Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2945/09.3BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL;
ARTIGO 78º DA LGT.
Sumário:I.A revisão oficiosa é, por definição, a revisão do acto tributário por iniciativa da Administração Tributária que pode ter lugar no prazo de quatro anos a contar da liquidação ou a todo o tempo, se o tributo não estiver pago (cfr. nº 1 do artigo 78.º da LGT).
II. De acordo com o disposto no artigo 78.º, nº 2 da LGT considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação, pelo que, não obstante o disposto no artigo 131.º do CPPT, o contribuinte pode suscitar a apreciação oficiosa de ilegalidade cometida em autoliquidação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO

P.........., S.A., identificada nos autos, intentou acção administrativa especial, contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, tendo em vista a anulação do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais nº. 1114/2008-XVII, de 7 de Outubro de 2008, no uso de competências delegadas, que negou provimento ao recurso hierárquico que apresentou do despacho de indeferimento do Revisão Oficiosa da autoliquidação de IRC do exercício de 2001.

Na sua petição inicial a Autora imputa ao acto sindicado os seguintes vícios:

(i) Errónea interpretação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT) - (cfr. artigos 25.º a 63.º);

(ii) Violação do princípio da justiça - (cfr. artigos 64.º a 71.º).

Em consequência, formula os seguintes pedidos:

«A) DEFERIMENTO DO PEDIDO DE REVISÃO OFICIOSA APRESENTADO PELA AUTORA E CONSEQUENTEMENTE;

B) O REEMBOLSO À AUTORA DO MONTANTE D 21.715,55 TUDO COM AS DEVIDAS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.»


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A ENTIDADE DEMANDADA defendeu-se por excepção e por impugnação.

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O MINISTÉRIO PÚBLICO junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 85.º do CPTA, renovou o parecer de fls. 90 e 91

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Por despacho saneador datado de 26 de Novembro de 2020, a excepção dilatória - erro na forma do processo - invocada pela Entidade Demandada foi julgada improcedente e tendo sido dispensada a produção de prova testemunhal, por os autos conterem já todos os elementos necessários à decisão e convidadas as partes para apresentarem alegações.

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A Autora nas suas alegações formulou as seguintes conclusões:

«A.É unanimemente reconhecido pela Doutrina e pela Jurisprudência que nada impede que sejam os sujeitos passivos a dar início ao procedimento previsto no artigo 78.º n.º 1 da LGT.

B. Tendo em conta que a liquidação subjacente aos presentes autos foi efectuada em 13/08/2002 e que o pedido de Revisão “sub-judice” foi interposto em 29/12/2005,

C. Dúvidas não restam de que, atendendo ao prazo de 4 anos previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, o presente pedido de revisão oficiosa deve ser considerado tempestivo.

D. O n.º 1 do artigo 78.º da LGT refere-se à revisão de “actos tributários”, sem distinguir a sua natureza.

E. O Pedido de Revisão deve efectuar-se quer por iniciativa da Autoridade Tributária quer por peticionado pelos Sujeitos Passivos mesmo que não exista erro imputável aos serviços.

F. Impõem-se à AT a verificação da conformidade com a Lei das declarações a que está obrigada por força do disposto no n.º 2 do artigo 78.º e do artigo 54.º da LGT.

G. A Autoridade Tributária deve prosseguir o princípio de justiça em todas as circunstâncias, irrelevando, pois, aspectos de cariz subjectivo como a origem da situação de injustiça.

H. Face ao princípio da justiça, se, como sucede no caso em apreço, o contribuinte suportou imposto em montante superior ao devido, deve a Administração Tributária permitir a correcção desse erro sob pena de permitir a manutenção de uma situação injusta, frontalmente violadora do disposto no artigo 55.º da LGT.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO AO CASO APLICÁVEIS QUE, V.EXA., MERITÍSSIMO JUÍZ, DOUTAMENTE SUPRIRÁ, DEVE O PRESENTE PROCESSO SEGUIR OS TRÂMITES LEGAIS E, A FINAL, A PRESENTE ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL SER DECLARADA TOTALMENTE PROCEDENTE POR PROVADA E

DETERMINAR-SE QUE A AT DEVE PROCEDER À APRECIAÇÃO DO PEDIDO DE REVISÃO OFICIOSA SUB JUDICE.»




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A ENTIDADE DEMANDADA não apresentou alegações.


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Colhidos os «Vistos» dos Ex.mos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora,
decidir, submetendo-se para o efeito os autos à Conferência.


