Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:154/12.3BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/08/2019
Relator:VITAL LOPES
Descritores: OPOSIÇÃO
IRS
NOTIFICAÇÕES
FORMALIDADES
ÓNUS DE PROVA
CADUCIDADE DA LIQUIDAÇÃO.
Sumário:1. As notificações das liquidações de IRS bastam-se com a formalidade da carta registada.
2. A presunção do art.º39/1 do CPPT só funciona nas situações em que pelos documentos dos autos se possa concluir com um mínimo de certeza e segurança jurídica que a carta apresentada a registo foi colocada ao alcance do destinatário, dito de outro modo, fique afastado por via de tais elementos o risco de extravio da carta.
3. Não se pode concluir que a carta chegou ao conhecimento efectivo ou à esfera de cognoscibilidade do destinatário se a Fazenda Pública apenas demonstra que as cartas contendo as notificações das liquidações foram apresentadas a registo nos CTT.
4. Os prints automáticos extraídos das bases de dados da AT per si não permitem comprovar o recebimento das cartas apresentadas a registo nos CTT.
5. A prova de que as cartas foram colocadas ao alcance do destinatário faz-se através do recibo de entrega da carta registada pelos serviços postais, previsto no n.º4 do artigo 28.º do Regulamento do Serviço Público de Correios, que não apenas através do recibo da apresentação, previsto no n.º2 do mesmo preceito.
Votação:COM DECLARAÇÃO DE VOTO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a oposição deduzida por G……….. contra as execuções fiscais n.º3522…….. e apensos e n.º3522……. contra ele instauradas pela quantia de 536.204,72€ por dívidas provenientes de IRS e juros compensatórios dos anos de 2005, 2006 e 2007 e coimas.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.253).

O Recorrente termina as alegações assim:

«CONCLUSÕES:
I. Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto a que chegou a douta sentença recorrida que se convenceu que as notificações das liquidações oficiosas referentes aos anos 2005 a 2007 dirigidas ao sujeito passivo confessadamente faltoso e ora Oponente não se realizaram, conclusão que, com o devido respeito, deriva de incorreta perceção dos factos admitidos e da valoração da prova carreada para os autos, nomeadamente, da compreensão sobre a diferença do que é um documento autêntico e um documento particular no domínio tributário e executivo, por um lado, a articulação dos prints internos com as guias de expedição dos CTT, por outro, e finalmente da compreensão sobre a certeza (jurídica!!!) que permite ao julgador convencer-se de que o facto ocorreu, dando-o por provado.

II. A assunção por parte do Oponente de que celebrou um contrato de futebol na época 2005/2006, por duas épocas, como jogador de futebol reconhecendo, que teve como residência habitual a morada indicada nas notificações juntas ao ato de citação – Rua J……. nº … B – 4º B, ……. Oeiras (C….. Q…..) confessando que se manteve em território nacional até maio de 2007 não tendo procedido à comunicação da alteração do seu domicílio fiscal à AT (que assume ter sido a sua residência habitual) a partir dessa data. - § 3º, 4º, 15º da p.i. – são por este admitidos e que, como tal, manifestamente se impunha tivesse sido levados ao probatório.
III. Estando em causa a análise à dimensão interna ou externa dos atos praticados pela AT conjugada com a atuação de uma entidade a ela exterior que assegura o envio das liquidações, entende a Fazenda Pública particularmente relevante sublinhar que os registos coletivos foram emitidos pelos serviços dos CTT.

