeiros que estima “desde já, em não menos do que € 340.000 (trezentos e quarenta mil euros), referentes a danos emergentes e lucros cessantes” por perda de patrocínios.

Alega por fim que o prejuízo para a Requerida com o decretamento da providência peticionada não é superior ao dano que com ela se quer evitar.



II. Da intervenção do Presidente do TCA Sul

Por despacho de 3.05.2022 do Sr. Vice-Presidente do TAD, proferido ao abrigo do disposto no artigo 14.º, n.º 2 da Lei do TAD, foram os autos remetidos nesse mesmo dia a este TCA Sul para apreciação e decisão, com fundamento na circunstância de não ser viável em tempo útil a constituição do colégio arbitral e, assim, não estar o TAD em condições de apreciar o pedido cautelar formulado.

O Relator, por despacho de 4.05.2022, não sendo de a dispensar, ordenou a citação da Federação, ora Requerida, nos termos do disposto no artigo 41º, nº 5 da Lei do TAD.

Citada, veio a FPF tempestivamente deduzir oposição, defendendo-se por impugnação e por excepção.

Por excepção alegou a incompetência do Tribunal Arbitral do Desporto e deste Tribunal Central Administrativo, por entender que o TAD carecia de competência para apreciar e emitir um juízo sobre a decisão da Direcção da FP….., datada de 30.04.2022, afastando também a possibilidade de intervenção do TCA Sul, de acordo com o disposto no artigo 30º dos Estatutos da Federação Portuguesa ……….. e o próprio regime do TAD o estatui no nº 3 do artigo 4º da Lei nº 74/2013 de 6 de Setembro, entretanto alterada pela Lei nº 33/2014 de 16 de Junho.

A Requerida comunicou, ainda, que a Requerente já havia recorrido para o Conselho de Justiça da FP…….da decisão da Direcção e que aquele órgão já havia decidido o recurso, confirmando a decisão aqui sindicada.

Por impugnação diz no essencial, em termos de fumus boni iuris, que a Requerente não demonstra a existência provável de um direito ameaçado, já que se limita a alegar qua a decisão proferida pelo CD da FP….. “viola as disposições legais e regulamentares aplicáveis. Mostra-se assim preenchido o primeiro requisito (fumus boni iuris) de que depende o decretamento da medida cautelar que ora se requer." sem “qualquer preocupação de alegar, sequer sintetizar, esse requisito.”

E, para fundamentar a falta de verificação do requisito do periculum in mora a Federação defende, em síntese, que a Requerente “não expressa nem fundamenta este requisito (…) nem sequer faz um esforço, limitando-se a falar em danos e prejuízos que em nenhum momento concretiza ou comprova, sequer indiciariamente”.

Por despacho proferido em 17.05.2022, foi notificada a Requerente para, querendo, apresentar resposta à matéria de excepção deduzida pela FP…….

Em 19.05.2022, a Requerente apresentou requerimento no qual defendeu a total improcedência da excepção deduzida, pugnando pela competência do TAC Sul para decretar as providências cautelares requeridas.



III. Da instância, instrução da causa e valor

As partes são legitimas e o processo é o próprio.

Atenta a natureza indeterminável dos interesses em discussão no presente processo, nos termos previstos no art. 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, fixa-se ao presente processo o valor de EUR 30.000,01.

Finda a fase de apresentação dos articulados procedeu-se a uma análise liminar dos mesmos, não se vislumbrando que da p.i. constasse a alegação de factos concretos que careçam de prova testemunhal. As versões apresentadas têm o seu suporte probatório assente nos documentos e as questões a decidir são fundamentalmente de direito e de apreciação dos aludidos documentos. Pelo que, atento o disposto no artigo 367º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 41°, n° 9, da Lei do TAD, dispensa-se, no que a estes autos cautelares respeita, a produção de prova testemunhal e declarações de parte.

Embora a Requerente alegue, para fundamentar o periculum in mora, prejuízos decorrentes das perdas de receitas dos patrocinadores, alega igualmente prejuízos de natureza não patrimonial com clara dimensão imaterial, tal como o impacto negativo na imagem da A…………..

