Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1889/16.7 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2024
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IUC
INCIDÊNCIA SUBJETIVA
Sumário:I- O IUC está legalmente configurado para funcionar em articulação com o registo automóvel.
II- O artigo 3º/1 do Código do IUC consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário.
III-Mas essa presunção é ilidível por força do art.º 73º da LGT.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

C….., S.A., com os sinais dos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação do imposto único de circulação (IUC), referente ao ano de 2016, no montante global de € 8 850,90 dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, o Recorrente, formula as seguintes conclusões:

(i) Todos e cada um dos veículos automóveis a que se reporta o Imposto de Circulação objecto da Impugnação onde foi proferida a sentença recorrida foram e são objecto de Contratos de Locação Financeira, devendo ser dado como provado nos autos;
(ii) Todos e cada um dos veículos ora em causa estavam na posse dos locatários financeiros referidos, à data da liquidação do imposto mencionado no autos, isto é em Março de 2016, ou seja os veículos ………EZ, ……….GM, …….JS, ………RI, ………RI, …………TF, ………….RH, ……….XD, ………PH, ……..US, ……………TF, ……….TG, ……….ZR, …BI- ………., ……BI……….., ………BI-………, …-BL-……., …….-86-……., …….. TE, …..DC…….., ….. DC…., ……..TE, ..DC………, ……DC-….., ….DC…….., ….DD………., ……DD…, …DD………, …….DB……, ……DB………., …….DE…….., …DF……., ……….UT, ……… XF, ….-BJ-…….., ..-FL-…….., ….-FJ-……, ……-FJ-…, …….UU, …-FL-………, ….- FJ-……, ……-FL-……, ………PF, …….MX, ………PG, ……..TG, ….XE, ……..XG, …….XD, ….-HI-…., ……….39, ….-HL-……….., ….-BJ-……., …-BJ- ….., ……-BH-………, como nos ditos autos têm que ser dado como provados, como se requer
(iii) Assim, por errada interpretação e aplicação, no entender do recorrente, da matéria de facto que se tem que considerar provada nos autos, e por violação do disposto no nº 2 do artigo 3º do Código do Imposto Único de Circulação , quer na versão actual, quer na versão anterior, por violação também do disposto no artigo 5º do Registo Automóvel, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e, consequentemente, a sentença recorrida ser revogada por Acórdão que julgue a impugnação Judicial totalmente procedente e provada, desta forma se fazendo
JUSTIÇA


Notificada para o efeito, a Recorrida não apresentou contra-alegações.


O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

O Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme previsto nos artigos 635/4 e 639/1.2 do Código de Processo Civil (CPC), sendo as de saber se a sentença padece erro de julgamento na seleção, apreciação e valoração da matéria de facto e na aplicação do direito, por violação do disposto no n° 2 do artigo 3° do Código do Imposto Único de Circulação (IUC) e do disposto no artigo 5° do Registo Automóvel.


II.1- Dos Factos

A) O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1. «A Impugnante celebrou, na qualidade de entidade locadora, os seguintes Contratos de “Locação Financeira”, com opção de compra, relativos a veículos automóveis:

2. 2) Em 27-04-2009, foi celebrado entre a Impugnante, a R…….. Lda. e a D……. Lda., contrato de cessão de posição contratual do contrato de locação financeira n.º ………., relativo ao veículo automóvel com a matrícula ……TE, nos seguintes termos:

(…)” - cfr. documento a fls. 203 a 205 do PRG;

3. Em março de 2016, a Administração Tributária emitiu, em nome da Impugnante, designadamente, as seguintes liquidações de Imposto Único de Circulação, referentes ao aludido mês, no montante total de 8.850,90 EUR:

4. A Impugnante procedeu ao pagamento das liquidações a que respeita o ponto antecedente – por acordo;

5. Em março de 2016, a Impugnante, constava do registo automóvel como proprietária dos veículos identificados nos pontos 1) e 2) supra – cfr. documentos a fls. 119 a 336 dos autos;

6. Em abril de 2016, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra as liquidações mencionadas no ponto 3) supra, entre outras, na qual peticionava a anulação das mesmas e a restituição do imposto pago indevidamente - cfr. documento a fls. 30 a 51 dos autos, que se dá aqui por integralmente reproduzido;

7. Em 29-04-2016, na sequência da pronúncia da Impugnante em sede de audiência prévia, foi proferido despacho, pelo Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Lisboa 7, no qual se indeferiu a reclamação aludida no ponto antecedente, na parte relativa às liquidações identificadas no ponto 3) supra – cfr. documentos a fls. 52 a 62 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido na íntegra;


B) Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«Com interesse para a decisão a proferir, nada mais foi provado.»


