Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:47/23.9 BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:06/22/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:CESE
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
USURPAÇÃO DE PODERES
PENDÊNCIA DE CONTENCIOSO
GARANTIA
Sumário:I-Da conjugação dos normativos 169.º e 199.º ambos do CPPT e 52.º da LGT, resulta que instaurada a execução fiscal a sua suspensão apenas pode ser efetuada nos casos previstos na lei, sendo que para esse efeito importa, por um lado, que o sujeito passivo interponha o competente meio de discussão da legalidade/inexigibilidade da dívida exequenda e esteja associada uma garantia idónea ou tenha sido dispensado da sua prestação, podendo, no entanto, a garantia prestada ser objeto da competente substituição desde que demonstrados os respetivos pressupostos legais.
II-Nos autos de reclamação de atos do chefe, o objeto da lide coaduna-se apenas com a apreciação da legalidade/validade do ato reclamado, concretamente, se é de manter a suspensão do processo de execução fiscal em ordem aos respetivos pressupostos legais, em nada podendo comportar uma apreciação atinente ao âmbito e extensão de uma lide impugnatória mormente, se é legítima a dedução de uma impugnação judicial adveniente de uma declaração de substituição, e se a mesma pode acarretar a anulação do ato impugnado.
III-Na aferição dos pressupostos da suspensão da execução fiscal, cabe à entidade decisora verificar se a impugnação tem por objeto a legalidade da dívida exequenda e não se o objeto da impugnação é compatível com julgados anteriores ou se a pretensão impugnatória é compatível com a natureza e o regime da declaração da substituição.
IV-Uma interpretação contrária acarretaria um vício de usurpação de poderes, por traduzir a ofensa, por um órgão da Administração Pública, do princípio da separação de poderes por via da prática de ato incluído nas atribuições de poder judicial.
V-Estando pendente impugnação judicial sobre a legalidade da dívida da CESE, do ano de 2017, donde emerge a dívida que nesse momento se encontra em cobrança no processo executivo, o ato reclamado padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO


A DIGNA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal deduzida por “S…, S.A.”, contra a decisão proferida pela Diretora Adjunta da Unidade dos Grandes Contribuintes, datada de 31 de agosto de 2022, que lhe indeferiu o pedido de suspensão dos processos de execução fiscal nº 3530201701163728, e nº 3530201701204491, instaurados para cobrança coerciva de dívida proveniente da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) do ano de 2017, no valor total de € 1.289.280,00, e dos correspondentes juros de mora, no valor de € 1.227,89, anulando a decisão reclamada.

A Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

a) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação de atos do OEF e, em consequência, decidiu anular “a decisão reclamada”.

b) A Fazenda Pública não pode concordar com tal decisão e nas razões que foram apresentadas para a justificar, padecendo a douta sentença de erro de julgamento de facto [por ter errado na seleção e valoração da prova] e de direito [por não ter feito uma correta interpretação e aplicação das normas estabelecidas nos arts.º 52.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 169.º do Código Procedimento e Processo Tributário (CPPT)].

c) Tomando por base e na tentativa de incorporar os factos no direito, a sentença recorrida estabilizou a seguinte matéria de facto e de direito identificada no n.º 5 do presente articulado.

d) Perante tal factualidade, entendeu o Tribunal a quo que se encontravam reunidos os pressupostos para a suspensão dos referidos processos de execução fiscal [como defendeu a Reclamante].

e) Deverá ser levado ao probatório o facto da decisão proferida no âmbito do processo 648/18.7BEALM já ter transitado em julgado e o facto das anulações terem sido emitidas na sequência da entrega de uma declaração de substituição por parte da Reclamante, nos termos do n.º 6 do art.º 7.º do regime da CESE, passando os artigos 6, 11 e 14 a ter o seguinte teor:

6. Em 07/11/2019, a Direção de Finanças UGC – Unidade Grandes Contribuintes (6122) emitiu a nota de anulação nº 2019/296192, relativa a dívida proveniente da CESE no valor de € 644,74, na sequência da apresentação da declaração de substituição apresentada pela Reclamante, nos termos do n.º 6 do art.º 7.º do regime da CESE, com o seguinte teor (…)

11. Em 07/11/2019, a Direção de Finanças UGC – Unidade Grandes Contribuintes (6122) emitiu a nota de anulação nº 2019/296193, relativa a juros de mora no valor de €0,61, na sequência da apresentação da declaração de substituição apresentada pela Reclamante, nos termos do n.º 6 do art.º 7.º do regime da CESE, com o seguinte teor (…)

14. Em 27/04/2022, foi proferido Acórdão pelo Tribunal Constitucional que negou provimento ao recurso do Acórdão identificado no ponto anterior, mantendo o juízo de não inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 2º, 3º, 4º, 11º e 12º do regime jurídico da CESE, em vigor durante o ano de 2017, decisão já transitada em julgado.

f) A FP entende que o Tribunal a quo fez tábua rasa da autoridade do caso julgado, violando o n.º 1 do art.º 619.º do CPC, pois o Tribunal ad quem não poderia deixar de aferir os concretos efeitos do caso material daquela decisão também no âmbito do processo de execução fiscal, como bem fez o OEF e, por via disso, no âmbito dos presentes autos.

g) A força de caso julgado da sentença é um fenómeno essencial à garantia dos valores constitucionais da confiança e da segurança jurídica, bem como à prossecução da finalidade da pacificação social, e espraia-se sob diferentes prismas ou modalidades.

h) A primitiva liquidação da CESE foi julgada legal pelas mais altas instâncias judiciais do nosso país [TCAS e TC], vinculando as partes e os todos os Tribunais.

i) Nos termos do n.º 6 do art.º 59.º do CPPT [para qual remete o art.º 10.º do regime da CESE] o contribuinte, na sequência da notificação da liquidação que foi emitida após a submissão da declaração de substituição, está legitimado a discutir o imposto liquidado em decorrência da apresentação da declaração de substituição, mas nunca o que foi liquidado anteriormente.

j) Acompanhar o entendimento do Tribunal a quo, abre a porta aos contribuintes poderem obter a suspensão do processo de execução fiscal ad eternum, pois, na sequência das decisões proferidas pelos tribunais judiciais, basta aos mesmos proceder à entrega de declarações de substituição para voltar a discutir a legalidade de toda a dívida e, por via disso, pedirem a suspensão do PEF!

k) Equacionando-se a possibilidade desta última impugnação ser procedente [636/22.9BEALM], no caso do Tribunal não atentar na violação do n.º 6 do art.º 59.º do CPPT, ela nunca desembocará “na anulação pura e simples do acto de autoliquidação de substituição na íntegra”, sob pena de violação do art.º 625.º do CPC.

l) A decisão recorrida socorre-se do teor do Acórdão do TCAS proferido no proc. 1484/14.5BESNT, onde se pode ler que “a apresentação de uma declaração de substituição não obsta, “per se” a que o contribuinte impugne a liquidação que dela resulta.

m) A questão aí decidida não tem respaldo nos presentes autos, pois o que o Tribunal pretendeu dizer foi que pode discutir a legalidade da liquidação, mas tão somente o que resulta da mesma, ou seja, relativamente à quantia de € 23.702,38 que foi notificado para regularizar e nunca quanto aos € 7.964,76 de matéria coletável que declarou primitivamente!!! [como pretende a Reclamante no âmbito do processo 636/22.9BEALM].

n) No caso dos autos, não houve matéria coletável ou imposto declarado a mais na declaração de substituição, tendo antes havido uma anulação [ou seja, matéria coletável ou imposto a menos]!, não estando a Reclamante legitimada a discutir o valor declarado na primitiva liquidação, como pretende a Reclamante, sob pena de violação do n.º 6 do art.º 59.º do CPPT e da autoridade do caso julgado.

