Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07937/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/01/2014
Relator:BÁRBARA TAVARES TELES
Descritores:NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO; DOCUMENTOS BANCÁRIOS DO PROCESSO CRIME; VIOLAÇÃO DO PROCEDIMENTO DO ART. 63º-B LGT
Sumário:I). No que concerne à nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.

II. A Administração tributária não pode fazer uso para fins tributários de documentos bancários obtidos em processo criminal objecto de arquivamento em relação ao recorrente em razão da sua não pronúncia sem para tal ter utilizado o procedimento administrativo de derrogação do sigilo bancário previsto no artigo 63.º-B da LGT, sob pena de lhe postergar o seu direito ao recurso da decisão que determine o acesso a tal documentação bancária.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
Óscar ………….., CF ……., residente na Rua ………, Fracção B, em ……, Torres Vedras, inconformado com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente o recurso judicial que deduziu ao abrigo das normas do artigo 89º-A nº 7 e 8 da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 146º-B do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) contra a decisão do Director de Finanças de Lisboa que fixou o seu rendimento colectável por métodos indirectos, para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) dos anos 2006, 2007 e 2008, veio dela interpor o presente recurso jurisdicional:
O Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
VI – Conclusões
1. O presente processo tem origem no recurso da decisão de avaliação da matéria colectável, pelo método indirecto, apresentado nos termos do n.º 7 do art. 89.º-A da LGT.
2. No recurso que deu origem aos presentes autos, suscitou o recorrente as seguintes questões:
a) Caducidade do Direito à Liquidação dos Exercícios de 2006 a 2008;
b) Nulidade no Acesso a Informações e documentos bancários;
c) Nulidade no Recurso à avaliação por métodos indirectos;
d) Incorrecção da correcções efectuadas.
3. Foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente o recurso, mas tão só quanto ao considerar justificado três depósitos bancários, sendo dois no valor 5000,00 €, cada e o terceiro de 7.500,00€.
4. Não tendo obtido vencimento em primeira instância é apresentado o presente recurso subjacente às seguintes questões:
a) Nulidade do acesso às informações bancárias;
b) Nulidade do recurso à avaliação por métodos indirectos;
c) Violação do Princípio do Inquisitório e da Verdade Material;
c) Impugnação da Decisão Sobre a Matéria de Facto.
5. Quanto ao acesso às informações e documentos bancários, importa referir que correu termos pelo Ministério Público de Torres Vedras inquérito com o n.º 139/08.4JELSB em que o ora recorrente foi constituído arguido pelo crime de tráfico de estupefacientes.
6. Neste inquérito foi obtida informação sobre as contas e documentos bancários do recorrente, ao abrigo do regime especial previsto na Lei n.º 5/2002, de 11/01.
7. Este inquérito foi arquivado, sem que o arguido tenha sido acusado, tendo o Ministério Público remetido certidão de fls... à Divisão de Processos Criminais e Fiscais da Direcção de Finanças de Lisboa para apuramento da existência de eventual ilícito de natureza fiscal.
8. Com base nesta certidão e tendo conhecimento que o inquérito tinha sido arquivado (art.s 1 a 3.º da Oposição apresentada pela AT em 25 de Janeiro), a AT utilizou a informação bancária recolhida no âmbito do inquérito arquivado,
9. e procedeu à determinação do rendimento colectável por métodos indirectos, sem respeitar os trâmites do art.º 63.º-B da LGT.
10. Desde logo se verifica que a utilização das informações recolhidas ao abrigo do regime especial da Lei n.º 5/2012 esta ferida de nulidade, porquanto é apenas aplicável aos crimes neste tipificados, carecendo de despacho fundamentado.
11. Inclusivamente a prova obtida ao abrigo deste regime e que não seja relevante para os autos carece de destruição – n.º 4 do art.º 3.º do referido diploma,
12. pelo que não pode ser utilizada para fins distintos do despacho que determinou o acesso à informação.
13. Deste modo, tendo os autos sido arquivados os elementos bancários obtidos deveriam ter sido destruídos, não podendo em caso algum ser utilizados para fins distinto sob pena de violação do direito à intimidade e reserva da vida privada consagrado no art. 26 da CRP.
Mesmo que assim não se entenda
14. A obtenção pela AT de informações bancárias obtidas no âmbito de processo crime não a dispensa de cumprir os trâmites do art.º 63.º-B da LGT.
15. Como bem decidiu o Supremo Tribunal Administrativo em caso em tudo semelhante e em recurso que mereceu provimento, “a Administração tributária eliminou o direito da recorrente de impugnar a decisão administrativa de derrogação do segredo bancário, com manifesto prejuízo dos seus direitos, constitucionalmente protegidos, de acesso aos tribunais para tutela da reserva da sua vida privada (artigos 20.º n.º 1 e 26.º n.º 1 e 2 da Constituição), razão pela qual tal decisão de fixação da matéria tributária está inquinada de ilegalidade, impondo-se a sua anulação.” (1)
16. Sabendo a AT que as informações bancárias provinham de inquérito arquivado, não podia ignorar que para utilizar tal informação, tinha de cumprir os requisitos previstos no art. 63.º B da LGT.
17. Ao preterir essa formalidades coartou ao recorrente direitos constitucionalmente consagrados, pelo que o acesso à informação bancária está ferido de nulidade e não pode alicerçar a fixação do rendimento tributável.
18. Por outro lado, caberia à AT demonstrar e justificar o recurso à avaliação por métodos indirectos, sendo que no caso em apreço o AT partiu para o pedido de esclarecimentos e avaliação por métodos indirectos com base nas informações bancárias ilegitimamente obtidas.
19. Tendo as informações bancárias sido ilegitimamente obtidas, não podem pois ser utilizadas para fundamentar o recurso à avaliação indirecta nos termos da al. f) do nº 1 do art. 87.º da LGT, pelo que o despacho esta deficientemente fundamentado e o recurso aos métodos indirectos ferido de nulidade.
20. Acresce que com a instauração do presente recurso o recorrente juntou prova exclusivamente documental, em cumprimento do preceituado no n.º 3 do art.º 146.º-B do CPPT
21. O Tribunal Constitucional veio em 30 de Outubro de 2013 – já após ter sido instaurado o presente processo - a pronunciar-se pela inconstitucionalidade (com força obrigatória geral) do referido n.º 3 do art.º 146.º-B do CPPT na parte em que a prova deve “revestir natureza exclusivamente documental” (2)
22. Ora, ao abrigo do princípio do inquisitório e da verdade material (3), nunca deveriam ser os factos documentados pelos documentos juntos ser dados como não provados sem que o fossem inquiridos os subscritores dos documentos juntos.
23. Quanto à decisão sobre a matéria de facto, refere-se, desde já, que os contratos de mútuo a que se reportam as alíneas AF e AJ dos factos não provados não constam na verdade de escritura pública.
24. Assim, não pode o documento exigível ser substituído por qualquer outro, salvo se de força probatória superior.
25. Todavia esta impossibilidade de substituição apenas tem relevância para não permitir que se façam valer os efeitos do negócio, mas já não releva para provar a existência de uma declaração negocial ainda que nula por falta de forma.
26. Nada obsta, pois, a que se recorra a um documento particular para provar que foi celebrado um contrato de mútuo, mas que dá sempre lugar à restituição da quantia mutuada.
27. Assim, os documentos que suportam contratos de mútuo referidos são documentos particulares cuja força probatória é suficiente para provar a relação subjacente, tanto mais que no âmbito tributário prevalece o princípio da substância sobre a forma.
28. Quanto aos factos constantes das alíneas U, V, Y, AA, AB e AD foram juntas escrituras públicas que os comprovam.
29. Em relação aos factos constantes de AA e AD nenhuma referencia se faz na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, pelo que ocorre manifesta omissão de pronuncia.
30. Todavia, estão demonstrados pelos documentos juntos.
31. Quanto ao facto vertido em T, Encontra-se demonstrado pelas declarações juntas, que diga-se desnecessárias, e o facto das declarações de IRS dos donatários apresentarem baixos rendimentos não permite concluir que esses mesmos donatários não tivessem os valores doados.
32. Quanto ao facto referido em AI foram apresentados os documentos comprovativos das operações com o banco Montepio, sendo que nos termos do 6.º/1 do CIRS o desconto de letras e livranças seria de presumir resultantes de um contrato de mútuo.
33. Finalmente os factos vertidos nas alíneas W, X, Y, Z, AC, AE, AF, AG, AH e AK têm todos suporte documental.
34. Acresce que prova documental apresentada permite pelo menos concluir por uma fundada dúvida sobre a quantificação e correcção do acto tributário.
35. Ora a dúvida reverte a favor do contribuinte e gera a nulidade do acto – art.º 100.º do CPPT. (4)
*
A Recorrida apresentou contra-alegações que concluiu nos seguintes termos:
“a) A douta sentença recorrida, ao julgar parcialmente o recurso, fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, bem como um correcto julgamento e uma correcta apreciação da prova, motivo pelo qual deve ser mantida.
I. DA ALEGADA NULIDADE DO ACESSO ÀS INFORMAÇÔES BANCÁRIAS
b) Sustenta a recorrente que a informação bancária deveria ter sido destruída, no entanto, esta fundamentação não foi objecto de apreciação pelo Tribunal a quo, pretendendo uma nova apreciação do Tribunal Superior que não foi objecto da decisão recorrida, nem em matéria de facto, nem em matéria de direito.
c) Dos factos dados como provados e não impugnados pelo recorrente que face á remessa de certidão do processo de inquérito nº 139/08.4, se procedeu em 13/04/2009 à abertura do processo de inquérito nº 820/09.0IDLSB, que corre os seus termos nos Serviços de Ministério Publico de Torres Vedras.
d) E como decorre do Processo Administrativo (PA), o Director de Finanças não fundamentou a sua decisão em informação recolhida no âmbito de um processo arquivado.
e) E sendo a fundamentação da decisão impugnada, suportada pelo PA, que foi sujeita, para efeitos de controle da legalidade do acto impugnado, à apreciação do Tribunal a quo, não pode o recorrente invocar como suporte das suas pretensões recursivas um facto que não foi objecto de prova, que não foi dado como assente, nem sustentou qualquer decisão.
f) Sendo o objecto de recurso a decisão impugnada e estando o Tribunal Superior limitado a apreciar questões já submetidas ao exame do tribunal de que se recorre, não pode este reapreciar um fundamento que nunca foi objecto de prévia apreciação.
g) E não se pode dizer que estão em causa novos factos, pois o recorrente foi notificado da decisão de arquivamento dos autos de inquérito nº 139/08.4, o que não aconteceu em relação à entidade recorrida que só em sede de recurso da decisão do Director de Finanças de Lisboa teve conhecimento de tal arquivamento.
h) Resultando claro dos factos dados como provados e não impugnados pelo recorrente, assim como do PA que foram os factos apurados no Processo de Inquérito 820/09.0IDLSB, nomeadamente os depósitos em contas bancárias de que o recorrente é titular, que levaram à abertura da acção inspectiva para verificação da regularidade dos valores declarados em sede de IRS, nos anos de 2006, 2007 e 2008.
i) Não tendo o recorrente nos processos de inquérito suscitado a questão de não ter tido qualquer intervenção no processo penal onde foi obtida a informação bancária sobre as contas, assim, e tal como decidiue bem, salvo douto entendimento em contrário, o TCA Norte, através do Acórdão 1618/09: “Não invocando o contribuinte qualquer ilegalidade relativamente ao modo como a informação bancária foi acedida pela autoridade judiciária, não há qualquer óbice à sua utilização no procedimento tributário, onde podem usar-se todos os meios de prova admitidos em direito (cf. artº 72º da LGT e art.º 50º do CPPT)
j) Estabelecendo o art.º 63º -B nº 9 da LGT, que o regime previsto nos números anteriores não prejudica a legislação aplicável aos casos de investigação por infracção penal, não está a decisão de fixação da matéria colectável com recursos a métodos indirectos dependente da qualificação de comportamento algum como integrando ilícito criminal.
k) se o legislador pretendesse excluir a hipótese de aproveitamento, em sede de procedimento inspectivo, de informações de natureza bancária, recolhidas em sede de processo de inquérito, tê-lo-ia manifestado expressamente na lei, o que não aconteceu, como decorre do teor do art. 63º -b, nº 9 da LGT.
l) Mais invoca o recorrente o processo 0515/14 do STA de 4 de junho de 2014, no entanto, é patente que a base factual sobre a qual assentou a decisão recorrida é diferente do caso sub judice.
m) Desde logo, porque ao contrario do que se passou nos autos do processo 0515/14 do STA, nunca esteve em discussão saber se “a prova obtida em sede de inquérito com acesso a documentação bancária ao abrigo do disposto na alínea d) do nº 2 do art. 79º do Regime Geral de Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Dec-Lei nº 298/92, de 31/12, com as alterações introduzidas pela Lei 36/210, de 2 de Setembro), pode ser utilizada em sede de procedimento tributário.
n) Não estamos, no caso sub judice, perante uma situação em que a AT tenha fundamentado a decisão impugnada, num despacho de arquivamento de processo.
o) No caso sub judice, o Ministério Publico emitiu parecer no sentido de que, foi na sequência da instauração do inquérito nº 820/09.0IDLSB, que corre termos nos Serviços do Ministério Publico de Torres Vedras, “com base em certidão remetida do inquérito 139/08.4JELSB (tráfico de estupefacientes) que a informação bancária chegou ao conhecimento da AT, razão pela qual não houve necessidade de recorrer a um procedimento de derrogação do sigilo bancário.”
p) Não obstante, os poderes de cognição do tribunal Superior estarem sujeitos à reapreciação de questões já submetidas ao exame do tribunal, estamos perante situações fácticas distintas, com enquadramento jurídico diverso, não sendo a jurisprudência recente do STA, transponível para o caso sub judice.
q) Mais alega o recorrente que: “Ao preterir estas formalidades, coartou-se ao recorrente o direito de recorrer aos Tribunais para tutela da reserva da sua vida provada, previsto nos artigos 20º, nº 1 e 26º nº 1 da Constituição da República Portuguesa”, no entanto não concretiza como o mesmo resulta violado, tanto mais que em sede de procedimentos de inquérito não invocou qualquer ilegalidade relativamente ao modo como a informação bancária acedida pela autoridade judiciária, assim, salvo o devido respeito, não logramos alcançar de onde possa resultar tal violação.
r) Face ao exposto supra, é de concluir que a sentença recorrida não violou o preceituado nos números 4 e 5 do 63º -B da LGT, nem o disposto nos números 1 e 2 do art. 20º e nº 1 e 2 do art. 26º da CRP.
s) “Pelo que não ocorreu nulidade no acesso a informações e documentos bancários do sujeito passivo, fora do âmbito do procedimento previsto no citado artigo 63º - B da LGT”
II. DA ALEGADA NULIDADE DO RECURSO Á AVALIAÇÃO POR METODOS INDIRECTOS
t) Consagrando o art. 72º da LGT o princípio da liberdade de prova, o qual é reforçado pelo art. 50º do CPPT, sendo os acréscimos patrimoniais relevados pelos depósitos efectuados em contas bancárias, constituem um meio de prova imprescindível.
u) Podendo a AT, tal como supra demonstrado, utilizar como meio de prova a informação bancária recolhida pelo Ministério Publico em fase de inquérito criminal, por não estar a decisão de fixação da matéria tributável um ilícito criminal, dependendo apenas da averiguação da veracidade dos rendimentos declarados face às manifestações de fortuna evidenciadas.
v) Resultando da decisão recorrida a inegável legalidade da decisão do Director de Finanças de Lisboa, que fixou o rendimento colectável ao recorrente, tendo a AT demonstrado os factos em que se traduziu o acréscimo patrimonial, bem como a proporção entre os mesmos e os rendimentos declarados, resultando uma divergência superior entre os rendimentos declarados e os acréscimos patrimoniais revelados pelos depósitos bancários em causa.
w) É inequívoco que: “Não tendo o Recorrente feito prova de que os montantes depositados tidos como acréscimos patrimoniais pela Autoridade Tributária, não tinham de ser declarados para efeitos de imposto sobre o rendimento, deve manter-se a avaliação indirecta da matéria tributável efectuada nos presentes autos, nos termos do artigo 87º nº 1 alínea f) da LGT, com excepção dos depósitos justificados e identificados nos factos P,Q e R”
III. DA ALEGADA VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO DO INQUISITÓRIO E DA VERDADE MATERIAL
x) Estabelece o art.º 342º do Código Civil (CC), aplicável ex vi do art.º 2º, alínea d) da LGT, o princípio do ónus da prova.
y) Não obstante, no que respeita à factualidade a atender, em regra, vigora o principio da aquisição processual, consagrado no art. 413º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex. vi ao art. 2º, alínea e) do CPPT, cumprindo o que lhe está imposto por este principio, o juiz a quo declarou os factos que julgou provados e os quais não julgou provados, analisando criticamente as provas apresentadas.
z) Não concretizando o recorrente como resulta violado o principio do inquisitório e da verdade material, não se impunha que o juiz do tribunal a quo tivesse que inquirir os subscritores dos documentos apresentados, uma vez que na fundamentação da sentença, o juiz analisou criticamente as provas apresentadas e especificou os demais fundamentos que foram decisivos para a sua decisão, face ao exposto, é de concluir que a sentença recorrida não violou o principio do inquisitório e da verdade material.
III. DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
aa) O erro na apreciação das provas relevantes para a alteração da decisão da matéria de facto, pressupõe, nos termos do art. 662º do CPC, aplicável ex vi do art.º 279º do CPPT, que todas estas provas deveriam conduzir a uma decisão necessária e forçosamente diversa e não a uma decisão possivelmente diferente-
bb) a decisão proferida com base numa interpretação e valoração (ainda que discutíveis) fundamentadas nas provas produzidas contida no espaço definido pela livre apreciação das provas deveriam conduzir a uma decisão necessária e forçosamente diversa e não a uma decisão possivelmente diferente.
cc) e segundo o principio da livre apreciação da prova, o tribunal fundamenta a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua intima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a “sua prudente convicção acerca de cada facto”, como estabelece o art. 607º nº 5 do CPC, aplicável ex vi do art.º 2º al e) do CPPT.
dd) Só quando a força probatória de certos meios se encontra pré estabelecida, é que não domina na apreciação das provas produzidas o principio da livre apreciação.
ee) Não podendo, no caso sub judice, ser assacada à decisão a quo qualquer erro de julgamento de facto.
ff) O contrato de mútuo superior a 25.000€, ao abrigo do disposto no art. 1143º do CC, só é valido se for celebrado por escritura publica ou por documento autenticado, estabelecendo o art. 364º nº 1 do CC que quando a lei exige, como forma de declaração negocial, documento que não seja de força probatória superior, tanto mais que o recorrente não apresentou qualquer recibo de quitação, ou demonstrou a efectiva mobilização das quantias dos supostos mutantes para o mutuário.
gg) Não podendo ser dados como provados os factos AF e AJ, não houve erro no julgamento de facto.
hh) Quanto aos factos constantes da alínea U, V, X, Y, AC, considerou e bem o Tribunal que “das escrituras e compras e vendas e demais documentos apresentados não são susceptíveis de justificarem os depósitos bancários em questão. Os montantes referidos nestes documentos não coincidem com os depósitos bancários em causa”, não sendo possível estabelecer um nexo entre os montantes depositados e os valores escriturados, as escrituras não os podem justificar, tanto mais que poderiam ser utilizados para justificar qualquer depósito, assim, não podem estes factos serem dados como provados, porque não havendo uma clara demostração da origem dos depósitos, não houve qualquer erro de julgamento dea matéria de facto.
ii) No que se refere aos factos AA e AD, alega o recorrente que existe omissão de pronuncia, o que não corresponde à verdade, uma vez que o juiz do tribunal a quo os apreciou, como é incontestável na sentença recorrida.
jj) Não existindo qualquer omissão de pronuncia, ou erro de julgamento da matéria de facto, não logrando, contudo, os mesmos demonstrar a realidade pretendida pelo recorrente.
kk) No que se refere ao facto AB, não junta o recorrente qualquer escritura, não existindo erro de julgamento da matéria de facto.
ll) No que se refere ao facto T, tratando-se de um documento particular, estabelece o art.º 607º do CPC, aplicável ex vi do art.º 2º alínea e) do CPPT que o seu valor probatório é livremente apreciado pelo tribunal, não existindo assim qualquer erro de julgamento da matéria de facto.
mm) Quanto ao facto AI, os documentos bancários apresentados não suportam o facto de que as operações correspondam a dinheiro pedido emprestado pelo recorrente ao Montepio, pelo que considerou e bem o juiz do tribunal a quo não provado o facto, por não terem sido junto quaisquer documento de suporte, não existindo assim qualquer erro de julgamento da matéria de facto.
nn) Alega ainda o recorrente que “quanto aos factos em W, X, Y, Z, AC, AE, AF, AG, AH e AK todos eles tem suporte documental, ora desde logo não há coincidência entre estes factos e os factos que o tribunal a quo, considerou não provados e da analise dos documentos juntos é manifesto que os mesmos não constituem suporte dos factos que o recorrente pretende que sejam dados como provados.
oo) Não explicando qual q interpretação, valoração das provas que permitam uma decisão diversa da proferida, não existe qualquer erro de julgamento da matéria de facto.