C) E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«A decisão da matéria de facto relevante para a decisão da causa, efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos, não impugnados, e do PAT, bem como na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, conforme é especificado em cada um dos pontos da matéria de facto provada.»



II.2 Do Direito

A ora Recorrente impugnou judicialmente as liquidações de Imposto Único de Circulação (IUC) respeitantes ao mês de março de 2016, relativamente aos veículos automóveis com as matrículas …..-EZ, ………-GM, ……..-JS, ……….-RI, …….-RI, ……..-TF, ……..-RH, ………..-XD, ………-PH, ……..-US, ………..-TF, ……….-TG, ……….-ZR, ….-BI-……,……..-BI-….., …..-BI-…., ……..-BL-……., ……-86-……, …….- TE, …….-DC-…., …-DC-……, ……-TE, ….-DC-….., ……-DC-……, …..-DC-….., …-DD-…., ….-DD-……, ….-DD-……, …….-DB-…, …….-DB-…., ..-DE-….., …….-DF-…., …..-UT, …….-XF, …-BJ-…….., ….-FL-….., …..-FJ-……, …….-FJ-……, …….-UU, ….-FL-….., ….-FJ-…, …-FL-…, ………-PF, ……..-MX, ……-PG, …..-TG, ……-XE, ……..-XG, ………-XD, …..-LM-…., ….-HI-…….., ……-HJ-…., ….-HL-……, …..-BJ-….., …..-BJ-……., …….-BH-….., ……..-HJ-…...

A sentença recorrida julgou a impugnação parcialmente procedente anulando as liquidações de IUC relativamente aos veículos automóveis com as matrículas ..-LM-.. e …..-HJ-…., e improcedente relativamente aos demais.

Inconformada com o decidido, a Impugnante e ora Recorrente veio interpor o presente recurso circunscrito ao decaimento, e nas conclusões de recurso insurge-se contra a matéria de facto dada como provada na sentença [cf. conclusões (i) e (ii) das alegações de recurso], e com a interpretação e aplicação da matéria de facto e por violação do disposto no n° 2 do artigo 3° do Código do Imposto Único de Circulação (IUC), e do disposto no artigo 5° do Registo Automóvel [cf. conclusão (iii) das alegações de recurso].

Na verdade, quando impugna a matéria de facto, a ora Recorrente tem de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição do recurso nesta parte.

Vejamos o que nos diz o artigo 640º Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi artigo 281º CPPT:

Artigo 640.º
(Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto)
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Desde já diremos que este ónus não foi cumprido pela ora Recorrente.

Incumbe à Recorrente cumprir este ónus, identificando os factos que entende terem sido mal julgados: quer por terem sido dados como provados quando o não deveriam ter sido, quer os que foram desconsiderados e considera serem relevantes à decisão, com indicação dos meios de prova que suportam esta sua pretensão de alteração do probatório.

Contudo, no que concerne à decisão da matéria de facto, a mesma não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas. Na seleção dos factos, e na decisão sobre a matéria de facto deve o Juiz acolher apenas o facto cru, despido de conceitos de direito e de conclusões, afastando, pois, conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.

Nas alegações de recurso a Recorrente não indica nas respetivas conclusões, nem nas alegações, com a precisão que lhes era exigida, os factos que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, e a decisão que, no seu entender pretende aditar, pelo que, desde já diremos que não se considera cumprida esta obrigação que sobre ela recaía.

Iniciando a apreciação por esta última, na impugnação da matéria de facto fixada na sentença a Recorrente não indica as concretas as alíneas do probatório cuja alteração pretendem por confronto com a prova documental produzida, não requerem qualquer aditamento por complementação ou substituição, apenas convocam um erro de julgamento no sentido de que deveria ter valorado de forma diferente.