o) Consentir na possibilidade do contribuinte poder beneficiar da suspensão do processo de execução fiscal por via do simples facto deste [ora Reclamante] ter declarado na sua petição inicial da impugnação que esta tem em vista a anulação de toda a liquidação, em clara violação do n.º 6 do art.º 59.º do CPPT e da autoridade do caso julgado da decisão que julgou a primitiva liquidação legal, constitui uma aplicação cega do regime constante nos art.º 52.º da LGT e 169.º do CPPT.

p) Em clara violação da ponderação dos interesses constantes no âmbito da execução fiscal.

q) Vigora entre nós o denominado sistema de administração executiva, que é o nosso, nos termos do qual a lei permite que a AT elabore títulos executivos relativos às quantias que liquida e que não são pagas nos prazos de pagamento voluntário, sistema que se justifica na celeridade na arrecadação das receitas tributárias com vista à satisfação das necessidades públicas.

r) A possibilidade de suspensão da execução constitui um direito constitucionalmente consagrado.

s) Assim, temos dois interesses conflituantes, por um lado, o do interessado em ver anulado o ato que considera ilegal e, por outro, o da administração tributária na arrecadação das receitas tributárias com vista à satisfação das necessidades públicas.

t) E se, aquando, da apresentação do contencioso após a primitiva autoliquidação [impugnação judicial n.º 648/18.7BEALM], o peso do primeiro interesse era superior [do interessado em ver anulado o ato que considerou anulado], justificando-se, assim, a suspensão do PEF, entende a RFP que, atualmente, a peso do segundo interesse [da administração tributária na arrecadação das receitas tributárias com vista à satisfação das necessidades públicas] deverá prevalecer.

u) Nem sempre o facto de existir contencioso associado à liquidação permite obter a suspensão do processo de execução fiscal nos termos do art.º 169.º do CPPT, como acontece no caso do pedido de revisão do ato tributário, nos termos da ultima parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT [para lá do prazo de reclamação administrativo], ou mesmo, no caso da impugnação judicial apresentada na sequência do indeferimento daquela revisão oficiosa.

v) E fá-lo a coberto da ponderação dos interesses em causa [e não, pela aplicação cega da norma, como parece ter feito o Tribunal a quo].

w) Defendeu a Reclamante que ao fixar “a expressão declaração de substituição” no n.º 3 do art.º 6.º do regime da CESE o legislador pretendeu foi que ela substituísse a primeira, não que simplesmente a complementasse.

x) Ora, o legislador é claro em referir que a declaração de substituição corrige a primeira liquidação e não a anula.

y) A figura da declaração de substituição não é um instituto novo do regime da CESE, constando do próprio CPPT [para onde o regime da CESE remete supletivamente], no seu artigo 59.º e do IRC, no seu art.º 122 do CIRC

z) A figura da declaração de substituição tem longa tradição no seio do direito tributário, sendo que o legislador, ao utilizar a declaração de substituição no regime da CESE não alterou a natureza da declaração de substituição, nem os seus efeitos jurídicos [ao contrário do que defende a Reclamante].

aa) AT não optou pela “não manutenção do ato de liquidação pré-existente”, pois manteve a liquidação e os processos de contencioso e execução fiscal associados [tendo somente promovido a anulação parcial da primitiva autoliquidação], não se podendo concluir pela revogação tácita.

bb) De todo o exposto, entende a Fazenda Pública que a sentença aqui em escrutínio deverá ser revogada e substituída por decisão que julgue a reclamação improcedente, no segmento que foi decidido naquele douto aresto.

cc) A Fazenda Pública requer, muito respeitosamente a V. Exas., ponderada a verificação dos seus pressupostos, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no n.º 7 do art.º 6º do RCP.

Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso por erro de julgamento, revogando-se a douta sentença recorrida, com as consequências legais.”


***


A Recorrida devidamente notificada, apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

A. A decisão reclamada é ilegal, devendo ser confirmada a sentença recorrida, que a anulou, porque, nos termos do regime do n.º 4 e do n.º 6 do artigo 7º do regime da CESE, o segundo acto de autoliquidação da CESE de 2017 da S… (de substituição) teve por efeito anular o primeiro acto, sendo que também, de qualquer modo, a dívida em causa passou – e está neste momento – a ser contestada no processo de impugnação judicial n.º 636/22.9BEALM.

B. Só uma decisão final nesses autos, nos quais se contesta integralmente a CESE de 2017 da S… – por reporte à invalidade total do seu regime e, portanto, à totalidade do montante liquidado –, é que pode originar a obrigatoriedade de a Reclamante pagar esse montante.

C. Aliás, é isso que resulta também do regime do artigo 169º do CPPT (ao abrigo do qual estes autos executivos têm estado suspensos), em cujo n.º 1 se estabelece que, verificadas todas as demais condições de tal regime (designadamente a prestação de garantia), as execuções permanecem suspensas até que, por decisão final do processo administrativo ou judicial que tenha por objeto a legalidade da dívida exequenda, ocorra uma declaração definitiva da validade ou invalidade dessa dívida.

D. No nosso caso, é certo que não só a AT está na posse de duas garantias que salvaguardam inteiramente o seu crédito relativo à CESE de 2017 da S… como está em curso um processo de contestação da legalidade desse crédito.

E. Caso vingasse aqui qualquer interpretação do regime do artigo 169º do CPPT da qual derivasse que a Reclamante estava obrigada a pagar o montante da CESE de 2017 (ou parte dela) enquanto a totalidade da dívida está subjacente a um processo de contestação da sua legalidade, então o regime teria de ser considerado inconstitucional, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no artigo 20º e no n.º 4 do artigo 268º da Constituição.

F. Nesta sequência, não tem qualquer sentido a alusão ao regime do caso julgado. O que interessa fundamentalmente para os presentes efeitos é que neste momento há um contencioso pendente sobre a legalidade da dívida da CESE de 2017 da S…, contencioso esse que diz respeito a um acto de liquidação do montante total desse tributo, apurado quanto a esse ano, e em que a ora Reclamante utiliza argumentos para anular o tributo desse ano in totum, e não simplesmente quanto a qualquer valor residual.

G. Portanto, deferir o requerimento da Reclamante não equivalerá a violar o efeito de caso julgado da sentença incidente sobre a impugnação do acto de autoliquidação originário. Recusar a anulação da decisão reclamada com base nesse argumento redundaria numa usurpação por parte da AT do poder de livre decisão que cabe ao juiz do processo de impugnação da autoliquidação de substituição. Não cabe à AT (nem, em boa verdade, ao juiz dos presentes autos de reclamação) antecipar qual deverá ou deveria ser a decisão naquela impugnação; isso cabe, apenas, ao juiz que decidir esse outro processo, no âmbito desse outro processo.

H. Em face o do exposto, a decisão reclamada é ilegal por violação do n.º 4 do artigo 3º do regime da CESE, do n.º 6 do artigo 7º do mesmo regime e ainda do artigo 169º do CPPT, bem tendo andado o Tribunal recorrido, ao anulá-la.

Termos em que deve ser por V. Exas. ser negado provimento ao presente recurso, com a confirmação da Sentença recorrida.”