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II. OBJECTO DA LIDE
A questão a decidir é a de saber se é ilegal, o acto que negou provimento ao recurso hierárquico apresentado do despacho de indeferimento da revisão oficiosa da autoliquidação de IRC do exercício de 2001.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevo para a apreciação do mérito da acção, pelos documentos e processo administrativo juntos e articulação e acordo das partes, encontra-se provada a seguinte factualidade:
1) A Autora é uma sociedade que se dedica à actividade de comércio de viaturas de automóveis.
2) Em 17.05.2002, a Autora apresentou a sua declaração de IRC referente ao exercício de 2001 (doc. fls. 37 a 40 dos autos)
3) Da mencionada declaração resultou a emissão da liquidação n.º .........., datada de 13 de Agosto de 2002.
4) Em 13 de Agosto de 2002, a Autora foi notificada do acto de liquidação a que alude o ponto 3) do probatório.
5) Em Dezembro de 2005, detectou a Autora um erro na referida autoliquidação de imposto, tendo, em consequência, e em 29.12.2005, requerido a Revisão Oficiosa da citada liquidação com fundamento em que reunia, no exercício de 2001, todos os pressupostos de aplicação do benefício fiscal previsto no artigo 17º do Estatuto dos Benefícios Fiscais e tal benefício não se encontrava reflectido na Declaração de Rendimentos, requerendo que seja «considerado para o efeito, a dedução de montante de € 61.691,91(sessenta e um mil, seiscentos e noventa e um Euros e noventa e um cêntimos) de que a requerente deveria ter beneficiado, de acordo com o regime da criação liquida de postos de trabalho , prevista no artigo 17º do EBF, mas que não foi considerada na Declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC do exercício de 2001». (doc. fls. 41 a 48 dos autos)
6) Foi a Autora notificada do projecto de decisão relativamente ao referido pedido de revisão, no qual se propunha o indeferimento do mesmo aduzindo a Administração Fiscal, para fundamentar tal posição, que o pedido de Revisão Oficiosa interposto pela ora Autora não teria enquadramento no artigo 78.°, nº 2 da Lei Geral Tributaria (LGT), motivo pelo qual deveria o mesmo ser indeferido. (doc. fls. 51 a 54 dos autos)
7) Exerceu a Autora, por escrito, o direito de audição prévia, onde se insurgiu quanto à mencionada proposta de decisão, invocando, que:« ao contrário do que defende a Administração Fiscal nos presentes autos, o pedido de Revisão “ sub judice” terá sempre que se considerar tempestivo.» (doc. fls. 56 a 61 dos autos)
8) Através do Ofício nº 060601, datado de 23.07.20073, e emitido pelo Director de Finanças (por delegação), foi a Autora notificada do Despacho da Directora dos Serviços de IRC, que converteu em definitivo o mencionado projecto de decisão, indeferindo, assim, o pedido de Revisão Oficiosa. (doc. fls. 63 a 68 dos autos)
9) A Autora interpôs recurso hierárquico para o Ministro das Finanças em 10.08.2007, do despacho a que alude o ponto antecedente. (doc. fls.75 dos autos)
10) Em 30 de Junho de 2008, foi emitida a Informação n.º 01462/2008, pela Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, sob o assunto: «Recurso Hierárquico – Exercício de 2001 » da qual consta designadamente o seguinte:
« Ora, nos termos da segunda parte do n° 1 do artigo 78° da LGT, a revisão dos actos tributários pode ter lugar, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo. se. o tributo não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
Dado que o acto tributário foi concretizado com a notificação da liquidação n.°
.........., de 13.08.2002 e o pedido de revisão foi apresentado em 29.12.2005 o requisito temporal encontra-se cumprido, de acordo com o disposto no n° 1 do artigo 78° da LGT.
Quanto ao fundamento em erro imputável aos serviços, o sujeito passivo, dá como
certo que se considera imputável aos serviços o erro na autoliquidação de acordo com o n° 2 do artigo 78°. |
Nem da letra da lei, neste caso. da norma do n.º 2 do artigo 78° da LGT, nem do seu
espírito pode ser retirada tão simples conclusão, porque
O n° 2 do artigo 78° da LGT, dispõe que "sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação",
A parte inicial desta disposição determina, pois, que a consideração do erro na autoliquidação como erro imputável aos serviços, para efeitos de revisão, oficiosa, não prejudica os ónus legais de reclamação ou impugnação.
Ou seja, o contribuinte que pretenda a revisão da autoliquidação está obrigado a seguir o procedimento definido no. n° 1 do artigo 131° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração.
Com a redacção construída para este n.° 2 o legislador pretendeu evitar que, a coberto do fundamento de erro imputável aos serviços, se. alargasse ainda-mais o prazo de reclamação da autoliquidação.
Assim, deve ser indeferida, por intempestiva, qualquer reclamação ou pedido de revisão da autoliquidação apresentada após o termo do prazo de dois anos, sob pena da expressão “sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação peio contribuinte”, referida no n° 2 do artigo 78° da LGT se olvida de qualquer utilidade.
