Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2056/15.2BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:05/08/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores: IRS;
CATEGORIA G;
MAIS-VALIAS;
DAÇÃO EM PAGAMENTO.
Sumário:1. Independentemente do termo jurídico utilizado para designar a operação negocial em exame e da sua qualificação jurídica (compra e venda ou dação em pagamento), o certo é que releva para efeitos de tributação de mais-valias a valorização da esfera jurídica-patrimonial do alienante, através da incorporação dos acréscimos de valor do imóvel objecto da referida operação negocial.
2. Os acréscimos de valor em causa correspondem a actos de gestão patrimonial privada, geradores de ganhos na esfera jurídica do alienante. Tais ganhos consistem na diferença entre o valor de aquisição do imóvel e o valor da contrapartida recebida pela sua entrega, pelo que são tributáveis em sede de categoria G, IRS.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório
J…., melhor identificado nos autos, veio deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL do acto tácito de indeferimento do pedido de revisão excecional da matéria tributável apurada em sede de IRS relativo ao ano de 2010.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, por decisão proferida a fls. 206 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 22 de Agosto de 2018, julgou improcedente a impugnação;

Nas alegações de fls. 257 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), o recorrente, J…., formulou as conclusões seguintes:

«A - O julgador tinha ao seu dispor provas que impunham uma decisão diversa da exarada em sentença, pelo Tribunal “a quo”.

B - O recorrente nunca recebeu um cêntimo das quantias envolvidas no negócio, constante da escritura impropriamente designada de compra e venda.

C- As negociações tiveram sempre, desde a génese, como fito, dar um bem e nunca comprar ou vender.

D - O recorrente, foi pressionado para se fazer escritura e nunca teve a perceção que estava a ser feita uma venda, pois sempre se falou em Dação.

E - As negociações foram dirigidas para uma Dação em pagamento

F - As verbas recebidas não integraram a esfera pessoal e de sua esposa

G - O recorrente estava convicto que era uma questão de mera escrita e não recebeu por isso um centavo.

H - Todas as negociações foram no sentido de uma “Dação”,

I - O Banco nunca disse que ia ser compra e venda e nunca houve contrato anterior nem minuta.

J - As testemunhas, ao contrário da valoração feita pela sentença identificaram toda a operação financeira correlacionada com o negócio realizado.

L - Mais ficou provado que nunca o recorrente idealizou outorgar um contrato de compra e venda mas sim de Dação.

M - Os factos dados como não provados, deveriam, pelo contrário ter sido dados como provados.

N - Nada foi vendido nem recebido pelo recorrente, que possa enfileirar a norma de incidência real da categoria G de IRS.

O - O facto tributário é uma verdadeira “Dação em Pagamento” e os recorrentes não são sujeitos passivos de imposto.

P - Não há pois incidência subjetiva que possa ser assacada aos recorrentes.

Q - As escrituras públicas fazem prova plena apenas dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo e dos factos nelas atestados como percecionados pela mesma autoridade.

R - Tal força probatória não se estende à veracidade ou verosimilhança, ou seja, a correspondência com a realidade dos factos constantes das declarações.

S - Como resulta da jurisprudência firmada no Acórdão n.º 30/08.4TBCMN.G1 do Tribunal da Relação de Guimarães, relativamente aos factos de que não façam prova plena, os documentos estão sujeitos ao princípio da livre apreciação pelo tribunal - artigo 366.º do CC. E não constituem sequer confissão.

T - Acresce que, a determinação da vontade real das partes nas declarações negociais constitui matéria de facto.

U - Por seu turno, a aplicação do artigo 237.º CC confina-se, como bem resulta da sua epígrafe, aos casos duvidosos – a sua doutrina não prevalece contra as regras do artigo 236.º CC, aplicando-se apenas se estas não puderem definir o sentido da declaração.

V - A “dação em cumprimento”, também chamada de dação em pagamento, consiste na realização de uma prestação diferente da que é devida, com o fim de extinguir imediatamente a obrigação (artigo 837.º CC).

X - O recorrente, neste âmbito, pautou a sua conduta e conduziu as negociações preliminares de modo a que operasse a “Dação em Pagamento” e não uma “Compra e Venda”.

Z - É neste contexto, pautado pelo dever de boa-fé, que tem como corolário também o não “rompimento das negociações, que traduza uma apreciável falta de consideração pelos interesses da contratante” (sic. Transcrição do Acórdão do STJ nº 44/07.1 BGDL.E1.SI), que a A. assinou o contrato.

AA - Contextualizando, incorreu o recorrente em erro na formação da vontade e processo de decisão, ignorando circunstâncias de facto de direito que intervieram nos motivos da declaração negocial.

BB - O erro-vício ou erro-motivo, que se traduz num erro na formação da vontade e do processo de decisão, existiu, nos termos do artigo 252.º do C.C.

CC - Por seu turno, em direito fiscal, com vista a reduzir a relevância da vontade do sujeito passivo na distribuição dos encargos tributários, vigora o princípio da prevalência da substância sobre a forma, neste sentido o Acórdão 00140/03 do TCA Sul de 13/05/2003.

DD - Nenhum rendimento obtiveram os recorrentes, pelo que não estavam sujeitos às regras de incidência real da categoria G, no ano de 2010.

Nestes termos, nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e revogada a douta Sentença do Tribunal “a quo”, com todas as consequências legais daí advindas.»
X

A recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações.
X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, juntou aos autos parecer no sentido da improcedência do recurso.

X
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação.
2.1 De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
«A) - Em 5 de julho de 2006, foi lavrada escritura de “MÚTUO COM HIPOTECA” no Cartório Notarial, Notário Lic. J…., entre J…., ora Impugnante, e sua mulher, C….., que outorgaram por si e ainda como gerentes, em representação da sociedade por quotas, a firma “P…. SR, LDA.” e o “B…., S.A.”, a celebração de um empréstimo no montante de € 1.700.000,00, ficando o mesmo abrangido pela constituição de hipoteca voluntária a favor do banco, designadamente, sobre o “prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e primeiro andar, em Tróia, lote…., freguesia de…., concelho de Grândola, descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o número cinquenta e…., inscrito na respectiva matriz da dita freguesia sob o artigo 11….”, sendo que “o dito prédio se encontra registado na citada Conservatória, a favor dos primeiros outorgantes (…) e ao que atribuem o valor de quatrocentos e seis mil quatrocentos e setenta euros”- cfr. escritura de fls. 24v a 34 do PAT apenso, cujo teor
se dá por integralmente reproduzido; cfr. declarações de parte quanto à existência da hipoteca;

B) - Consta do inscrito designado por “DOCUMENTO COMPLEMENTAR NOS TERMOS DO ARTIGO SESSENTA E QUATRO DO CÓDIGO DO NOTARIADO DA ESCRITURA DE MÚTUO COM HIPOTECA ”, entre o mais, o seguinte:

(…) b. É prestada fiança pessoal e solidária pelos sócios da sociedade “Mutuária”, Senhores J.....e esposa, C....., com renúncia expressa ao benefício da excussão prévia.
c. A sociedade “Mutuária” e os Senhores J.....e esposa, C…. em seu nome pessoal, constituem hipoteca voluntária a favor do “Banco” sobre os imóveis descritos na escritura, de que este documento complementar é parte integrante.
Dois: Os imóveis não devem ser utilizados por forma ou fim distinto do actual, sem autorização prévia e expressa deste nem, tão pouco, alienei-los, arrendá-los ou de qualquer outra forma onerá-los, no todo ou em parte, nem diminuir o valor de transacção do mesmo, sob pena de imediato vencimento do empréstimo. (…)”- cfr. fls. 24v a 34 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

C) - Em 22 de fevereiro de 2010, foi assinado pelos representantes do “B….., S.A.” o inscrito intitulado “RENÚNCIA HIPOTECÁRIA” que incidiu sobre o prédio descrito na alínea A) da factualidade assente, com o seguinte teor:

“B…. S.A.., anteriormente designado B…. S.A., com o capital social de 47.500.000 Euros, com sede em Lisboa, na Avenida Eng.º…., Torre.., ….º Andar matriculado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa e pessoa colectiva nº 503…… declara que, UNICAMENTE EM RELAÇÃO ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o nº …. da freguesia de C… e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1… da referida freguesia, RENUNCIA À HIPOTECA constituída sobre o referido prédio por Escritura Pública de Mútuo com Hipoteca realizada em 05.07.06 no Cartório Notarial de Lisboa a cargo do Notário J…., a folhas 55 a 59v do Livro n. 34-A de Escrituras.
A referida Hipoteca foi constituída para garantia de empréstimo concedido pelo Banco a P…. S.R. LDA., NIPC 503…...
A presente RENÚNCIA em nada afecta a Hipoteca constituída sobre os restantes prédios, no âmbito da supra citada Escritura. (…)” - cfr. fls. 20 e 21 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

D) - Em 24 de fevereiro de 2010, o “B….., S.A.” emitiu o cheque no valor de € 372.106,92, à ordem do “B….., S.A.”, como contrapartida pela renúncia hipotecária identificada na alínea antecedente - cfr. fls. 22 e 23 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

E) - Em 24 de fevereiro de 2010, foi lavrada escritura de “COMPRA E VENDA” no Cartório Notarial de Setúbal, Notária M…., onde ficou a constar que J…., ora Impugnante, e sua mulher, C....., venderam ao “B….., S.A.”, pelo preço de preço de € 851.900, “livre de ónus e encargos o prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e 1º andar, destinado a habitação, sito em Tróia, Lote n.º…., freguesia de…., concelho de Grândola, descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o número……, da citada freguesia, a favor dos vendedores, registado pela inscrição correspondente à apresentação número …..de treze de Junho de mil novecentos e noventa e seis, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1..., com o valor patrimonial de € 78.495,02” - cfr. escritura de fls. 9v a 11 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

F) - Consta do inscrito identificado na alínea antecedente que, no ato de outorga da escritura, foi dito “[Q]ue para ao seu representado aceitam a presente venda nos termos exarados e que o presente imóvel destina-se a dar em locação financeira a P…. S.R. Lda.” - cfr. escritura de fls. 9v a 11 do PAT apenso;

G) - Em 24 de fevereiro de 2010, foi assinado pelo “B…, S.A.”, na qualidade de Locador, a sociedade “P…. SR, LDA.”, na qualidade de Locatária, e J…., ora Impugnante, e sua mulher, C....., na qualidade de Avalistas, o inscrito designado por “CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA N.º 46 30…..”, de que se extrai o seguinte: “(…)

CAPITULO I
OBJECTO DO CONTRATO E OBRIGAÇÕES DAS PARTES
Artigo 1º.
(Objecto do Contrato)
- O presente contrato tem por objecto a locação financeira do bem imóvel a seguir identificado:
- Prédio urbano, composto de casa do rés do chão e 1º andar, com a área total de 543 m2, sito em Tróia, …, da freguesia de…., concelho de Grândola, descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola, sob a ficha número…., da freguesia de…., concelho de Grândola, inscrito na respectiva matriz sob o artº 1…. da freguesia de….., concelho de Grândola.

Artigo 2.º
(Valor e Aplicação do Investimento)
1. O Locador adquiriu nas condições usuais e de direito o imóvel identificado no artigo anterior, pelo valor de 851.900,00 euros o qual foi escolhido pela Locatária e se destina

ao exercício da actividade fixada no artigo quinze, número um
2.Valor Total do presente contrato: 909.829,00 Euros, correspondente aos seguintes valores:
- Valor de aquisição do imóvel: 851.900,00 Euros
- IMT : 51.114,00 Euros
- Imposto do Selo: 6.815,20 Euros
- Valor de financiamento: 909.829,00 Euros
(…)
Artigo 4º.
(Prazo)
O prazo da locação financeira será de 300 meses, a contar da data de celebração do presente contrato, subdividido da seguinte forma: prazo de carência: os primeiros 12 meses e prazo de amortização: restantes 288 meses.

Artigo 5º.
(Promessa Unilateral de Venda)
1.O Locador promete vender à Locatária o imóvel objecto do presente contrato no termo deste.
Esta promessa de venda fica sujeita a resolução, nos termos do contrato, pelo não cumprimento das obrigações da Locatária.
2. O preço de venda é fixado em 181.050,00 euros. (…)
(…)
CAPÍTULO III
VÍCIOS E CONDIÇÕES DE UTIUZAÇÃO
ARTIGO 14º.
(Entrega e Responsabilidade pelo Imóvel)
1.O Locador entregará à Locatária o imóvel objecto deste contrato logo após a assinatura do presente contrato.
2.A celebração deste contrato implica para a Locatária que aceita o imóvel no estado em que se encontra e que o considera nas devidas condições para o exercício normal da sua actividade; mais aceita a Locatária que, a partir deste momento, todo e qualquer risco que sobre o imóvel recaia é de sua responsabilidade, para o que efectuará a cobertura dos riscos, em adequada apólice de seguro.
Artigo 15º.
(Afectação e Utilização da Coisa)
1.O imóvel que é objecto do presente contrato será afecto ao exercício da actividade económica prosseguida pela Locatária à data deste contrato. (…)
(…)
Artigo 27. º
(Garantia)
1 - Em caução e garantia adicional do presente contrato de locação financeira, respectivos juros e demais encargos resultantes do presente contrato, incluindo todas as despesas judiciais e extrajudiciais que o B….., SA houver de fazer para se ressarcir do seu crédito, a segunda contraente subscreve livrança avalizada pelos terceiros contraentes, livrança esta em branco, a qual poderá ser livremente preenchida pelo Banco, designadamente no que se refere às datas de emissão e de vencimento, local de pagamento e pelo valor correspondente aos créditos de que o B…., SA seja titular por força do presente contrato. (…)” - fls. 35 a 47 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

H) - Em 27 de maio de 2011, o ora Impugnante remeteu ao “B…., S.A.” um e-mail com o seguinte teor:
“Exmos. Senhores
Serve o presente e-mail para solicitar a V. Exas., que se disponibilizem a fazer a rectificação da referida escritura entre J…. e C…. como vendedores e o Banco ….onde consta que o valor de venda é de 851 900 € valor este que por lapso deveria ser de 80 000 € ou até doado à firma P..... para que esta, junto do Banco …., pudesse negociar as responsabilidades que tinha com o mesmo da melhor forma, o que veio a acontecer com a concordância dos seu sócios (que são os mesmos).
Penso que é tão pertinente como compreensível esta rectificação porquanto o sócio J..... não recebeu qualquer verba como ainda agora por via do seu IRS terá de pagar a taxa elevadíssima de um valor que não passou pela sua mão, não recebeu nem por cheque nem em nenhuma das suas contas.
Assim, agradeço uma resposta urgente pois estamos em tempos de decisões concretamente
Cumpts.
….” - cfr. fls. 19 do PAT apenso;

I) - Em 31 de maio de 2011, J..... , ora Impugnante, e sua mulher, C....., apresentaram, via Internet, a declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2010, a qual deu origem à liquidação n.º 2011 50….., apurando-se imposto a pagar no montante de € 1.604,78 - facto extraído de fls. 94 a 98 do PAT apenso;

J) - Em 3 de junho de 2011, O “BANCO…., S.A.” remeteu ao Impugnante um e-mail com o seguinte teor:
“(…) Exmo. Senhor J….,
Em resposta ao seu pedido abaixo remetido para a nossa Agência em Setúbal, conforme já transmitido verbalmente, e pelas razões que precederam à negociação anterior à aquisição do imóvel pelo Banco ….que vieram a definir o valor de aquisição e bem assim, as condições actuais da operação de leasing em curso na Empresa …..de que V. Exa. é sócio, vimos confirmar que não nos é possível acomodar o V. pedido.
Estamos ao dispor para os esclarecimentos adicionais que entender necessários, podendo contactar- nos para esse efeito para os contactos abaixo indicados.
Sem outro assunto de momento, apresentamos os nossos melhores cumprimentos. (…)” - fls. 19 do PAT apenso;

