Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05635/09
Secção:CA -2º JUÍZO
Data do Acordão:01/14/2010
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:INJUNÇÃO
TRANSACÇÕES COMERCIAIS
FASE DECLARATIVA
IDONEIDADE DO MEIO PROCESSUAL
Sumário:I – O procedimento previsto no DL nº 32/2003, de 17/2, nomeadamente no respectivo artigo 7º, prevê que o atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos nele previstos, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.

II – A situação retratada nos autos encontra-se abrangida na previsão daquele diploma, que transpôs para o direito interno a Directiva nº 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, que veio estabelecer medidas de luta contra os atrasos de pagamento em transacções comerciais, regulamentando todas as transacções comerciais, independentemente de terem sido estabelecidas entre pessoas colectivas privadas – a estas se equiparando os profissionais liberais – ou públicas, ou entre empresas e entidades públicas, tendo em conta que estas últimas procedem a um considerável volume de pagamentos às empresas, regulamentando deste modo todas as transacções comerciais entre os principais adjudicantes e os seus fornecedores e subcontratantes [cfr. o preâmbulo do DL nº 32/2003, de 17/2].

III – Tendo a entidade recorrida deduzido oposição ao requerimento de injunção, e porque está em discussão uma factura de valor superior à alçada do tribunal de 1ª instância, a dedução daquela oposição no processo de injunção determina a remessa dos autos para o tribunal competente – o TAF de Castelo Branco, uma vez que a ora recorrente detém, em regime de concessão, por um prazo de 25 anos, por força do artigo 3º do DL nº 319-A/2001, de 10/12, o exclusivo da exploração e gestão do sistema multimunicipal de triagem, recolha selectiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos da Cova da Beira, integrando como utilizadores originários os municípios de Almeida, Belmonte, Celorico da Beira, Covilhã, Figueira de Castelo Rodrigo, Fornos de Algodres, Fundão, Guarda, Manteigas, Meda, Penamacor, Pinhel, Sabugal e Trancoso –, aplicando-se a forma de processo comum [cfr. o nº 2 do artigo 7º do citado DL nº 32/2003, de 17/2].

IV – Não se vislumbra qualquer inidoneidade processual que seja susceptível de impedir a tramitação dos autos sob a forma de acção administrativa comum e que demande a absolvição da recorrida da instância, como considerou a sentença recorrida, que deste modo fez incorrecta aplicação dos artigos 7º, nº 2 do DL nº 32/2003, de 17/2, e 35º e 37º e segs. do CPTA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
R……………. – Valorização e ……………., SA”, com sede no ………, apresentou junto do Balcão Nacional de Injunções, ao abrigo do DL nº 32/2003, de 17/2, um requerimento de injunção contra “A…. – ……., EM”, com sede na ……., pedindo o pagamento da quantia de € 74.751,74 [capital e juros vencidos], bem como os vincendos e a taxa de justiça devida.
Face à oposição da requerida, foi o processo remetido ao TAF de Castelo Branco, para aí prosseguir os seus termos.
O TAF de Castelo Branco, por sentença datada de 8-9-2009, com fundamento na inidoneidade do meio processual, absolveu o réu da instância [cfr. fls. 88/97 dos autos].
Inconformada com tal decisão, veio a “R……….., SA” interpor recurso jurisdicional para este TCA Sul, enunciando na sua alegação as seguintes conclusões:
1) A ora recorrente apresentou, no Balcão Nacional de Injunções, uma injunção contra a “A………….. – ………………., EM”, entidade requerida, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 74.828,24 [setenta e quatro mil oitocentos e vinte e oito euros e vinte e quatro cêntimos], acrescida de juros de mora vincendos, pedido que foi apresentado ao abrigo da norma que permite o recurso a processo de injunção para exigir o cumprimento "[...] das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro" [cfr. artigo 7º do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro].
2) De acordo com o disposto no artigo 7º do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, "considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro".