Apesar de ao longo da petição não ser feita qualquer referência ao n.° 4 do Art,°78.° da LGT, na alínea a) do pedido refere-se, também, a errónea interpretação deste n,° 4 e nesta circunstância propomo-nos tecer as considerações que achamos necessárias.
Assim, nos termos do n° 4 do Art.° 78° da LGT, o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do, contribuinte, sendo certo que esta última parte foi acrescentada à redacção da norma, em 30.12.2005r através da Lei 60-A/2005.
A norma invocada refere-se à revisão da matéria tributável nos três anos posteriores
ao acto tributário. Como pode ser verificado através da consulta à liquidação n° 2310213460, a matéria colectável corresponde exactamente á matéria apurada pelo sujeito passivo na sua autoliquidação, bem assim como a colecta, as deduções â mesma e o respectivo IRC liquidado, diferindo, apenas no valor da derrama e na liquidação de juros compensatórios e de mora resultantes do atraso em relação á data limite prevista na lei.
O que significa que não houve qualquer fixação da matéria colectável por parte da
administração.
Nestes termos, o sujeito passivo, se pretendia solicitar a revisão da matéria tributável com; base no n° 4 do artº 78° da LGT, teria que fazê-lo; tendo em conta, o acto tributário ocorrido quando da sua autoliquidação, porque é esse o momento em que se considera ter o sujeito passivo determinado • a matéria colectável que pretendeu ver revista a coberto cia norma vertida no n.° 4 do Art.° 78.° da LGT.
Tendo este facto ocorrido em 20.07.2001, o prazo referido no n° 4 do art° 78º da LGT (nos 3 anos posteriores ao do acto tributário) já teria precludido em 30.05.2005. data em que foi apresentado o pedido de revisão.
No entanto, ainda que assim não fosse, parece que os pressupostos da injustiça grave ou notória não estão presentes, devendo, estes pressupostos ser interpretados como excepcionalmente graves ou excepcionalmente notórios, tendo em conta a natureza do procedimento de revisão.
Com efeito, o n° 5 do art° 78° da LGT, determina que apenas se considera notória, a injustiça ostensiva e inequívoca, e grave, a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionaria com a realidade.
Significa isto que para ser considerada no âmbito da norma citada, a injustiça, além de ser injustiça, deve ser de percepção imediata e fácil, não suscitando qualquer espécie- de dúvidas quanto à sua existência e deve ser, de tal modo grave, que a sua existência consubstancie uma realidade completamente desconforme.
No caso concreto, a não inclusão dos benefícios fiscais referentes à criação líquida de-emprego para jovens, pelo sujeito passivo, na liquidação do IRC/2000, não terá correspondido a uma injustiça notória, visto que nem o próprio contribuinte se apercebeu dessa falta, nem em- momento posterior que ainda possibilitasse a reclamação, no prazo de dois anos-, de acordo com o art° 131° do CP PT.
Por outro lado., também parece não se tratar de injustiça grave, visto que a empresa, e nesta circunstância entendemos que o despacho-recorrido deve ser mantido na medida em que mesmo não beneficiando dos incentivos fiscais, necessitou daquele conjunto de pessoas para laborarem e o facto de não usufrui de tais benefícios não modificou a sua realidade.
É referido no parecer n.° 109/2004 do CEF que no caso de autoliquidação a revisão ao abrigo do n° 4 do art° 78° da LGT só está pensada-para situações que só podem ser descobertas ou que só "sé podem verificar após o prazo de reclamação ou revisão ao abrigo do n° 1, como sejam divergências de. interpretação da lei, clarificadas por posterior lei interpretativa.
Nele se concluindo que nos casos de autoliquidação o preceito referido só se aplica:
á) Em face de elementos concretos conhecidos posteriormente, uma vez que, em regra, o sujeito passivo deve ter conhecimento dos seus proveitos e custos e de todos os elementos relevantes para o apuramento da matéria tributável;
b) E desde que a ausência de revisão implique a violação de princípios constitucionais materiais, como o princípio da igualdade (por ex., por existirem divergências de interpretação em diferentes serviços) e da proporcionalidade - enquanto princípios concretizadores do princípio da justiça.
Sobre a última parte do n° 4 do art° 78° da LGT. "desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte" apesar de ter sido adiada em momento posterior reflecte a interpretação .que já vinha sendo dada nos caso de autoliquidação, ou seja,- uma vez que, nestes casos, é o próprio sujeito passivo que procede à avaliação da sua matéria colectável e, portanto, que pode contribuir para a existência de uma injustiça, esta só deve ser analisada à luz da revisão prevista no n° 4 do art° 78º da LGT, desde que o sujeito passivo não tenha culpa • quanto à ilegalidade cometida e consequente injustiça grave ou notória
11) Sob a informação qua antecede o Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais exarou o Despacho n.º 1114/2008-XVII de 7 de Outubro, que é do seguinte teor: «Concordo com o indeferimento».
12) Pelo ofício n.º 092093 de Novembro de 2008, a Autora foi notificada do Despacho n.º n.º 1114/2008-XVII de 7 de Outubro.