Atenta a natureza indeterminável dos interesses em discussão no presente processo, nos termos previstos no art. 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, fixa-se ao presente processo o valor de EUR 30.000,01.



III.i Da matéria de excepção

Importa apreciar prioritariamente a excepção suscitada na oposição, a saber:

A incompetência do TAD e deste Tribunal Central Administrativo Sul para apreciar e emitir um juízo sobre a decisão datada de 30.04.2022, da Direcção da FP……… que decidiu aplicar a Requerida “(…) 1- Uma sanção de desclassificação do CNDH, época 2021/2022 (…) 2- A desclassificação da Equipa da A ……. terá por consequência (...) 2.1. A anulação de todos os pontos conquistados pela A…….., na época 2021/2022, no CNDH; 2.2. A impossibilidade continuar a disputar, época 2021/2022, o CNDH, bem como qualquer outra competição do escalão sénior em que participe; 2.3. A descida ao Campeonato Nacional da Segunda Divisão, a disputar na época 2022/2023, por ser esse o último escalão competitivo da FP…; 2.4 Iniciar a próxima época em que participe com 5 (cinco) pontos negativos (…)”.

Vejamos.

A Lei nº 74/2013 de 06.09 criou o Tribunal Arbitral de Desporto (TAD) - com competência específica para administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto – e aprovou a respectiva lei, entretanto alterada pela Lei nº 33/2014 de 16.06.

O artigo 4º da Lei do TAD regula a arbitragem necessária e os artigos 6º e 7º a arbitragem voluntária.

Para o caso, tem interesse o artigo 4º, na redacção dada pela Lei nº 33/2014 de 16.06, que estabelece que: “1 - Compete ao TAD conhecer dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, Direcção e disciplina.

2 - Salvo disposição em contrário e sem prejuízo do disposto no número seguinte, a competência definida no número anterior abrange as modalidades de garantia contenciosa previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos que forem aplicáveis.

3 - O acesso ao TAD só é admissível em via de recurso de:

a) Deliberações do órgão de disciplina ou decisões do órgão de justiça das federações desportivas, neste último caso quando proferidas em recurso de deliberações de outro órgão federativo que não o órgão de disciplina;

b) Decisões finais de órgãos de ligas profissionais e de outras entidades desportivas.

4 - Com exceção dos processos disciplinares a que se refere o artigo 59º da Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto, compete ainda ao TAD conhecer dos litígios referidos no nº 1 sempre que a decisão do órgão de disciplina ou de justiça das federações desportivas ou a decisão final de liga profissional ou de outra entidade desportiva não seja proferida no prazo de 45 dias ou, com fundamento na complexidade da causa, no prazo de 75 dias, contados a partir da autuação do respetivo processo

5 - Nos casos previstos no número anterior, o prazo para a apresentação pela parte interessada do requerimento de avocação de competência junto do TAD é de 10 dias, contados a partir do final do prazo referido no número anterior, devendo este requerimento obedecer à forma prevista para o requerimento inicial.

6 - É excluída da jurisdição do TAD, não sendo assim suscetível designadamente do recurso referido no n.º 3, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.

Temos assim, no âmbito desta arbitragem necessária, e no que respeita aos recursos das deliberações dos órgãos de disciplina das federações desportivas, erigido um sistema de delimitação recíproca de competências necessárias e exclusivas entre o TAD e os conselhos de justiça (ou equivalentes) das federações desportivas, que pode enunciar-se, do seguinte modo:

1- As deliberações dos órgãos de disciplina das federações desportivas só são recorríveis para o TAD, se não estiverem em causa “questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva”; e, naturalmente, como se viu já, sem prejuízo da impugnação administrativa necessária que se imponha a montante do recurso para o TAD;

2- As deliberações dos órgãos de disciplina das federações desportivas só são recorríveis para os conselhos de justiça (ou equivalentes), se estiverem em causa “questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva”; (…)”

No que diz respeito às providências cautelares, o n.º 1 do artigo 41.º da LTAD estatui que “o TAD pode decretar providências cautelares adequadas à garantia da efetividade do direito ameaçado, quando se demonstre fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, ficando o respetivo procedimento cautelar sujeito ao regime previsto no presente artigo”.