pp) Mais alega o recorrente, em sede recursiva, que mesmo que “se considere que a prova documental apresentada não constitui prova absoluta de quais os elementos ou métodos estão invocados, não se pode deixar de considerar que, pelo menos, geraram fundadas dúvidas sobre a quantificação do acto tributário”, tendo a AT demonstrado os pressupostos que levaram á tributação, com base em métodos indirectos, o recorrente não logrou demonstrar, através da prova concludente, que pudessem existir duvidas sobre os pressupostos em que assentou o juízo efectuado pela AR para prova da existência do facto tributário.
qq) Não podendo este aproveitar uma actuação probatória desadequada para a criação de uma duvida, sobre a quantificação do facto tributário, seria imprescindível que em sede de recurso da decisão do Director de Finanças de Lisboa tivesse alegado factos que, uma vez provados, serem idóneos para comprovar e demonstrar, com uma certeza adequada a errónea quantificação da matéria tributável
rr) Não o tendo feito, não pide deixar de se manter a decisão recorrida, não resultando da prova produzida qualquer fundada duvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, devendo o acto impugnado manter-se no ordenamento jurídico.”
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Neste Tribunal Central Administrativo, o Digno Magistrado do Ministério Público absteve-se de emitir parecer.
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Foram dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo (cf. artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 278º, nº 5 do Código do Processo e do Procedimento Tributário (CPPT)].
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Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
As questões suscitadas pelo recorrente e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões [nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º e 684º, nºs 3 e 4, todos do CPC, ex vi artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT, prendem-se com a nulidade da sentença por falta de fundamentação (omissão de pronúncia) e em saber se a sentença enferma de erro de julgamento da matéria de facto e de direito quanto à nulidade do acesso às informações bancárias; quanto à nulidade do recurso aos métodos indirectos por nela se ter considerado que aqueles manifestaram fortuna, nos anos de 2006, 2007 e 2008, em resultado de depósitos bancários tidos como acréscimos patrimoniais. Mais importa decidir se a sentença enferma na violação do Principio do Inquisitório e da Verdade Material.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. Da Matéria de Facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:
A) Correram nos Serviços do Ministério Público de ………, contra o ora Recorrente, os autos de inquérito registados com o processo n.º 139/08.4 JELSB, pelo crime de Tráfico de Estupefacientes - cfr. fls. 121 e 122;
B) No âmbito do processo de inquérito, em sede de investigação da Polícia Judiciária, foram reunidas informações relativas a contas bancárias de que o Recorrente era titular - cfr. relatório de acção inspectiva de fls. 1 a 17 do processo administrativo apenso;
C) O Ministério Público ordenou a remessa de certidão do processo referido em A, à Divisão de Processos Criminais e Fiscais da Direcção de Finanças de Lisboa “a fim de apurar a existência de ilícito de natureza fiscal” pelo ora Recorrente - cfr. certidão de fls. 121 e 122;
D) Em face do teor da certidão referida em C, procedeu-se em 13/04/2009 à abertura de processo de Inquérito n.º 820/09.0 IDLSB, que corre os seus termos nos Serviços do Ministério Público de Torres Vedras, 1.ª Delegação - cfr. fls. 138 e 339;
E) Pelas ordens de serviço n.ºs OI……….., OI……… e OI………, o Recorrente foi objecto de uma acção inspectiva para verificação da regularidade dos valores declarados em sede de IRS, nos anos de 2006, 2007 e 2008, tendo em conta os factos apurados no P. Inquérito n.º 820/09.0 IDLSB, nomeadamente os depósitos em contas bancárias de que o sujeito passivo é titular - cfr. relatório de acção inspectiva de fls. 1 a 17 do processo administrativo apenso;
F) No Processo de Inquérito n.º 820/09.0 IDLSB, foi apurado que foram depositados em contas bancárias de que o Recorrente é titular, os seguintes montantes:
ano 2006: 113 290,38 €;
ano 2007: 338 397,87 €;
ano 2008: 327 276,14 € - cfr. relatório de acção inspectiva de fls. 1 a 17 do processo administrativo apenso;
G) Nos anos de 2006, 2007 e 2008 o Recorrente declarou em sede de IRS, os seguintes rendimentos:
ano 2006: 6 000,00 €;
ano 2007: 22 794,08 €
ano 2008: 31 661,44 € - cfr. relatório de acção inspectiva de fls. 1 a 17 do processo administrativo apenso;
H) O Recorrente foi notificado através do ofício n.º 047700 de 15/06/2012 para no prazo de quinze dias comprovar que correspondiam à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte dos acréscimos patrimoniais evidenciados, nomeadamente “herança, doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar”- cfr. fls. 19 a 24 do processo administrativo apenso;
I) Em resposta, o Recorrente apresentou exposição escrita cujo teor integral dou aqui por reproduzido - cfr. fls. 25 a 42 do processo administrativo apenso;
J) Após a análise da resposta do Recorrente, referida em I, os Serviços de Inspecção apuraram que relativamente aos seguintes valores, o ora Recorrente não comprovou a proveniência dos seguintes depósitos:
PROVENIÊNCIA/
EXERCÍCIO
Valores com Justificação InsuficienteJUSTIFICADOSOMA
    2006
    2007
    2008
Aníbal …………….
    10 000,00
    10 000,00
Artur ………………
    20 000,00
    20 000,00
Carlos ……………………..
    10 000,00
    10 000,00
Delmiro ………………….
    45 000,00
    87 000,00
    132 000,00
De …………… Unipessoal, Lda
    1 190,00
    1 190,00
Duarte ……….. & Filhos
    22 500,00
    5 898,38
    28 398,38
Florentino ………..
    6 000,00
    6 000,00
Gonçalo ……………
    500,00
    500,00
José …………………..
    7 500,00
    7 500,00
José ……….
    25 000,00
    25 000,00
José ……
    8 000,00
    8 000,00
José ………..
    70 000,00
    70 000,00
L……. Lda
    26 650,00
    26 650,00
Maria …………
    200,00
    200,00
Milay ………….
    10 000,00
    10 000,00
Orlando ……………….
    15 000,00
    15 000,00
Paulo …………
    5 000,00
    5 000,00
Pool …………. Lda
    13 500,00
    13 500,00
Rui ……………
    5 000,00
    5 000,00
S…………
    10 000,00
    6 000,00
    16 000,00
T……………
    100,00
    100,00
Way ………….. …………..
    25 000,00
    25 000,00
Desconto de letras/livranças
    14 922,58
    14 922,58
Depósitos em numerário
    2 600,00
    24 600,00
    17 270,00
    44 470,00
Depósito de valores c/ origem não
identificada
    1 386,00
    25 955,41
    11 984,83
    39 326,24
Devolução de compra
    9,95
    9,95
Empréstimo
    75 000,00
    75 000,00
Juros credores
    66,16
    66,16
Desconto de letras
    19 897,58
    33 825,16
    53 722,74
L…..Lda
    7 450,00
    7 450,00
Depósito de valores c/origem não
identificada
    2 500,00
    2 500,00
Transferência c/origem não identificada
    500,00
    500,00
Juros Credores
    13,97
    13,97
Banco …………
    4 500,00
    4 500,00
Caixa Geral de Depósitos
    1 000,00
    1 000,00
Companhia de Seguros A…….
    535,00
    535,00
Fernando ……………
Prazeres …………..
    60 000,00
    60 000,00
Cheque do Banco M…………..
    10 500,00
    10 500,00
IP-CDSS Lisboa-Instituto de Seguros
    1 313,05
    1 313,05
Venda Moeda Estrangeira
    441,85
    441,85
Depósitos em numerário
    200,00
    9 200,00
    9 400,00
Depósito de valores c/origem não
identificada
    2 150,00
    2 594,00
    261,90
    5 005,90
BB Ag.0158 - titular e conta não
identificados
    2 500,00
    2 500,00
B……..Ag.0149 titular e conta não
identificados
    25 000,00
    10 000,00
    35 000,00
B…………. Ag.0149 titular e conta não
identificados
    7 000,00
    7 000,00
CCAM TVD Ag. 5341 titular e conta não
identificados
    10 000,00
    10 000,00
C……… Ag. 0413 - titular e conta não
identificados
    9 900,00
Depósitos em numerário
    7 190,00
    920,00
    400,00
Depósito de cheques com
origem não identificada
    5 126,00
    744,50
SOMA de valores depositados em
Contas bancárias
    107 152,00
    337 334,07
    326 731,89
    83 278,36
K) No relatório da acção inspectiva consta a seguinte motivação e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos:
“Nos exercícios de 2006/2007/2008 foram detectadas as situações descritas nos pontos seguintes, que evidenciam a existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo patrimonial evidenciado pelo sujeito passivo, pelo que houve necessidade de recorrer à avaliação indirecta do rendimento tributável, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT:
1) Nos anos de 2006/2007/2008 foram depositados nas contas bancárias de que o sujeito passivo é titular os montantes de, pelo menos:
Soma de valores depositados em contas bancárias:
Valores com justificação insuficiente:
Ano 2006: 107 152,00 €
Ano 2007: 337 334,07 €
Ano 2008: 326 731,89 €
2) De acordo com o disposto na alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT, há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando exista uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo patrimonial evidenciado pelo sujeito passivo, no mesmo período de tributação:
    Proveniência/exercício
2006
      2007
      2008
    Soma de valores depositados em
    Contas bancárias
107 152,00
      337 334,07
      326 731,89
    Rendimento global declarado
6 000,00
      22 794,08
      31 661,44
3) Comparando os rendimentos declarados com o montante de acréscimo patrimonial evidenciado nas contas bancárias, verificamos que existe uma divergência, superior a um terço, nos três períodos de tributação em análise.
4) Verificada a situação referida no parágrafo anterior, e de acordo com o n.º 3 do art. 89.º -A da LGT, cabe aos sujeitos passivos a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte dos acréscimos patrimoniais evidenciados.
5) Através do ofício n.º 047700, de 15-06-2012, foi o sujeito notificado para «…comprovar que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte dos acréscimos patrimoniais evidenciados nomeadamente herança, doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, etc…».
6) A resposta enviada pelo sujeito passivo foi objecto de análise no ponto II, tendo dessa análise sido apurados como elegíveis para efeitos de apuramento dos rendimentos globais, os valores constantes dos quadros antes apresentados.
Nestes termos, e de acordo com o disposto alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da Lei Geral Tributária - LGT, o pressuposto de aplicação desta modalidade de avaliação indirecta está devidamente verificado. Assim, encontram-se reunidas as condições legais para, de acordo e nos termos do disposto no n.º 5 do art. 89.ºA da LGT, proceder à fixação do rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, para os exercícios em análise.” - cfr. relatório de acção inspectiva de fls. 1 a 17 do processo administrativo apenso;
L) Quanto aos critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos, no relatório da acção de inspecção consta o seguinte:
“No seguimento da informação recolhida junto das instituições bancárias foram detectadas entradas nas várias contas de que o sujeito passivo era titular, que correspondem a acréscimos patrimoniais, nos montantes globais antes descritos.
Assim estão reunidas as condições para aplicação do disposto no art. 87.º, n.º 1, alínea f) da LGT (divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património, resultante das entradas em contas bancárias), sendo de considerar como rendimento o valor dos acréscimos patrimoniais verificados.
Conforme determina o n.º 5 do artigo 89.ºA considera-se rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria B «…a diferença entre os acréscimos de património evidenciado e os rendimentos declarados».
Por isso vão considerar-se como rendimento da categoria G, os valores apurados no quadro seguinte, que adicionados aos valores declarados pelo sujeito passivo, irão constituir os respectivos rendimentos globais:
Proveniência/exercício200620072008
Rendimentos globais declarados
(1)
6 000,0022 794,0831 661,44
Acréscimos patrimoniais (2)107 152,00337 334,07326 731,89
Rendimentos da categoria G a
Corrigir (3)=(2)-(1)
101 152,00314 539,99295 070,45
Rendimentos fixados107 152,00337 334,07326 731,89
Nos termos do art. 9.º, n.º 3, estes montantes são considerados rendimentos da categoria G de IRS” - cfr. relatório de acção inspectiva de fls. 1 a 17 do processo administrativo apenso;
M) Concordando com o relatório de inspecção tributária referido em E a L, em 22/11/2012, o Director de Finanças de Lisboa proferiu despacho de fixação do rendimento colectável de IRS, do ora Recorrente, referente aos exercícios de 2006, 2007 e 2008, em 107 152,00 €, 337 334,07 € e 326 731,89 €, respectivamente “nos termos dos artigos 87.º, n.º 1, alínea f) e 89.º - A, n.º 5 da LGT, conjugado com o n.º 3 do art. 9.º do CIRS” - cfr. despacho de fls. 1 do processo administrativo apenso;
N) Em 28/11/2012, o Recorrente foi notificado das correcções resultantes da acção de inspecção interna e referidas em M - cfr. fls. 46 a 50 do processo administrativo apenso;
O) O ora Recorrente não se lembra do Sr. Gonçalo ……….., da empresa «L……….., Lda», da Sra. Maria …………….., de Mitaly …………, das sociedades S……. e T…………..- cfr. justificação de fls. 14 a 20;
P) O Recorrente recebeu € 5 000,00 de Paulo …………….., a título de empréstimo - cfr. ponto 17 da justificação de fls. 14 a 20 e declaração de fls. 285 e 286;
Q) O Recorrente recebeu € 5 000,00 de Rui …………….., a título de empréstimo - cfr. ponto 19 da justificação de fls. 14 a 20 e declaração de fls. 287 e 288;
R) O depósito de € 7 500,00 corresponde à quantia recebida do Sr. José ………………. por venda de prédio - cfr. ponto 9 da justificação de fls. 14 a 20; junta fotocópia não certificada da escritura de compra e venda, a fls. 257 a 259;
S) Maria ………………. e Augusto ………….., avós do Recorrente, declararam em IRS:
- no ano de 2007, o rendimento de pensões, no montante de 4 461,66 € e 4 461,66 €, respectivamente;
- no ano de 2011, o rendimento de pensões, no montante de 4 775,82 € e 5 837,16 €, respectivamente; - cfr. declarações de rendimentos de IRS, modelo 3, a fls. 123 a 128;
Factos não provados
T) Maria ……………., avó do Recorrente e o falecido marido doaram ao neto, ora Recorrente, nos anos de 2006 a 2008, diversas quantias em dinheiro que perfazem o total de 63 000,00 € - cfr. declaração com data de 10/07/2012, a fls. 70 e 71;
U) O Recorrente recebeu de Aníbal …………. a quantia de € 10 000,00, relativa ao preço de venda de um imóvel - para justificar junta cópia de escritura pública de compras e vendas de fls. 21 a 23; (A escritura declara que o Recorrente adquiriu por € 15 000,00 um prédio ao Sr. António …… e que depois o vendeu à Sra. Isabel ………. (esposa do Sr. Aníbal ……….) pelo preço de € 16 000,00) - cfr. fls. 21 a 23;
V) O Recorrente recebeu de Artur …………… a quantia de € 20 000,00 referente à venda de uma casa na Maceira - cfr. ponto 2 da justificação de fls. 14 a 20; o Recorrente para justificar tal depósito, junta contrato promessa de compra e venda, com data de 09/11/2006, nos termos do qual o ora Recorrente promete comprar, ao Sr. José ……………., o prédio sito na Maceira, pelo montante de 27 500,00 € - cfr. fls. 229 e 230; o Recorrente também junta escritura de compra e venda, na qual consta que como procurador do Sr. José …………… vende o prédio sito na Maceira a Artur …………., pelo montante de 30 000,00 € - cfr. fls. 229 a 235;
W) O Recorrente recebeu de gratificação o valor de € 10 000,00, pela venda de um apartamento em Porto Novo, da Duarte ……… & Filhos, Lda a Carlos ……….. - cfr. ponto 3 da justificação de fls. 14 a 20;
X) O Recorrente recebeu € 45 000,00, em 2007 do Sr. Delmiro …………, para suportar despesas nas obras de adaptação de dois apartamentos em Porto Novo, comprados pelo Sr. Delmiro à Duarte ……….. & Filhos, Lda, tendo entregue as facturas e recibos ao Sr. Delmiro - cfr. ponto 4 da justificação de fls. 14 a 20;
Y) Por o Sr. Delmiro ter manifestado interesse em comprar a fracção R, o Recorrente recebeu dele € 87 000,00, sendo € 55 000,00 para pagamento do suprimento e € 32 000,00 para pagamento da obra referida em W - cfr. ponto 4 da justificação de fls. 14 a 20; para justificar junta escritura do contrato de compra e venda celebrado pelo Recorrente na qualidade de gerente e em representação da sociedade Duarte ………… & Filhos, Lda, em que declara que vende pelo preço de 360 000,00 € duas fracções sitas em Porto Novo, a André ……. e a Bruno ………, este representado pelo Sr. Delmiro …………., a fls. 237 a 241 e declaração do Sr. Delmiro Braz, com data de 23/12/2012, de fls. 242, orçamento da I…………s dirigido ao Sr. Delmiro ………….de fls. 243 e o orçamento dirigido à Duarte …………e Filhos, Lda, a fls. 245. Ora estes documentos todos juntos não são susceptíveis de provar que o ora Recorrente recebeu do Sr. Delmiro, o montante total de 132 000,00 (45 000,00 +87 000,00);
Z) O depósito de € 1 190,00 corresponde a rendas recebidas de «De …………….., Lda» - cfr. ponto 5 da justificação de fls. 14 a 20;
AA) O depósito de € 22 500,00 corresponde a quantia recebida da Duarte ……….& Filhos, Lda pela venda de um terreno - cfr. ponto 6 da justificação de fls. 14 a 20 e escritura pública de fls. 24 a 27 - esta escritura prova que o Recorrente na qualidade de sócio-gerente e em representação da sociedade Duarte G........... & Filhos, Lda comprou ao Sr. Paulo Rui Ferreira Marques uma parcela de terreno pelo preço de 22 500,00 € e não que vendeu - cfr. fls. 16 e 24 a 27;
AB) O depósito de € 5 898,38 recebido da Duarte G........... & Filhos, pelo pagamento de uma escritura de reforço de hipoteca que o Recorrente adiantou e a sociedade restituiu - cfr. ponto 6 da justificação de fls. 14 a 20 e 28;
AC) O depósito de € 6 000,00 recebidos do Sr. Florentino R........... para pagamento a fornecedores em obra do Sr. Florentino gerida pelo Recorrente - cfr. ponto 7 da justificação de fls. 14 a 20; o Recorrente junta declaração assinada pelo Sr. Florentino R..........., com data de 26/02/2013, a fls. 25;
AD) O depósito de € 25 000,00 corresponde ao preço pago pelo Sr. José Carlos Pereira Ferraz, ao avô do Recorrente pela compra de uma propriedade, tendo esse montante sido oferecido ao Recorrente pelo avô - cfr. ponto 10 da justificação de fls. 14 a 20; a junção de escritura de compra e venda de propriedade, pelo montante de 25 000,00 efectuada pelo Sr. José ………. na qualidade de comprador e o Sr. Augusto … não é susceptível de convencer o tribunal que o preço foi doado ao ora Recorrente - cfr. fls. 261 a 274;
AE) José ………. entregou ao Recorrente € 8 000,00 a título de sinal por promessa de compra de casa, não tendo sido efectuado escritura por não ter conseguido pagar o preço, tendo perdido o sinal - cfr. ponto 11 da justificação de fls. 14 a 20;
AF) O Sr. José ……………….. emprestou a quantia de € 70 000,00 ao Recorrente - cfr. ponto 12 da justificação de fls. 14 a 20 e confissão de dívida a fls. 275 a 278;
AG) O Recorrente recebeu € 15 000,00 de Orlando ……….. pelo preço de venda de um terreno - cfr. ponto 16 da justificação de fls. 14 a 20;
AH) O depósito de € 25 000,00 resulta de sinal de uma venda de um imóvel feito pela «Duarte G........... & Filhos», Lda a Way ……………. Está na conta do Recorrente por causa de suprimentos feitos à Duarte G........... & Filhos, Lda - cfr. ponto 22 da justificação de fls. 14 a 20;
AI) O depósito relativo a letras e livranças corresponde a dinheiro pedido emprestado pelo Recorrente ao Montepio - cfr. ponto 23 da justificação de fls. 14 a 20 e fls. 290 a 294;
AJ) O casal Fernando ……………….. e Maria ……………. emprestou € 60 000,00 ao Recorrente para compra de um prédio - cfr. justificação de fls. 14 a 20 e confissão assinada somente pelo Recorrente, a fls. 295, e declaração assinada pelos Srs. Fernando ………….e Maria ………………. na qual confirmam o empréstimo de fls. 296 a 298 e escritura pública de compra e venda de fls. 299 a 302;
AK) O cheque de € 13 500,00 da «Pool in - Construção ………………., Lda» refere-se ao pagamento que coube ao Recorrente, da liquidação daquela sociedade, na qual foi sócio com uma quota de € 15 000,00 - cfr. ponto 18 da justificação de fls. 14 a 20.
*
Inexistem outros factos não provados com relevância para a decisão da causa.
*
Considero provados os factos A a O e S atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos e identificados nas alíneas do probatório.
Considero provados os factos P e Q pela junção aos autos de declarações assinadas pelos mutuários pois, nos termos do artigo 1143.º do Código Civil “…o contrato de mútuo de valor superior a € 25 000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a € 2500 se o for por documento assinado pelo mutuário”. O Director de Finanças de Lisboa defende a rejeição destas declarações assinadas pelos mutuários, por extemporâneas, por não terem sido juntas aquando da apresentação da petição de recurso, em cumprimento do disposto no artigo 146.º - B, n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, segundo o qual, a petição de recurso deve ser acompanhada dos respectivos elementos de prova. Tendo a petição de recurso protestado juntar documentos para prova de alegado, a sua junção posterior foi aceite, não se verificando a extemporaneidade da sua apresentação.
Considero não provados os factos AF e AJ por não ter sido junto as escrituras públicas, documento autêntico exigido por lei nos empréstimos (contratos de mútuo) superiores a € 25 000, nos termos do citado artigo 1143.º do Código Civil.
Considero não provado o facto T, porque uma declaração assinada por a avó do Recorrente, com data de 10/07/2012, para justificar a doação de vários depósitos bancários em numerário, efectuados nos anos de 2006 a 2008, no total de € 63 000,00, não convenceram o Tribunal da sua veracidade. Tanto mais que os rendimentos declarados em IRS pelos avós do Recorrente são significativamente inferiores (no ano de 2007, foi declarado o montante de 4 461,66 € e 4 461,66 €, respectivamente e no ano de 2011, o montante de 4 775,82 e 5 837,16, respectivamente - cfr. facto S).
Considero não provados os facto U, V, X, Y, AC porque das escrituras de compras e vendas e demais documentos apresentados não são susceptíveis de justificarem os depósitos bancários em questão. Os montantes referidos nestes documentos não coincidem com os depósitos bancários em causa, no caso do facto AC não há junção de facturas pagas a fornecedores.
Considero não provados os factos W, Z, AB, AE, AG, AH, AI e AK por não terem sido juntos quaisquer documentos de suporte.”
*