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B. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A presente acção administrativa especial tem por objecto o acto de indeferimento expresso que recaiu sobre recurso hierárquico sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Autora ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, consubstanciado no Despacho nº 1114/2008-XVII de 7 de Outubro, e na qual se mostram formulados os seguintes pedidos:

(i) deferimento do pedido de revisão oficiosa;

(ii) o reembolso à autora do montante de 21.715,55€.

Nesta medida, o objecto da presente na acção administrativa especial é a pretensão da Autora consubstanciada na condenação da Entidade Demandada no dever de praticar o acto de deferimento do pedido de revisão oficiosa que reputa ter sido ilegalmente indeferido. (Veja-se a este propósito: Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2.ª Edição, 2007, pág. 395)

Sustenta a Autora advoga que o Despacho nº 98/2007-XVII de 2 de Fevereiro, proferido pelo Exm.º Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, é ilegal por errónea interpretação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 78.º da LGT e por violar o princípio da justiça.

Concretizando, diz a Autora, que « [o] acto tributário, cuja Revisão se solicita resulta de liquidação efectuada pelo próprio contribuinte ( cfr. artigo 82.ºdo CIRC), duvidas não restam de que pode o mesmo ser revisto no prazo de 4 anos previsto no n.º1 do artigo 78.º da LGT; (…) tendo em conta que (i) a liquidação subjacente aos presentes autos data de 13/08/2002 e que (ii) o pedido de Revisão” subjudice” foi interposto em 29/12/2005;(…) dúvidas não restam de que, atendendo ao prazo de 4 anos previsto no n.º1 do artigo 78.ºda LGT, está a Administração Tributária obrigada a proceder à Revisão do acto tributário em apreço sob pena de violação dos princípios da legalidade e da boa-fé.»

A Entidade Demandada contestou alegando, em síntese, que da interpretação conjugada dos nºs 1, 2 e 4 do artigo 78.º da LGT e do nº 1 do artigo 131.º do CPPT resulta que, havendo erro na autoliquidação e por iniciativa do contribuinte os actos tributários podem ser revistos através de reclamação administrativa/graciosa e com base em qualquer ilegalidade, considerando-se que o erro na autoliquidação é imputável aos Serviços, podendo a respectiva reclamação administrativa/graciosa apenas ser apresentada no prazo de dois anos, contados após a entrega da declaração e respectiva autoliquidação (artigo 131.°, n° 1 do CPPT); só depois da utilização deste mecanismo legal, é que o contribuinte pode lançar mão da competente impugnação; excepcionalmente, a revisão dos actos tributários pode ocorrer no prazo de três anos contados após a entrega da declaração, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes condições (n° 4 do artigo 78.º da LGT): não tenha havido comportamento negligente por parte do contribuinte e tenha ocorrido injustiça grave ou notória.

Perante a posição assumida por cada uma das partes, podemos afirmar, que questão nuclear coloca nos presentes autos é a de saber se, detetado pelo contribuinte erro na autoliquidação de IRC por si efetuada, pode este formular pedido de revisão daquela ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT ou se tal meio lhe é vedado por ser aplicável ao caso, em matéria de autoliquidação, o disposto no artigo 131.º, nº 1 do CPPT.

No caso presente, resulta demonstrado que a Autora entregou a declaração de IRC do ano de 2001, em 17.05.2002, dando origem à liquidação n° .........., tendo da mesma sido notificada em 13.08.2002.