É inequívoco da peça inicial dos presentes autos cautelares que a Requerente colocou em causa junto do TAD e deste TCAS, por força do disposto no artigo 41º, nº7 da LTAD, a decisão da Direcção da FPR de 30.04.2022.

E, estando em causa uma decisão proferida pela Direcção da FP……, dispõe o nº 1 do artigo 29.º dos Estatutos da FP………., que ao Conselho de Justiça cabe para “além de outras competências que lhe sejam atribuídas pelos estatutos …conhecer dos recursos das decisões disciplinares relativas a questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares respeitantes à prática da própria competição desportiva.

E sob a epigrafe “Competência” estabelece-se no seu artigo 30º, que:

1. Compete ao Conselho de Justiça:

a) (…)

b) Conhecer e decidir em última instância os recursos interpostos das deliberações dos outros órgãos sociais, com exceção da Assembleia Geral; (…)”

O nº 1 do artigo 46º dos Estatutos da FP……..determina que:

“1. No âmbito desportivo, o poder disciplinar da FP……… exerce-se sobre os clubes, sociedades desportivas, dirigentes, praticantes, treinadores, técnicos, árbitros, e, em geral, sobre todos os agentes desportivos que desenvolvam a atividade desportiva compreendida no seu objeto estatutário, nos termos do respetivo regime disciplinar. (…)”

Da leitura dos artigos supra transcritos resulta que a Direcção da Federação não tem competência para o exercício do poder disciplinar. De acordo com os Estatutos da FP…….., à Direcção da Requerida compete apenas e tão só “[z]elar pelo cumprimento dos Estatutos e da deliberações dos seus órgãos” (cfr. artigo 25º, al. s), dos Estatutos).

É manifesto que nem o Tribunal Arbitral do Desporto, nem este Tribunal Central Administrativo Sul, têm competência para apreciar a decisão da Direcção da FP………., aqui sindicada. Aliás, diríamos que a própria Requerente o reconhece, uma vez que já recorreu para o órgão federativo competente - o Conselho de Justiça da FP……- o qual, inclusive, decidiu esse recurso em 5.05.2022.

Opera, assim e no que concerne à impugnação da Decisão da Direcção, datada de 30.04.2022, a exclusão de competência prevista no artigo 4º, n.º 3, al) a da Lei do TAD o que consubstancia uma excepção dilatória, dando lugar à absolvição da instância (artigo 89.º n.ºs 1, 2 e 4 alínea a) do CPCP), o que adiante se determinará no lugar próprio (infra).



V. Fundamentação

V.i. De facto

Com interesse para a decisão da presente providência cautelar, naquilo que cumpre conhecer, relevam os seguintes factos, documentalmente comprovados:

a) A Requerente foi notificada da deliberação do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa …………….., proferida a 20.04.2022, no âmbito do processo disciplinar n.º ………….., que lhe aplicou a sanção disciplinar de multa de EUR 5.000,00, sem prejuízo da sanção desportiva decorrente da utilização irregular de jogadores - cfr. documento junto com a p.i. e que se dá por integralmente reproduzido.

b) Da deliberação supra, consta o seguinte (idem):

«Texto original»

(...)

«Texto original»

(…)

«Texto original»

(…)

«Texto original»

(…)

«Texto original»

(…)

«Texto original»

c) Esta decisão foi notificada a requerente no mesmo dia – cfr. doc. 1 junto com a p.i.;

d) A final da competição do CNDH realiza-se no próximo Sábado, dia 21 de Maio - Doc. n.º 1 junto com a resposta à excepção;

e) As meias-finais da competição foram disputadas no fim-de-semana de 30 de Abril e 1 de Maio – cf. consulta ao site da Federação;

f) A presente acção cautelar deu entrada no TAD no dia 3 de Maio de 2022.

g) Nada mais vindo alegado, de facto, nada mais importa indiciariamente provar.