Com efeito não basta alegar que deve passar a constar do probatório que os veículos automóveis «foram e são objeto de Contratos de Locação Financeira» e que tal deve constar do probatório.

Foi, aliás, dado por provado que os veículos automóveis foram objeto de locação financeira, mas também que a vigência dos respetivos contratos tinha já cessado por referência à data aqui relevante de março de 2016 [cf. alínea 1) dos factos provados].

Ora, a Impugnante e ora Recorrente além de não identificar as concretas alíneas também não indica os meios de prova que suportam essa sua pretensão de alteração do probatório.

De resto, o Tribunal a quo valorou de forma fundamentada e devidamente pormenorizada as razões que lhe permitiram fixar a factualidade constante probatório, permitindo sindicar quais as razões que fundaram o iter cognoscitivo, relevando os aspetos basilares dos documentos em que alicerçou a decisão da matéria de facto.

Assim, e sem necessidade de mais fundamentar, improcede o alegado erro de julgamento da matéria de facto, rejeitando-se, nesta parte o recurso.


No mais desde já adiantaremos que o recurso se encontra fadado ao insucesso e que a sentença não merece a censura que lhe é feita.

Com efeito, a sentença recorrida cita e segue a principal jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre a questão em causa nos autos.

Vejamos o que se decidiu na sentença recorrida, no segmento que aqui interessa e do qual se transcreve:

(…)
O Imposto Único de Circulação (IUC) “obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”, conforme esclarece o artigo 1.º do Código do IUC, na redação vigente à data dos factos (CIUC).
No que respeita à incidência subjetiva do Imposto Único de Circulação, determinava o artigo 3.º do referido código (na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto, vigente à data), o seguinte:
“1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.”
Verifica-se que na 2ª parte do citado n.º 1 do artigo 3.º se estabelece uma presunção para efeitos de determinar a incidência subjetiva do imposto, no entanto, esta 2ª parte não coloca em causa que os sujeitos passivos do imposto sejam os proprietários dos veículos, nem tão pouco coloca em causa as equiparações resultantes do citado n.º 2, como resulta da devida interpretação desta norma à luz do artigo 9.º do Código Civil e do que se explicitará infra.
Ademais, estabelece o artigo 4.º do CIUC, que este imposto “é de periodicidade anual, sendo devido por inteiro em cada ano a que respeita” (n.º 1) e que o “período de tributação corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, relativamente aos veículos das categorias A, B, C, D e E”, (n.º 2), sendo “devido até ao cancelamento da matrícula em virtude de abate efetuado nos termos da lei” (n.º 3).
Acresce que o “facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional”, considerando-se o imposto “exigível no primeiro dia do período de tributação referido no n.º 2 do artigo 4.º”, conforme determinam os n.ºs 1 e 3 do artigo 6.º do CIUC.
(…)
Tendo em conta a presunção estabelecida na 2ª parte do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, importa ter em conta que “o registo de veículos automóveis tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico” - cfr. artigo 1º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de fevereiro.
Ademais, o artigo 5º, n.º 1, alíneas a), d), e e), deste Decreto-Lei estabelece que estão sujeitos a registo, o direito de propriedade e de usufruto, a locação financeira e a transmissão dos direitos dela emergentes, e o aluguer por prazo superior a um ano, quando do respetivo contrato resulte a existência de uma expectativa de transmissão da propriedade.
E, nos termos do artigo 7.º do Código do Registo Predial, ex vi artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 54/75, o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo define.
No entanto, impõe-se deixar claro que o registo de veículos “não surte eficácia constitutiva, pois que se destina a dar publicidade ao acto registado, funcionando (apenas) como mera presunção, ilidível, (presunção «juris tantum») da existência do direito (art.s 1.º, n.º 1 e 7.º, do CRP84 e 350.º, n.º 2, do C.Civil) bem como da respectiva titularidade, tudo nos termos dele constantes”- cfr. Acórdão do STJ, de 19-02-2004, proferido no processo n.º 03B4639.
Ademais, considerando que, como se explicitou o artigo 3.º, n.º 1, 2ª parte, consagra uma presunção de que o titular inscrito no registo coincide com o proprietário do veículo, importa não esquecer que nos termos do artigo 73.º da LGT, qualquer presunção consagrada nas normas de incidência tributária, admite prova em contrário, sendo, portanto, ilidível – cfr., designadamente, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 211/2003, de 28-04-2003.
Neste sentido, e a propósito de situação semelhante à que está em causa nos presentes autos, explicitou-se no Acórdão do TCAN, de 28-11-2019, proferido no processo n.º 2126/13.1BELRS, o seguinte:
“Na jurisprudência, nomeadamente do TCA Norte, questão idêntica tem sido decidida unanimemente no sentido preconizado na sentença recorrida, com fundamentos a que aderimos sem reservas. Assim por semelhança ao caso em apreço e por economia de meios, visando outrossim a interpretação e aplicação uniforme do direito (cf. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no acórdão do TCA Norte, de 01/06/2017 proferido no procº2502/14.2BEPRT, que fundamentou nos seguintes termos:
«O Imposto Único de Circulação (I.U.C.) deve configurar-se como um tributo de natureza periódica e anual, sendo os sujeitos passivos do I.U.C., em primeiro lugar, os proprietários dos veículos, mais podendo ser ainda equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação (arts. 3º e 4º do Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei nº 22-A/2007, de 29-06).
Por sua vez, o momento da exigibilidade do I.U.C. consiste no primeiro dia do ano que se inicia a cada aniversário cumprido sobre a data da matrícula, tal como resulta do disposto no art. 6º nº 3, conjugado com o art. 4º nº 2, ambos do C.I.U.C. (A. Brigas Afonso e Manuel T. Fernandes, Imposto Sobre Veículos e Imposto Único de Circulação, Códigos anotados, Coimbra Editora, 2009, pág.187 e seg.).
A propriedade de veículos automóveis está sujeita a registo obrigatório (art. 5º nºs 1 e 2 do D.L. nº 54/75, de 12-02), sendo que a obrigação de proceder ao registo recai sobre o comprador - sujeito activo do facto sujeito a registo, que é, no caso, a propriedade do veículo (art. 8º-B nº 1 do Código do Registo Predial, aplicável ao Registo Automóvel por força do art. 29º do D.L. nº 54/75, de 12-02, conjugado com o art. 5º nº 1 al. a), deste último diploma).
No entanto, o Regulamento do Registo Automóvel (D.L. nº 55/75, de 12-02) contém um regime especial, em vigor desde 2008, para entidades que, em virtude da sua actividade comercial, procedam com regularidade à transmissão da propriedade de veículos automóveis e de acordo com o aludido regime, que se encontra estabelecido no art. 25º nº 1 al. d), do D.L. nº 55/75, de 12-02 (versão resultante do D.L. nº 20/2008, de 31-01), o registo pode ser promovido pelo vendedor, mediante um requerimento subscrito apenas por si próprio.
Também, desde 2001 que a obrigação de declarar a venda por parte do vendedor à autoridade competente para a matrícula se encontra expressamente estabelecida no Código da Estrada (art. 118º nº 4, do Código da Estrada, aprovado pelo D.L. nº 114/94, de 03-05).
O I.U.C. está legalmente configurado para funcionar em integração com o registo automóvel, o que se infere, desde logo, do art. 3º nº 1 do C.I.U.C., norma onde se estabelece que são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, mais acrescentando que se consideram como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
O examinado art. 3º nº 1 do C.I.U.C., consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do art. 73º da L.G.T..
Nesta situação, a ilisão da presunção obedece à regra constante do art. 347º do C. Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto.” - cfr., no mesmo sentido, designadamente, os Acórdãos do STA, de 03-06-2020, proferido no processo n.º 0467/14.0BEMDL 0356/18, e de 18-04-2018, proferido no processo n.º 0206/17.
Acompanhando o entendimento propugnado na citada jurisprudência, não resta, portanto, qualquer dúvida de que o proprietário ou o titular inscrito no registo automóvel pode apresentar elementos probatórios para a demonstração de que o efetivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo ou para, nomeadamente, a demonstração da existência de titulares de contratos de locação com opção de compra, aos quais por força do contrato cabe o gozo e fruição das viaturas, cabendo, nestes casos, a incidência subjetiva do IUC, aos locatários e não aos proprietários que constam no registo, conforme resulta do artigo 3º, n.º 2, do CIUC.
(…)