K) - Em 3 de novembro de 2011, o ora Impugnante, através de Advogada, Dra. F….., endereçou à Dra. A….., do Departamento de Negociação e Recuperação do “BANCO…., S.A.” uma missiva com o seguinte teor:
“Na sequência de reunião realizada em 28.11.2011 nas V/ instalações vimos esclarecer o pretendido pelo cliente Sr. J..... tal como sugerido:
No dia 24.02.2010 foi realizada uma escritura notarial de compra e venda com o Banco ….e o Sr. J…..
Esta escritura teve como objecto um imóvel avaliado pelo Banco e que tinha como destino último servir de garantia numa operação a ser realizada entre o Banco e a sociedade comercial P…..., LDA..
O Sr. J..... como sócio gerente da empresa em questão tinha todo interesse, em através do referido imóvel, resolver a situação de incumprimento em que se encontravam os contratos de abertura de crédito n.ºs 0046 0301 ….e 050-0002…., titulados pela empresa P…...
O motivo que nos levou a solicitar a reunião agendada foi não o fim em si da operação cujo objectivo foi totalmente alcançado para ambas as partes, mas antes o modo como a mesma foi concebida e executada.
A pretensão do Sr. J..... como sócio gerente da P….. era a de, em conjunto com o Banco, alcançarem um consenso através do qual a divida fosse salvaguardada e paga e a P….. continuasse a sua actividade como até então.
Todavia, o que acabou por ser feito foi uma venda directamente entre o Banco e o Sr. J..... do imóvel em causa pelo valor necessário à operação, de 851.900,00 €.
Esta venda não havia sido projectada pelo sócio da empresa P…. que o que queria era entregar o imóvel à P..... para esta seguidamente negociar com o Banco fazendo face às suas obrigações.
Para o Sr. J…., até há bem pouco tempo, o que efectivamente tinha sido realizado era o negócio que idealizara - entrega do imóvel à P…. e a negociação desta com o Banco, contudo o que foi realizado na prática, o que realmente foi dito na escritura não foi o pretendido.
É nesta sequência que contactámos o Banco no sentido de em conjunto se encontrar um solução e reconduzir o que foi formalmente celebrado ao negócio pretendido e negociado entre o Sr. J..... e o Banco ….na sua agência em Setúbal.
Nestes termos, o que se pretende:
1)
- rectificação da escritura efectuada - o bem imóvel será vendido pelos P…. ao Banco…...
- que seguidamente celebram com a mesma um contrato de leasing - lease back
(que no fundo é uma operação de crédito a médio/longo prazo).
Ou
2)
- rectificação da escritura efectuada - o bem imóvel será vendido pelos P…. ao Banco ….
- seguidamente celebram um contrato de empréstimo com hipoteca.
Ou
3)
- rectificação da escritura efectuada - mas existe primeiro uma transacção entre os P…. e a Sr. J…..
- aproveitamento do contrato de leasing efectuado entre o Banco e P…..
Agradecemos a V. Exas., a V/ análise no assunto acima exposto no sentido de se alcançar o objectivo pretendido pelas duas partes envolvidas no negócio e contrato celebrado.
Na expectativa e certos da V/ vontade no prosseguimento dos interesses dos V/ clientes. (…)” - fls. 16 a 18 do PAT apenso;
L) - Em 3 de novembro de 2011, o ora Impugnante, através de Advogada, Dra. F…., endereçou ao “BANCO….., S.A.”, uma missiva, sob o assunto: “contrato de locação financeira n.º 46301…., P..... Sociedade S.R, LDA., J..... ”, com o seguinte teor:
“(…) Exmos. Srs.,
Fui constituída mandatária da sociedade comercial por quotas P….. S.R, LDA e do Exmo. Sr. J.....para relativamente ao assunto em epígrafe o representar junto de V. Exas.
Teve o M/ Cliente conhecimento que para concretização do contrato supra identificado ter procedido à venda do imóvel sua propriedade e de não ter entregue à sua empresa P…. o mesmo imóvel que depois dele disporia conforme necessitasse ou melhor entendesse.
Esta tinha sido a sua intenção de negócio e não infelizmente aquele que foi escriturado. Tendo tido consciência deste facto há pouco tempo já expôs esta situação junto de colaboradores de V. Exas. que não deram solução ao problema.
Assim sendo e após o exposto ficamos a aguardar por uma V/ resposta, que esperamos venha no sentido de uma alteração à escritura realizada em 24.02.2010 para que seja reposta a realidade dos factos, sob pena de enveredarmos pela via judicial para o conseguirmos.
Sem outro assunto de momento (…)”
- fls. 14 a 15v do PAT apenso;

M) - Em 13 de janeiro de 2012, o ora Impugnante, através de Advogada, Dra.F..... , endereçou ao “BANCO…, S.A.”, uma missiva, sob o assunto: V/ ref. DNR/594/2011/01131-JPB, contrato de locação financeira n.º 463015…., com o seguinte teor:
“(...) Exmos. Senhores,
No seguimento da carta enviada por V. Exas., foi o seu conteúdo devidamente analisado e transmitido ao Sr. J..... .
Quanto às informações que nela são prestadas, agradecemos, mas não podemos deixar de expressar estranheza sobre as mesmas, nomeadamente, no que se refere à indicação da escritura realizada, ora se é exactamente essa que temos contestado o seu conteúdo. Ainda, também, quanto ao penúltimo parágrafo da mesma, pois que é evidente que temos conhecimento que no final do contrato de leasing celebrado com a sociedade P..... e o Banco …. aquela pode optar pela sua compra, contudo, essa transmissão opera-se entre o Banco e a P..... : quando não foi esse o negócio projectado pelo Sr. J..... . Nestes termos, cumpre-nos informar V. Exas. que lamentavelmente não podemos aceitar a resposta de V. Exas., e não havendo vontade do Banco em juntos procurarmos uma solução, temos assim que enveredar pela via judicial.
Sem outro assunto de momento (…)”
- fls. 14 a 15v do PAT apenso;

N) - Em 15 de abril de 2014, na sequência de procedimento de controlo efetuado pela AT decorrente da comunicação, através da declaração modelo 11, da escritura pública de compra e venda outorgada em 24 de fevereiro de 2010 entre o ora Impugnante e o “BANCO…., S.A.”, foi emitida “DECLARAÇÃO OFICIOSA/DC” a que foi atribuído o n.º 3530-…., nela fazendo constar o Anexo G, a fim de declarar as mais-valias obtidas pelo sujeito passivo no ano de 2010, nos seguintes termos:
ALIENAÇÃO ONEROSA DE DIREITOS REAIS SOBRE BENS IMÓVEIS DE BENS IMÓVEIS - Art.10.º, n.º 1, alínea a) do código do IRS
(“texto integral no original; imagem”)
- facto extraído de fls. 99 a 116 do PAT apenso;

O) - Da declaração oficiosa identificada na alínea antecedente resultou a liquidação n.º 2014…., emitida a 28 de abril de 2014, apurando-se imposto a pagar no montante de € 186.920,52 - facto extraído de fls. 91, 103 e 104 do PAT apenso;

P) - Em 11 de dezembro de 2014, o ora Impugnante dirigiu ao Senhor Ministro das Finanças e da Administração Pública um pedido de revisão excecional da matéria tributável apurada em sede de IRS, do ano de 2010, com fundamento em injustiça grave ou notória, com o seguinte teor:
“(...) 1º Como se comprovará ao longo dos vários quadrantes da vertente petição, estão preenchidos os pressupostos da revisão do acto tributário, porquanto a tributação se realizou com injustiça ostensiva e inequívoca e foi manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade, sem respeitar nomeadamente os princípios do primado da substância sob a forma.
2º Ocorreram situações em que o valor da justiça delimitou a legitimidade, e é esse valor de justiça que é determinante para o apuramento da matéria tributária (neste sentido Vítor Faveiro in "O Estatuto do Contribuinte").
3º O pedido formulado ao abrigo do artigo 78º, nºs 3 e 4, da LGT, constitui o meio idóneo, adequado, expresso da lei, para que a exponente se subleve à tributação consumada e à injustiça como o procedimento decorreu, quando é certo que a tributação incide sobre uma “Compra e Venda”, quando substantivamente é uma “Dação em Pagamento”, nada tendo sido vendido nem recebido, que possa enfileirar a norma de incidência real da categoria G de IRS.
4º O requerente procedeu à entrega da declaração modelo 3 de IRS de 2010, no prazo legal.
5ºAtravés da escritura de 24/02/2010, em que foram outorgantes o requerente e seu cônjuge e o “Banco…., SA.” transmitiu-se o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …., Concelho de Grândola, sob o n.º 1…..
6º Porém este imóvel, que com na escritura como dado em locação financeira à sociedade P..... S.R. Lda., cuja escritura consta como sendo de compra e venda, não foi objecto do negócio jurídico de “Compra e Venda”, em termos substantivos.
7ºAo invés, assistiu-se em termos de substancia a uma “Dação em Pagamento”.
8ºO Banco aceitou a Dação em Pagamento, mas sem explicar porquê exigiu que a mesma revestisse a forma jurídica e contratual de “Compra e Venda de Imóveis”.
9º Por esta razão, nada recebeu o requerente a título de rendimento da categoria G, já que o Banco, reteve todas as quantias pecuniárias, para se fazer pagar pelas verbas que o requerente tinha em dívida para com a Instituição Bancária.
10º Não se preenche porquanto seguramente a norma de incidência subjectiva da categoria G, pois nada receberam os recorrentes do rédito da realização.
Nestes termos, atentos os factos e fundamentos expendidos, nos melhores de direito, com o douto suprimento de V. Exa., deve o presente pedido de revisão excepcional da matéria tributável ser julgado procedente pelas razões explicitadas, anulando-se a liquidação de IRS do ano de 2010, com todas as consequências legais daí advindas. (...)”- cfr. fls. 84 a 90 do PAT apenso;