Ao abrigo do disposto no artigo 662, nº 1, do CPC, aditam-se ao probatório os seguintes factos, os quais resultam provados por documentos juntos aos autos:
AL). O processo de inquérito referido em A), instaurado em sede de investigação da Polícia Judiciária e do qual foi extraída a certidão referida em C), foi instaurado pelo crime de Trafico de Estupefacientes, correu termos com o nº 139/08.4JELBS e culminou com um despacho de arquivamento, cf. fls. 100 e 122 dos autos.
AM). Do relatório da acção inspectiva melhor identificado em E), consta, além do mais, o seguinte:
“(…) 2.2.1. Depósitos efectuados nas contas bancárias do contribuinte
Conforme apurado no Processo de Inquérito nº 820/09.0IDLSB, o contribuinte é titular das contas bancárias nas quais foram efetuados os depósitos a seguir identificados, cujo primeiro mapa totaliza, os movimentos por ano e entidade bancária, seguindo-se os respectivos mapas discriminativos (…)”, cf. fls. 5 do Processo Administrativo.
AN). Do despacho do Director de Finanças de Lisboa, proferido em 22/11/2010, que determina a fixação do rendimento colectável do aqui recorrente nos termos do art. 87º nº 1 f) e 89º -A nº 5 da LGT, tem o seguinte teor:
“Concordo com os pareceres e com o relatório da acção inspectiva, anexo.
O relato da situação tributária observada justifica e fundamenta a correcção proposta, em sede de IRS- Categoria G, com referência aos anos 2006, 2007 e 2008
A fundamentação assenta na previsão/estatuição das normas técnicas contidas nos Diplomas CIRS e LGT, pelo que, estão reunidos os pressupostos de direito e de facto, para se proceder à fixação do rendimento colectável, nos termos do art. 87º nº 1 f) e 89º -A nº 5 da LGT, conjugado com o nº 3 do Art.º 9º do CIRS (…)”, cf. fls. 1 do Processo Administrativo.
*
Estabilizada a matéria de facto, avancemos para as questões que nos vêm colocadas.