Prossegue a sentença recorrida:

Por outro lado, compulsado o ponto 1) da fundamentação de facto, verifica-se que quanto aos veículos automóveis com as matrículas ……..-EZ, ……….-GM, ……-JS, …….-RI, …..-RI, ……-TF, ……..-RH, ………-XD, ……..-PH, ……..-US, …….-TF, …….-TG, ……-ZR, ..-BI-….., ….-BI-…., ……-BI-…., ……-BL-…., ………….-MZ, …….- TE, ….-DC-…., ….-DC-…., ……….-TE, ……..-DC-….., …..-DC-…, ……-DC-……, ……-DD-……, …..-DD-…., ….-DD-…, …..-DB-….., …..-DB-…, ….-DE-…., ……-DF-…, ………UT, ………..-XF, ….-BJ-…., ……-FL-….., …..-FJ-……, …..-FJ-……., ……..-UU, ….-FL-…., ……..-FJ-………, ….-FL-.., ……….-PF, …….-MX, ……-PG, ……-TG, ……-XE, ……….-XG, ……-XD, ….-HI-…, …..-HJ-…., ………-HL-…., …….-BJ-……, ……BJ-…., ……-BH-……., à data dos factos, inscritos no registo automóvel em nome da Impugnante, aquela celebrou contratos de locação financeira, cujo respetivo termo final de cada um desses contratos ocorreu em data anterior a março de 2016 – cfr. pontos 1), 2) e 4) da fundamentação de facto.
Assim, à data em que se verificou a exigibilidade do imposto, aqueles que anteriormente eram locatários já não detinham essa condição nem, tão pouco, eram titulares de opção de compra do veículo objeto do respetivo contrato de locação.
De referir, ainda, que não foi efetuada qualquer alegação ou prova de que tenha ocorrido a renovação ou prorrogação dos mencionados contratos de locação ou que os veículos tenham efetivamente sido adquiridos pelos locatários.
A alegação da Impugnante vai, tão só, no sentido de que, quanto aos veículos cujos contratos haviam terminado, parte dos locatários respetivos “incumpriram tais contratos, não só não pagando as respectivas rendas, como continuando com os veículos em poder deles e forçando até o ora requerente a intentar contra eles os competentes procedimentos judiciais (…)” e quanto a outra parte, aparentemente, alega que os locatários não registaram o veículo em seu nome, nos casos em que o contrato foi cumprido.
Ora, sucede que, quanto aos veículos cujos contratos haviam terminado e que os locatários respetivos alegadamente incumpriram tais contratos, apenas se pode concluir que os respetivos veículos automóveis já não eram objeto de locação válida e vigente, já não existindo, também, qualquer opção de compra do veículo objeto do respetivo contrato.
Sendo certo que a mera posse de má-fé dos veículos por parte dos anteriores locatários, não é suscetível de, por si só, os fazer figurar na qualidade de sujeito passivo de IUC, conforme resulta do citado artigo 3.º do CIUC, uma vez que tal circunstância não se encontra aí prevista para efeitos da incidência subjetiva do imposto.
De resto, quanto aos contratos que possam, eventualmente, ter sido cumpridos, mas que os respetivos locatários não procederam aos respetivos registos em seu nome, verifica-se que a Impugnante juntou aos autos documentação que demonstra inequivocamente o termo final dos mencionados contratos e as datas até à quais podia ser exercido o direito de opção de compra, no entanto não apresentou qualquer elemento suscetível de demonstrar o exercício dessa opção ou a efetiva transmissão da propriedade dos veículos a que respeitam as referidas matrículas, como, por exemplo, missivas remetidas pelos locatários nesse sentido, extratos bancários, comprovativos de transferências bancárias no montante do valor residual, recibos ou documentos de quitação de pagamento do preço do veículo, o que sempre seria exigível para essa prova.