Q) - EM 20 de janeiro de 2015 foi instaurado pela AT o processo revisão oficiosa n.º 353020…. - cfr. fls. 49 e ss. do PAT apenso;

R) - Em 10 de março de 2015, a Divisão de Justiça Tributária, da Direção de Finanças de Setúbal elaborou “Informação” sobre o pedido de revisão oficiosa identificado na alínea antecedente, na qual propôs o seu indeferimento - cfr. fls. 79 a 81v do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

S) - Em 10 de julho de 2015, o ora Impugnante apresentou, junto o Serviço de Finanças de Setúbal 2, a presente impugnação judicial - cfr. fls. 4 dos autos;

T) - Em 30 de julho de 2015, o processo de revisão oficiosa identificado na alínea Q) da factualidade assente foi declarado extinto por apensação ao processo de impugnação judicial - cfr. tramitação do processo de fls. 105 e 106 do PAT apenso e informação oficial que acompanha a presente impugnação judicial de fls. 107 a 115 do PAT apenso;

U) - Em 4 de maio de 2015, os Serviços Centrais da AT instauraram novo procedimento de revisão oficiosa ao qual foi atribuído o n.º 3530201….., que incidiu sobre a liquidação em apreço - cfr. tramitação do processo de fls. 105 e 106 do PAT apenso e informação oficial que acompanha a presente impugnação judicial de fls. 107 a 115 do PAT apenso;

V) - Em 28 de outubro de 2015, a Divisão de Administração, da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares elaborou “Informação” n.º 2184/15 sobre o pedido de revisão oficiosa identificado na alínea P) da factualidade assente, na qual propôs o seu indeferimento - cfr. fls. 72 a 77 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

W) - Notificado o Impugnante para efeitos do exercício do direito de audição prévia, por ofício n.º 13…, de 3 de novembro de 2015, da Divisão de Administração da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, o mesmo não apresentou pronúncia - facto que se extrai de fls. 66 e do ofício de fls. 67 a 71 do PAT apenso;

X) - Em 18 de dezembro de 2015, a Diretora de Serviços proferiu despacho em que procedeu à convolação em definitivo do projeto de decisão de indeferimento do pedido e revisão oficiosa, com base na “Informação” n.º 28…/15 da Divisão de Administração, da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares - cfr. fls. 65 do PAT apenso;

Y) - A sociedade “P..... SR, LDA.” desenvolve a atividade de concessão de empréstimos garantidos por penhores - facto que se extrai das declarações de parte e do depoimento da 1.ª testemunha inquirida, confirmado pela consulta e análise oficiosa do Decreto-Lei n.º 160/2015, de 11.08, que aprova o aprova o regime jurídico da atividade prestamista;

Z) - O ora impugnante é empresário há mais de 20 anos e tem conhecimentos na área da atividade da sociedade “P..... SR, LDA.” - facto que se extrai das declarações de parte;

AA) - J..... , ora Impugnante, e sua mulher, C..... são os únicos sócios e avalistas da sociedade “P....., LDA.” - facto que se extrai das declarações de parte, coadjuvado pelos depoimentos das 1.ª (quanto ao facto de serem os únicos sócios) e 2.ª (quanto ao facto de serem avalistas) testemunhas inquiridas, coadjuvado pela análise de fls. 24v a 34; 35 a 47 do PAT apenso;

BB) - A operação efetuada entre o ora Impugnante e o “BANCO…., S.A.” em apreço tinha como objetivo resolver a situação de incumprimento em que se encontravam os contratos de abertura de crédito titulados pela sociedade “P..... SR, LDA.”, para permitir a continuidade da sua actividade, destinando-se à liquidação das obrigações vencidas, da hipoteca que incidia sobre o imóvel transacionado, e, o remanescente, ao pagamento dos respetivos impostos - facto que se extrai das declarações de parte, conjugado com o depoimento das testemunhas inquiridas, ainda coadjuvado pela missiva de fls. 16 a 18 do PAT apenso, a que se alude na alínea K) do probatório;

CC) - A operação efetuada entre o ora Impugnante e o “BANCO…., S.A.” servia como reforço de garantia do crédito, concretizado através do contrato de «locação financeira imobiliária», melhor descrito na alínea G) da factualidade assente, para que o Impugnante não ficasse privado da utilização do referido imóvel - facto que se extrai das declarações de parte, conjugado com o depoimento das testemunhas inquiridas, ainda coadjuvado pela missiva de16 a 18 do PAT apenso, a que se alude na alínea K)do probatório;

DD) - Em resultado da operação efetuada com o “BANCO…, S.A.” nenhum montante entrou nas contas bancárias do ora Impugnante, nem por cheque ou transferência bancária - facto invocado nos art.ºs 9.º e 10.º da p.i., que se extrai das declarações de parte, conjugado com o depoimento das 1.ª e 2.ª testemunhas inquiridas.
*
Com relevância para a decisão da causa nada mais se provou, não se provando, designadamente, o seguinte:
1) - O ora Impugnante nunca teve vontade nem intenção de celebrar qualquer escritura de «compra e venda» do imóvel, sendo forçado a fazê-lo - cfr. artigo 7.º, 1.ª parte, artigo 8.º, última parte, e artigo 44.º da p.i.;

2) - A quantia de € 372.106,92, que consta do cheque emitido pelo “BANCO…., S.A.” em nome do “BANCO…., S.A.”, deu entrada na conta da sociedade “P..... SR, LDA.”- cfr. artigo 13.º da p.i.;

3) - O “BANCO….., S.A.” aceitou a “DAÇÃO EM PAGAMENTO”, mas sem explicar a razão, exigiu que a mesma revestisse a forma jurídica e contratual de “COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS” - cfr. artigo 19.º da p.i.;

4) - Todos os preliminares do negócio, a fase negocial encetada, visou a “DAÇÃO EM PAGAMENTO”, tendo o Banco ludibriado o ora Impugnante a outorgar a transmissão do imóvel sobre a roupagem de “COMPRA E VENDA” - cfr. artigo 19.º da p.i.;

5) - Nas negociações preliminares efetuadas com o “BANCO…., S.A.”, o ora Impugnante exibiu à Impugnada o dossier que formou ao longo do tempo, explicitando os contornos do negócio - cfr. artigo 45.º da p.i.
*