II.2. Do Direito
Antes de mais, importa a tarefa de indagar da nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e de direito.
Com efeito, no âmbito das suas alegações, o recorrente aponta que na sentença de que recorre existe omissão de pronúncia face à falta de fundamentação de dois factos considerados como não provados, a saber facto AA) e AD) que aqui se relembram:
AA) O depósito de € 22 500,00 corresponde a quantia recebida da Duarte G........... & Filhos, Lda pela venda de um terreno - cfr. ponto 6 da justificação de fls. 14 a 20 e escritura pública de fls. 24 a 27 - esta escritura prova que o Recorrente na qualidade de sócio-gerente e em representação da sociedade Duarte G........... & Filhos, Lda comprou ao Sr. Paulo …………………uma parcela de terreno pelo preço de 22 500,00 € e não que vendeu - cfr. fls. 16 e 24 a 27;
AD) O depósito de € 25 000,00 corresponde ao preço pago pelo Sr. José Carlos Pereira Ferraz, ao avô do Recorrente pela compra de uma propriedade, tendo esse montante sido oferecido ao Recorrente pelo avô - cfr. ponto 10 da justificação de fls. 14 a 20; a junção de escritura de compra e venda de propriedade, pelo montante de 25 000,00 efectuada pelo Sr. José ………., na qualidade de comprador e o Sr. Augusto ……….não é susceptível de convencer o tribunal que o preço foi doado ao ora Recorrente - cfr. fls. 261 a 274;”