IV. Se é dado por provado, como é, que foram emitidas as liquidações oficiosas dos anos 2005 a 2007 (factos C; D; e E),

V. Se é dado por provado, como é, que sobre essas liquidações consta informação da sua expedição em 01.10.2007 e 02.10.2007 da liquidação de IRS e respetiva liquidação de JC relativas ao ano de 2005, com indicação dos respetivos registos n.ºs RY44874....PT e RY44884....PT; em 01.09.2009 das liquidações de IRS e respetivas liquidações de JC relativas aos anos de 2006 e 2007, com os registos n.ºs RY48773...PT e RY4877...PT, a devolução ao remetente em 07.11.2007 da notificação relativa ao IRS de 2005 e a entrega em 03.09.2009 das notificações relativas ao IRS dos anos de 2006 e 2007; e, consta, por último, informação sobre a expedição da notificação da decisão de aplicação de coima com o n.º de registo RP5745...PT de 30.07.2008 – facto F e G

VI. Se o Oponente tendo celebrado um contrato de futebol na época 2005/2006, por duas épocas, como jogador de futebol reconhece, (confessa, admite) que teve como residência habitual a morada indicada nas notificações juntas ao ato de citação – Rua J…….. nº …..4º B, ……. Oeiras (C….. Q….) que indicou como domicílio fiscal e que se manteve em território nacional até maio de 2007 não tendo procedido à comunicação da sua alteração à AT a partir dessa data nos termos do art. 19º, da LGT,

VII. E se, por fim, o douto tribunal a quo dá por provado, tendo sido juntas aos autos, as guias de expedição dos CTT com os registos n.º 88200138708865 de 02.10.2007 e n.º 88200138908830 – facto H.

VIII. Então, a douta sentença recorrida tinha de retirar forçosamente uma primeira conclusão: Constituindo as guias de expedição dos CTT os registos coletivos que nos permitem em termos probatórios dar por provado que a correspondência foi enviada, então, à luz da pertinente jurisprudência que cita (TCA Sul, acórdão de 17-05-2011 proferido no processo 04631/2011), contrariamente ao que afirmou na parte por nós citada no § 10º deste recurso, a AT juntou aos autos documentos comprovativos da expedição das notificações das liquidações e da decisão da coima.

IX. E o mesmo se diga da expedição realizada no dia 01-09-2009 cujas referências postais foram do RY4877...PT (registo privativo inicial) ao RY48775...PT (registo privativo final) onde se encontram necessariamente incluídos os registos dos CTT RY48773...PT e RY48773...PT,

X. não se pode afirmar, como afirma a douta sentença recorrida, que a Administração Fiscal se limitou a remeter um print interno para assim concluir que não houve notificação válida da liquidação ao contribuinte, pois que as guias de expedição foram carimbadas, datadas e assinadas por entidade exterior à AT.

XI. Estes registos, de resto, são gerados de forma sequencial pelo que sem dificuldade, perante os elementos levados ao probatório, podia e deveria o tribunal a quo à luz da experiência comum que aquelas liquidações foram expedidas através das guias de expedição consubstanciadas nos tais registos colectivos que sustentam a prova da expedição.

XII. Afirmar que não se provou que as liquidações identificadas em C), D) e E) tenham sido notificadas ao Oponente é, com todo o respeito pela sentença recorrida também aqui um erro de julgamento que não pode passar em claro, porquanto se as liquidações oficiosas e a decisão da coima foram expedidas.

XIII. Se as liquidações e a decisão não foram efetivamente recebidas porque o contribuinte cumprido o contrato de trabalho entretanto retornou ao seu país e não comunicou esse facto à AT (que é um dever que lhe incumbe nos termos do art. 19º da LGT) – então a conclusão que se retira é que foi ele quem negligentemente se colocou na situação de não as receber.
XIV. Não pode, pois, vir agora imputar à AT a responsabilidade de não o ter notificado de atos administrativos que entende afetarem os seus interesses e direitos legalmente protegidos.

XV. À luz da apreciação conjugada da prova, da posição confessatória tomada pelo Oponente no seu articulado inicial (§ 3º, 4º, 15º da p.i.) e no limite da livre apreciação que lhe cabe, tendo como escopo a certeza jurídica que norteia a convicção do julgador (que como se sabe não exige prova da certeza absoluta mas a forte probabilidade dos factos processualmente dados por provados ) - poderia e deveria o douto tribunal recorrido ter concluído que a AT logrou fazer prova da expedição das liquidações oficiosas que estão na base da dívida exequenda ao ora Oponente, sendo-lhe a esta inoponível a circunstância do mesmo nunca ter comunicado que mudou a sua residência habitual para efeitos da sua efetiva receção, e que se o Oponente delas não teve contacto foi por sua indelével responsabilidade.

