Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09608/16
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2016
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
CONCEITO DE RENDIMENTO TRIBUTÁRIO EM SEDE DE C.I.R.S. (CONCEPÇÃO DE RENDIMENTO-ACRÉSCIMO).
RENDIMENTOS DA CATEGORIA A, DE I.R.S. ARTº.2, DO C.I.R.S.
ÓNUS DA PROVA.
DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO. CONCEITO.
Sumário:1. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
2. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.).
3. É no artº.2, do C.I.R.S., que se englobam todos os rendimentos da categoria A - rendimentos do trabalho dependente - sujeitos ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, para o efeito se exigindo o carácter remuneratório dos mesmos, ou seja, que se trate de rendimentos obtidos como retribuição de trabalho prestado por conta de outrem. À primeira vista, a norma, cuja origem é o antigo Imposto Profissional, serve para confirmar o princípio de que todas as chamadas "van­tagens acessórias" são tributáveis em I.R.S.
4. No citado artº.2, do C.I.R.S., o legislador teve a intenção de tipificar de forma muito ampla ou esgotante, a incidência do imposto, nela se incluindo todos os rendimentos de alguma forma advindos do trabalho dependente. Há que salientar, desde logo, que este conceito de remuneração é mais lato que o acolhido pelo direito laboral, tal como que o relevante para efeitos de incidência das contribuições para a segurança social. É rendimento da categoria A tudo aquilo que o trabalhador receba em razão do seu trabalho, em dinheiro, em espécie ou sob a forma de quaisquer outras vantagens, salvo o expressamente exceptuado pela lei. Tais remunerações, qualquer que seja a forma ou denominação sob que se apresentem (cfr.artº.2, nº.2, do C.I.R.S.), poderão resultar, quer do cumprimento de obrigações contratuais da entidade patronal, quer de decisões a que esta não se encontra legalmente obrigada (v.g.concessão de prémios). Poderão resultar, ainda, de presta­ções feitas por terceiros, mesmo que espontaneamente. Por sua vez, o nº.3, do artº.2, do C.I.R.S., pode entender-se como uma norma clarificadora, que mais não faz do que exemplificar ou concretizar o que resulta dos números anteriores do preceito.
5. O ónus da prova de que os montantes percebidos pelo trabalhador não têm finalidade compensatória, antes consubstanciando rendimentos que proporcionam um acréscimo de capacidade contributiva, assim sendo susceptíveis de tributação, compete à Administração Fiscal (cfr.artº.342, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.Tributária).
6. O P.O.C. não conceptualizava as despesas de representação, pelo que, para a sua relevação contabilística, tem sido considerado o conceito previsto no C.I.R.C. Assim, o artº.41, nº.3, do referido diploma, prescrevia que se consideravam despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no país ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.212 a 223 do presente processo que julgou procedente a impugnação intentada pelo recorrido, Luís…, tendo por objecto liquidação de I.R.S., relativa ao ano de 1994 e no montante de € 7.792,87.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.237 a 245 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou totalmente procedente a impugnação deduzida por Luís…, na sequência da reclamação graciosa, que previamente havia deduzido contra a liquidação adicional de IRS referente ao ano do 1994, e em consequência determinou a anulação de tal acto;
2-Considerou o Tribunal a quo, para assim decidir, que "...os documentos juntos aos autos pelo impugnante, melhor descritos em sede de probatório, evidenciam que as despesas efectuadas, mediante a utilização dos cartões de crédito, foram ao serviço da TAP.";
3-E ainda que "É evidente que a AT estava obrigada a tomar em conta estes novos elementos e a pronunciar-se sobre os documentos juntos ao procedimento, pelo impugnante como agora a fez o Tribunal, e que demonstram que, afinal, as despesas se encontravam suportadas por documentos justificativos. Não o fazendo, violou o disposto no n.° 6 do artigo 60.° da LGT, pelo que, a impugnação procederia igualmente, quanto ao fundamento de preterição de formalidades legais.";