No que concerne ao núcleo essencial desta arguição, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação - Ac. do S.T.A. de 16-11-2011, Proc. nº 0802/10, www.dgsi.pt - , sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Porém, como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
A partir daqui, é manifesto que o recorrente não tem razão no que diz respeito à invocada nulidade da sentença, pois que na decisão recorrida foi elencada a realidade de facto que esteve na base da mesma (conforme se pode ler em cada um dos dois factos aqui em análise e supra transcritos), a qual foi enquadrada em termos que permitiram ao ora recorrente apreender tal situação, tal como o presente recurso bem evidência, sendo ainda de notar que esta nulidade apenas se verifica, como se disse, quando haja falta absoluta de fundamentos, e não quando a justificação seja apenas deficiente, visto o tribunal não estar adstrito à obrigação de apreciar todos os argumentos das partes, o que manifestamente não sucede no caso em apreço.
*
Vejamos agora a questão do erro de julgamento da matéria de facto e de direito quanto à nulidade do acesso às informações bancárias.
Pela administração tributária foi apurado que nos anos 2006, 2007 e 2008 foram depositados em contas bancárias de que o recorrente é titular os montantes de €113.290,38, €338.397,87 e €327.276,14, para aqueles anos respectivamente, tendo considerado cada um desses depósitos como acréscimos patrimoniais, sendo que, nos mesmos anos, os rendimentos declarados pelo recorrente em sede de IRS foram respectivamente de €6.000,00, €22.789,08 e €31.661,44. Consequentemente, por despacho proferido pelo Director de Finanças de Lisboa, de 22 de Novembro de 2012, foi considerado encontrarem-se reunidos os pressupostos de aplicação do artigo 89º-A, nº1, alínea c) e nº 2 e não tendo o sujeito passivo comprovado que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a manifestação de fortuna, determinado o recurso à avaliação indirecta do rendimento nos termos do artigo 89º-A, nº 4 da LGT, fixando-se os rendimentos tributáveis do recorrente para esses ano, nos valores de €107.152,00, €337.334,07 e €326.731,89, respectivamente, a enquadrar na categoria G.