V.ii. De direito

Nos termos do disposto no art. 41.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro, “[o] TAD pode decretar providências cautelares adequadas à garantia da efetividade do direito ameaçado, quando se mostre fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, ficando o respetivo procedimento cautelar sujeito ao regime previsto no presente artigo. E, de acordo com o n.º 9 desse artigo, “[a]o procedimento cautelar previsto no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os preceitos legais relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do Código de Processo Civil”.

Dispõe o artigo 368.º do CPC:

1- A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.

2 - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.

3 - A providência decretada pode ser substituída por caução adequada, a pedido do requerido, sempre que a caução oferecida, ouvido o requerente, se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente.

4 - A substituição por caução não prejudica o direito de recorrer do despacho que haja ordenado a providência substituída, nem a faculdade de contra esta deduzir oposição, nos termos do artigo 370.º.

Como já se deixou estabelecido anteriormente, são requisitos essenciais destas providências cautelares (cfr., i.a., a decisão de 5.11.2021, proc. n.º 130/21.5BCLSB):

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

Sendo que esta titularidade do direito, deve ser séria; ou seja, no sentido de que ao requerente da providência lhe venha a ser reconhecida razão, ainda que essa análise deva ser feita – como não podia deixar de o ser, face à natureza deste meio processual – sob os ditames próprios de uma summario cognitio. Dito de modo diverso, é pressuposto (cumulativo) do decretamento da providência a probabilidade séria (fumus boni juris), embora colhida a partir de análise sumária (summaria cognitio) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor.

Por sua vez, na demonstração do grau de probabilidade ou verosimilhança em relação à existência do direito invocado pelo requerente da providência, concorre não só o acervo probatório constante do processo e que se revele adequado a formar a convicção do julgador quanto ao grau de probabilidade de existência do direito invocado, como a jurisprudência tirada sobre casos análogos e cuja decisão seja proferida por referência ao mesmo quadro normativo. Não poderá afirmar-se a “probabilidade séria da existência direito” invocado, se esse mesmo direito não é reiteradamente reconhecido nas acções principais que sobre ele versam.

É certo que o fumus boni iuris decorre da suficiência da mera justificação dos fundamentos do mesmo. Mas, como se escreveu no ac. de 19.09.2019 do TR de Guimarães, proc. n.º 97/19.0T8VNC.G1: “na aferição de tal requisito, bem como dos demais, deve ter-se sempre presente uma perspectiva de instrumentalidade hipotética, isto é, de que a composição final e definitiva do litígio no processo respectivo possa vir a ser favorável ao requerente”.

Ou seja, o legislador não faz depender a atribuição de providências cautelares da formulação de um juízo sobre as perspetivas de êxito que o Demandante tem no processo principal.

Foi, de resto, esse o sentido dado no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul – TCAS, de 04.05.2018, tirado no proc. n.º47/18.0BCLSB, a propósito de uma providência cautelar, na qual este tribunal considerou que “a remissão do n.º 9 do artigo 41.º da LTAD para os preceitos relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do CPC, permite-nos concluir que será suficiente que o requerente forneça todos os elementos de prova razoavelmente disponíveis, a fim de se adquirir, apenas com(o) uma probabilidade séria, a convicção de que o requerente é titular do direito em causa e de que este último é objeto de uma violação atual ou iminente. A remissão para os preceitos legais relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do Código do Processo Civil, ao invés do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), terá de nos levar a concluir que a intenção do legislador (da LTAD) não foi a de fazer depender a atribuição de providências cautelares da formulação de um juízo sobre as perspetivas de êxito que o requerente tem no processo principal, mas apenas de violação atual ou iminente de um direito que o requerente, com probabilidade séria, seja titular”.

Na presente acção cautelar resulta demonstrado que a deliberação da 20.04.2022 do Conselho de Disciplina da Federação, proferida nos autos disciplinares n.º 28-2021/22, que aplicou à Requerente uma pena disciplinar de multa no valor de EUR 5.000,00 (cinco mil euros) impõe ainda a aplicação “da sanção desportiva decorrente da utilização irregular de jogadores”.

Vejamos quanto à verificação do pressuposto atinente à aparência do direito.