3) A aplicação do regime da injunção às transacções que caem no âmbito de aplicação deste diploma legal faz-se nos termos estabelecidos no artigo 7º daquele Decreto-Lei, cujo nº 1 dispõe que "O atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida".
4) O Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, opera a transposição para a ordem jurídica nacional da Directiva nº 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais, sendo que no ponto 20 dos considerandos da Directiva estabelece-se que "De acordo com o princípio da não discriminação constante do artigo 12º do Tratado, estes procedimentos devem ser acessíveis a todos os credores estabelecidos na Comunidade".
5) Assim, resulta claramente da legislação comunitária que o procedimento de injunção é meio processual idóneo para as concessionárias fazerem valer as suas pretensões emergentes do atraso no pagamento de transacções comerciais.
6) Pelo que qualquer interpretação no sentido de o procedimento de injunção não ser admissível quando em causa estejam transacções comerciais entre ou com entidades públicas é violadora do Direito Comunitário.
7) A douta sentença recorrida, fazendo apelo do Decreto-Lei nº 107/2005, de 1 de Julho, diz que perante oposição não se segue para a injunção a remessa para o tribunal competente aplicando-se a forma comum, mas que o que se segue é tramitação específica da acção declarativa especial, com um regime aproximado ao da acção comum sumaríssima.
8) Ora, estabelece-se no nº 2 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, que para valores superiores à alçada da Relação, a dedução de oposição no processo de injunção determina a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
9) Na verdade, de acordo com o artigo 7º do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, o procedimento de injunção poderá ser utilizado em duas situações distintas: para obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000, obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, e para obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, independentemente do valor da dívida.
10) Relativamente às obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000 e às obrigações emergentes de transacções comerciais de valor não superior à alçada da Relação, a dedução de oposição determina a tramitação do processo nos termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos [cfr. artigo 17º, nº 1 do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, e artigo 7º, nº 4 do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro].
11) Já quanto às obrigações emergentes de transacções comerciais de valor superior à alçada da Relação, a dedução de oposição no processo de injunção determina a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum [cfr. artigo 7º, nº 2 do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro].
12) Do que se trata in casu é precisamente de uma obrigação deste tipo, pelo que a sentença recorrida interpretou e aplicou erradamente aquele diploma legal, incorrendo em erro de julgamento.
13) Assim, no caso presente, ao contrário do que foi o entendimento do Tribunal «a quo», deveriam os autos ter sido distribuídos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, seguindo os seus termos normais como acção administrativa comum.
14) Com a transmutação da injunção em acção administrativa comum não há qualquer postergação das garantias do requerido, uma vez que a tramitação se passa a fazer de acordo com tal forma processual.
15) O facto de o prazo para dedução da oposição ser menor na injunção que na acção administrativa só de si não releva, até porque existe a possibilidade dada pelo artigo 7º, nº 3 do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, de o juiz convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.
16) Se limitação existir, ela situar-se-á, naturalmente, ao nível da ora recorrente, que se viu constrangida à exposição sucinta dos factos que fundamentam a sua pretensão, até porque a requerida se defendeu, não decorrendo da utilização do requerimento injuntivo qualquer limitação para a defesa.
17) De acordo com a douta sentença, o procedimento de injunção não pode ser utilizado no contencioso administrativo, quando em lado algum se diz que os tribunais da jurisdição administrativa não são competentes para este tipo de processos, sendo certo que a aplicação informática Citius inclui os Tribunais Administrativos na lista dos Tribunais competentes para distribuição da injunção e que se no CPTA não se faz referência ao procedimento de injunção, o mesmo acontece no artigo 4º do CPCivil.
18) O procedimento de injunção não se configura como uma acção «proprio sensu», mas sim como um mecanismo, um impulso processual, que em caso de oposição se transmutará em acção declarativa especial ou em processo comum, consoante os casos, acção declarativa de condenação ou acção administrativa comum.
19) Não faz sentido que em caso de não oposição e consequente aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção, possa o mesmo ser título executivo numa acção executiva intentada nos Tribunais Administrativos e Fiscais, mas não possa a injunção ser distribuída nos mesmos Tribunais.