O contribuinte apresentou recurso judicial de tal decisão no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, o qual julgou parcialmente procedente o recurso.

Inconformado com a decisão proferida em 1ª instância, vem agora recorrer jurisdicionalmente da mesma, imputando-lhe, em primeiro lugar, o erro de julgamento de direito e de facto quanto ao acesso por parte da autoridade tributária às informações bancárias e dos documentos bancários, que considera ferido de nulidade.
Examinemos então se a decisão objecto do presente recurso padece do vício,

O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).

No caso sub judice importa, nesta instancia, saber se, como julgado, pode a Administração tributária fazer uso - para fixação da matéria tributável em IRS por métodos indirectos ao abrigo do disposto no artigo 87.º, n.º 1, alínea f) da Lei Geral Tributária (LGT) -, de documentação bancária protegida pelo sigilo bancário obtida em processo penal que terminou com o arquivamento do processo no que respeita à recorrente, sem necessidade de para tal iniciar procedimento de derrogação do sigilo bancário previsto no artigo 63.º-B da mesma Lei, ou se, ao invés e como alegado, tal procedimento é ilegal e inconstitucional, por violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 20.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 26.º da CRP, a interpretação do n.º 9 do artigo 63.º-B e do n.º 11 do artigo 89.º-A ambos da LGT no sentido de que a AT pode utilizar informação bancária apurada no processo penal sem desencadear o procedimento previsto nos números 3 a 7 do artigo 63.º-B da LGT.

A este respeito a Mm. Juiz “a quo” considerou, no essencial, que não ocorreu nulidade no acesso a informações e documentos bancários, porque, nos termos do artigo 63.º-B, n.º 9 da LGT, a Autoridade Tributária pode aceder a informação bancária do sujeito passivo, fora do âmbito do procedimento previsto no citado artigo 63.º-B da LGT, sendo este o caso dos autos. Na decisão objecto do presente recurso foi considerada a legalidade do acesso à informação bancária uma vez que resultou provado que correram no Tribunal de Torres Vedras, contra o ora recorrente, os autos de inquérito registados com o processo n.º 139/08.4 JELSB, pelo crime de Tráfico de Estupefacientes e, no âmbito desse processo de inquérito, em sede de investigação da Polícia Judiciária foram reunidas informações relativas a contas bancárias de que o Recorrente era titular. Ficou ainda provado que o Ministério Público ordenou a remessa de certidão do processo de inquérito, à Divisão de Processos Criminais e Fiscais da Direcção de Finanças de Lisboa “a fim de apurar a existência de ilícito de natureza fiscal” pelo ora recorrente e, a Autoridade Tributária procedeu a avaliação indirecta da matéria colectável do recorrente, utilizando a informação bancária que lhe foi legalmente comunicada, pelo Ministério Público, obtida no âmbito de processo crime. Face a tudo que vai provado o Tribunal “a quo” decidiu que tendo havido o levantamento do segredo e o acesso à informação bancária, em sede de processo penal, nada obsta a que a Autoridade Tributária utilize essa informação no procedimento tributário.

O recorrente discorda do assim decidido, argumentando, em síntese, que quanto ao acesso às informações e documentos bancários, importa referir que correu termos pelo Ministério Público de Torres Vedras inquérito com o n.º 139/08.4JELSB em que o ora recorrente foi constituído arguido pelo crime de tráfico de estupefacientes. Neste inquérito foi obtida informação sobre as contas e documentos bancários do recorrente, ao abrigo do regime especial previsto na Lei n.º 5/2002, de 11/01. Este inquérito foi arquivado, sem que o arguido tenha sido acusado, tendo o Ministério Público remetido certidão à Divisão de Processos Criminais e Fiscais da Direcção de Finanças de Lisboa para apuramento da existência de eventual ilícito de natureza fiscal. Com base nesta certidão e tendo conhecimento que o inquérito tinha sido arquivado a AT utilizou a informação bancária recolhida no âmbito do inquérito arquivado, e procedeu à determinação do rendimento colectável por métodos indirectos, sem respeitar os trâmites do art.º 63.º-B da LGT. Entende pois o recorrente que se verifica que a utilização das informações recolhidas ao abrigo do regime especial da Lei n.º 5/2012 esta ferida de nulidade, porquanto é apenas aplicável aos crimes neste tipificados, carecendo de despacho fundamentado. Inclusivamente a prova obtida ao abrigo deste regime e que não seja relevante para os autos carece de destruição – n.º 4 do art.º 3.º do referido diploma, pelo que não pode ser utilizada para fins distintos do despacho que determinou o acesso à informação. Deste modo, tendo os autos sido arquivados os elementos bancários obtidos deveriam ter sido destruídos, não podendo em caso algum ser utilizados para fins distinto sob pena de violação do direito à intimidade e reserva da vida privada consagrado no art. 26º da CRP. Mais invoca que a obtenção pela AT de informações bancárias obtidas no âmbito de processo crime não a dispensa de cumprir os trâmites do art.º 63.º-B da LGT, diz que ao preterir essa formalidades coartou ao recorrente direitos constitucionalmente consagrados, pelo que o acesso à informação bancária está ferido de nulidade e não pode alicerçar a fixação do rendimento tributável.