4-Com tais entendimentos não pode esta RFP se conformar, porquanto entende que a sentença padece não só de errada aplicação de lei, como também de errada apreciação da prova produzida nos autos;
5-Vejamos, a decisão considera que o impugnante Iogrou demonstrar que as despesas pagas através de cartão de crédito, e cujo montante a AT havia imputado ao impugnante como rendimentos de trabalho dependente, haviam sido realizadas no interesse e ao serviço da entidade patronal, e que mesmo que assim não tivesse ocorrido sempre haveria de proceder a impugnação dado que o procedimento se encontra inquinado de violação de lei por os serviços de inspecção tributária não terem observado o previsto no n.° 6 do art.° 60.° da LGT;
6- De facto, é nossa convicção, que a imputada preterição de formalidade legal não se verifica;
7-E isto porque o sujeito passivo, aqui impugnante, foi notificado para o exercício do direito de audição prévia em duas datas;
8-Inicialmente, em 7/7/1999, conforme fls.61, foi notificado para vir exercer o direito de audição prévia em referência ao projecto de correcções a declaração de rendimentos relativa ao ano de 1994;
9-Em resposta a esta notificação o sujeito passivo nada disse;
10-Posteriormente, conforme fls.68, em 17/8/1999, foi notificado para, no prazo de 10 dias, exercer o seu direito de audição prévia em relação ao projecto de conclusões do relatório de inspecção;
11-Em resposta a esta notificação, o impugnante, conforme se comprova observando o teor de fls.72 dos autos, veio afirmar que não Ihe era possível no prazo concedido exercer o seu direito a participação na decisão, pelo que requeria a prorrogação do prazo concedido até 30 de Setembro de 1999;
12-Não constando dos autos que tal pedido Ihe tenha sido deferido e tendo presente que nos termos do n.° 3 do art.° 60.° da LGT “O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.” necessário será constatar que no exercício do seu direito a audição prévia o aqui impugnante não juntou quaisquer documentos ou produziu quaisquer alegações a que a AT tivesse que dar resposta em sede de relatório final da inspecção;
13-Assim sendo, em nossa opinião, à data da junção dos documentos referidos na douta sentença, isto é, em 29/09/1999, já o direito à audição prévia que assistia ao aqui impugnante havia precludido, pelo que, em nossa opinião, não estava a AT obrigada a análise do seu teor de tais documentos, dado que os mesmos haviam sido intempestivamente apresentados;
14-Ora assim sendo, e tendo o Tribunal a quo decidido pela constatação da existência de “...preterição de formalidades legais.” resultante do facto de a AT não se ter pronunciado sobre tais documentos, é nossa convicção que a douta sentença incorre em erro de interpretação de lei, razão pela qual aqui se pugna por acórdão que revogue tal entendimento plasmado na decisão recorrida;
15-De igual forma, é nossa convicção que, pela mesma razão, terá que também se imputar à decisão erro de apreciação da prova produzida nos autos;
16-Então vejamos, considera o Tribunal a quo, no ponto e) do probatório, que "Em sede do seu direito de audição prévia, o ora impugnante juntou em 29/09/1999, ao procedimento administrativo a documentação,...";
17-Ora como já vimos, e reiteramos, a documentação junta pelo impugnante foi apresentada para além do prazo concedido para o exercício do direito de audição prévia;
18-E sendo que o prazo concedido, 10 dias, foi legalmente fixado e que não foi concedido ao impugnante a prorrogação do prazo por si requerido, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse dado como provado que o impugnante já fora do prazo concedido para o exercício do direito de audição, e somente 8 dias antes da AT efectivar a liquidação adicional do seu IRS, remeteu aos serviços da AT os documentos que em sua opinião demonstram que as despesas efectuadas o foram no interesse da sua entidade patronal;
19-Assim não tendo sido reconhecido pelo decisor, verifica-se em nossa opinião, erro de apreciação da prova produzida nos autos;