***


O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul proferiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

***


Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***


II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou a factualidade que infra se descreve:

“Com relevância para a decisão, considera-se provada a seguinte factualidade constante dos autos:

- PEF 3530201701163728

1) Em 09/11/2017, a AT emitiu a certidão de dívida nº 2017/1714782, relativamente à entidade “S…, SA”, no valor de € 1.289.924,74, relativa a dívida da CESE de 2017 – págs. 3 e 4 do PEF a fls. 183 a 225 dos autos;

2) Em 09/11/2017, no âmbito do processo de execução fiscal nº 3530201701163728, a AT enviou à Reclamante um ofício designado “citação”, para cobrança de dívida mencionada no nº anterior, constando como valor da garantia a prestar o montante de € 1.629.222,68 - cfr. pág. 15 do PEF a fls. fls. 183 a 225 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3) Em 07/12/2017, a S… apresenta requerimento pelo qual requer a suspensão do PEF 3530201701163728, mediante a prestação de garantia, sob a forma de termo de fiança, prestada pela G…, SGPS, SA, no valor de € 1.629.222,68 – págs. 5 a 13 do PEF a fls. 183 a 225 dos autos;

4) Em 05/01/2018, a Diretora de Finanças proferiu despacho de deferimento de suspensão do PEF 3530201701163728 – pág. 10 do PEF a fls. 152 a 182 dos autos;

5) Em 10/01/2018, a AT envia à Reclamante o ofício que comunica o teor do despacho mencionado no nº anterior e respetiva informação que lhe serviu de base – pág. 4 do PEF a fls. 152 a 182 dos autos;


6) Em 07/11/2019, a Direção de Finanças UGC – Unidade Grandes Contribuintes (6122) emitiu a nota de anulação nº 2019/296192, relativa a dívida proveniente da CESE no valor de € 644,74, com o seguinte teor:

«Imagem no original»

pág. 30 do PEF a fls. 152 a 182 dos autos;

- PEF 3530201701204491

7) Em 19/12/2017, a AT emitiu a certidão de dívida nº 2017/1996274, relativa à entidade “S…, SA”, no valor de € 1.228,50, relativa a juros de mora sobre a dívida da CESE de 2017 – págs. 3 e 4 do PEF a fls. 106 a 149 dos autos;

8) Em 19/12/2017, a AT enviou à Reclamante um ofício designado “citação” para o processo de execução fiscal nº 3530201701204491, para cobrança de dívida mencionada no nº anterior - cfr. pág. 15 do PEF a fls. 106 a 149 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

9) Em 28/12/2017, a S… apresenta requerimento pelo qual requer a suspensão do PEF 3530201701204491, mediante a prestação de garantia, sob a forma de termo de fiança, prestada pela G…, SGPS, SA, no valor de € 1.640,28 – págs. 5 a 11 do PEF a fls. 106 a 149 dos autos;

10) Em 16/01/2018, a Diretora de Finanças proferiu despacho de deferimento de suspensão do PEF 3530201701204491 – pág. 29 do PEF a fls. 106 a 149 dos autos;

11) Em 07/11/2019, a Direção de Finanças UGC – Unidade Grandes Contribuintes (6122) emitiu a nota de anulação nº 2019/296193, relativa a juros de mora no valor de € 0,61, com o seguinte teor:

«Imagem no original»

- pág. 1 do PEF a fls. 150 a 151 dos autos;

12) Em 30/04/2021, foi proferida Sentença no processo nº 648/18.7BEALM, que julgou improcedente a impugnação judicial intentada pela Reclamante contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, respeitante à autoliquidação da CESE do ano de 2017, no valor de € 1.289.924,74 e ao ato de liquidação de juros no montante de € 1.228,50, em cobrança nos processos de execução fiscal identificados nos pontos 1 e 7 supra – de fls. 272 a 304 dos autos;

13) Em 11/11/2021, foi proferido Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Sul que negou provimento ao recurso interposto pela Reclamante e confirmou a sentença identificada no nº anterior - de fls. 305 a 352 dos autos;

14) Em 27/04/2022, foi proferido Acórdão pelo Tribunal Constitucional que negou provimento ao recurso do Acórdão identificado no ponto anterior, mantendo o juízo de não inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 2º, 3º, 4º, 11º e 12º do regime jurídico da CESE, em vigor durante o ano de 2017 - de fls. 353 a 369 dos autos;

15) Em 31/08/2022, a AT – UGC elaborou a informação nº 42-ADE 1/2022, com o assunto “Requerimento de manutenção de suspensão PEF”, da qual se extrai o seguinte:

“(…)
1. Da tramitação processual
1.1 PEF 3530201701163728 (CESE 2017)
a) O processo de execução fiscal n.º 3530201701163728 foi instaurado em 09-11-2017, para cobrança coerciva de dívida relativa à Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) do ano de 2017, Liquidação n.º 2017 001000000060, na sequência da extração da certidão de dívida n.º 3530.2017.1714782, face à não regularização da Nota de Cobrança n.º 2017 8567412 (Acerto Contas n.º 2017 27849156), dentro do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 8.º do Regime Jurídico da CESE (RCESE), do montante de 1.289.924,74 Euros autoliquidado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º do referido Regime Jurídico, mediante submissão, em 30-10-2017, de declaração modelo 27;
b) Para efeitos da sua suspensão, nos termos legais, foram apresentados:
I. Instrumento legal de garantia, sob a forma de termo de fiança, prestada pela entidade G…, SGPS, SA (NIPC 5……….), garantia registada no SefWeb sob o n.º 3…0.2018.17, no valor de €1.629.222,68; e
II. Meio de contestação da legalidade do tributo liquidado, sob a forma de:
1) reclamação graciosa (SICAT n.º 3530201804000552) que obteve decisão de indeferimento,
2) impugnação judicial (SICJUT n.º 3530201803000117) que tramitou no TAF Almada sob o n.º 648/18.7BEALM, a qual foi julgada improcedente;
3) recurso para o TCA Sul, o qual negou provimento ao recurso, tendo transitado em julgado em 17-05-2022;
c) Posteriormente, em 26-06-2019, o sujeito passivo apresentou nova Declaração de CESE, Modelo 27, relativa ao ano de 2017, dando origem à Liquidação n.º 2019 0020000000015, na qual foi apurada contribuição no valor de 1.289.280,00 Euros. Uma vez que com esta 2ª autoliquidação foi apurado imposto/contribuição inferior à 1ª autoliquidação, foi gerada uma Nota Nula n.º 2019 10450161 (Acerto de Contas n.º 2019 23419243) no valor de 644,74 Euros,
d) Uma vez que o contribuinte não procedeu ao pagamento da 1.ª nota de cobrança quer em cobrança voluntária, quer em execução fiscal, o montante de 644,74 Euros foi objeto de anulação na rúbrica de quantia exequenda/contribuição no PEF em crise.
e) Em face desta 2ª autoliquidação, a executada apresentou reclamação graciosa (SICAT n.º 3530202004000722) que obteve decisão de indeferimento, com Trânsito em Julgado Administrativo em 01-08-2022, situação não correspondendo ao invocado no ponto 4 do requerimento apresentado.
1.2 PEF 3530201701204491 (Juros de Mora CESE 2017)
a) O processo de execução fiscal n.º 3530201701204491 foi instaurado em 19-12-2017, para cobrança coerciva de dívida relativa a Juros Mora Liquidados referentes à Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) do ano de 2017 (Liquidação n.º 2017 001000000060), na sequência da extração da certidão de dívida n.º 3530.2017.1996274, tendo por documento base a Nota de Cobrança n.º 2017 8567413 (Acerto de Contas n.º 2017 27849157) e Liquidação n.º 2017 327900, no montante de quantia exequenda de 1.228,50 Euros.
b) Para efeitos da sua suspensão, nos termos legais, foram apresentados:
I. Instrumento legal de garantia, sob a forma de termo de fiança, prestada pela entidade G…, SGPS, SA (NIPC 5………..), garantia registada no SefWeb sob o n.º 3530.2018.26, no valor de 1.640,28 Euros; e
II. Meio de contestação da legalidade do tributo liquidado, sob a forma de:
1) reclamação graciosa (SICAT n.º 3530201804000552) que obteve decisão de indeferimento,
2) impugnação judicial (SICJUT n.º 3530201803000117) que tramitou no TAF Almada sob o n.º 648/18.7BEALM, a qual foi julgada improcedente;
3) recurso para o TCA Sul, o qual negou provimento ao recurso, tendo transitado em julgado em 17-05-2022,
c) Pelo facto de em 26-06-2019 ter apresentado nova Declaração de CESE, Modelo 27, relativa ao ano de 2017, Liquidação n.º 2019 0020000000015, na qual foi apurada contribuição no valor de 1.289.280,00 Euros, foi também efetuado um acerto relativamente aos Juros de Mora Liquidados, tendo gerado uma Nota Nula n.º 2019 10450162 (Acerto de Contas n.º 2019 23419244) e Liquidação n.º 2019 235404, no valor de 0,61 Euros, ficando assim em divida relativamente aos Juros de Mora Liquidados, o montante de 1.227,89 Euros.
d) Uma vez que o contribuinte não procedeu ao pagamento da 1.ª nota de cobrança quer em cobrança voluntária, quer em execução fiscal, o montante de 0,61 Euros foi objecto de anulação na rúbrica de Juros de Mora Liquidados no PEF em crise.
e) Em face desta 2ª autoliquidação, a executada apresentou reclamação graciosa (SICAT n.º 3530202004000722) que obteve decisão de indeferimento, com Trânsito em Julgado Administrativo em 01-08-2022, situação não correspondendo ao invocado no ponto 4 do requerimento apresentado.
2 Tendo sido negado provimento ao recurso, já não se encontram reunidos os pressupostos legais para que os PEF n.º 3530201701163728 e PEF n.º 3530201701204491 se mantenham suspensos nos termos do n.º 1 do artigo 169.º do CPPT, uma vez que o meio judicial que visou litigar a dívida que lhe subjaz já não se encontra pendente de qualquer decisão.
3 Por esse facto, em 05-08-2022, foi a executada notificada para no prazo de 15 (quinze) dias proceder ao pagamento dos PEF em crise.
4 Em 21-08-2022, por intermédio de mensagem de correio eletrónico remetida à Divisão de Gestão de Créditos Tributários da UGC, veio o mandatário da sociedade executada requerer:
4.1 Os presentes PEF (n.º 3530201701163728 e 3530201701204491) sejam mantidos suspensos, nos termos do regime do artigo 169.º do CPPT, uma vez que:
a) a legalidade da dívida exequenda se encontra, no momento, a ser discutida no processo de Reclamação Graciosa; e
b) aos autos executivos encontram-se atualmente associadas duas garantias de montante global correspondente ao exigido pelo aludido regime.
4.2 Seja dada sem efeito a interpelação para pagamento produzida nos autos
2. ANALISE DOS FACTOS
a) Decorre das normas do Regime Jurídico da CESE que a Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético incide sobre o valor identificado nos n.ºs 1 a 3 do artigo 3.º do referido diploma sendo que, em conformidade com o disposto no n.º 4 do mesmo artigo, tratando-se de atividades reguladas, a CESE, incide sobre o valor dos ativos regulados aceites pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) na determinação dos proveitos permitidos recuperados pelas tarifas do ano seguinte.
b) Em matéria de liquidação, o n.º 1 do artigo 7.º do referido regime jurídico, dispõe que a CESE é liquidada pelo sujeito passivo através de declaração de modelo oficial a aprovar por portaria –in casu, a declaração Modelo 27 aprovada pela Portaria n.º 119-B/2015, de 30 de abril – sendo que, nos termos definidos no n.º 6, caso se verifique o disposto no n.º 4 do artigo 3.º, o sujeito passivo submete declaração de substituição no prazo de 30 dias após a publicação pela ERSE, no seu sítio na Internet, dos documentos onde consta o valor do ativo considerado no cálculo dos ajustamentos definitivos aos proveitos permitidos, para correção da contribuição liquidada nos termos do número anterior.
c) O processo de execução fiscal, por seu turno, conforme disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 148.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo D.L. n.º 433/99 de 26 de outubro, visa a cobrança coerciva das dívidas de “Tributos, incluindo impostos aduaneiros, especiais e extrafiscais, taxas, demais contribuições financeiras a favor do Estado, adicionais cumulativamente cobrados, juros e outros encargos legais”.
d) No caso sub judice, o sujeito passivo apresentou, em 30 de outubro de 2017, uma Declaração de CESE, Modelo 27, relativo ao ano de 2017, através da qual auto liquidou aquele tributo, no valor de 1.289.924,74 Euros, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 7.º do regime jurídico da CESE. O não pagamento deste tributo, por parte do sujeito passivo, deu origem à instauração em 09-11-2017 do processo de execução fiscal n.º 3530201701163728, para cobrança coerciva daquela dívida.
e) Mais tarde, em 26-06-2019, o sujeito passivo apresentou nova Declaração de CESE, Modelo 27, relativa ao ano de 2017, através da qual auto liquidou aquele tributo no valor de 1.289.280,00 Euros. Note-se que, o valor que é efetivamente exigido pela AT na sequência da entrega da 2ª autoliquidação corresponde apenas à diferença apurada entre a 2ª autoliquidação e a 1ª autoliquidação – que, no caso em análise, ascende a menos 644,74 Euros.
f) Ora, com a apresentação da 2ª autoliquidação, verificou-se que o total da contribuição a pagar para o ano 2017 era inferior ao da 1ª autoliquidação, originando assim uma anulação na quantia exequenda/contribuição no processo de execução fiscal n.º 3530201701163728 e não a instauração de um novo processo de execução fiscal.
g) O mesmo aconteceu com o processo de execução fiscal n.º 3530201701204491 (Juros de Mora Liquidados), em que o valor que é efetivamente exigido pela AT na sequência desta 2ª autoliquidação é apenas a diferença apurada entre a 2ª liquidação (Liq 2019 235404) e a 1ª liquidação (Liq 2017 327900) – que, no caso em análise, ascende a menos 0,61 Euros, no caso sub judice, passou a ser de 1.227.89 Euros e não os 1.228.50 Euros da1ª liquidação de Juros de Mora Liquidados.
h) Por outro lado, a manutenção da suspensão dos PEF aqui em crise, conforme requerido, anularia ou tornaria inócua os efeitos jurídicos do caso julgado produzidos pela decisão já proferida no processo de impugnação judicial n.º 648/18.7BEALM (SICJU n.º 3530201803000117).
i) Assim, e contrariamente ao afirmado no requerimento apresentado, é imperativo concluir que, à presente data, não subsistem os pressupostos legais para que, nos termos do artigo 169.º do CPPT, os PEF n.º 3530201701163728 e n.º 35302501701204491 se encontrem suspensos, pelo que, salvo melhor opinião, deverão os autos prosseguir para cobrança integral do valor em dívida.
III. CONCLUSÃO
Atendendo ao supra exposto e verificando-se que, nesta data, já não se encontram reunidos os pressupostos legais para que os PEF n.º 3530201701163728 e n.º 35302501701204491 se mantenham suspensos nos termos do n.º 1 do artigo 169.º do CPPT, uma vez que a impugnação judicial n.º 648/18.7BEALM que visou litigar a dívida que lhe subjaz já não se encontra pendente de qualquer decisão, tendo a sentença que o julgou totalmente improcedente transitado em julgado no passado dia 17-05-2022;
Assim, salvo melhor opinião, afigura-se ser de:
a) Indeferir integralmente o peticionado;
b) Notificar, em conformidade, o mandatário da entidade executada, juntando a presente
informação;
c) Prosseguir com a execução dos PEF em crise, levantando-se a sua suspensão por força do
indeferimento proferido na impugnação judicial n.º 648/18.7BEALM.
À consideração superior, (…)”

- págs. 6 a 9 do pdf de fls. 73 a 81 dos autos;

16) Sobre a informação identificada no número antecedente recaiu despacho concordante proferido pela Diretora de Serviços em 31/08/2022 (cfr. documento junto à Reclamação, constante da pág. 4 do pdf a fls. 73 a 81 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

17) Através do ofício nº 1387, de 01/09/2022, a AT comunicou à Reclamante a informação e despacho identificados nos nºs anteriores (cfr. documento junto à Reclamação, constante das págs. 1 e 3 do pdf a fls. 73 a 81 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

18) Em 14/09/2022, a presente Reclamação foi remetida ao Serviço de Finanças de Setúbal, tendo dado entrada neste Tribunal em 23/01/2023 (cfr. fls. 1 a 113 dos autos);

19) Em 26/09/2022, deu entrada neste TAF impugnação judicial da decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra os atos tributários de autoliquidação da CESE e de liquidação de juros compensatórios e de mora referentes a 2017, no valor de € 1.289.280,00 e de € 1.227,89, encontrando-se a correr termos com o nº 636/22.9BEALM – conhecimento oficioso.”