Afigura-nos que o recorrente tem razão, senão vejamos.
Resulta provado nos autos, a respeito do acesso à informação bancária e aos respectivos documentos que correram nos Serviços do Ministério Público de Torres Vedras, contra o ora Recorrente, os autos de inquérito registados com o processo n.º 139/08.4 JELSB, pelo crime de Tráfico de Estupefacientes. No âmbito do processo de inquérito, em sede de investigação da Polícia Judiciária, foram reunidas informações relativas a contas bancárias de que o Recorrente era titular. O Ministério Público ordenou a remessa de certidão do processo à Divisão de Processos Criminais e Fiscais da Direcção de Finanças de Lisboa “a fim de apurar a existência de ilícito de natureza fiscal” pelo ora recorrente. Em face do teor da certidão, procedeu-se em 13/04/2009 à abertura de processo de Inquérito n.º 820/09.0 IDLSB, que corre os seus termos nos Serviços do Ministério Público de Torres Vedras, 1.ª Delegação. Pelas ordens de serviço n.ºs OI201202185, OI201202186 e OI201202187, o recorrente foi objecto de uma acção inspectiva para verificação da regularidade dos valores declarados em sede de IRS, nos anos de 2006, 2007 e 2008, tendo em conta os factos apurados no Processo de Inquérito n.º 820/09.0 IDLSB, nomeadamente os depósitos em contas bancárias de que o sujeito passivo é titular, Resulta ainda provado que no Processo de Inquérito n.º 820/09.0 IDLSB, foi apurado que foram depositados em contas bancárias de que o recorrente é titular, os seguintes montantes: ano 2006: €113 290,38; ano 2007: €338 397,87; ano 2008: €327 276,10. Mais se provou que nos anos de 2006, 2007 e 2008 o Recorrente declarou em sede de IRS, os seguintes rendimentos: ano 2006: 6 000,00 €; ano 2007: 22 794,08 € ano 2008: 31 661,44 €. Finalmente consta do probatório que o Processo de Inquérito n.º 820/09.0 IDLSB foi arquivado e que o recorrente apenas foi notificado através do ofício n.º 047700 de 15/06/2012 para no prazo de quinze dias comprovar que correspondiam à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte dos acréscimos patrimoniais evidenciados.
Perante estes factos facilmente se conclui que os elementos documentais bancários respeitam a contas tituladas pelo recorrente, constando igualmente que o recorrente foi constituído arguido no citado processo de inquérito. Ou seja, o processo-crime donde foi extraída a certidão com os elementos bancários que serviram de suporte ao procedimento de avaliação indirecta ao abrigo do disposto no artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, respeitava a factos imputados ao recorrente e, no âmbito do qual foi constituído arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes.
Pese embora o recorrente não tenha sido pronunciado em sede de processo penal e nessa medida este processo tenha sido arquivado, certo é que há que apurar a responsabilidade tributária decorrente desses mesmos factos – fluxos monetários que deram entrada nas contas bancárias tituladas pelo contribuinte. E nessa medida a questão que se coloca é a de saber se a prova obtida nessa sede é passível de ser utilizada no procedimento tributário aberto para o efeito.
No caso concreto dos autos o Ministério Público junto da comarca de Torres Vedras, aquando do encerramento do inquérito, decidiu determinar a extracção de certidão da acusação e a sua remessa à Direcção de Finanças de Lisboa, por resultar significativa divergência entre os rendimentos declarados pelo recorrente e os movimentos das contas bancárias por si tituladas, conforme elementos apurados em sede de inquérito.
Na posse de tais elementos, os Serviços de Inspecção Tributária solicitaram a remessa dos elementos relativos aos movimentos bancários existentes no processo-crime e com base nos mesmos propuseram as correcções à matéria tributável objecto de recurso.
Como resulta assente na sentença recorrida, o processo crime foi arquivado na sequência da extinção do procedimento criminal. Importa agora saber se extinta a responsabilidade penal, a acção pode prosseguir para efeitos de apuramento da responsabilidade tributária, e ainda saber se com esse propósito autoridade tributária pode ter em consideração os elementos documentais bancários obtidos em sede de inquérito.
Como se sabe a obtenção desses elementos documentais pela autoridade judiciária não está sujeita aos mesmos trâmites e controlos a que é sujeita a sua obtenção por parte da administração Tributária.
Analisemos antes de mais a norma legal aqui em causa:
“Art. 63º - B da LGT
1 - A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos:
a) Quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária;
b) Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível;
c) Quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º;
d) Quando se trate da verificação de conformidade de documentos de suporte de registos contabilísticos dos sujeitos passivos de IRS e IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade organizada ou dos sujeitos passivos de IVA que tenham optado pelo regime de IVA de caixa;

e) Quando exista a necessidade de controlar os pressupostos de regimes fiscais privilegiados de que o contribuinte usufrua;
f) Quando se verifique a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88.º, e, em geral, quando estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta.
g) Quando se verifique a existência comprovada de dívidas à administração fiscal ou à segurança social.

2 - A administração tributária tem, ainda, o poder de aceder directamente aos documentos bancários, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, quando se trate de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte.
3 - (Revogado pela Lei n.º 94/2009, de 1/9).
4 - As decisões da administração tributária referidas nos números anteriores devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam e, salvo o disposto no número seguinte, notificadas aos interessados no prazo de 30 dias após a sua emissão, sendo da competência do director-geral dos Impostos ou do director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, ou seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação.
5 - Os actos praticados ao abrigo da competência definida no n.º 1 são susceptíveis de recurso judicial com efeito meramente devolutivo e os previstos no n.º 2 dependem da audição prévia do familiar ou terceiro e são susceptíveis de recurso judicial com efeito suspensivo, por parte destes.
6 - Nos casos de deferimento do recurso previsto no número anterior, os elementos de prova entretanto obtidos não podem ser utilizados para qualquer efeito em desfavor do contribuinte.
7 - As entidades que se encontrem numa relação de domínio com o contribuinte ficam sujeitas aos regimes de acesso à informação bancária referidos nos n.os 1, 2 e 3.
8 – (Revogado pela Lei n.º 94/2009, de 1/9).
9 - O regime previsto nos números anteriores não prejudica a legislação aplicável aos casos de investigação por infracção penal e só pode ter por objecto operações e movimentos bancários realizados após a sua entrada em vigor, sem prejuízo do regime vigente para as situações anteriores.
10 - Para os efeitos desta lei, considera-se documento bancário qualquer documento ou registo, independentemente do respectivo suporte, em que se titulem, comprovem ou registem operações praticadas por instituições de crédito ou sociedades financeiras no âmbito da respectiva actividade, incluindo os referentes a operações realizadas mediante utilização de cartões de crédito.
11 - A administração tributária presta ao ministério da tutela informação anual de carácter estatístico sobre os processos em que ocorreu o levantamento do sigilo bancário, a qual é remetida à Assembleia da República com a apresentação da proposta de lei do Orçamento do Estado.”