Acresce que a Impugnante não faz qualquer prova de que os veículos agora em análise estivessem registados em nome dos anteriores locatários em março de 2016 (o que também seria, obviamente, suficiente para demonstrar que já não era proprietária dos veículos) ou que tivesse sido efetuado registo de locação financeira quanto aos mesmos que se mantivesse nessa data, sendo certo que na referida data a propriedade dos mesmos se encontrava registada em seu nome – cfr. ponto 5) da fundamentação de facto.
Assim, apenas se pode concluir, quanto às viaturas com as matrículas ……-EZ, ………-GM, ……..-JS, ………..-RI, …………-RI, ………..-TF, ……….-RH, ……..-XD, ……-PH, 07-91-US, …….-TF, …….-TG, ……….-ZR, ….-BI-……., ….-BI-…, ……-BI-………, …..-BL-…., ……..-MZ, …….- TE, ….-DC-…, ……..-DC-……, ……..-TE, ……-DC-….., …..-DC-…, …..-DC-……, ….-DD-…., …-DD-….., ……-DD-…., ….-DB-…, ..-DB-……, …..-DE-…., ….-DF-……., ……..-UT, …..-XF, ….-BJ-…, ..-FL-…., …-FJ-…, …..-FJ-….., ……..-UU, ….-FL-…., ……-FJ-…., ….-FL-…, …….-PF, …..-MX, ……-PG, ……-TG, ….-XE, ….-XG, …..-XD, ….-HI-…, ….-HJ-…, …..-HL-.., ……-BJ-….., ….-BJ-….., ..-BH-…, que os contratos de locação financeira já haviam terminado aquando da data da exigibilidade do respetivo imposto, como resulta inequivocamente da documentação apresentada pela própria Impugnante, pelo que os antes locatários já não o eram, sendo que naquela data também já não eram titulares de opção de compra do veículo objeto do respetivo contrato.
Acresce que, quanto ao veículo automóvel com a matrícula …….-TE, não obstante resultar do ponto 2) da fundamentação de facto que ocorreu uma cessão da posição contratual de um contrato de locação operacional respeitante ao mesmo, nada se provou quanto ao momento até ao qual durou esse contrato de locação operacional, nomeadamente, se em março de 2016, momento da exigibilidade do imposto, este se mantinha em vigor, ónus que sempre seria da Impugnante considerando a presunção legal prevista no citado artigo 3.º do CIUC.
Pelo exposto serão de manter as liquidações impugnadas relativamente aos veículos com as matrículas ……-EZ, ….-GM, ……-JS, ……-RI, …..-RI, ……-TF, …….-RH, ……-XD, ……-PH, …..-US, …….-TF, ………-TG, ……..-ZR, ….-BI-….., ….-BI-…., ….-BI-……, ……-BL-…, ………-MZ, ……- TE, ……-DC-…, ….-DC-….., ……….-TE, ……-DC-……, …..-DC-……, ……-DC-……., …..-DD-…., …..-DD-….., ….-DD-…, ……-DB-…., ……-DB-……, …….-DE-…., …..-DF-……, ……….-UT, …….-XF, ..-BJ-….., …..-FL-……, …..-FJ-…, ……..-FJ-……, …….-UU, …..-FL-….., ……-FJ-…., ….-FL-……, …….-PF, …….-MX, …..-PG, ……..-TG, ……….-XE, ………-XG, ……-XD, …-HI-….., ….-HJ-….., ………-HL-….., ……-BJ-….., …..-BJ-….., …..-BH-.., …….-TE (no valor total de 7.939,60 EUR), na medida em que, à luz do artigo 3.º do CIUC, a Impugnante é o sujeito passivo de imposto, não tendo logrado ilidir a presunção prevista neste artigo.


Como decorre dos excertos transcritos, entendeu-se na sentença recorrida que a ora Recorrente era o sujeito passivo do imposto, porquanto os veículos automóveis em causa não só estavam registados em seu nome como que os contratos de locação financeira antes celebrados tinham já sido resolvidos tendo por referência o mês de março de 2016.

Anote-se que a terceira questão trazida à apreciação pela ora Recorrente, dependia do sucesso da requerida alteração à matéria de facto, impugnação essa que foi rejeitada, pelas razões supra descritas.

Rejeitada a impugnação à matéria de facto e dada a dependência da terceira e última conclusão das alegações de recurso com essa pretensão, estava o recurso condenado ao insucesso.

Em face do exposto improcedem todas as conclusões do recurso.


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pela Recorrente, que ficou vencida.

III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu, nos termos expostos.

Lisboa, 24 de janeiro de 2024
Susana Barreto
Vital Lopes
Patrícia Manuel Pires