***


A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

“Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.”


***


A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“A convicção do Tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais e documentos constantes dos autos juntos, não impugnados, bem como na posição assumida pelas partes, conforme indicado em cada número do probatório, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.”


***


III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo TAF de Almada que julgou procedente a reclamação de atos do órgão execução fiscal e anulou o despacho que indeferiu o pedido de suspensão dos processos de execução fiscal nº 3530201701163728, e nº 3530201701204491, instaurados para cobrança de dívida proveniente da CESE, do ano 2017, no valor total de € 1.289.280,00, e dos correspondentes juros de mora, no valor de €1.227,89, anulando a decisão reclamada.

Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, face ao exposto e ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre analisar se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito, porquanto interpretou erroneamente a realidade fática dos autos, e com isso julgou, incorretamente, que o órgão da execução fiscal incorreu em erro sobre os pressupostos de direito consagrados nos artigos 52.º, da LGT, em conjugação com o artigo 169.º do CPPT, quando indeferiu o seu pedido de suspensão da execução fiscal.

Vejamos, então.

Comecemos pelo erro de julgamento de facto, por ter errado na seleção e valoração da prova.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (1) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013..

In casu, atentando no teor das alegações recursivas e suas conclusões, ajuíza-se que a Recorrente cumpriu o ónus a que estava adstrita, porquanto identifica o aditamento por complementação, elencando o respetivo facto, respetiva roupagem e inerente alusão ao meio probatório que entende atinente ao efeito.

E por assim ser, vejamos, então, se face ao âmbito da presente lide e tendo por parâmetro a sua relevância para a questão decidenda, se tais factos devem ser objeto do visado aditamento, por complementação.

Ab initio, importa ter presente que a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento.

“[q]uestão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”. (2) Henrique Araújo: “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt

“As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.” (3) Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1.

Comecemos, então, por identificar os factos que a Recorrente requer o competente aditamento/alteração.

A Recorrente advoga que pese embora não seja controvertido o trânsito em julgado da decisão prolatada no âmbito do processo de impugnação judicial nº 648/18.7BEALM, a verdade é que tal asserção não resulta contemplada no probatório, razão pela qual requer a alteração do ponto 14 do probatório, passando o mesmo a assumir o seguinte teor:

14. Em 27/04/2022, foi proferido Acórdão pelo Tribunal Constitucional que negou provimento ao recurso do Acórdão identificado no ponto anterior, mantendo o juízo de não inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 2º, 3º, 4º, 11º e 12º do regime jurídico da CESE, em vigor durante o ano de 2017, decisão já transitada em julgado.

Ora, atentando no supra expendido verifica-se que a alteração requerida se coaduna com a implementação da menção “decisão já transitada em julgado”, ajuizamos, no entanto, que tal aditamento não deve proceder desde logo porque a aludida menção mais não que representa que uma conclusão de direito, logo insuscetível de corporizar o acervo fático dos autos.

Com efeito, o que tem de constar na factualidade é a enunciação, devidamente corporizada, da tramitação do processo de impugnação judicial, concretamente, dos recursos jurisdicionais interpostos e inerente desfecho e resultado, para que o Tribunal possa daí retirar todas as consequências legais para a decisão da causa, particularmente quanto ao respetivo trânsito em julgado.


Ademais, in casu, para além de tal juízo conclusivo não ser controvertido-como aliás a Recorrente, expressamente, reconhece- a verdade é que no probatório já se encontram plasmadas todas as ocorrências da vida real que permitem retirar essa conclusão, concretamente, a factualidade elencada nos pontos 12 a 14, cuja concatenação permite inferir, justamente, o respetivo trânsito em julgado.

De resto, a própria fundamentação contemporânea do ato reclamado plasmada no ponto 15 do probatório, corporiza, inequivocamente, essa asserção.

E por assim ser, indefere-se a visada alteração.

Prosseguindo.

Advoga, adicionalmente, que pese embora se faça referência à existência da entrega de uma declaração de substituição por parte da Reclamante, nos termos do n.º 6 do artigo 7.º do regime da CESE, o que é certo é que tal facto não consta do probatório, nem que a mesma confluiu nas anulações referidas nos factos 6 e 11, retificação que deverá ser promovida pelo Tribunal ad quem, o que se requer, passando os factos 6 e 11 a ter o seguinte teor:

6. Em 07/11/2019, a Direção de Finanças UGC – Unidade Grandes Contribuintes (6122) emitiu a nota de anulação nº 2019/296192, relativa a dívida proveniente da CESE no valor de € 644,74, na sequência da apresentação da declaração de substituição apresentada pela Reclamante, nos termos do n.º 6 do art.º 7.º do regime da CESE, com o seguinte teor (…)

11. Em 07/11/2019, a Direção de Finanças UGC – Unidade Grandes Contribuintes (6122) emitiu a nota de anulação nº 2019/296193, relativa a juros de mora no valor de € 0,61, na sequência da apresentação da declaração de substituição apresentada pela Reclamante, nos termos do n.º 6 do art.º 7.º do regime da CESE, com o seguinte teor (…)

No entanto, mais uma vez, entendemos que não logram mérito as visadas alterações, na medida em que, por um lado, tal realidade é não controvertida e, inversamente, ao por si expendido já se infere do probatório, precisamente dos convocados pontos 6) e 11), porquanto o Juiz do Tribunal a quo -de acordo, aliás, com a melhor e mais acertada técnica jurídica- procedeu à extração do conteúdo da nota de anulação na parte que releva para os autos, nela constando, precisamente um item epigrafado de “motivo”, e expressa menção a “Declaração de Substituição”, que permite inferir, sem qualquer margem de dúvida, a razão subjacente à anulação. Salientando-se, igualmente, que tal realidade fática se encontra materializada no ato reclamado, como visto, contemplado no ponto 15 do probatório.

E por assim ser, improcedem, na íntegra, as visadas alterações.

Aqui chegados, uma vez dirimida a impugnação da matéria de facto, e estabilizado o probatório, vejamos, então, se a decisão recorrida incorreu no erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, que lhe assaca a Recorrente.

Apreciando.

A Recorrente sustenta, desde logo, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na medida em que fez tábua rasa da autoridade do caso julgado, violando o n.º 1, do artigo 619.º, do CPC, porquanto não poderia deixar de aferir os concretos efeitos do caso material daquela decisão também no âmbito do processo de execução fiscal e, por via disso, no âmbito dos presentes autos.

Logo, no caso vertente, tendo a primitiva liquidação da CESE sido julgada legal pelo TCAS e pelo TC, tal vincula as partes e os todos os Tribunais, não podendo admitir-se uma nova apreciação na sequência e decorrência de apresentação de reclamação graciosa quanto ao ato de liquidação subsequente, até porque tal entendimento abre a porta a que os contribuintes possam obter a suspensão do processo de execução fiscal ad eternum.

Sufragando, adicionalmente, que no caso vertente encontramo-nos perante dois interesses conflituantes, por um lado, o do interessado em ver anulado o ato que considera ilegal e, por outro, o da AT na arrecadação das receitas tributárias com vista à satisfação das necessidades públicas, sendo que a realidade fática em contenda demanda que o peso do segundo interesse, ou seja, da arrecadação das receitas tributárias por parte da AT com vista à satisfação das necessidades públicas deverá prevalecer, em ordem ao já dirimido no aludido processo e com trânsito em julgado.