20-Ademais, em nossa opinião, e salvo o devido respeito por outra diversa, o Tribunal a quo ao julgar provado que o impugnante logrou demonstrar que as despesas pagas através dos cartões de credito haviam sido efectuadas no interesse da entidade patronal, incorre em novo erro de apreciação da prova, dado que não podemos deixar de constatar, por análise aos documentos juntos aos autos, nomeadamente através dos extractos dos referidos cartões, que foram efectuadas diversas despesas em livrarias, em floristas (conforme se verifica no extracto constante a fls.47 dos autos), e até adquiridos bilhetes de teatro, fls.51 dos autos, que dificilmente se conseguiram imputar aos interesses da …;
21-Ora, assim se constatando, só nos resta, nesta sede, pugnar por decisão que resulte na análise casuística das despesas pagas através dos meios atribuídos pela entidade patronal, de forma a que se efectue, com clareza, a destrinça entre despesas passíveis de terem sido efectuadas no interesse da … e aquelas que são claramente despesas pessoais do impugnante e que tendo sido suportadas pela empresa terão que ser consideradas rendimento de trabalho do sujeito passivo;
22-Desta forma, face a tudo quanto se deixa dito, e a tudo quanto V. Exas. seguramente melhor suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser reconhecida a legalidade das correcções efectuadas e em consequência ser revogada a douta sentença, resultando assim na improcedência da acção.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.262 a 265 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.214 a 217 dos autos - numeração nossa):
1-A presente impugnação tem por objecto o indeferimento expresso da reclamação graciosa, apresentada pelo ora impugnante, Luís…, que versou sobre a Iiquidação adicional de IRS n.° …, do ano de 1994, no montante de € 7.792,87/Esc.1.562.331$00 (cfr.liquidação adicional identificada a fls.39 e seg. do processo administrativo apenso; decisão da reclamação graciosa junta a fls.24 e seg. dos presentes autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos);
2-A liquidação em crise teve a sua origem na acção de inspecção, a que os Serviços de Inspecção Geral de Finanças procederam à empresa "T…, S.A.", nomeadamente as condições de utilização de cartões de crédito daquela empresa na qual se concluiu que o seu pessoal dirigente, de que o impugnante fazia parte como administrador, utilizou cartões de crédito para pagamento de despesas, não só ao serviço da empresa, mas também de ordem pessoal. “Estas últimas importâncias foram postas à disposição dos seus titulares e são consideradas rendimentos do trabalho dependente e sujeitas a tributação em sede de IRS, pela categoria A, de harmonia com o artigo 2 do CIRS (...) acrescendo às outras remunerações do trabalho dependente” (cfr.participação junta a fls.81 e seg. dos presentes autos; relatório de inspecção junto a fls.30 e seg. do processo administrativo apenso; documento junto a fls.76 e seguintes dos presentes autos, cujos conteúdos aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos);
3-Em consequência da acção inspectiva identificada no número anterior, foram efectuadas correcções aritméticas aos rendimentos tributáveis em sede de IRS (ano de 1994) do impugnante, somando-se ao rendimento por este declarado, no montante de Esc.13.755.110$00 a quantia de Esc.2.673.848$00, a título de despesas pessoais efectuadas com um dos cartões de crédito da TAP, que lhe estavam afectos (cfr.declaração corrigida junta a fls.74 e 75 dos presentes autos; relatório de inspecção junto a fls.30 e seg. do processo administrativo apenso);
4-Em síntese, a correcção efectuada aos rendimentos tributáveis auferidos pelo impugnante em sede de IRS, no ano de 1994, teve os seguintes fundamentos:
"(...)
Pelos testes que realizámos, também por amostragem, verificámos que as despesas pagas através da utilização deste cartão de crédito eram, na sua generalidade, relativas a refeições. Apesar de algumas não se encontrarem devidamente documentadas, com factura ou documento equivalente, somos de parecer que os montantes envolvidos são susceptíveis de configurar pagamentos de despesas em efectiva representação da empresa. A única excepção, foi relativa ao administrador Luís, em que também se considerou, para efeitos de sujeição a IRS, o montante das despesas pagas com o cartão “T Visa", em virtude das mesmas não se encontrarem suportadas com qualquer documento justificativo para além do extracto bancário e, relativamente ao ano de 1994, nem sequer os extractos bancários existiam. Desta forma não foram prestadas contas do dinheiro utilizado (...)