Mais resulta que, a Autora, em 29.12.2005, apresentou junto da Direcção de Serviços do IRC, um pedido de Revisão Oficiosa ao abrigo do artigo 78.º da LGT, por erro na autoliquidação, em virtude de não ter deduzido à matéria colectável declarada o montante de 61.691,91 €, nos termos do artigo 17.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Tendo o pedido de Revisão Oficiosa sido indeferido com o fundamento de que não se enquadrava no artigo 78.°, nº 4 da LGT e como com essa decisão não se conformou a Autora por considerar que enferma de diversas ilegalidades insusceptíveis de permitir a sua manutenção na ordem jurídica, foi por aquela apresentado Recurso Hierárquico para o Exm.º Senhor Ministro das Finanças em 10.08.2007.

Por Despacho nº 98/2007-XVII de 2 de Fevereiro, proferido pelo Exm.º Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no uso de competências delegadas, foi negado negar provimento ao Recurso Hierárquico apresentado com os mesmos fundamentos que haviam dado origem ao despacho de indeferimento da revisão oficiosa objecto do recurso hierárquico.

Perante a posição assumida por cada uma das partes, podemos afirmar, que questão nuclear coloca nos presentes autos é a de saber se, detetado pelo contribuinte erro na autoliquidação de IRC por si efetuada, pode este formular pedido de revisão daquela ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT ou se tal meio lhe é vedado por ser aplicável ao caso, em matéria de autoliquidação, o disposto no artigo 131.º, nº 1 do CPPT.

A resposta a dar à questão colocada nos presentes autos encontra resposta adequada nos fundamentos do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 12.09.2012, proferido no processo n.º 0476/12, cuja fundamentação se acolhe (como decorre do artigo 8º, n.º 3 do CC, deve-se procurar «obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito») inteiramente por corresponder à melhor interpretação e aplicação das normas jurídicas atinentes e, por isso, com a devida vénia, se passa a seguir.

E nesse acórdão escreveu-se:


«Artigo 131º do CPPT

1. Em caso de erro de autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração.

2. Em caso de indeferimento expresso ou tácito da reclamação, o contribuinte poderá impugnar, no prazo de 30 dias, a liquidação que efetuou, contados, respetivamente, a partir da notificação do indeferimento ou da formação da presunção do indeferimento tácito.

3. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende da reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do nº 1 do artigo 102º.


Artigo 78.º da LGT

1- A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2- Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.

Ora, examinando as referidas normas temos que, no 1º caso, se trata de um meio de defesa típico da autoliquidação que, em princípio, é precedido de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração.

Assim, se no prazo de dois anos após a apresentação da declaração o contribuinte constatar ter havido erro de facto ou de direito na autoliquidação, pode utilizar o meio previsto neste artigo 131º.

Já o artº 78º da LGT consagra um meio de eliminação de ilegalidades comum a todos os atos tributários, no qual temos de incluir também os atos autoliquidados, como, aliás resulta, do seu nº 2.

Deste modo, tal como sucede relativamente a qualquer ato tributário, independentemente de poder usar os meios de defesa normais (reclamação graciosa, recurso hierárquico e impugnação judicial), o contribuinte pode também pedir a revisão do ato tributário no prazo de reclamação administrativa com fundamento em qualquer ilegalidade; e pode ainda solicitar à administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação, que esta revogue o ato com fundamento em erro imputável aos serviços.

Este artigo, aliás, segue a tradição de anteriores normas tributárias que admitiam a revisão do ato tributário.

Assim, antes da entrada em vigor do Código de Processo Tributário, era admitida a revisão do ato de liquidação com fundamento em qualquer inexatidão objetiva, com base em novos factos ou em novos meios de prova que viessem a ser conhecidos e demonstrassem aquela inexatidão. (ALBERTO XAVIER, Conceito e Natureza do Ato Tributário, página 582.)

Esta revisão era efetuada a favor do contribuinte, conduzindo à anulação, total ou parcial, do ato tributário.

O Decreto-Lei n.º 163/79, de 31 de maio, previa também a possibilidade de revisão de atos de liquidação de impostos municipais, estabelecendo, no n.º 4 do seu artº. 1.º, que «independentemente de reclamação ou impugnação dos interessados, a câmara municipal ordenará, sob proposta do chefe da secretaria, a revisão dos atos da liquidação dos impostos referidos nos números anteriores sempre que, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidada quantia superior à devida, se ainda não tiverem decorrido cinco anos sobre a abertura dos cofres ou sobre o pagamento eventual».