Advoga, in fine, que existiu, igualmente, uma errónea valoração da figura e da própria natureza da declaração de substituição, não existindo qualquer concatenação como uma revogação tácita, donde a decisão recorrida incorreu em clara violação das disposições contidas nos artigos 52.º, nº 4 da LGT e 169.º do CPPT.

Dissente a Recorrida, propugnando pela manutenção da decisão recorrida porquanto analisou adequadamente o regime jurídico com a devida transposição ao caso vertente, carecendo, desde logo, de qualquer fundamento a alusão ao caso julgado na medida em que face ao âmbito de delimitação da presente lide e tendo presente o ato reclamado o que releva para dirimir da legalidade do ato e da sua manutenção concatena-se apenas com a aferição se existe ou não um contencioso pendente sobre a legalidade da dívida da CESE respeitante ao ano de 2017, e sendo a resposta afirmativa tal determinará a suspensão dos autos de execução fiscal, donde a ilegalidade do ato reclamado, como sentenciado pelo Tribunal a quo.

Mais advoga que, uma interpretação contrária acarretaria uma usurpação por parte da AT e, na presente data, do próprio julgador na medida em que se imiscuía no poder de livre decisão que cabe ao juiz do processo de impugnação da autoliquidação de substituição.

Adensa, ainda para o efeito, que a apresentação da declaração de substituição funda-se numa obrigação legal e circunscrita a uma apresentação unitária, em nada podendo eternizar a substituição dos atos tributários de autoliquidação.

Conclui dizendo que existe uma verdade incontestável – e, de resto, incontestada pela própria AT- ou seja, de que no presente momento está pendente um processo de impugnação judicial que visa a discussão da legalidade do ato de autoliquidação respeitante ao ano de 2017, encontrando-se associadas garantias idóneas, logo reunidos os pressupostos para a manutenção da suspensão do processo de execução fiscal, sendo, por conseguinte, ilegal o ato reclamado como sentenciado na decisão recorrida.

O Tribunal a quo, por seu turno, esteou a procedência com base na seguinte fundamentação jurídica:

“foi apresentada uma autoliquidação da CESE do ano fiscal de 2017 que determinou o valor a pagar de € 1.289.924,74 (valor inicialmente executado no PEF 3530201701163728 – nº 1 dos factos provados), e, posteriormente, em 2019, uma declaração de substituição que veio a apurar o valor a pagar de CESE de 2017. Nessa sequência, a AT procedeu à anulação parcial do valor do tributo em € 644,74 (nºs 6 e 15 dos factos provados), encontrando-se atualmente o valor de € 1.289.280,00 a ser executado no âmbito do PEF 3530201701163728. O mesmo aconteceu no âmbito do PEF 3530201701204491, relativo a juros de mora, que, na sequência da referida declaração de substituição, o valor em cobrança coerciva passou a ser € 1.227,89, ao invés do valor inicial de € 1.228.50, considerando que se anulou o valor de € 0,61 (nºs 11 e 15 dos factos provados).

Muito embora se trate do mesmo tributo – CESE, relativo ao mesmo ano de exercício fiscal – 2017, a verdade é que se verifica uma alteração no valor a liquidar, em resultado da apresentação de um novo valor do ativo considerado no cálculo dos ajustamentos definitivos aos proveitos permitidos através da declaração de substituição (nº 6 do artigo 7º do regime da CESE). Ou seja, a apresentação de um novo elemento de facto (novo valor do ativo) determinou a alteração do montante do tributo a liquidar. Nesta sequência, a AT anulou parte da dívida exequenda, prosseguindo o processo de execução fiscal quanto ao novo valor da CESE do ano de 2017, que foi apurado na sequência da declaração de substituição apresentada pela Reclamante.

Sucede que, perante a apresentação da declaração de substituição e respetiva alteração do valor a liquidar, a lei não impede que o contribuinte reaja quer mediante apresentação de reclamação graciosa (e, eventualmente, recurso hierárquico), quer através de impugnação judicial. Neste sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 27/05/2021, proferido no proc. 1484/14.5BESNT, conclui que “a apresentação de uma declaração de substituição não obsta, “per se” a que o contribuinte impugne a liquidação que dela resulta.” (disponível in www.dgsi.pt).

Face ao que antecede, considerando que se encontra em curso a discussão judicial da legalidade da liquidação resultante da apresentação da declaração de substituição, a correr termos neste TAF com o nº 636/22.9BEALM (nº 19 dos factos provados), e que a Reclamante mantém as garantias oportunamente decididas como idóneas nos processos de execução fiscal em causa, entende-se que se encontram reunidos os pressupostos para a suspensão dos referidos processos de execução fiscal, pelo que o ato reclamado deverá ser revogado, conforme se decidirá adiante.”

Vejamos, então, se a decisão recorrida padece do erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito que lhe é assacado.

Atentemos, desde já, no quadro normativo que releva para o caso dos autos.

Dispõe o artigo 85.º, nº3 do CPPT relativamente à proibição da moratória e da suspensão da execução fiscal que:

“3 - A concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade tributária subsidiária.”

No concernente à regulamentação da suspensão da execução fiscal, dispõe o artigo 169.º, do CPPT que:

“1 - A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem 90/436/CEE, de 23 de julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados-Membros, ou de convenção para evitar a dupla tributação, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente.
2 - A execução fica igualmente suspensa, desde que, após o termo do prazo de pagamento voluntário, seja prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o ato, bem como a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda.
3 - A execução fica ainda suspensa, por um período máximo de 120 dias, contados a partir do termo do prazo de pagamento voluntário, para dívidas tributárias em execução fiscal de valor inferior a 5000 (euro) para pessoas singulares, ou 10 000 (euro) para pessoas coletivas, independentemente da prestação de garantia ou de apresentação de requerimento, até à apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, cessando este efeito quinze dias após a sua apresentação, se não for apresentada a competente garantia ou obtida a sua dispensa.
4 - O requerimento a que se refere o n.º 2 dá início a um procedimento, que é extinto se, no prazo legal, não for apresentado o correspondente meio processual e comunicado esse facto ao órgão competente para a execução.
5 - Extinto o procedimento referido no número anterior, aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 200.º
6 - A execução fica ainda suspensa até à decisão que venha a ser proferida no âmbito dos procedimentos a que se referem os artigos 90.º e 90.º-A.
7 - Se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é disponibilizado no portal das finanças na Internet, mediante acesso restrito ao executado, ou através do órgão da execução fiscal, a informação relativa aos montantes da dívida exequenda e acrescido, bem como da garantia a prestar, apenas se suspendendo a execução quando da sua efetiva prestação.
8 - Caso no prazo de 15 dias, a contar da apresentação de qualquer dos meios de reação previstos neste artigo, não tenha sido apresentada garantia idónea ou requerida a sua dispensa, procede-se de imediato à penhora.
9 - Quando a garantia constituída nos termos do artigo 195.º, ou prestada nos termos do artigo 199.º, se tornar insuficiente é ordenada a notificação do executado dessa insuficiência e da obrigação de reforço ou prestação de nova garantia idónea no prazo de 15 dias, sob pena de ser levantada a suspensão da execução.
10 - O executado que não der conhecimento da existência de processo que justifique a suspensão da execução responderá pelas custas relativas ao processado posterior à penhora.
11 - (Revogado.)
12 - Se for apresentada oposição à execução, aplica-se o disposto nos n.os 1 a 8.
13 - Considera-se que têm a situação tributária regularizada os contribuintes que obtenham a suspensão do processo de execução fiscal nos termos do presente artigo, sem prejuízo do disposto quanto à dispensa de garantia.
14 - O valor da garantia é o que consta da citação, nos casos em que seja apresentada nos 30 dias posteriores à citação.”