(cfr.relatório de inspecção junto a fls.30 e seg. do processo administrativo apenso);
5-Em sede do seu direito de audição prévia, o ora impugnante juntou em 29/09/1999, ao procedimento administrativo a documentação, que em sua opinião comprovava que as despesas com os cartões "U…" e "T… Visa" haviam sido realizadas ao serviço da … (cfr.requerimento junto a fls.87 e seg. dos autos; documentos de despesa juntos a fls. 93 a 193 dos presentes autos, que consistem na sua maioria em facturas/recibo de restaurantes e de alojamentos em hotéis fora de Portugal);
6-Foram ainda juntos pelo impugnante aos autos, em sede de procedimento administrativo, a declaração emitida pela …, em 17/09/1999, para ser presente à Autoridade Tributária, donde consta que os cartões de crédito "U…"/"T… Visa", facultados aos administradores da …, pela empresa eram usados exclusivamente para despesas de representação, ao serviço da empresa, estando ainda descriminado que o ora impugnante utilizou, ao serviço da …, no ano 1994, em sede de cartão "U…", a quantia de Esc.1.733.123$00 (cfr.declaração e documento com extracto mensal juntos a fls.91 e 92 dos presentes autos; documentos de despesa juntos a fls.93 a 193 dos presentes autos);
7-Foi ainda junto ao procedimento administrativo pelo impugnante o documento de fls. 60 dos autos, no qual a … concretiza que o ora impugnante utilizou, ao seu serviço, no ano 1994, em sede de cartão "Prestige", a quantia de Esc.947.724$60 (cfr.declaração e documento com extracto mensal juntos a fls.91 e 60 dos presentes autos; documentos de despesa juntos a fls.47 a 59 dos presentes autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido);
8-A autoridade tributária não se pronunciou sobre estes documentos, juntos aos autos pelo impugnante, antes de emitir a liquidação em crise (cfr.documento junto a fls.77 dos presentes autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido);
9-Inconformado com as correcções efectuadas e a consequente liquidação adicional, o ora impugnante deduziu reclamação graciosa, que foi indeferida, em síntese, com os seguintes fundamentos:
"(...)
No caso concreto, o reclamante utilizava um cartão de crédito para uso pessoal e dois para despesas de representação da empresa, mas quanto à utilização dada por estes dois últimos, as despesas pagas por eles, alega o reclamante serem despesas relacionadas com o exercício da sua função, no entanto as mesmas não se encontravam suportadas com documento justificativo, e relativamente ao ano de 1994, não havia sequer extractos bancários, não sendo prestado por isso contas do dinheiro utilizado através dos cartões referidos, conforme é dito na informação da Inspecção Geral de Finanças, após auditoria efectuada à .
Por outro lado, em sede de reclamação, não foi provado a conexão das despesas efectuadas e pagas pelos cartões de crédito T Visa e U, com o exercício de funções do reclamante na empresa, para se poder concluir que tais despesas efectuadas são despesas de representação, em vez de despesas pessoais, pelo que, sou de parecer que as correcções efectuadas ao sujeito passivo pela Administração Fiscal estão correctas.
(...)
(cfr.documento junto a fls.7 a 13 do processo administrativo apenso).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não há factos não provados, com relevância para as questões a decidir…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Resultou a convicção do Tribunal da análise dos documentos, juntos aos autos e ao PA, supra identificados a propósito de cada uma das alíneas, os quais não foram impugnados por qualquer das partes…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a impugnação intentada pelo recorrido, Luís…, em consequência do que anulou o acto tributário impugnado (cfr.nº.1 do probatório), tudo em virtude de considerar que o sujeito passivo efectuou prova de que as despesas em causa, mediante a utilização dos cartões de crédito, o foram ao serviço da …, assim padecendo o acto tributário do vício de errónea qualificação dos rendimentos tributáveis.
Subsidiariamente, concluiu o Tribunal "a quo" que a impugnação também seria procedente em virtude da existência de vício de violação de lei resultante da falta de cumprimento do disposto no artº.60, nº.6, da L.G.T. (redacção em vigor em 1999), porquanto, a Fazenda Pública não se pronunciou, como devia, sobre os novos elementos trazidos ao procedimento administrativo pelo sujeito passivo em sede de direito de audição.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e como supra se alude, que o Tribunal "a quo" ao julgar provado que o impugnante logrou demonstrar que as despesas pagas através dos cartões de crédito haviam sido efectuadas no interesse da entidade patronal, incorre em novo erro de apreciação da prova, dado que não podemos deixar de constatar, por análise aos documentos juntos aos autos, nomeadamente através dos extractos dos referidos cartões, que foram efectuadas diversas despesas em livrarias, em floristas (cfr.extracto constante a fls.47 dos autos), e até adquirido bilhetes de teatro (cfr.extracto de fls.51 dos autos), que dificilmente se conseguem imputar aos interesses da …. Que só nos resta, nesta sede, pugnar por decisão que resulte na análise casuística das despesas pagas através dos meios atribuídos pela entidade patronal, de forma a que se efectue, com clareza, a destrinça entre despesas passíveis de terem sido efectuadas no interesse da … e aquelas que são claramente despesas pessoais do impugnante e que tendo sido suportadas pela empresa terão que ser consideradas rendimento de trabalho do sujeito passivo (cfr.conclusões 20 e 21 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
No exame do presente esteio do recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379).