Nos códigos da reforma fiscal de 1988 também se previa possibilidade de revisão a favor do contribuinte, por erro imputável aos serviços (art. 85.º, n.º 1 C.I.R.S. e 81.º, n.º 3 do C.I.R.C.).

O C.P.T., de 1991, veio admitir generalizadamente a revisão oficiosa dos atos tributários.

A revisão era sempre da iniciativa da administração tributária (do autor do ato ou superior hierárquico e por isso, se denominava revisão oficiosa), com fundamento no errado apuramento da situação tributária do interessado (93.º C.P.T.):

a) Se a revisão for a favor da administração fiscal, com base em novos elementos não considerados na liquidação e dentro do prazo de caducidade;

b) Se a revisão for a favor do contribuinte, com base em erro imputável aos serviços ou duplicação da coleta, nos cinco anos posteriores ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data da notificação do ato a rever e, ainda, no decurso do processo de execução fiscal.

Da decisão que indeferisse um pedido de revisão de ato tributário cabia impugnação contenciosa, uma vez que se tratava de um ato que se devia considerar lesivo, por haver um verdadeiro direito à revisão de atos ilegais. A natureza lesiva do ato de indeferimento de pedido de revisão veio a ser expressamente afirmada no artº. 95.º, n.º 2, alínea d), da L.G.T..

Embora esta Lei só tivesse entrado em vigor em 1-1-1999, o ato de indeferimento de pedido de revisão já tinha natureza lesiva anteriormente, pois a natureza de um ato, a nível da sua lesividade, constitui algo que lhe é intrínseco.

A L.G.T. mantém esta previsão generalizada da possibilidade de revisão dos atos tributários, estabelecendo, genericamente que «o ato decisório pode revogar total ou parcialmente ato anterior ou reformá-lo, ratificá-lo ou convertê-lo nos prazos da sua revisão» (artº. 79.º da L.G.T.).

Em vários códigos tributários preveem-se situações de revisão das liquidações a favor do contribuinte, com e sem fundamento em erro imputável aos serviços, bem como situações de restituição de tributos independentemente de anulação do ato tributário, nomeadamente nos artsº 103.º do C.I.R.C., 42.º do C.I.M.T., 93.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e 98.º do C.I.V.A..

VIII. Conforme ficou escrito no Acórdão deste STA de 14.11.2007 – Processo nº 0565/07 (que acima também seguimos), o dever de a Administração concretizar a revisão de atos tributários, a favor do contribuinte, quando detetar uma situação desse tipo por sua iniciativa ou do contribuinte, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua atividade (artº 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei. (Neste sentido, pode ver-se o acórdão do S.T.A. de 11.05.2005, proferido no recurso n.º 319/05)

Há, assim, um reconhecimento no âmbito do direito tributário do dever de revogar de atos ilegais, dever esse que tem vindo a ser defendido por parte da doutrina (v, por exemplo, ROBIN DE ANDRADE, A Revogação dos Atos administrativos, 2.ª edição, páginas 255-268, – MARIA DA GLÓRIA FERREIRA PINTO, Considerações sobre a Reclamação Prévia ao Recurso Contencioso, páginas 12-14, PAULO OTERO, O Poder de Substituição em Direito Administrativo, volume II, páginas 582-583, – MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, páginas 613-614 e FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume II, páginas 463-465).

A revisão do ato tributário tanto antes da vigência do CPT, como durante a sua vigência, como depois da LGT, constitui, assim, um meio administrativo de correção de erros de atos de liquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses atos, a deduzir nos prazos normais respetivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração.

O regime do artº 78.º, quando o pedido de revisão é formulado para além dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do ato de liquidação, e não a um meio anulatório, com destruição retroativa dos efeitos do ato. A esta luz, o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação).

Trata-se de um regime reforçadamente garantístico, quando comparado com o regime de impugnação de atos administrativos, mas esse reforço encontra explicação na natureza fortemente agressiva da esfera jurídica dos particulares que têm os atos de liquidação de tributos.

Embora o artº 78.º da L.G.T., no que concerne a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar dentro do «prazo de reclamação administrativa», no n.º 6 do mesmo artigo (na redação inicial, que é o n.º 7 na redação vigente) faz-se referência a «pedido do contribuinte», para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como «oficiosa», pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte.