De convocar, outrossim, o artigo 199.º, números 1 a 5, e 8 do CPPT, sob a epígrafe de “garantias”, o qual estatui que:

“1 – Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente.
2 – A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195º, com as necessárias adaptações.
3 – Se o executado considerar existirem os pressupostos da isenção da prestação de garantia, deverá invocá-los e prová-los na petição.
4 - Vale como garantia, para os efeitos do n.º 1, a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efetuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 7.
5 - No caso de a garantia apresentada se tornar insuficiente, a mesma deve ser reforçada nos termos das normas previstas neste artigo.
(…)
8 - A falta de prestação de garantia idónea dentro do prazo referido no número anterior, ou a inexistência de autorização para dispensa da mesma, no mesmo prazo, origina a prossecução dos termos normais do processo de execução, nomeadamente para penhora dos bens ou direitos considerados suficientes, nos termos e para os efeitos do n.º 4.”

Preceituando, ainda neste particular, o artigo 52.º, nºs 1, 2 , 3 e 7, da LGT, relativamente à garantia da cobrança da prestação tributária que:

“1 - A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objeto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros.
2 - A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
3 - A administração tributária pode exigir ao executado o reforço da garantia no caso de esta se tornar manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.(…)
7 - A garantia pode, uma vez prestada, ser excecionalmente substituída, em caso de o executado provar interesse legítimo na substituição e daí não resulte prejuízo para o credor tributário.”

Ora, da conjugação dos citados normativos legais resulta que instaurada a execução fiscal a sua suspensão apenas pode ser efetuada nos casos previstos na lei, sendo que para esse efeito importa, por um lado, que o sujeito passivo interponha o competente meio de discussão da legalidade/inexigibilidade da dívida exequenda e esteja associada uma garantia idónea ou tenha sido dispensado da sua prestação, podendo, no entanto, a garantia prestada ser objeto da competente substituição desde que demonstrados os respetivos pressupostos legais.

Visto o direito que releva para o caso dos autos, importa, então, apurar se a decisão recorrida padece do arguido erro de julgamento.

Comecemos por ter presente o acervo fático dos autos, para cabal perceção da questão.

Da factualidade assente resulta que, na sequência de entrega de autoliquidação Modelo 27, respeitante ao ano de 2017, no valor de €1.289.924,74, e uma vez que não foi concretizado o seu pagamento, foi extraída certidão de dívida, no mesmo valor, a qual motivou a instauração do competente processo executivo nº 3530201701163728, e ulterior citação, com a consequente prestação de garantia, sob a forma de fiança, no valor de €1.629.222,68, e que determinou a competente suspensão do processo executivo.

Nessa decorrência e em conformidade, foi, igualmente, instaurado o processo de execução fiscal n.º 3530201701204491, para cobrança coerciva de dívida relativa a Juros Mora liquidados referentes à aludida CESE do ano de 2017, fundada na respetiva certidão de dívida, no montante de quantia exequenda de €1.228,50, a qual, após a competente citação e subsequente prestação de garantia, sob a forma de fiança, no valor de €1.640,28, acarretou a respetiva suspensão do visado processo executivo.

Ulteriormente, e por imposição legal (artigos 3.º, n.º 4 e 7.º, nº6 do Regime da CESE, aprovado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), a Recorrida apresentou declaração de substituição, onde apurou um valor de €1.289.280,00 Euros, que motivou a emissão das notas de anulação no valor de € 644,74, e € 0,61, esta última concernente a juros de mora, donde a inerente anulação parcial das dívidas exequendas, e consequente manutenção dos respetivos processos de execução fiscal respeitantes à CESE, do ano de 2017.

Dimanando, outrossim, do probatório que não se conformando a Reclamante, ora, Recorrida com o teor da autoliquidação da CESE do ano de 2017, no valor de €1.289.927,74 Euros apresentou reclamação graciosa, a qual foi objeto de indeferimento, ulterior dedução de impugnação judicial que afirmou a legalidade do ato de autoliquidação de CESE do ano de 2017, confirmada por Acórdão prolatado pelo Tribunal Central Administrativo Sul e cujo juízo de não inconstitucionalidade foi, igualmente, sancionado pelo Tribunal Constitucional e, ora, transitado em julgado.

Mais resultando provado que, atualmente se encontra pendente no TAF de Almada impugnação judicial da decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra os atos tributários de autoliquidação da CESE e de liquidação de juros compensatórios e de mora referentes a 2017, no valor de € 1.289.280,00 e de € 1.227,89, dimanantes da aludida substituição, encontrando-se a correr termos com o nº de processo 636/22.

Promanando, in fine, que a fundamentação do ato reclamado e que alicerçou o indeferimento da manutenção da suspensão dos processos executivos, se coaduna com a falta de verificação dos respetivos pressupostos legais constantes no artigo 169.º, nº1, do CPPT, concretamente a inexistência de contencioso associado à discussão legal da CESE do ano de 2017, porquanto a impugnação judicial n.º 648/18 já não se encontra pendente de qualquer decisão, tendo a sentença de improcedência transitado em julgado.

E a verdade é que, na senda do propugnado pela Recorrida e atenta a realidade fática dos autos, não se afigura que o Tribunal a quo tenha incorrido no erro de julgamento que lhe é assacado.

Senão vejamos.

Nos presentes autos o objeto da lide coaduna-se apenas com a apreciação da legalidade/validade do ato reclamado, concretamente, se é de manter a suspensão do processo de execução fiscal em ordem aos respetivos pressupostos legais, em nada podendo comportar uma apreciação atinente ao âmbito e extensão da lide de impugnação nº 636/22, mormente, se é legítima a dedução de uma impugnação judicial adveniente de uma declaração de substituição, e se a mesma pode acarretar a anulação do ato impugnado.

Com efeito, a Recorrente incorre em confusão conceptual não só com os âmbitos e delimitações da lide de impugnação judicial, com a de reclamação, mas, essencialmente, com a própria materialização e extensão do caso julgado, mormente, na sua dimensão positiva.

Sendo que, in casu, e no sentido ajuizado pelo Tribunal a quo, para efeitos de apreciação da legalidade do ato reclamado, apenas releva a dilucidação do alcance e manutenção da suspensão da execução fiscal, donde aferir se estão verificados os pressupostos atinentes ao efeito, ou seja, a associação de contencioso tendente à discussão da legalidade do ato e prestação de garantia idónea -sendo certo que, este último pressuposto é não controvertido- carecendo, por conseguinte, de qualquer relevo a apreciação dos efeitos da apresentação da declaração de substituição sobre a liquidação anterior, e bem assim da amplitude, alcance e extensão do julgado no processo nº 648/18, mormente, se sobrepõe ou não e, em que medida, ao processo nº636/22.

Note-se que, não se está a dizer que o julgador não deve, sendo caso disso, extrair os devidos efeitos e alcance do trânsito em julgado do processo nº 648/18 no âmbito da lide impugnatória nº 636/22, com efeito o que se propugna em função, quer da letra, quer da ratio legis é que para efeitos da apreciação da legalidade do ato reclamado, donde da suspensão da execução fiscal tais questões não têm a virtualidade e o alcance que lhe foi almejado pela Recorrente.

Ademais, há que ter presente que em sede de execução fiscal, e como doutrinado no acórdão do STA proferido no processo n.º 0566/13, datado de 05 de junho de 2013, “[o] órgão administrativo a quem compete decidir este pedido de suspensão da execução não detém competência para ir analisar, para este efeito, se esses meios procedimentais e processuais (reclamação graciosa, impugnação judicial e recurso judicial) têm ou não viabilidade de procedência, se são ou não tempestivos, se o ato impugnado pode ainda ser sindicado graciosamente ou contenciosamente, se o meio utilizado é o próprio, se o pedido formulado é fundado e legítimo ou se a causa de pedir gizada é pertinente e suscetível de determinar o efeito pretendido.