20) A decisão recorrida procedeu, indiscutivelmente, a uma interpretação restritiva da norma contida no nº 2 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, e, mais do que isso, a uma interpretação restritiva que o preceito não admite, até porque o legislador foi cuidadoso na identificação dos casos de exclusão do âmbito de aplicação do diploma [cfr. artigo 2º, nº 2], e aí não inseriu a situação aqui em análise.
21) No caso em apreço, o Tribunal não desenvolveu qualquer actividade hermenêutica de busca da teleologia do preceito, perspectivando a norma em função da finalidade para que foi criada – a «ratio iuris» – para que pudesse ser aplicada no sentido que melhor correspondesse à obtenção do resultado que o legislador pretendeu alcançar.
22) As reservas que o Tribunal «a quo» identifica à utilização, neste caso concreto, do meio aqui em causa acabam por ser puramente superficiais e não permitir estabelecer uma qualquer distinção relevante no enquadramento conceptual que a decisão agora recorrida acaba por sufragar. Verdadeiramente por isso não há um apelo à ratio daquele preceito.
23) As razões que foram apontadas, na decisão judicial recorrida, para justificar a conclusão obtida não atendem à finalidade do preceito e, portanto, à partida, são absolutamente irrelevantes para fundar a interpretação adoptada.
24) Ao negar a aplicabilidade do procedimento de injunção no contencioso administrativo, a douta sentença recorrida viola o princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva previstos no artigo 2º do CPTA e no artigo 20º da CRP e o princípio da igualdade, previsto no artigo 13º da CRP, bem como o direito comunitário, devendo, por isso, ser revogada.
25) A ora recorrente é também autora em outros processos que se iniciaram como procedimentos de injunção, os quais, após distribuição, têm corrido os seus termos normais no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco.
26) A douta sentença recorrida viola as normas constantes do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, do Decreto-Lei nº 107/2005, de 1 de Julho, e do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, devendo, por isso, ser revogada e, na sequência dessa revogação, deve ser determinado o prosseguimento do processo iniciado com o requerimento de injunção, devendo o mesmo ser tramitado como acção administrativa comum sob a forma de processo ordinário.
27) A falta do pressuposto processual da idoneidade apenas gera a absolvição da instância quando se afigure como total, nada se podendo aproveitar; quando a inadequação ao pedido e à causa de pedir seja tal, que nem a petição ou requerimento inicial se possam utilizar.
28) In casu não se verificou qualquer diminuição das garantias do réu, pelo que deveria o Tribunal ter procedido à convolação do meio processual supostamente utilizado de forma inadequada em meio processual adequado, de forma a que o direito da ora recorrente pudesse obter a tutela pretendida, determinando-se a prossecução da acção, eventualmente com convite ao aperfeiçoamento das peças processuais, devendo praticar-se os actos estritamente necessários para que o processo se aproximasse, tanto quanto possível, da forma estabelecida pela lei, nos termos do artigo 7º do CPTA, do artigo 199º, nº 1 do CPCivil, do artigo 265º-A do CPCivil, referente ao princípio da adequação processual, e de acordo com os princípios anti-formalista, «pro actione» e «pro favoritate instantiae».
29) Não o tendo feito, violou a douta sentença recorrida o disposto nos artigos 199º, nº 1 e 265º-A, ambos do CPCivil, «ex vi» artigo 1º do CPTA, no artigo 7º do CPTA e os princípios anti-formalista, «pro actione» e «pro favoritate instantiae» [favorecimento do processo], devendo, também com estes fundamentos, ser revogada e, na sequência dessa revogação, deve ser determinada a convolação do procedimento de injunção, devendo o mesmo ser tramitado como acção administrativa comum sob a forma de processo ordinário ”.
A requerida contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido [cfr. fls. 148/155 dos autos].
Neste TCA Sul, o Digno Magistrado do Ministério Público, notificado para os termos e efeitos do artigo 146º do CPTA, nada disse.
Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Para concluir pela inidoneidade do meio processual e absolver a ré “A….. – ……………, EM” da instância, a decisão recorrida considerou assente o seguinte:
A autora apresentou um requerimento de injunção contra o réu, solicitando o pagamento de € 74.828,24, pelo seguinte [sic] – cfr. req.:
Capital: € 72.012,18
Juros de mora: € 2.739,56, à taxa de: 0,00% desde até à presente data;
Outras quantias: € 0,00
Taxa de Justiça paga: € 76,50
Contrato de: Fornecimento de bens ou serviços
Data do contrato: 01-09-2006
Período a que se refere: 01-11-2008 a 26-05-2009
Exposição dos factos que fundamentam a pretensão:
1º - Pelo Decreto-Lei nº 319-A/2001, de 10 de Dezembro, foi criado, nos termos e para os efeitos do artigo 11º, nº 2 do DL nº 379/93, de 5 de Novembro, o sistema multimunicipal de triagem, recolha selectiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos da ……….., …….., ………………., …….., ………, ………., ………….., ………, …………, ……….., ………. a ……...
2º - O exclusivo da exploração e gestão do sistema foi adjudicado, em regime de concessão, à sociedade ………… e …., S.A., operando-se a atribuição mediante a celebração do contrato de concessão referido no artigo 5º do DL nº 319-A/2001, de 10 de Dezembro.
3º - Desde Setembro de 2006 que entre a sociedade ……….. e …., S.A e a requerida existe um acordo de entrega e recepção de resíduos sólidos urbanos [RSU], o qual tem por objecto a entrega por parte da requerida e recepção pelas ……….. e ……, S.A. de RSU ou equiparados, produzidos na sua área [concelho da ……..], com vista à sua valorização, tratamento e destino final.
4º - Na verdade, a ………. e ……., S.A. manteve tal acordo de entrega e recepção de RSU com o Município da ……. até que este criou uma empresa municipal – a requerida – a quem transmitiu a gestão e exploração da recolha e tratamento de RSU em todo o concelho.
5º - Assim, desde Setembro de 2006, que a requerida, enquanto entidade que gere e explora a recolha e tratamento de RSU no concelho da ……., entrega, nos termos do referido acordo, à ……… e …., S.A., nos locais por esta indicados, todos as RSU e equiparados gerados na sua área e por si removidos e transportados.
6º - Em execução do referido acordo de entrega e recepção, a …………. e……., S.A. prestou à requerida os serviços de recolha e valorização de resíduos sólidos urbanos com vista à sua valorização e destino final, tendo procedido à emissão e remessa àquela das facturas no valor devido pela prestação de tais serviços.
7º - Assim, em 30-11-2008, a …………. e ……, S.A. emitiu e remeteu à requerida a factura nº 304……, no valor de 72.033,41 €, relativa à recepção e valorização de resíduos sólidos urbanos em Novembro [concretamente, 1.289,050 toneladas de resíduos sólidos urbanos], com vencimento em 30-12-2008.
8º - Na mesma data a ………….e…., S.A. emitiu e remeteu à requerida a nota de crédito nº 3040……., no valor de 21,23 €, relativa a uma rectificação dos valores facturados no mês anterior.
9º - Sucede que a ora requerente tem por objecto social exclusivo a exploração e gestão do sistema multimunicipal de triagem, recolha selectiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos da …………, integrando como utilizadores originários os municípios de ………., ……….., …………., ………, ……………., ……………., ………..,……….,…….., …….., …………, ………, ………… e …….. .
10º - Pois que, nos termos do disposto no artigo 4º, nº 1 do DL nº 128/2008, de 21 de Julho, o exclusivo da gestão e exploração do sistema multimunicipal de triagem, recolha selectiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos da …………………. criado pelo DL nº 319-A/2001, de 10 de Dezembro, passou a ser concedido à requerente nos termos de contrato de trespasse celebrado entre esta e a sociedade …………. e ……., S.A.