Idêntica referência é feita no n.º 1 do artº. 49.º da L.G.T., que fala em «pedido de revisão oficiosa», e na alínea a) do n.º 4 do artº. 86.º do C.P.P.T., que refere a apresentação de «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, com fundamento em erro imputável aos serviço».

É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação administrativa), que se faça, também na sequência de iniciativa sua, a «revisão oficiosa» (que a Administração deve realizar também por sua iniciativa).

Por outro lado, a alínea d) do n.º 2 do artº. 95.º da L.G.T. refere os atos de indeferimento de pedidos de revisão entre os atos potencialmente lesivos, que são suscetíveis de serem impugnados contenciosamente. Não se faz, aqui qualquer distinção entre atos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efetuado no prazo da reclamação administrativa ou para além dele, pelo que a impugnabilidade contenciosa a atos de indeferimento de pedidos de revisão praticados em qualquer das situações, o que, aliás, é corolário do princípio constitucional da impugnabilidade contenciosa de todos os atos que lesem direitos ou interesses legítimos dos administrados (artº. 268.º, n.º 4, da C.R.P.).

Assim, é de concluir que, o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do ato de liquidação, não impedia a impugnante de pedir a revisão oficiosa.

O que acaba de referir-se ficou também anteriormente escrito no Acórdão de 11.05.2005- Processo nº 0319/05, que resumiu tal entendimento da seguinte forma:

O art. 78° da LGT prevê a revisão do ato tributário «por iniciativa do sujeito passivo» ou «da administração tributária», aquela «no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade», e esta «no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços».

Todavia, tal não significa que o contribuinte não possa, no prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão.

Tal resulta, desde logo, dos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade - art. 266°, n.° 2 da CRP.

Como se refere no Ac. do STA de 20/03/2002, rec 26.5 80:

Face a tais princípios, não se vê como possa a Administração demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições, sendo que «o dever de pronúncia constitui, de resto, um princípio abertamente assumido pelo art. 9° do CPA, no domínio do procedimento administrativo mas aqui também aplicável por mor do disposto no art. 2° do mesmo código».

E, mais adiante: «é claro que a revisão do ato tributário, na sua dimensão de ato a favor do contribuinte, que é a dimensão que aqui importa ter em conta, acaba por implicar um alargamento do prazo de estabilidade da situação tributária a que se refere. Mas uma tal consequência não é uma objeção que o intérprete possa colocar ... pois a adoção, pelo legislador, da possibilidade de revisão do ato pressupõe exatamente o equacionamento dessa questão e a sua resolução no sentido de fazer, dentro de certos condicionalismos ... outros valores para além da segurança jurídica a prazo certo».

E de lei escrita.

Na verdade, o próprio art. 78°, n.° 6 refere o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.

E o art. 86°, n.° 4, al. a) do CPPT menciona o «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo».

É, aliás, no sentido exposto, a jurisprudência, que se crê uniforme, do STA. Cfr., por todos, os Acds. de 20/03/2002 citado, 19/11/2003 rec. 1181/03, 17/12/2002 rec. 1182/03, 29/10/2003 rec. 462/03, 02/04/2003 rec. 1771/02, 20/07/2003 rec. 945/03, 30/01/2002 rec. 26.231» (disponível no endereço www.dgsi.pt).

Esta mesma posição foi seguida pelos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 29.05.2013 e 29.10.2014, proferidos, respectivamente, nos processos n.ºs 0140/13 e 1540/13, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Afirmando-se, no último Acórdão citado que « [o] facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa não impede o impugnante de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o acto de indeferimento desta – cf. entre outros, por mais recentes, os seguintes acórdãos que se citam sem pretensões de exaustão: de 29.05.2013, recurso 140/13, de 12.09.2012, recurso 476/12, de 14.06.2012, recurso 259/12, de 14.03.2012, recurso 1007/11, de 14.12.2011, recurso 366/11, de 20.11.2007, recurso 536/07, e de 2-2-2005, recurso nº 1171/04, todos in www.dgsi.pt.».

Efectivamente a questão tratada neste Acórdão anteriormente referido é exactamente a mesma de que agora tratamos, em que está em causa liquidação cuja revisão foi requerida, foi efectuada pelo próprio contribuinte (cfr. artigo 82.° do CIRC) e, resultando do disposto no nº1 do artigo 78.° da LGT que os actos tributários podem ser revistos, no prazo de 4 anos, com fundamento em erro imputável aos serviços, já se demonstrou que, nos termos do nº 2 do mesmo invocado preceito legal, considerar-se erro imputável aos serviços "o erro na autoliquidação", pelo que, não se vislumbra possível agora decidir de modo diverso.