XVI. Pelo exposto, estão em causa, erros de julgamento, decorrentes da circunstância de não ter sido levado ao probatório os factos admitidos pelo Oponente nos § 3º, 4º e 15º do articulado inicial e incorreta apreciação da prova produzida pela Fazenda Pública que, conjugadamente e à luz da experiência comum e dos ensinamentos da jurisprudência dos nossos tribunais superiores permitiria dar por provado que as liquidações oficiosas e a decisão coima foram expedidas ao Oponente sem que esse facto se tenha suportado apenas em documentação interna (pelo contrário), violando o disposto nos arts. 19º, nº 2 e 3, da LGT e 74º, da LGT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que considere o pedido improcedente.».

A Recorrida apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes «CONCLUSÕES:


“Texto integral com imagem”

Texto integral com imagem”

».



A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso, mantendo-se a sentença recorrida..

Com dispensa dos vistos legais atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão central a decidir reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir que não foi feita prova da notificação das liquidações exequendas ao oponente.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual deixou-se consignado na sentença recorrida:

«Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, e para além da factualidade já fixada supra, em saneamento dos autos, considera-se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) Em 20.09.2005 a Oponente procedeu à sua inscrição como contribuinte residente em Portugal, indicando domicílio fiscal na Rua J…….., n.º ….. B – 4.ºB, em D……, C..... Q……., concelho de Oeiras – cf. fls. 65 a 68 do suporte físico dos autos.

B) Em 31.12.2009 o registo de contribuintes do ora Oponente mantinha-se inalterado – cf. fls. 65 a 68 do suporte físico dos autos.

C) Em 27.09.2007 foi emitida a liquidação de IRS relativa ao ano de 2005, que apurou imposto no valor de € 104.314,16 e juros compensatórios de € 5.750,13 – cf. fls. 54 do suporte físico dos autos e doc. 3, junto com a contestação.

D) Em 26.08.2009 foi emitida a liquidação de IRS relativa ao ano de 2006, que apurou imposto no valor de € 278.626,67 e juros compensatórios de € 23.542,04 – cf. fls. 56 do suporte físico dos autos e doc. 4, junto com a contestação.

E) Em 26.08.2009 foi emitida a liquidação de IRS relativa ao ano de 2007, que apurou imposto no valor de € 83.393,81 e juros compensatórios de € 3.683,03 – cf. fls. 58 do suporte físico dos autos e doc. 5, junto com a contestação.

F) Dão-se por reproduzidos os “prints” do sistema informático da Administração Tributária, constantes de fls. 55, 57, 59 e 60, nos quais consta a informação de expedição em 01.10.2007 e 02.10.2007 da liquidação de IRS e respetiva liquidação de JC relativas ao ano de 2005, com os registo n.ºs RY448740...PT e RY44884...PT, e em 01.09.2009 das liquidações de IRS e respetivas liquidações de JC relativas aos anos de 2006 e 2007, com os registo n.ºs RY48773...PT e RY48773...PT, e a devolução ao remetente em 07.11.2007 da notificação relativa ao IRS de 2005 e a entrega em 03.09.2009 das notificações relativas ao IRS dos anos de 2006 e 2007 – cf. fls. 55, 57, 59 e 60 do suporte físico dos autos.

G) Dão-se por reproduzidos os “prints” do sistema informático da Administração Tributária, constantes de fls. 62 a 64, relativas à expedição de notificação da decisão de aplicação de coima com o n.º de registo RP5745...PT de 30.07.2008 – cf. fls. 62 a 64 do suporte físico dos autos.

H) Dão-se por reproduzidas as guias de expedição de registos n.º 88200138708865 de 02.10.2007, relativa à expedição de 82.... registos, e n.º 88200138908830, relativa à expedição de 53.... registos – cf. docs. 1 e 2 juntos com a contestação.