Os factos antes enunciados para efeitos do juízo cautelar, não permitem, é certo, antecipar qualquer decisão sobre o direito que invoca no recurso da decisão do CD da Federação. E, embora se aceite que as questões colocadas pela Requerente não sejam manifestamente infundadas, terá de se convir que, face aos argumentos invocados pelas partes nesta providencia cautelar, as mesmas não são de muito fácil apreciação sumária.

Mas a verdade é que se entende, por desnecessário, não ser de avançar com qualquer apreciação sumária desta aparência de bom direito – fumus boni juris ou probalidade séria da existência de direito -, mesmo considerando, como se sabe, que nunca estaríamos neste procedimento cautelar perante um qualquer juízo antecipatório da decisão principal, visto não poder ele ter nesta qualquer influência.

E afirma-se uma tal desnecessidade porque dado o caracter cumulativo dos pressupostos exigidos para o decretamento da providência cautelar, basta um deles claudicar para não ser possível decretar a providência. É o que sucede neste caso, como se passará a demonstrar relativamente ao pressuposto da existência do periculum in mora.

A propósito do periculum in mora, veja-se o que se concluiu no ac. de 11.02.2021 do T. R. de Lisboa, no proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2:

“(…) não é toda uma qualquer ou mera consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva, que se configura com capacidade de justificar o recurso e decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da requerida contraparte;

III - efectivamente, de acordo com a legal enunciação, só lesões graves e dificilmente reparáveis têm a virtualidade e viabilidade de permitir ao tribunal, mediante iniciativa do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto e salvaguarda da previsível lesão;

IV – destra forma, a decisão cautelar do tribunal, de forma a evitar a lesão, está condicionada à projecção da lesão como grave, bem como ao facto, em cumulação, de ser dificilmente reparável do direito afirmado;

(…)

VII - revelando-se, inclusive, necessário o preenchimento concludente ou impressivo de tal requisito de periculum in mora, devendo a gravidade e a difícil reparação da lesão ou dano, configurar-se com um plus, acrescento ou excesso de risco, relativamente àquele que normalmente existe e é inerente à pendência de qualquer acção ;

(…).”

O periculum in mora, como afirmado no ac. 14.06.2018 do STA, proc. 435/18, “constitui verdadeiro leitmotiv da tutela cautelar, pois é o fundado receio de que a demora, na obtenção de decisão no processo principal, cause uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil ou impossível reparação aos interesses perseguidos nesse processo que justifica este tipo de tutela urgente”.

O fundado receio ou periculum in mora, cuja verificação é necessária para a procedência do procedimento cautelar comum, tem de resultar da alegação de factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Como ensina Abrantes Geraldes: “só devem ter-se em conta para a aferição da existência do requisito do “periculum in mora” as lesões graves e dificilmente reparáveis, em que se exigem maiores cuidados, devendo o juiz “convencer-se da seriedade da situação invocada pelo requerente e da carência de uma forma de tutela que permita pô-lo a salvo de lesões graves e dificilmente reparáveis.// A gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado” (in Temas Da Reforma Do Processo Civil, vol. III, 1998, pp. 83 a 88).

E como a jurisprudência tem entendido, a “previsível gravidade da lesão deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera do interessado, abrangendo tanto os prejuízos materiais, como os prejuízos imateriais ou morais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação” (cfr., i.a., o ac. do T.R.Coimbra, proc. n.º 306/15.4T8FND.C1). É que, como bem sintetiza Antunes Varela, as providências cautelares “visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença não se torne numa decisão puramente platónica” (cfr. A. Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. revista e actualizada, 1985, p. 23).

E sabido é que os danos ou prejuízos imateriais ou morais são por natureza irreparáveis ou de difícil reparação (cfr. o ac. de 8.04.2021 do T.R. de Guimarães, proc. n.º 1053/21.3T8GMR.G1; idem, o ac. de 11.02.2021 do T.R. de Lisboa, proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2). Sendo que a privação ou limitação do exercício daqueles direitos constituem, por regra, em si mesmo, um dano de difícil reparação.

Também no que concerne à gravidade, “apenas merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum as lesões graves e de difícil reparação, ficando arredadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento cautelar comum, ainda que se mostrem de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida” (idem, o ac. do T.R. de Lisboa citado).