11º - E, nos termos do disposto no artigo 5º do mesmo Decreto-Lei, foi transferida para a sociedade, com efeitos a partir da data de assinatura do contrato de trespasse [ou seja, a partir de 1-01-2009] todas as relações jurídicas que se encontrem em cada momento necessariamente relacionadas com a continuidade da exploração da concessão do sistema, incluindo a posição contratual da concessionária nos contratos de entrega e recepção ou de recolha indiferenciada e de promoção da recolha selectiva e do seu adequado processamento celebrados entre a concessionária e cada um dos municípios utilizadores do sistema.
12º - Assim, com a assinatura do contrato de trespasse, as relações jurídicas existentes entre a Sociedade …………………. e …….., SA e a requerida transmitiram-se para a requerente, nelas se incluindo os direitos de crédito da …………….. e………., SA sobre a requerida.
13º - Sucede que a quantia constante da factura supra referida não foi, até a presente data, liquidada pela requerida, apesar de para tal ter sido interpelado quer pela ……………e ………., quer pela requerente.
14º - Ao valor em divida acrescem os juros de mora, calculados à taxa legal em vigor para as dívidas comerciais [11,07% e 9,5%], desde a data de vencimento da factura [30-12-2008], os quais, até à presente data, representam 2.739,56 €.
15º - A requerida deve, pois, à requerente, a título de capital e juros de mora vencidos, a quantia global de 74.751,74 €, a que acresce a taxa de justiça e os juros de mora vincendos até integral e efectivo pagamento, o qual aqui se deixa peticionado”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Como decorre do exposto, a entidade a quem a ora recorrente sucedeu na posição jurídica por via de contrato de trespasse celebrado entre esta e a sociedade ……… e ……., S.A. – que detinha o exclusivo da gestão e exploração do sistema multimunicipal de triagem, recolha selectiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos da …………, integrando como utilizadores originários os municípios de …….., ………., ………, ……., ……………, …………, ……….., ………, ……., ….., …………, …….., …… e …….. –, prestou à recorrida “A…. – ……….., EM” os serviços de recolha e valorização de resíduos sólidos urbanos com vista à sua valorização e destino final, tendo procedido à emissão e remessa àquela das facturas no valor devido pela prestação de tais serviços, nomeadamente a factura nº 3040383599, no valor de 72.033,41 €, relativa à recepção e valorização de resíduos sólidos urbanos em Novembro de 2008 [1.289,050 toneladas de resíduos sólidos urbanos], bem como à taxa de gestão de resíduos sólidos, com vencimento em 30-12-2008, e que não foi paga na data do respectivo vencimento.
Perante este quadro factual, a recorrente lançou mão do procedimento previsto no DL nº 32/2003, de 17/2, nomeadamente no respectivo artigo 7º, que prevê que o atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos nele previstos, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
E não há dúvida que a situação retratada se encontra abrangida na previsão daquele diploma, que transpôs para o direito interno a Directiva nº 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, que veio estabelecer medidas de luta contra os atrasos de pagamento em transacções comerciais, regulamentando todas as transacções comerciais, independentemente de terem sido estabelecidas entre pessoas colectivas privadas – a estas se equiparando os profissionais liberais – ou públicas, ou entre empresas e entidades públicas, tendo em conta que estas últimas procedem a um considerável volume de pagamentos às empresas, regulamentando deste modo todas as transacções comerciais entre os principais adjudicantes e os seus fornecedores e subcontratantes [cfr. o preâmbulo do DL nº 32/2003, de 17/2].
Porém, como igualmente decorre dos autos, a recorrida deduziu oposição ao requerimento de injunção, razão pela qual, estando em discussão uma factura de valor superior à alçada do tribunal de 1ª instância, a dedução daquela oposição no processo de injunção determinou a remessa dos autos para o tribunal competente – o TAF de Castelo Branco, uma vez que a ora recorrente detém, em regime de concessão, por um prazo de 25 anos, por força do artigo 3º do DL nº 319-A/2001, de 10/12, o exclusivo da exploração e gestão do sistema multimunicipal de triagem, recolha selectiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos da ………….., integrando como utilizadores originários os municípios de ………., ……….., ……………., ………… ……………., ………………, …………, ………., ………., ………, ……….., ………, ……….. e ……… –, aplicando-se a forma de processo comum [cfr. o nº 2 do artigo 7º do citado DL nº 32/2003, de 17/2].