Motivação: A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame e análise crítica dos documentos e informações oficiais, não impugnados constantes dos autos e do PAT apenso, e, bem assim, nas declarações de parte e no depoimento prestado pelas testemunhas arroladas na p.i. [cfr. ata constante de fls. 132 e 133 dos autos], que contribuíram [juntamente com a prova documental constante dos autos e do PAT apenso] ou relevaram para a verificação dos factos constantes das alíneas A) e Y) a DD), como é especificado em cada alínea do probatório.
Relativamente às declarações de parte, J.....descreveu sumariamente a atividade da empresa “P..... SR, LDA.”, relatando que ele e a sua mulher eram sócios únicos da empresa. Afirmou que andava sob pressão para resolver as dívidas junto do “BANCO…., S.A.”, que o negócio que ficou combinado é que daria a moradia para a empresa resolver os problemas com o banco e que nunca viu um cêntimo resultante do negócio da «compra e venda» do imóvel. Referiu que nunca teve a perceção que era uma «compra e venda», pois as conversas com o banco seria na perspetiva da «dação», e que, por isso, foi falar com o banco para fazer a retificação da escritura para fazer o combinado.
Já a 1.ª testemunha ,F..... , jurista, referiu que trabalha na firma “P..... SR, LDA.” desde 1998, na parte de recursos humanos e que acompanhou todo o processo de negociação da operação, recolhendo toda a documentação necessária para pagar a dívida ao Banco. Relatou que, à data dos factos, a empresa não conseguia cumprir as suas obrigações e que o Sr. J… informou que o que conseguiu com o banco foi o pagamento através da entrega do imóvel de Tróia. Referiu que “achava” que o negócio que ia ser firmado era uma «dação» e não uma «compra e venda». Afirmou que a ideia era celebrar um contrato de locação financeira do imóvel para o Sr. J…. não ficar despojado da utilização do imóvel e que a perspetiva era poder prosseguir uma 2.ª atividade de alojamento local.
A 2.ª testemunha, P…., que à data dos factos era gerente da agência do Banco … de Setúbal, afirmou que acompanhou o negócio mas não foi ele que o realizou. Descreveu, de forma assertiva e detalhada, a operação realizada, o seu objetivo e o destino dos montantes transacionados. Referiu que, perante a dívida existente, foi negociado o reforço da garantia que era o leasing imobiliário, o que pressupunha a venda do imóvel, pois, por este estar hipotecado, não era possível a «dação». Afirmou que não sabia se o Impugnante havia ou não sido informado, previamente à outorga da escritura, de que a operação passaria pela «compra e venda» do imóvel.
Por fim, a 3.ª testemunha, B…., que à data dos factos era assistente de gerência da agência do Banco …. Setúbal, afirmou que tinha conhecimento do negócio por ter acompanhado parte do processo a nível administrativo, mas que não esteve presente em nenhuma reunião. Referiu que, após a realização do negócio, o Sr. J..... foi à agência reclamar que não queria a solução de negócio realizada, porque teria de pagar impostos.
Relativamente aos factos considerados como não provados sob os n.ºs 1), 3) e 4), não resultou da prova documental, das declarações de parte ou da prova testemunhal produzida que o Impugnante não tinha intenção de outorgar a escritura de «compra e venda», muito menos que foi forçado a fazê-lo ou que o Banco aceitou a «dação» mas que o ludibriou no sentido da transmissão do imóvel sobre a roupagem de «compra e venda». Afirmar que estava a ser pressionado para pagar as dívidas e que tinha a perceção que seria uma «dação» e não uma «compra e venda», manifestamente, não se afigura suficiente para afastar a realidade fáctica constante de um documento autêntico.
A documentação apresentada nos autos, quanto à troca/envio de correspondência é já posterior à realização do negócio, sendo que o ora Impugnante não logrou concretizar, de forma suficientemente clara, assertiva e congruente, qual a natureza da operação que previamente foi negociada com o Banco …., considerando sobretudo que o imóvel era da sua propriedade e não da sociedade e, ainda, a pretensão de celebração do contrato de locação financeira [que não foi posto em causa nestes autos] sobre um imóvel que estaria hipotecado, não explicando de que forma é que a negociação preliminar da operação se encontrava espelhada nas diversas hipóteses contidas nas missivas remetidas posteriormente ao Banco [cfr. alíneas H) e K) do probatório]. A 2.ª testemunha referiu que, antes da preparação da escritura, nunca falou pessoal ou verbalmente com o banco e que foi o Sr. J…. que lhe disse que a única solução era «entregar» a moradia, afirmação que se reputa inócua, pois, per se, não revela quais as condições da operação que foram acordadas previamente à escritura.
Os factos descritos sob os n.ºs 2) e 5) também não ficaram provados, pois, por um lado, a quantia de € 372.106,92 foi paga através de cheque emitido pelo “BANCO P…., S.A.” em nome do “BANCO…, S.A.”, e, por outro lado, nada foi referido pelo Sr. J..... ou pelas testemunhas sobre a existência e/ou exibição de um dossier formado ao longo do tempo.
Quanto à restante matéria alegada na p.i. (vide art.ºs 7.º, 2.ª parte, 17.º, 18.º, 20.º, 26.º, 54.º e 55.º), verifica-se que a mesma se reconduz a meras afirmações de direito e/ou juízos conclusivos, o que impede desde logo que os mesmos sejam levados para o elenco dos factos.»
X

2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença proferida a fls. 151/182, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida por J… contra o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa da liquidação oficiosa de IRS, n.º 201457…., com referência ao ano de 2010, no montante de €186.920,20.
2.2.2. Para julgar improcedente a presente impugnação, a sentença estruturou, em síntese, a seguinte argumentação:
«Visto o direito, atentemos agora na factualidade apurada nos autos:
i) A sociedade “P..... SR, LDA.”, de que o Impugnante e sua mulher são únicos sócios e avalistas, desenvolve a atividade de concessão de empréstimos garantidos por penhores, sendo o Impugnante empresário há mais de 20 anos, com conhecimentos na área de atuação da sociedade.
ii) Perante a situação de incumprimento em que se encontravam os contratos de abertura de crédito titulados pela referida sociedade “P..... ”, em 24.02.2010, foi realizada uma operação financeira entre o Impugnante e o “BANCO P…., S.A.” de reforço de garantia de crédito, concretizada da seguinte forma:
- Outorga de escritura pública de “COMPRA E VENDA” onde ficou a constar que o ora Impugnante, e sua mulher, C....., venderam ao “BANCO P…., S.A.”, pelo preço de € 851.900,00, livre de ónus e encargos o prédio urbano, sito em Tróia, Lote n.°…, freguesia de…., concelho de Grândola, inscrito na matriz sob o artigo 1…;
- Celebração do contrato de «locação financeira imobiliária» assinado pelo “BANCO…., S.A.”, na qualidade de Locador, a sociedade “P..... SR, LDA.”, na qualidade de Locatária, o ora Impugnante, e sua mulher, na qualidade de Avalistas, sobre o referido prédio urbano, pelo
valor de € 909.829,00, nos termos do qual, no termo do contrato existia uma promessa de venda do bem à Locatária pelo preço de € 181.050,00;
- O “BANCO…., S.A.” emitiu o cheque no valor de € 372.106,92, à ordem do “BANCO…., S.A.”, como contrapartida pela renúncia sobre a hipoteca constituída, em 05.07.2006, pelo Impugnante e a sua mulher, em seu nome pessoal, sobre o referido imóvel a favor do referido “BANCO…., S.A.”, com vista à obtenção de um empréstimo no montante de € 1.700.000,00, acordado por si e ainda como gerentes da sociedade da “P..... SR, LDA.”.
iii) Em 27.05.2011 o ora Impugnante remeteu ao “BANCO…., S.A.” um e-mail no âmbito do qual solicitava a retificação da escritura de compra e venda, cujo valor de venda é de € 851.900,00 “valor este que por lapso deveria ser de 80 000 € ou até doado à firma P..... para que esta, junto do Banco Popular, pudesse negociar as responsabilidades que tinha com o mesmo da melhor forma, o que veio a acontecer com a concordância dos seu sócios (que são os mesmos)”, pedido que assentou na ideia de que “o sócio J..... não recebeu qualquer verba como ainda agora por via do seu IRS terá de pagar a taxa elevadíssima de um valor que não passou pela sua mão, não recebeu nem por cheque nem em nenhuma das suas contas”.
iv) Em 31.05.2011, o ora Impugnante e a sua mulher apresentaram, via Internet, a declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2010, a qual deu origem à liquidação n.° 2011 50…, apurando-se imposto a pagar no montante de € 1.604,78.
v) Em 03.06.2011, o “BANCO….., S.A.” remeteu ao Impugnante um e-mail no âmbito do qual afirmou que “conforme já transmitido verbalmente, e pelas razões que precederam à negociação anterior à aquisição do imóvel pelo Banco ….que vieram a definir o valor de aquisição e bem assim, as condições actuais da operação de leasing em curso na Empresa P..... de que V. Exa. é sócio, vimos confirmar que não nos é possível acomodar o V. pedido”.
vi) Em 03.11.2011, o Impugnante enviou à Dra. A…, do Departamento de Negociação e Recuperação do “BANCO…., S.A.” uma missiva através da qual afirmou que pretende a retificação da escritura de «compra e venda», seguindo-se uma destas hipóteses:
- Retificação da escritura efetuada - o bem imóvel será vendido pelos P..... ao Banco Popular//que seguidamente celebram com a mesma um contrato de leasing - lease back (que no fundo é uma operação de crédito a médio/longo prazo).
- Retificação da escritura efectuada - o bem imóvel será vendido pelos P..... ao Banco …. //seguidamente celebram um contrato de empréstimo com hipoteca.
- Retificação da escritura efectuada - mas existe primeiro uma transação entre os P..... e a Sr. J..... //aproveitamento do contrato de leasing efetuado entre o Banco e P..... .
vii) Nessa mesma data o Impugnante remeteu uma outra missiva ao “BANCO …, S.A.”, nos termos da qual referiu que “para concretização do contrato supra identificado [teve conhecimento] ter procedido à venda do imóvel sua propriedade e de não ter entregue à sua empresa P..... o mesmo imóvel que depois dele disporia conforme necessitasse ou melhor entendesse” e que “Tendo tido consciência deste facto há pouco tempo já expôs esta situação junto de colaboradores de V. Exas. que não deram solução ao problema”
viii) Em 15.04.2014, na sequência de procedimento de controlo efetuado decorrente da comunicação, através da declaração modelo 11, da escritura pública de compra e venda outorgada em 24.02.2010, foi emitida pela AT “DECLARAÇÃO OFICIOSA/DC” nela se fazendo constar o Anexo G, a fim de declarar as mais-valias obtidas pelo sujeito passivo no ano de 2010, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, da qual resultou a liquidação n.º 2014 50…., apurando-se imposto a pagar no montante de € 186.920,52.
ix) Em 11.12.2014, o ora Impugnante dirigiu ao Senhor Ministro das Finanças e da Administração Pública um pedido de revisão excecional da matéria tributável apurada em sede de IRS, do ano de 2010, com fundamento em injustiça grave ou notória, dando origem a um processo de revisão oficiosa.
x) Em 10.07.2015, o ora impugnante apresentou, junto o Serviço de Finanças de Setúbal 2, a presente impugnação judicial e, nessa decorrência, em 30.07.2015 o processo de revisão oficiosa foi extinto por apensação ao processo de impugnação judicial.