I) Em 12.09.2011 foi apresentada a presente oposição – cf. fls. 13 dos autos.

*

Factos não provados:
Não se provou que as liquidações identificadas em C), D) e E) tenham sido notificadas ao Oponente.

Motivação de facto:
A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório.
Relativamente ao facto dado como não provado, resulta de a Administração Tributária não ter juntado aos autos documentos comprovativos da emissão e expedição das notificações das liquidações das dívidas fiscais, designadamente, o registo comprovativo do envio das liquidações e da decisão de aplicação das coimas, sendo certo os prints do sistema informático juntos a fls. 55, 57, 59, e 62 a 64, além de terem sido impugnados pelo Oponente não são aptos a demonstrar a expedição das notificações, nem mesmo das guias de expedição juntas com a contestação como docs. n.ºs 1 e 2 se pode concluir que tenham sido, por meio delas, enviadas as cartas de notificação dos impostos em dívida, uma vez que fazem referência à quantidade de cartas/registos remetidos, mas não aos respetivos n.ºs de identificação do expediente.».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Começa a Recorrente por invocar erro na selecção dos factos aportados ao probatório, na medida em que dele não constam os factos alegados nos pontos 3.º, 4.º e 15.º do articulado inicial, confessados ou admitidos pelo próprio oponente, ora Recorrido.

Pretende assim a Recorrente que sejam levados ao probatório como factos provados, os seguintes:
3.º - “Exerce o ora oponente, a profissão de jogador de futebol, tendo efectivamente, e como é do conhecimento público, celebrado um contrato de trabalho com o S….. – F……., SAD, na época de 2005/2006, por duas épocas, tendo-se mantido em território português até maio de 2007”;
4.º - “Tendo o ora oponente residência habitual na morada indicada nas notificações juntas à citação supra identificada, até Maio de 2007, não foi nunca objecto de qualquer notificação emitida pelo Serviço de Finanças de Algés, ou qualquer outro”;
15.º - “…e embora do n.º2, do art.º43.º, in fine, do CPPT se possa concluir que se está em consonância com o preceituado no art.º19.º n.º3 da LGT, em que se estabelece que é ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à Administração Tributária”.

Relativamente ao ponto 15.º da P.I. manifestamente não contém qualquer facto mas sim matéria de direito, que não pode ser levada ao probatório da sentença – artigos 607.º, n.º4 e 662.º, n.º1, do CPC.

Relativamente aos dois primeiros pontos, como já referia Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – Anotado”, 4.ª edição (2003) a pág.566, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que considere de interesse para a boa decisão da causa e para as soluções possíveis, plausíveis, das questões debatidas nas causas (art.511.º n.º1, do CPC/61).

Ora, em função do objecto do litígio definido supra como sendo o da comprovação da notificação das liquidações exequendas ao oponente, não se alcança que a matéria de facto vertida nos pontos 3.º e 4.º da P.I. possa interessar à boa decisão da causa, como adiante melhor se evidenciará – art.º596.º, n.º1, do CPC.

Assim, improcede o apontado erro de julgamento de facto.

Prosseguindo na apreciação das demais questões do recurso, entende a Recorrente que fez prova da notificação das liquidações exequenda ao oponente e, nessa medida, não pode este invocar, com sucesso, “falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade”.

Em causa estão liquidações exequendas de IRS referenciadas aos anos de 2005, 2006 e 2007.

“O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”, e conta-se, nos impostos periódicos (caso do IRS) a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário – art.º45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT.

Não vem oposta pela Fazenda Pública qualquer causa de suspensão ou interrupção do prazo de caducidade.

Diz-se notificação o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ou se chama alguém a juízo – art.º35.º, n.º1 do CPPT.

Dispõe o n.º1 do art.º36.º do CPPT que “os actos em matéria tributária que afectem direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeito em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”, exigência que reflecte a garantia constitucional consagrada no nº 3 do art.º268º da CRP, segundo a qual impende sobre a Administração o dever de dar conhecimento aos administrados dos actos que lhes respeitam.