É no artº.2, do C.I.R.S., que se englobam todos os rendimentos da categoria A - rendimentos do trabalho dependente - sujeitos ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, para o efeito se exigindo o carácter remuneratório dos mesmos, ou seja, que se trate de rendimentos obtidos como retribuição de trabalho prestado por conta de outrem. À primeira vista, a norma, cuja origem é o antigo Imposto Profissional, serve para confirmar o princípio de que todas as chamadas "van­tagens acessórias" são tributáveis em I.R.S. (cfr.Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.188; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.55 e seg.).
No citado artº.2, do C.I.R.S., o legislador teve a intenção de tipificar de forma muito ampla ou esgotante, a incidência do imposto, nela se incluindo todos os rendimentos de alguma forma advindos do trabalho dependente. Há que salientar, desde logo, que este conceito de remuneração é mais lato que o acolhido pelo direito laboral, tal como que o relevante para efeitos de incidência das contribuições para a segurança social. É rendimento da categoria A tudo aquilo que o trabalhador receba em razão do seu trabalho, em dinheiro, em espécie ou sob a forma de quaisquer outras vantagens, salvo o expressamente exceptuado pela lei. Tais remunerações, qualquer que seja a forma ou denominação sob que se apresentem (cfr.artº.2, nº.2, do C.I.R.S.), poderão resultar, quer do cumprimento de obrigações contratuais da entidade patronal, quer de decisões a que esta não se encontra legalmente obrigada (v.g.concessão de prémios) o que implica, obviamente, também obrigações de retenção na fonte para o empregador. Poderão resultar, ainda, de presta­ções feitas por terceiros, mesmo que espontaneamente. Por sua vez, o nº.3, do artº.2, do C.I.R.S., pode entender-se como uma norma clarificadora, que mais não faz do que exemplificar ou concretizar o que resulta dos números anteriores do preceito (cfr.Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.52).
Por último, sempre se dirá que o ónus da prova de que os montantes percebidos pelo trabalhador não têm finalidade compensatória, antes consubstanciando rendimentos que proporcionam um acréscimo de capacidade contributiva, assim sendo susceptíveis de tributação, compete à Administração Fiscal (cfr.artº.342, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.Tributária; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/5/2004, proc.832/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/11/2006, proc.1099/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/1/2009, proc.2690/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/3/2011, proc.4489/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6450/13).
No caso concreto, com base na factualidade provada e não impugnada pelo recorrente, o Tribunal "a quo" anulou a liquidação de I.R.S. relativa ao ano de 1994 devido a vício de de errónea qualificação dos rendimentos tributáveis, dado que o sujeito passivo efectuou prova de que as despesas em causa, mediante a utilização dos cartões de crédito, o foram ao serviço da ….
Em face do probatório assente na sentença recorrida, deve vincar-se que de nada vale o esforço argumentativo desenvolvido pelo recorrente no sentido de demonstrar o carácter remuneratório do montante de Esc.2.673.848$00, derivado da utilização de cartões de crédito fornecidos pela empresa/entidade patronal (cfr.nºs.3 e 4 do probatório), objectivo esse que só em sede da matéria de facto seria possível atingir.
E recorde-se que o conceito de despesas de representação, em 1994, resultava do artº.41, nº.3, do C.I.R.C., visto que o P.O.C. não conceptualizava as despesas de representação, normativo do qual se retirava que se consideravam despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no país ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2015, proc.8534/15).
"In casu", tendo em conta a factualidade provada (cfr.nºs.5 a 7 do probatório) evidencia esta que as despesas em causa foram efectuadas ao serviço da …, sendo que a Fazenda Pública deveria ter analisado os documentos apresentados pelo impugnante antes de estruturar a liquidação objecto dos presentes autos (e recorde-se que, relativamente aos restantes administradores, a A. Fiscal aceitou as despesas efectuadas, como despesas de representação, apesar de se não encontrarem devidamente documentadas, conforme se retira do documento junto a fls.76 e seguintes dos presentes autos).
Atento o referido, deve vincar-se, com o Tribunal "a quo", que nada permite concluir pela natureza de “rendimento do trabalho”, pretendida fixar à verba em causa, assim padecendo o acto tributário impugnado do vício de errónea qualificação dos rendimentos tributáveis.
Em conclusão, confirma-se a sentença recorrida e julga-se improcedente o presente esteio do recurso deduzido, prejudicado ficando o conhecimento do restante, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Sem custas, devido a isenção subjectiva do recorrente.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 9 de Junho de 2016



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)