Ora, todo este circunstancialismo fáctico, devidamente concatenado e ainda apreciado à luz daquelas que são as regras da experiência, mostra-nos que o Impugnante não logrou nestes autos colocar em crise a natureza do negócio realizado com o “BANCO…., S.A.” de «compra e venda» do prédio urbano, sito em Tróia, Lote n.°…, freguesia de…., inscrito na matriz sob o artigo 1….
De facto, não resultou quer da prova documental, quer das declarações de parte, quer ainda da prova testemunhal produzida, que o Impugnante não tinha [pelo menos até ao momento da sua assinatura, aqui incluído] a intenção de outorgar a escritura de «compra e venda», ou que foi forçado a fazê-lo ou até que o Banco aceitou a forma jurídica de «dação em pagamento» mas que o “ludibriou” no sentido da transmissão do imóvel sobre a roupagem de «compra e venda» [cfr. factos não provados n.ºs 1), 3) e 4)].
Aliás, como é bom de ver, o Impugnante e a sua mulher, assinaram a respetiva escritura de «compra de venda» do imóvel em apreço, e o certo é que o ora Impugnante não logrou concretizar e explicar ao Tribunal, de forma suficientemente clara, assertiva e congruente, os contornos específicos, as contrapartidas, os valores envolvidos, e, bem assim, a natureza de toda a operação que, previamente, foi negociada com o “BANCO…, S.A.”, com vista a assegurar o reforço da garantia de crédito, escudando-se na vaga afirmação que o que queria era «entregar» o imóvel para resolver a situação de incumprimento, o que se afigura insuficiente ou até inócuo para demonstrar que o negócio previamente acordado entre as partes seria uma «dação em pagamento».
Explicitação que, aliás, se impunha in casu de forma acrescida, considerando a existência de um documento autêntico a comprovar a realização do negócio de «compra e venda» e a complexidade de toda a operação em que o mesmo assenta. Só desta forma seria, eventualmente, possível considerar uma realidade fáctica diferente da que deriva do conteúdo do negócio de «compra e venda» efetuado - que, como não foi declarado nulo ou anulado por decisão judicial produz, por isso, os seus efeitos - na determinação/correção da matéria coletável [cfr. artigo 39.º, n.º 2 da LGT, na redação vigente à data dos factos].
Considerando os valores/contrapartidas envolvidos, que o imóvel era da propriedade do Impugnante [e não da “P..... ”], que sobre o mesmo incidia já uma hipoteca por ele constituída em 2006 junto de um outro banco, e que a operação financeira em apreço se revelou complexa, pois o negócio envolveu ainda a celebração de um contrato de «locação de financeira imobiliária» para evitar que o Impugnante ficasse privado da sua utilização, com a promessa de venda do imóvel à “P..... ” pelo preço de € 181.050,00, e, ainda, foi efetuado um pagamento ao “BANCO…., S.A.” no valor de € 372.106,92, como contrapartida pela renúncia sobre a hipoteca, não se vê como se pode inferir, com base nos elementos carreados para os autos, que o negócio jurídico acordado preliminarmente, destinado a assegurar o reforço de crédito, possa, sem mais, ser reconduzido à «dação em pagamento».
Sendo que esta parte do negócio - i.e. a celebração de um contrato de locação de financeira imobiliária e condições acordadas e o pagamento ao “BANCO…., S.A.” do valor de € 372.106,92, como contrapartida pela renúncia sobre a hipoteca já constituída - se bem se percebe a alegação constante da p.i., não foi posta em crise pelo Impugnante.
De todo o modo, saliente-se que, caso o contrato de transmissão do imóvel configurasse um contrato de «dação em pagamento», ainda assim, a tese avançada pelo Impugnante para sustentar a alegada inexistência de facto tributário sujeito a mais-valia não podia ser acolhida, pois o tratamento jurídico a conferir a este tipo de contrato, para este efeito - sujeição a tributação na categoria de mais-valia - é o mesmo.
É que a «dação em pagamento» consiste na realização de uma prestação diferente da que é devida, com o fim de, mediante acordo do credor, extinguir imediatamente a obrigação (cfr. artigo 837.º do CC) (…) Ou seja, a «dação em pagamento» tem natureza contratual: o devedor e o credor acordam em fazer extinguir o crédito deste através de uma prestação diferente da devida.
Tem assim como efeito a extinção da obrigação, mediante a realização, com o acordo do credor, de uma prestação diferente da devida; “envolve, de forma simultânea e recíproca, um efeito transmissivo de um bem para o património do credor e o efeito extintivo de um crédito de que este era titular no confronto com o devedor” [Ac. do STJ, de 07-10-2014, proferido no processo n.º 1393/11.0TBPMS-C.C1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt].
Ou seja, a «dação em pagamento» configura uma alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, na aceção do artigo 10.º n.º 1 alínea a) do Código do IRS.
E assim sendo, como é, não sofre dúvidas que a «dação em pagamento» constitui um negócio oneroso consubstanciado, neste caso [na hipótese defendida pelo Impugnante que estamos aqui a considerar para afastar eventuais dúvidas quanto à abrangência da norma de incidência estatuída no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS] na transmissão pelo Impugnante do direito real de propriedade de que era titular sobre o prédio em causa, a favor do “BANCO…., S.A.” tendo o Impugnante, como contrapartida, obtido, entre o mais [atenta a complexidade do negócio acima evidenciada], a extinção de um crédito da sociedade “P..... ”, de que era sócio-gerente e avalista e o pagamento destinado à renúncia da hipoteca por si constituída sobre o referido imóvel, acordando na celebração de um contrato de «locação financeira imobiliária», com a possibilidade da sua utilização, e de, chegado o seu termo, a compra de tal imóvel pela sociedade “P..... ”.
(…)
Assim, na senda do aresto que temos vindo a acompanhar, estamos na presença de um rendimento que integra o conceito de rendimento tributário previsto no CIRS, que adota a concepção de rendimento-acréscimo, de acordo com a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte – a manifestação de capacidade contributiva – onde se incluem as mais-valias.
Aliás, nem podia ser de outra forma: na verdade, como é evidenciado no mencionado Acórdão do STA, “caso o Recorrente tivesse vendido os prédios e utilizado o produto da venda para pagar dívidas de terceiros por certo ninguém questionaria a sujeição a IRS da mais-valia obtida com a alienação; porque haveria de ser de outro modo quando a alienação se faz mediante dação em pagamento?”
Em face do que ficou dito é manifesto que a «dação em pagamento» configura uma alienação onerosa do direito real de propriedade, a qual se encontra sujeita a tributação em sede de IRS, na categoria de mais-valias, nos termos do artigo 10.º n.º 1 alínea a) do CIRS».