Nos termos do citado artigo, a autoridade tributária tem o poder de aceder a informações e documentos bancários quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária (al. a) e quando se verifiquem indícios da falta da veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível (al. b).
Mas perante essa diligência pode ser impugnada judicialmente pelo titular da conta, nos termos do n.º 5 do artigo 63.º-B da LGT, ainda que esse recurso tenha efeito meramente devolutivo.
Daí que possa considerar-se que deixando de estar presentes os interesses subjacentes à acção penal, a utilização desse meio de prova por parte da autoridade tributária para efeitos de tributação deva ficar sujeito aos requisitos e trâmites mais restritos previstos no artigo 63.º-B da LGT.
No âmbito do douto Acórdão do TCA Norte de 15/10/2010 (recurso n.º 01619/09), citado na sentença recorrida (e no relatórios dos Serviços de Inspecção Tributária), considerou-se, num caso similar de utilização de documentação bancária obtida em sede de processo-crime, que não tendo sido invocada pelo ali recorrente “qualquer ilegalidade na obtenção da informação bancária no processo-crime, não vemos como possa opor-se com sucesso à utilização dessa informação como meio de prova em sede de procedimento tributário”. Ou seja, o TCA Norte considerou que só relevaria eventual ilegalidade na obtenção da prova em sede do processo-crime e como não tinha sido invocada qualquer ilegalidade a esse respeito não existia qualquer impedimento na sua utilização em sede de procedimento tributário.
Por outro lado, o STA pronunciou-se recentemente no douto Acórdão nº 0515/14 de 04/06/2014, citado pelo recorrente nas suas alegações de recurso e ao qual aderimos na sua fundamentação.
“É que, não tendo o processo criminal prosseguido para julgamento, não foi dada à recorrente a possibilidade de sindicar os elementos de prova recolhidos no inquérito, sendo que, em relação aos documentos bancários aí obtidos em derrogação do dever de segredo bancário segundo as regras processuais penais aplicáveis do âmbito do inquérito criminal – justificadas pelos fins punitivos próprios deste processo e expressamente excepcionadas pelo n.º 9 do artigo 63.º-B da LGT do procedimento administrativo de derrogação do segredo bancário para efeitos fiscais -, a sua utilização para fins tributários (que não para fins punitivos), pressupõe, para que seja conforme à lei, que a Administração tributária desencadeie o procedimento de derrogação do segredo bancário previsto no artigo 63.º-B da LGT, no âmbito do qual se permitirá ao visado interpor recurso judicial da decisão administrativa que determina o acesso à informação bancária (cfr. o n.º 5 do artigo 63.º-B da LGT). É que, não tendo o processo criminal prosseguido para julgamento, não foi dada à recorrente a possibilidade de sindicar os elementos de prova recolhidos no inquérito, sendo que, em relação aos documentos bancários aí obtidos em derrogação do dever de segredo bancário segundo as regras processuais penais aplicáveis do âmbito do inquérito criminal – justificadas pelos fins punitivos próprios deste processo e expressamente excepcionadas pelo n.º 9 do artigo 63.º-B da LGT do procedimento administrativo de derrogação do segredo bancário para efeitos fiscais -, a sua utilização para fins tributários (que não para fins punitivos), pressupõe, para que seja conforme à lei, que a Administração tributária desencadeie o procedimento de derrogação do segredo bancário previsto no artigo 63.º-B da LGT, no âmbito do qual se permitirá ao visado interpor recurso judicial da decisão administrativa que determina o acesso à informação bancária (cfr. o n.º 5 do artigo 63.º-B da LGT). (…) em casos como o dos autos, prescindir do procedimento administrativo de derrogação do sigilo bancário para efeitos de fundamentação da decisão de fixação da matéria tributável por métodos indirectos em razão de indícios da existência de acréscimos patrimoniais não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT traduz-se, a final, na postergação do direito da recorrente de impugnar o recurso a essa documentação bancária, questionando os seus pressupostos e fundamentos ao abrigo do disposto no artigo 63.º-B da LGT, o que não se afigura admissível quando em causa esteja, não já a responsabilidade penal, mas mera responsabilidade tributária, e nem sequer conexa com o crime, pois que por este não foi a recorrente pronunciada.
E nem se diga, contra o entendimento que perfilhamos, que tal dever de observância do procedimento previsto no artigo 63.º-B da LGT para utilização de informação bancária obtida no inquérito criminal se traduz num manifesto desperdício de tempo e de recursos materiais e humanos, porquanto não pode considerar-se desperdício a observância das regras procedimentais instituídas pelo legislador que procuram traduzir, no domínio tributário, um justo equilíbrio entre, por um lado, o direito do contribuinte à reserva da sua vida privada, e por outro, o dever de liquidar os impostos devidos.
No caso dos autos, a Administração tributária fundamentou a decisão de fixação da matéria tributável por métodos indirectos ao abrigo do artigo 87.º, n.º 1, alínea f) da LGT com base em documentos bancários recolhidos no inquérito criminal, sem ter observado o procedimento prescrito no artigo 63.º-B da LGT, ou seja, sem decisão fundamentada com expressa menção dos motivos concretos que a justificam do director-geral dos Impostos ou seu substituto legal, que seja notificada ao visado e da qual possa este interpor recurso (no caso, com efeito meramente devolutivo), que, em caso de procedência, determina a impossibilidade de utilização dos elementos de prova obtidos para qualquer efeito em desfavor do contribuinte (cfr. o n.º 6 do artigo 63-B da LGT).
Ao ter actuado como actuou, a Administração tributária eliminou o direito da recorrente de impugnar a decisão administrativa de derrogação do segredo bancário, com manifesto prejuízo dos seus direitos, constitucionalmente protegidos, de acesso aos tribunais para tutela da reserva da sua vida privada (artigos 20.º n.º 1 e 26.º n.º 1 e 2 da Constituição), razão pela qual tal decisão de fixação da matéria tributária está inquinada de ilegalidade, impondo-se a sua anulação.”

No caso concreto dos autos, em tudo semelhante ao do citado Acórdão, está em causa o recurso à avaliação indirecta resultante de acréscimo de património em divergência não justificada com os rendimentos declarados, ao abrigo do disposto na alínea f) do artigo 87.º e n.º 3 e 5 do artigo 89.º-A, ambos da Lei Geral Tributária.
Nestes casos a autoridade tributária pode aceder à documentação bancária sem depender do consentimento do titular da conta, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária, estando essa decisão sujeita aos requisitos de fundamentação e podendo ser objecto de recurso para o tribunal com efeitos meramente devolutivos – n.º 4 e 5 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária. Mas será que tendo a administração tributária tido acesso, por via da consulta do processo-crime, à referida documentação, ficará dispensada desse procedimento para fazer uso da mesma em sede de processo tributário?
Veja-se que embora a administração tributária não tenha tido, aparentemente, intervenção na investigação dos crimes objecto do processo de inquérito n.º…../09.0 IDLSB, na maior parte dos casos assim acontece, ao abrigo das disposições do RGIT. E nesses casos a administração tributária pode lançar mão do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 63.º-B da Lei Geral tributária para aceder à documentação bancária. Mas também é certo que actualmente essa disposição legal ficou um pouco esvaziada de interesse, uma vez que a existir indícios da prática de crime o mesmo deve ser participado ao Ministério Público e nesse caso a administração tributária pode ter acesso a essa documentação bancária através dessa entidade, ou seja, providenciando para que o Ministério Público faça uso do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras para aceder à documentação bancária.
Ora, nestas situações não poderá a administração tributária utilizar esses elementos documentais para apurar a responsabilidade tributária conexa com os crimes em investigação?
No caso concreto dos autos estamos perante uma situação de arquivamento do processo (não relevando a diversidade de fundamentos desse arquivamento). Ao contrário de decisão final no processo crime em que tenha havido julgamento e fixados factos que possam ser utilizados como prova por parte da administração tributária, no caso de arquivamento do processo-crime os elementos dele constantes apenas poderão ser utilizados pela administração tributária como factos indiciários de uma determinada realidade. E nessa medida recai sobre a administração tributária o ónus de diligenciar pela obtenção dessa prova. Resultando dos elementos comunicados pelo Ministério Público que o recorrente teria obtido provento significativamente superiores aos declarados nos anos de 2005, 2006 e 2007, recaía sobre a administração tributária o ónus de diligenciar pela obtenção dessa prova, designadamente pelos elementos bancários que revelassem essa situação patrimonial. Configurava-se, assim, a necessidade de aceder à documentação bancária em causa, cujo procedimento está previsto na Lei Geral Tributária, uma vez que estamos perante procedimento tributário e no âmbito do qual assistem aos visados (titulares das contas) direitos ali consignados, designadamente o direito ao recurso da decisão que determinar esse acesso.
Com efeito, os procedimentos de acesso à documentação bancária são diversos conforme se trate de processo-crime ou de procedimento tributário, diversidade essa decorrente dos interesses em jogo, pelo que temos de concluir que essa diversidade se reflecte igualmente na utilização dos dados obtidos num e noutro dos processo.
Prevendo a Lei Geral Tributária que mesmo no caso de indícios da prática de crime a administração tributária esteja sujeita aos trâmites previstos no artigo 63.º-B, ou seja, que o contribuinte seja notificado dessa decisão e que o mesmo possa impugná-la através de recurso para o tribunal, mesmo que se considere que essa informação bancária pode ser obtida junto do processo-crime, esse acesso não pode deixar de estar sujeito às mesmas regras. Ou seja, o contribuinte tem o direito de se opor a que a administração tributária tenha acesso a essa documentação para apurar a responsabilidade tributária. Atente-se que não está em causa responsabilidade a exercer em sede de processo-crime, mas sim apurar responsabilidade tributária, ainda que conexa com um crime (no caso branqueamento de capitais), em sede de procedimento tributário.

Daí que se nos afigure que não releva saber nesses casos se a administração bancária tem ou não que solicitar às instituições financeiras a documentação bancária em causa, mas sim se a recorrente tem o direito de impugnar o recurso a essa documentação obtida através de certidão do processo crime em sede de procedimento tributário (caso esse acesso não seja negado com base no segredo de justiça).
E a resposta não pode deixar de ser afirmativa. Com efeito assiste ao recorrente o direito de impugnar o recurso a essa documentação bancária, questionando os seus pressupostos e fundamentos ao abrigo do disposto no artigo 63.º-B da LGT.
É certo que o recorrente não põe em causa esses fundamentos, mas também é certo que não foi observado o procedimento previsto no artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária e o recorrente foi colocado perante uma situação de facto consumada.
Entendemos, assim, que o procedimento de avaliação da matéria tributável está inquinado pelo vício de ilegalidade que lhe é assacado pelo recorrente, por recurso a documentação bancária sem que tivesse sido observado o procedimento previsto no artigo 63.º-B, n.º 3 e 4 da Lei Geral Tributária, e por esse motivo revoga-se a sentença recorrida e em conformidade anula-se a decisão de fixação da matéria tributável em causa.
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Sendo este vício procedente e por força do mesmo se mostra inquinado todo o procedimento efectuado pela Autoridade Tributária com vista à decisão de fixação da matéria colectável aqui em causa, fica prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos invocados em sede deste recurso.

III. DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
a) Conceder provimento ao recurso;
b) Julgar o recurso judicial procedente e, em consequência, anular o acto de fixação da matéria tributável impugnado.
Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias".
Lisboa, 01 de Outubro de 2014.
(Barbara Tavares Teles)
_________________________
(Jorge Cortês)
_________________________
(Pedro Marchão Marques)
(1) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 4 de Junho de 2014, Proc. 0515/14, Ref. JusNet 3577/2014.
(2) Acórdão do Tribunal Constitucional N.º 759/2013, Proc. 474/13
(3) Art.s 99.º, n.º 1 do LGT e 13.º, n.º 1 do CPPT
(4) Neste sentido Tribunal Central Administrativo do Sul em acórdão de 16 de junho de 2009, Proc 03073/09