Aliás, relativamente à impugnação judicial e ao recurso judicial, dirigidos necessariamente ao tribunal tributário, tal ingerência implicaria um vício de usurpação de poderes, por traduzir a ofensa, por um órgão da administração pública, do princípio da separação de poderes por via da prática de ato incluído nas atribuições de poder judicial. E relativamente à reclamação graciosa, dirigida necessariamente à entidade administrativa que lei indica no art. 75º do CPPT, tal ingerência implicaria, por parte do órgão da execução fiscal, um vício de incompetência, por traduzir a prática, por um órgão da administração, de um ato incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão da administração. Em suma, (…), para efeitos de apreciação de pedido de suspensão da execução fiscal por força da dedução de reclamação graciosa que tem por objeto a legalidade da liquidação donde emerge a atual dívida exequenda, o órgão da execução não pode ir analisar, dada a sua falta de competência para o efeito, se essa reclamação tem ou não viabilidade face ao seu objeto, se o ato reclamado constitui ou não uma liquidação “nova” suscetível de reclamação, se os vícios que nela são invocados deviam ou não ter sido alegados na impugnação deduzida contra a liquidação inicial e se são ou não adequados, pertinentes e suficientes para a anulação da dívida que subsiste em cobrança, (…)”. (destaques e sublinhados nossos).

Donde, para efeitos da suspensão da execução, o que releva, tão-só, é o objeto que a impugnação tem, e não o objeto que, na perspetiva da AT, a impugnação possa ou deva ter, e sua concreta legitimidade, idoneidade e viabilidade. Com efeito, o órgão da execução fiscal tem, tão-só, de limitar o âmbito de cognição a verificar se se encontram preenchidos os requisitos previstos no artigo 169.º do CPPT e 52.º da LGT, isto é, se além de ter sido prestada garantia idónea, foi instaurado algum dos meios de reação aí plasmados e se esse meio de reação tem, efetivamente, por objecto a legalidade da liquidação donde emerge a dívida que nesse momento se encontra em cobrança no processo executivo.

Dir-se-á, portanto, que se o alcance e extensão do dirimido no processo de impugnação judicial nº648/18 é correta ou incorretamente apreciado no processo nº636/22, não comporta, nem pode comportar, as consequências que lhe pretende granjear a Recorrente para a presente lide, sendo certo que, não lhe assiste razão quando propugna pela manutenção ad eternum da suspensão executiva, desde logo, atento o normativamente consignado nos artigos 3.º, n.º 4 e 7.º do Regime da CESE.

Ademais, importa ter presente que existindo utilizações abusivas e manobras dilatórias, sempre a parte lesada pode adotar as medidas e os mecanismos de reação reputados de relevo para a reposição da verdade, seja no plano cautelar e perfuntório ou no plano da tutela definitiva, não podendo, sem mais, enveredar-se por uma remoção liminar.

Neste particular, vide o recente Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 807/22.8BEAVR, datado de 07 de junho de 2023, num contexto fático similar e a convocar o mesmo quadro legal, a cuja fundamentação jurídica se adere, tendo em vista a desejável uniformização de jurisprudência, e do qual se extrata, na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“O artigo 169.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário dispõe que a execução fica suspensa em caso de impugnação judicial que tenha por objeto a legalidade da dívida exequenda e a cobrança da dívida esteja garantida.

E o que resulta do teor literal desta norma é que, para efeitos da suspensão da execução, o que releva é o objeto que a impugnação tem. E não o objeto que, na perspetiva da Administração, a impugnação possa ou deva ter.

Ao relacionar a suspensão da execução com o objeto da impugnação, o legislador não pode ter deixado de levar em conta o regime processual que instituiu no mesmo código para o processo de impugnação dos atos de liquidação. Do qual decorre que o objeto do processo impugnatório é delimitado pela pretensão impugnatória e, mediatamente, pelo ato impugnado. No caso, o ato de autoliquidação.

Assim, ao dispor que a execução fica suspensa quanto pender impugnação que tenha por objeto a legalidade da dívida exequenda, o legislador não poderia ter pretendido investir a administração no poder de formular um juízo sobre os pressupostos ou o conteúdo da impugnação ao decidir da suspensão. A nosso ver, esta interpretação é também a única que salvaguarda a lógica do regime. Faz sentido que a administração seja investida no poder de decidir da suspensão da execução se esta não estiver dependente de um juízo de prognose que implique a análise dos pressupostos ou do mérito da pretensão impugnatória. De outro modo, o que faria sentido é que a decisão respetiva fosse atribuída à entidade com competência para a decisão da impugnação.

A Recorrente contrapõe que o interesse do executado na suspensão da execução conflitua com o interesse da administração na arrecadação das receitas tributárias e que este deve prevalecer quando a legalidade da autoliquidação já tiver sido apreciada em sentença transitada em julgado.

Julgamos que o órgão que decide da suspensão da execução fiscal não resolve um conflito de interesses. Ao proibir a suspensão da execução fora dos casos em que a própria lei prevê, o legislador não concede nenhuma latitude à administração para ponderar os interesses materiais que possam ali conflituar. E a resolução dos conflitos de interesses é uma função própria da administração de justiça que, nos termos da Constituição incumbe aos tribunais (ver o n.º 2 do seu artigo 202.º). O que este órgão decide é se estão reunidos os pressupostos de que depende o acionamento de um comando legal.

De qualquer modo, a posição da Recorrente assenta no pressuposto de que entendimento diverso conduz a uma situação manifestamente irrazoável, porque dele resulta que os contribuintes podem aceder à suspensão da execução fiscal indefinidamente.

Ora, parece-nos evidente que o que está em causa, em tais situações, não é o direito à suspensão em si mesmo mas, em última análise, a utilização abusiva desse direito. Sendo que para a sua resolução existem os mecanismos jurídicos adequados e que não passam pela sua remoção liminar. Solução que seria também desproporcionada face aos objetivos a atingir.

À luz do sobredito, concluímos que não importa entrar na questão de saber se o objeto da impugnação judicial n.º 439/22.0BEAVR se sobrepõe, total ou parcialmente ao objeto da impugnação judicial n.º 933/18.8BEAVR nem na questão de saber quais os efeitos da apresentação da declaração de substituição sobre a liquidação anterior. Porque essas são questões que podem contender com a execução do julgado anterior ou com os pressupostos do julgamento da impugnação em curso, mas não importam para a resolução da questão destes autos.” (destaques e sublinhados nossos).

No mesmo sentido de manutenção da suspensão enquanto se encontrar associado contencioso à autoliquidação da CESE do ano de 2017, se expendeu neste Tribunal no âmbito do processo nº 433/22.1BEBJA, datado de 20 de abril de 2023.

Face ao exposto e tendo presente, outrossim, o disposto no artigo 8.º, nº 3 do CC, tendo em vista promover uma interpretação e aplicação uniformes do direito, conclui-se, assim, que estando pendente impugnação judicial sobre a legalidade da dívida da CESE, do ano de 2017, donde emerge a dívida que nesse momento se encontra em cobrança no processo executivo -a qual se encontra, integralmente, garantida, conforme é não controvertido- o ato reclamado padece, efetivamente, de erro sobre os pressupostos de facto e de direito como ajuizado pelo Tribunal a quo.

Uma nota final para ressalvar que em nada releva a convocação do regime da suspensão da execução fiscal atinente ao artigo 78.º da LGT na medida em que são realidades não comparáveis, com regimes normativos díspares e que assentam, outrossim, em fundamentação e ratios não transponíveis para o caso vertente.

Face a todo o exposto, e sem necessidade de outros considerandos, não assiste razão à Recorrente, improcedendo, assim, o recurso interposto pela DRFP, mantendo-se, por conseguinte, a decisão recorrida, com a consequente anulação do ato reclamado.


***


Subsiste apenas a apreciação da dispensa do remanescente da taxa de justiça.

Nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos da tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar e a complexidade do processo, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e confirmar a decisão recorrida, a qual se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe. Notifique.



Lisboa, 22 de junho de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Maria Lurdes Toscano)

(Catarina almeida e Sousa)