2.2.3. O recorrente assaca à sentença em crise erro de julgamento da matéria de facto e erro na apreciação da matéria de facto.
No que respeita ao erro de julgamento da matéria de facto, o recorrente considera incorrectamente julgados os factos das alíneas H), K), M) BB) e CC) e DD), bem como a matéria de facto não provada (i).
No que respeita ao erro na apreciação da matéria de facto, o recorrente considera que da matéria de facto assente não se extrai a outorga de contrato de compra e venda de imóvel, com obtenção de mais-valias, mas antes a existência de uma dação em pagamento, a qual implica a desoneração do recorrente e mulher da sujeição a tributação de mais-valias em IRS, dado que não obteve qualquer ganho (ii).
Invoca erro na apreciação da matéria de facto, porquanto na valoração da mesma foi descurada a sua vontade real subjacente ao negócio jurídico celebrado, a qual nunca foi a de obter rendimento através da outorga do mesmo, mas antes efectuar a gestão do património imobiliário, o que acarreta a não sujeição às regras de incidência da categoria G, IRS (iii).
Vejamos cada um dos fundamentos de recurso, de per si.
2.2.4. No que respeita ao alegado erro de julgamento da matéria de facto (fundamento de recurso referido em i), o recorrente pretende impugnar a matéria de facto assente, quer no respeita às alíneas H), K), M), BB), CC) e DD), quer no que respeita à matéria de facto não provada.
No que respeita à impugnação da matéria de facto assente supra referida, tendo em conta o corpo das alegações, o recorrente parece configurar um erro na apreciação crítica da prova, dado que a operação em causa seria uma dação em pagamento, sem carácter oneroso, sustenta.
Sem embargo, cumpre referir que a matéria de facto assente foi fixada com base nos elementos indicados nas alíneas do probatório e com base nos elementos elencados na fundamentação da mesma, sem que se detecte qualquer erro na sua fixação. Mais se refere que o recorrente não cumpre manifestamente o ónus de impugnação especificada da matéria de facto (artigo 640.º do CPC).
No que respeita à impugnação da matéria de facto não provada, compulsadas as alegações de recurso, impõe-se concluir que o ónus de impugnação especificada da matéria de facto (artigo 640.º do CPC) não foi observado, dado que não são indicados os elementos probatórios concretos que permitiriam reverter a decisão da matéria de facto, bem como não vêm indicadas as concretas asserções de facto que deverão substituir as alíneas em causa.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.
2.2.5. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii), o recorrente contesta a sujeição a tributação em sede de categoria G de IRS dos ganhos em apreço. Alega, em síntese, que o negócio em causa consistiu numa dação em pagamento, pelo que não existem quaisquer ganhos passíveis de tributação.
Por seu turno, a sentença considerou, em síntese, o seguinte:
«De todo o modo, saliente-se que, caso o contrato de transmissão do imóvel configurasse um contrato de «dação em pagamento», ainda assim, a tese avançada pelo Impugnante para sustentar a alegada inexistência de facto tributário sujeito a mais-valia não podia ser acolhida, pois o tratamento jurídico a conferir a este tipo de contrato, para este efeito - sujeição a tributação na categoria de mais-valia - é o mesmo».
Antes de entrarmos na apreciação do presente fundamento do recurso, impõe-se proceder ao enquadramento jurídico da questão objecto do litígio.
Está em causa a liquidação oficiosa de IRS, em função da tributação considerada devida dos ganhos obtidos com a celebração por parte do recorrente dos negócios jurídicos identificados nas alíneas a) a g), do probatório. A tributação foi considerada devida por se entender que existem ganhos na esfera jurídica do recorrente, correspondentes à diferença entre o valor de aquisição do imóvel objecto negócio e o valor do mesmo à data da sua disposição.
O artigo 10.º, n.º1, do CIRS, estatui o seguinte:
«Consideram-se mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: // a) Alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis (…)».
Determina o artigo 44.º, n.º 1, alínea f), do CIRS, o seguinte:
«Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização: // Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação».
«As mais-valias que integram a categoria G podem ser definidas como ganhos ou rendimentos de carácter ocasional ou fortuito, e que não decorrem de uma actividade do sujeito passivo especificamente destinada à sua obtenção, mas relativamente aos quais o princípio da capacidade contributiva determina a sujeição a imposto. Desta forma, constituem mais-valias (categoria G) os ganhos decorrentes de actos, contratos ou operações que não se integrem numa actividade empresarial ou profissional desenvolvida pelo sujeito passivo.
As mais-valias previstas no artigo 10.º, n.º 1, do CIRS, correspondem, em suma, essencialmente a actos de gestão patrimonial privada levados a cabo pelo sujeito passivo, com um carácter ocasional ou fortuito, não enquadráveis numa actividade empresarial ou profissional»(1).
Por outro lado, recorde-se que «[a] prestação de coisa diversa da que for devida, embora de valor superior, só exonera o devedor se o credor der o seu assentimento» - artigo 837.º do CC. «Diz-se dação em cumprimento (“datio in solutum”) a realização pelo devedor, em pagamento da sua obrigação, de prestação diversa da devida, com o acordo do credor»(2).
No que respeita ao tratamento fiscal em IRS, da dação em pagamento de imóvel, constitui
jurisprudência firme a seguinte:
i) «A dação em cumprimento de um prédio urbano, enquanto causa da extinção das obrigações (artigo 837.º do CC), define-se como uma alienação onerosa do direito real de propriedade sobre bem imóvel para efeito do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS.
Daí podendo resultar para o contribuinte um efectivo ganho passível de tributação em sede de mais valias no caso de ocorrer uma diferença positiva entre o valor pelo qual o imóvel saiu por esse acto de disposição do património do contribuinte e o valor pelo qual entrou nesse património»(3) .
ii) «O ganho correspondente à diferença positiva entre o valor pelo qual um imóvel foi transmitido ao credor mediante dação em pagamento e o valor da sua aquisição, corrigido e acrescido nos termos legais, constitui mais-valia sujeita a tributação nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS, pois essa dação, constituindo uma «alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis», é subsumível à previsão desta norma de incidência.
Para o efeito, é irrelevante que a dação tenha sido efectuada para pagamento de dívidas de terceiro, pois o que importa é o valor por que o bem foi alienado, uma vez que o ganho tributado é o que decorre da diferença entre os valores de aquisição e de realização, ou seja, entre o valor por que o bem ingressou no património do sujeito passivo e o valor por que dele saiu»(4).