Dispõe o art.º149.º do Código do IRS, na redacção do DL 198/2001, de 3 de Julho, o seguinte:

«1 - As notificações por via postal devem ser feitas no domicílio fiscal do notificando ou do seu representante.
2 - As notificações a que se refere o artigo 66.º, quando por via postal, devem ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção.
3 - As restantes notificações devem ser feitas por carta registada, considerando-se a notificação efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja dia útil.
4 - Não sendo conhecido o domicílio fiscal do notificando, as notificações podem ser feitas por edital afixado no serviço de finanças da área da sua última residência.
5 - Em tudo o mais, aplicam-se as regras estabelecidas no Código de Procedimento e de Processo Tributário».

O art.º66.º do CIRS, referido naquele n.º2 do art.º149.º do mesmo Código, refere-se a actos de fixação ou alteração dos rendimentos, aí se não compreendendo o subsequente acto de liquidação.

Resulta do disposto no n.º3 do art.º149.º do CIRS, que os actos de liquidação subsequentes a actos de fixação ou alteração de rendimentos, devem ser comunicados ao contribuinte por carta registada.

Pode assim assentar-se que, embora os autos não informem, com segurança, se estamos perante liquidação precedida de acto de fixação ou alteração dos rendimentos, sempre o contribuinte dela (liquidação) teria de ser notificado pelo menos com a formalidade da carta registada. Isso assente,

Como se deixou referido no Acórdão do STA, de 29/05/2013, proferido no recurso n.º0472/13, «Segundo RUI MORAIS (Cfr. Manual de Processo Tributário, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 96/97.), a notificação por via postal simples não oferece segurança quanto à efectiva recepção e “só terá aplicação em relação ao IMI (art. 119º): por se tratar de um imposto de grande estabilidade, liquidado anualmente com base em valores patrimoniais pré-estabelecidos por avaliação, a lei entende que os sujeitos passivos sabem, antecipadamente, qual o momento em que serão chamados ao pagamento do imposto, bem como o valor a pagar. Daí que, mais que notificações de liquidações (no essencial, repetidas), estas comunicações são “avisos para pagamento”.
Perante o exposto, ressalta que o legislador elege três formas distintas de notificação: (i) notificação por carta registada, com aviso de recepção (nas situações do nº 1 do art. 38º do CPPT); (ii) notificação por carta registada (nas situações revistas no nº 3 do art. 38º do CPPT); e (iii) notificação por simples via postal (nas situações previstas no nº 4 do art. 38º do CPPT).
O procedimento de notificação, por carta registada, regulado nos art.s 35º a 39º do CPPT e no art. 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios (RSPC), aprovado pelo Decreto-Lei nº 176/88, de 18 de Maio, compreende os seguintes actos: (i) a emissão de uma carta, que incorpora a notificação do acto tributário, com a respectiva fundamentação; (ii) o registo nos serviços postais, através da apresentação da carta em mão, mediante recibo; (iii) e a entrega no domicílio fiscal do respectivo destinatário, comprovada por recibo.
Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Maio de 2012, proc nº 1181/11, “Em princípio, do ponto de vista formal, estes actos colocam a informação ao alcance do sujeito passivo, fazendo depender o respectivo conhecimento exclusivamente da sua vontade”.» (fim de citação).
No caso dos autos, através das guias de expedição de Registos dos CTT, juntas com a contestação a fls.108 e 110, a Fazenda Pública, no limite, logrou comprovar a emissão das cartas contendo os actos de liquidação notificandos e a sua apresentação a registo nos CTT, mas não que as cartas tenham chegado ao efectivo conhecimento do destinatário ou à sua esfera de cognoscibilidade.

Salienta-se que de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o dever de notificação que impende sobre a Administração Tributária “tem um conteúdo obrigatório, devendo estarem reunidos alguns requisitos essenciais, nomeadamente, a pessoalidade e a efectiva cognoscibilidade do acto ao notificando” (Acórdão de 11/2/2009, proc.º 916/2007).