Por outro lado, a Autora formulou o seu pedido com fundamento em ilegalidade e não com fundamento em injustiça grave ou notória, pelo que tal fundamento constante no despacho sindicado nem sequer tem cabimento nestes autos.

Neste quadro, não se prefiguram razões válidas para afastar os fundamentos e, bem assim, o sentido decisório do Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que vimos seguindo, reiterando-se, pois, que, tendo a Autora formulado pedido de revisão oficiosa da autoliquidação no prazo de quatro anos (pontos 2, 3, 4 e 5 do probatório) previsto na parte final do nº 1 do artigo 78.º da LGT, a Administração Tributária está obrigada legalmente a conhecer de tal pedido, pelo que, haverá de concluir-se que, assiste razão à Autora.

Vem também alegado que o Despacho nº 98/2007-XVII de 2 de Fevereiro, proferido pelo Exm.º Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, padece ainda do vício de violação de lei consubstanciado na ofensa do princípio da justiça, na medida em que « [s]e, ainda por lapso do contribuinte , se verifica que este suportou um montante superior ao devido, deve a Administração Fiscal permitir a correcção desse erro sob pena de permitir a manutenção de uma situação injusta, frontalmente violadora do artigo 55.º da LGT».

Como se entendeu no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 01.06.2010, proferido no processo n.º 3982/10: « [o ]Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 18 de Junho de 2002, proferido no recurso com o nº4587/00,refere que a justiça material constitui a "teleologia própria da tributação" devendo, por esse motivo, ser encarada como um valor absoluto que a Administração Fiscal, como entidade vinculada a prossecução do interesse publico e, simultaneamente, ao dever de imparcialidade, deve prosseguir sempre e em todas as circunstâncias.

E, na verdade, face ao princípio da justiça, se o contribuinte suportou imposto em montante superior ao devido ou, como sucede no caso em apreço, omitiu proveitos, deve a Administração Fiscal proceder às correcções sob pena de permitir a manutenção de uma situação injusta, frontalmente violadora do disposto no artigo 55° da LGT, pois, para seguir as palavras do Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão datado de 05/02/2003 e proferido no processo nº 01648/02, manifestamente não é justo beneficiar a administração e prejudicar o administrado ou vice-versa já que, também o princípio da igualdade obriga o legislador a não fazer discriminações ou igualizações arbitrárias ou carecidas de justificação ou fundamento material racional, a não fazer discriminações assentes em critérios subjectivos ou em critérios objectivos mas aplicados em termos subjectivos e a respeitar os direitos subjectivos de igualdade. (Cfr. CASALTA NABAIS, O dever fundamental de pagar impostos, Almedina, Coimbra, 1998, pag. 436 e J.J. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 2a edição, Coimbra, 1984, pags. 148 e ss.), o que significa que o princípio da igualdade fiscal exige que o que é essencialmente igual seja tributado igualmente, e o que é essencialmente desigual, seja tributado desigualmente e na medida dessa desigualdade -cfr. CASALTA NABAIS, Ob. e loc. cit.» ( disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Aderimos sem qualquer reserva à fundamentação acabada de transcrever que, em sede de contestação, não foi minimamente posta em causa, razão pela qual procede o arguido vício de violação de lei por ofensa do princípio da justiça.

Assim, nos termos que antecedem, resta concluir pela procedência da acção.

IV.CONCLUSÕES
I.A revisão oficiosa é, por definição, a revisão do acto tributário por iniciativa da Administração Tributária que pode ter lugar no prazo de quatro anos a contar da liquidação ou a todo o tempo, se o tributo não estiver pago (cfr. nº 1 do artigo 78.º da LGT).
II. De acordo com o disposto no artigo 78.º, nº 2 da LGT considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação, pelo que, não obstante o disposto no artigo 131.º do CPPT, o contribuinte pode suscitar a apreciação oficiosa de ilegalidade cometida em autoliquidação.

V.DECISÃO
Nestes termos, que acordam, em conferência, os juízes que integram a 1.ª Subsecção de de Contencioso Tributário do Tribunal Administrativo Sul em julgar procedente a presente acção administrativa especial e, em consequência,
a) anular o Despacho nº 1114/2008-XVII, de 7 de Outubro, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais;
b) condenar a Entidade Demandada a apreciar o pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC de 2001.

Custas pela Entidade Demandada.

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2021.

[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Isabel Fernandes e Jorge Cortês]
Ana Pinhol