Do probatório resultam os elementos seguintes:
a) A sociedade “P..... SOCIEDADE SR, LDA.”, de que o Impugnante e sua mulher são únicos sócios e avalistas, desenvolve a atividade de concessão de empréstimos garantidos por penhores, sendo o Impugnante empresário há mais de 20 anos, com conhecimentos na área de atuação da sociedade (alíneas Y) a AA), da matéria de facto assente).
b) Em 24.02.2010, foi outorgada escritura pública de “COMPRA E VENDA” onde ficou a constar que o ora recorrente, e sua mulher, C....., venderam ao “BANCO…, S.A.”, pelo preço de € 851.900,00, livre de ónus e encargos, o prédio urbano, sito em Tróia, Lote n…., freguesia de…., concelho de Grândola, inscrito na matriz sob o artigo 1…. (Alínea E), da matéria de facto assente).
c) Em 24.02.2010, foi outorgado contrato de «locação financeira imobiliária» assinado pelo “BANCO…., S.A.”, na qualidade de Locador, a sociedade “P..... SR, LDA.”, na qualidade de Locatária, o ora recorrente, e sua mulher, na qualidade de Avalistas, sobre o referido prédio urbano, pelo valor de € 909.829,00, nos termos do qual, no termo do contrato existia uma promessa de venda do bem à Locatária pelo preço de € 181.050,00 (alínea G), da matéria de facto assente).
d) Os negócios referidos na alínea anterior tinham como objectivo resolver a situação de incumprimento em que se encontravam os contratos de abertura de crédito titulados pela sociedade “P..... SR, LDA.”, para permitir a continuidade da sua actividade, destinando-se à liquidação das obrigações vencidas, da hipoteca que incidia sobre o imóvel transaccionado, e, o remanescente, ao pagamento dos respectivos impostos – (alínea BB), da matéria de facto assente).
e) Em 31.05.2011, o ora Impugnante e a sua mulher apresentaram, via Internet, a declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2010, a qual deu origem à liquidação n.º 2011 50…., apurando-se imposto a pagar no montante de € 1.604,78 (alínea I), da matéria de facto assente).
f) Da declaração oficiosa subjacente à liquidação impugnada consta o seguinte (alínea N):
(“texto integral no original; imagem”)
Recorde-se que o recorrente censura o enquadramento em sede de tributação de rendimentos de categoria G, mais-valias, efectuada pela liquidação adicional contestada da operação seguinte:
1) Alienação do imóvel, propriedade do recorrente, ao Banco P…., pelo preço de €851.900,00, como contrapartida pelo pagamento (no valor de €372.106,92) da renúncia, pelo B….., à hipoteca sobre o imóvel, dado como garantia do empréstimo concedido à empresa “P..... , SR, Lda.”, de que o recorrente e mulher são os únicos sócios, no montante de €1.700,000,00.
2) Celebração do contrato de «locação financeira imobiliária» assinado pelo “BANCO…, S.A.”, na qualidade de Locador, a sociedade “P..... SR, LDA.”, na qualidade de Locatária, o ora recorrente, e sua mulher, na qualidade de Avalistas, sobre o referido prédio urbano, pelo valor de € 909.829,00, nos termos do qual, no termo do contrato existia uma promessa de venda do bem à Locatária pelo preço de € 181.050,00.
3) Garantia dos empréstimos concedidos à sociedade “P..... SR, Lda.” pelo “BANCO …., S.A.” – (alíneas K), e BB), da matéria de facto assente).
O recorrente questiona a existência de ganho, associado à operação negocial em causa, incorporado na sua esfera jurídica, dado que apenas realizou uma dação em pagamento e não um negócio de compra e venda sobre o imóvel em apreço.
A este propósito, cumpre reiterar que «[o] ganho correspondente à diferença positiva entre o valor pelo qual um imóvel foi transmitido ao credor mediante dação em pagamento e o valor da sua aquisição, corrigido e acrescido nos termos legais, constitui mais-valia sujeita a tributação nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS, pois essa dação, constituindo uma «alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis», é subsumível à previsão desta norma de incidência».
No caso em exame, o bem imóvel adquirido em 1996, pelo valor de €49.879,79, foi avaliado pelas partes, na operação negocial em causa pelo valor de €851.900,00. Através da entrega do imóvel, o recorrente obteve os benefícios seguintes: i) renúncia, pelo B…, à hipoteca sobre o imóvel, dado como garantia do empréstimo concedido à empresa “P..... , SR, Lda.”, de que o recorrente e a mulher são os únicos sócios; ii) locação financeira imobiliária para evitar que o recorrente ficasse privado da utilização do imóvel, com a promessa de venda do mesmo à “P….., SR, Lda.” pelo preço de € 181.050,00; iii) garantia dos empréstimos concedidos à sociedade “P..... , SR, Lda.” pelo “BANCO…., S.A.”. A entrega do imóvel ao “BANCO…, S.A” constitui pressuposto da percepção, por parte do recorrente, dos benefícios em causa.
Independentemente do termo jurídico utilizado para designar a operação negocial em exame e da sua qualificação jurídica (compra e venda ou dação em pagamento), o certo é que a mesma traduziu-se na valorização da esfera jurídica-patrimonial do recorrente, através da incorporação dos acréscimos de valor do imóvel objecto da referida operação negocial. Ou seja, um prédio adquirido pelo valor de €49.879,79 foi avaliado pelas partes, na operação negocial em referência pelo valor de €851.900,00 e com base nessa avaliação, o recorrente obteve da contraparte o pagamento de parte de um empréstimo bancário, obtido junto de terceiro, a locação financeira do imóvel, com promessa de venda do mesmo e a garantia dos empréstimos bancários.
De onde se impõe concluir que estamos em presença de ganhos decorrentes de contratos que não se integrem numa actividade empresarial ou profissional desenvolvida pelo sujeito passivo, mas que correspondem a actos de actos de gestão patrimonial privada.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica, ainda que com a presente fundamentação.
Termos em que julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.6. O segundo esteio de recurso (referido em ii) assenta na asserção de que foi descurada a vontade real do recorrente subjacente ao negócio jurídico celebrado, a qual nunca foi a de obter rendimento através da outorga do mesmo, mas antes efectuar a gestão do património imobiliário, o que acarreta a não sujeição às regras de incidência real da categoria G, IRS, sustenta.
Através do presente fundamento rescisório, o recorrente invoca que, através da operação em causa não pretendeu obter qualquer ganho ou proveito. A sua verdadeira intenção seria a de entregar o imóvel à “P....., SR, Lda.”, para que depois a sociedade negociasse com o Banco. Pelo que existiria no caso um verdadeiro erro-vício, nos termos do artigo 252.º do CC, o qual impediria a produção de efeitos jurídicos do negócio de compra e venda em causa, afirma.
Vejamos.
A tese do recorrente centra-se na ausência do carácter oneroso do negócio de compra e venda e na ausência de qualquer benefício na sua esfera jurídica, associado à outorga do mesmo. Invoca que a sua vontade real não corresponde à obtenção de qualquer benefício económico, mas antes gerir património e saldar dívidas. Vontade que resultaria da troca de comunicações com o Banco…., sua contraparte no negócio jurídico em causa (alíneas H), a M), do probatório).
Sucede porém que a eventual ineficácia ou anulação do negócio jurídico, por meio do qual o recorrente procedeu à entrega do imóvel dos autos ao “BANCO…., S.A”, não tem o efeito de obstar à produção dos efeitos económicos advenientes da operação negocial em causa (artigo 38.º/1, da LGT).
Tais efeitos económicos consistem no seguinte: i) o bem imóvel adquirido em 1996, pelo valor de €49.879,79, foi avaliado pelas partes, na operação negocial em causa pelo valor de €851.900,00; ii) através da entrega do imóvel, o recorrente obteve a renúncia, pelo “B…., SA”, da hipoteca sobre o imóvel, dado como garantia do empréstimo concedido à empresa “P....., SR, Lda.”, de que o recorrente e a mulher são os únicos sócios; iii) através da entrega do imóvel, o recorrente obteve a celebração de locação financeira imobiliária para evitar que ficasse privado da utilização do imóvel, com a promessa de venda do mesmo à “P....., SR, Lda.” pelo preço de € 181.050,00; através da entrega do imóvel, o recorrente obteve a garantia dos empréstimos concedidos à sociedade “P..... , SR, Lda.” pelo “BANCO…., S.A.”.
Os efeitos jurídico-económicos em apreço mostram-se interligados entre si (alínea BB), do probatório), de forma que, mesmo que lograsse demonstrar o erro-vício na formação do contrato de compra e venda, passível de determinar a anulação deste último, sempre se manteria a entrega do imóvel, como pressuposto para a percepção dos benefícios económicos em causa, uns e outros, correspondentes ao resultado, assumidamente, pretendido pelo recorrente, através da presente operação negocial (alínea BB), do probatório). Ou seja, mediante a outorga dos negócios jurídicos em presença, procurou-se resolver a situação de incumprimento em que se encontravam os contratos de abertura de crédito titulados pela sociedade “P..... SR, LDA.”, para permitir a continuidade da sua actividade, destinando-se à liquidação das obrigações vencidas, da hipoteca que incidia sobre o imóvel transaccionado, e, o remanescente, ao pagamento dos respectivos impostos.
Os efeitos económicos em presença consubstanciam ganhos materializados na esfera jurídica do recorrente resultantes de actos de gestão patrimonial, dado que ocorreu a apropriação da diferença positiva entre o valor de aquisição e o valor de disposição do prédio através dos actos de gestão em apreço, nesta medida tributáveis em IRS, categoria G, como foram.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica, ainda que com a presente fundamentação.
Termos em que julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)
(1º. Adjunto)
Lurdes Toscano

(2º. Adjunto)
Catarina Almeida e Sousa


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(1) Paula Rosado Pereira, Manual de IRS, Almedina, 2019, pp. 206/207.
(2) Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, AAFDL, 1975/1976, p. 421.
(3) Acórdão do STA, de 28.04.2010, P. 0119/10.

(4) Acórdão do STA, de 21.09.2016, P. 0852/15