Considerou contudo o TAF de Castelo Branco que “o Código do Processo nos Tribunais Administrativos prevê que sigam a forma da acção administrativa especial [artigo 46º] os processos impugnatórios dirigidos à remoção de actos de autoridade praticados pela Administração [actos administrativos ou normas regulamentares] bem como os processos dirigidos à condenação da Administração à emissão desses actos de autoridade [actos administrativos ou normas regulamentares]. Nos restantes casos, ou seja, sempre que nele não sejam deduzidos estes tipos específicos de pretensões, o processo deve ser tramitado segundo a forma da acção administrativa comum [cfr. artigo 37º]”, pelo que, “não vindo admitida ou prevista a demanda por processo de injunção, a idoneidade do meio processual, que se traduz na necessidade de utilizar o meio adequado para obter a protecção jurisdicional que se peticiona, é um pressuposto relativo ao processo, e de conhecimento oficioso, excepção dilatória que é, podendo obstar ao conhecimento do mérito, conduzindo à absolvição da instância”, pelo que, reconhecendo que o CPTA não admitia a demanda por processo de injunção, julgou tal meio processual inidóneo e, consequentemente, absolveu a recorrida da instância.
Mas mal, como se procurará demonstrar.
Com efeito, como decorre quer do disposto no DL nº 269/98, de 1/9, que aprovou o regime jurídico da injunção, quer do disposto no DL nº 32/2003, de 17/2, se for deduzida oposição no processo de injunção, o processo passa a seguir os termos da acção declarativa, a qual, no caso concreto da dívida reclamada ser superior à alçada do tribunal de 1ª instância, seguirá os termos do processo comum, com a forma que lhe competir em função do valor do pedido [cfr. o nº 2 do já citado artigo 7º do DL nº 32/2003, de 17/2].
Ora, como a própria sentença recorrida salientou, o CPTA prevê três tipos de processos de natureza declarativa: a acção administrativa comum, prevista no Título II do CPTA, que corresponde ao processo de declaração regulado no CPCivil, nas formas ordinária, sumária e sumaríssima, a acção administrativa especial, prevista no Título III, e os processos urgentes, previstos no Título IV do CPTA [cfr. artigo 35º do CPTA].
Por conseguinte, quando os presentes autos deram entrada no TAF de Castelo Branco oriundos do Balcão Nacional de Injunções, os mesmos deveriam ter sido distribuídos como acção administrativa comum, na forma ordinária, por força do citado artigo 7º, nº 2 do DL nº 32/2003, de 17/2, e não, como erradamente considerou a sentença recorrida, como processo de injunção, que deixou de ser a partir do momento em que foi deduzida oposição ao requerimento de injunção por parte da recorrida “A…… –…………….., EM”.
Deste modo, não se vislumbra qualquer inidoneidade processual que fosse susceptível de impedir a tramitação dos autos sob a forma de acção administrativa comum e que demandasse a absolvição da recorrida da instância, como considerou a sentença recorrida, que deste modo fez incorrecta aplicação dos artigos 7º, nº 2 do DL nº 32/2003, de 17/2, e 35º e 37º e segs. do CPTA.
É pois inteiramente procedente o presente recurso jurisdicional.

IV. DECISÃO
Nestes termos e pelo exposto, acordam em conferência os Juízes do 2º Juízo do TCA Sul em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando a decisão recorrida e ordenando a baixa dos autos ao TAF de Castelo Branco, para aí prosseguir termos tal como acima referido, se a isso nada obstar.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2010
[Rui Belfo Pereira – Relator]
[Cristina Santos]
[Fonseca da Paz]