Assim, as guias de expedição de registos juntas pela Fazenda Pública apenas comprovam a data do registo postal da expedição das cartas mas não demonstram, nem dão garantias mínimas e razoáveis de segurança e fiabilidade de que as notificações chegaram à esfera de cognoscibilidade do notificado.
E na falta dessa prova, não funciona a presunção do n.º1 do art.º39.º do CPPT, pois como referem a doutrina e jurisprudência (vd. cit. Ac. do STA, de 29/05/2013), tal criaria para o contribuinte o pesado ónus de prova de um facto negativo impossível de demonstrar: o de que não recebeu no seu receptáculo postal a carta com a notificação.

Ou seja, a presunção do n.º1 do art.º39.º do CPPT só funciona em situações de comprovado afastamento do risco do extravio das cartas.

E note-se que a prova do recebimento das cartas contendo as notificações não pode ser efectuada com recurso a documentos internos da Administração tributária, nomeadamente os prints automáticos extraídos das suas bases de dados, pois consolidou-se jurisprudência, também neste TCA Sul (vd. Ac. de 10/13/2017, exarado no proc.º1245/09.3BEALM), no sentido de que os prints internos da AT não são aptos a fazer tal prova, mais se esclarecendo que aqueles só valem se estiverem em consonância com a informação constante do site dos CTT.

Resulta do exposto que o recibo de entrega da carta registada pelos serviços postais, previsto no n.º4 do artigo 28.º do Regulamento do Serviço Público de Correios, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 176/88, de 18 de Maio, é o documento idóneo para provar que a carta foi colocada ao alcance do destinatário, valendo o recibo da apresentação, previsto no n.º2 daquele art.º28.º, meramente como prova da sua expedição.


Ou seja, a posição sustentada pela Recorrente de que é suficiente exibir o recibo da apresentação em mão da carta expedida sob registo, pois, não tendo sido devolvida a carta, o n.º 1 do artigo 39.º do CPPT presume que a notificação se efectuou no 3.º dia posterior ao registo, não tem respaldo, mal se compatibilizando “com o princípio constitucional da tutela judicial efectiva, que pode ser irremediavelmente inutilizado, se as notificações não obedecerem a garantias adequadas a permitirem determinar com certeza e segurança o termo inicial do prazo de recurso à via judicial” (vd. cit. Ac. do STA, de 29/05/2013).

Como assim, não tendo a Fazenda Pública efectuado a prova decisiva de que as cartas (contendo as liquidações exequendas) apresentadas a registo foram colocadas ao alcance do destinatário, não pode opor essas notificações ao oponente/Recorrido se este alega delas não ter tido conhecimento, pelo que procede o invocado fundamento de oposição à execução fiscal – falta de notificação da liquidação do tributo dentro de prazo de caducidade (art.º204.º, n.º1, alínea e), do CPPT) – a determinar a procedência da oposição deduzida contra a execução fiscal.

A sentença recorrida, que assim também o entendeu, não é merecedora das críticas que lhe são apontadas pelo Recorrente, merecendo ser confirmada.


5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida

Custas a cargo da Recorrente em ambas as instâncias.

Lisboa, 08 de Maio de 2019

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Vital Lopes




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Joaquim Condesso





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Tânia Meireles Cunha (com Declaração de Voto)


DECLARAÇÃO DE VOTO:

Voto a decisão, mas não daria provimento ao recurso, por considerar que dos autos resulta ser, in casu, aplicável o disposto nos art.ºs 65.º, 66.º e 149.º do CIRS, pelo que entendo que a notificação deveria ter sido feita através de carta registada com aviso de receção (cfr. Acórdãos deste TCAS de 10.09.2015 - Processo: 08818/15 e de 14.04.2016 - Processo: 08403/15).

Lisboa, 08.05.2019

(Tânia Meireles da Cunha)