De igual modo, afirmou o STJ, no acórdão de 7.12.2017, proc. n.º 697/16.0T8VVD.G1, que “[n]o essencial, pretendem-se prevenir os prejuízos que decorrem da natural demora do processo - o periculum in mora. // Decidiu o S.T.J., no Ac. de 18/03/2010, que a providência deve ser decretada, “sempre que se esteja ante uma lesão grave, atenta a importância patrimonial ou extrapatrimonial do direito ou do bem que aquele incide (objecto mediato) e que está em risco de ser sacrificado, e não seja razoável exigir que tal risco seja suportado pelo titular do direito ameaçado, na medida em que a reparação de tal dano seja avultada ou mesmo impossível (ut Procº. 1004/07.8TYLSB.L1.S1, Cons.º Álvaro Rodrigues in www.dgsi.pt).

De regresso ao caso que nos ocupa, comecemos, por uma questão de melhor enquadramento, por ponderar se existe uma violação iminente do direito, suscetível de causar lesão grave e dificilmente reparável.

É que o fundado receio de lesão grave irreparável e dificilmente reparável deve ser cuidadosamente analisado na medida em que não é toda e qualquer lesão que justifica o preenchimento deste requisito, pois só lesões graves e dificilmente reparáveis têm essa virtualidade de permitir ao tribunal a tomada de uma decisão que defenda o interessado – o requerente da providência - do perigo de lesão.

Ora, certo é que não se vislumbra que danos se pretendem evitar neste capítulo, na medida em que a questão da eventual reposição dos pontos subtraídos e substituição da equipa será uma questão meramente administrativa e de reordenação das tabelas classificativas, sendo que nenhum jogo mais a Requerente alega ter de disputar nesta época desportiva. Donde, o dano aqui invocado apresenta-se como reparável.

A Requerida, na sua oposição, considera que “a Requerente não expressa nem fundamenta este requisito do periculum in mora , nem sequer faz um esforço, limita-se a falar de danos e prejuízos que em nenhum momento concretiza ou comprova, sequer indiciariamente”.

E, de facto, a Requerente não sustenta que em que medida a disputa da final do Campeonato Nacional da Divisão de Honra, no próximo dia 21 (sábado) lhe acarreta prejuízos financeiros, não invocado um dano real. Mais: não se alcança propriamente que danos se pretende evitar com tal pedido na medida em a Requerente não esteve presente nem nos quartos nem nas meias-finais. E nem sequer alegou e demonstrou como poderia ter acedido e disputado esses jogos. Ou seja, qual o prejuízo efectivo para a Requerente adveniente da realização da final da competição? Nenhum.

No caso concreto, os danos invocados pela Requerente consistem, fundamentalmente, na impossibilidade de comparecer à final, quando, entendemos ser de repetir, não foi chamada a disputar nem os quartos nem as meias-finais.

E quanto aos alegados prejuízos de ordem patrimonial, nada vem alegado de concreto, nem foi apresentada prova indiciária, que permita pressupor uma afectação da esfera jurídica da Requerente de modo grave e muito menos irreparável.

Em suma, tudo ponderado, na situação concreta em análise, temos por não verificado o requisito do periculum in mora, o que determina a improcedência da providência cautelar.

Nada mais, nesta sede, cumpre, portanto, apreciar.



VI. Decisão

Nestes termos e pelo exposto, julga-se:

- Procedente a exceção dilatória da incompetência do TAD e deste Tribunal Central Administrativo para apreciar e julgar a decisão de 30.04.2022 da Direcção de Federação ………………, o que se declara, e, consequentemente, absolve-se nessa parte a Requerida da instância; e

- Improcedente o pedido cautelar de suspensão da eficácia dos efeitos da deliberação de 20.04.2022 do Conselho de Disciplina da Federação, proferida nos autos disciplinares n.º …………, mantendo-se integralmente a decisão suspendenda.

Custas a cargo da Requerente.

Notifique pelo meio mais expedito; comunique ao TAD.

Lisboa, 20 de Maio de 2022

Pedro Marchão Marques

(Juiz presidente)