Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1037/10.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/13/2023
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IRC
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I - A alteração pela 2.ª instância da decisão da matéria de facto fixada em primeira instância pressupõe, não só a indicação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, como também, os concretos meios de prova constantes do processo e/ou da gravação dos depoimentos das testemunhas, que imponham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, nos termos dos artigos 640.º e 662.º do CPC.
II - A falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º 1, alíneas a), b) e c) do artigo 640.º do CPC implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada.
III - Só assim não seria se os elementos fornecidos pelo processo impusessem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, de acordo com o previsto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, o que ocorreria se o Tribunal a quo tivesse desrespeitado a força probatória plena de certo documento ou de certo meio de prova
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em 31/12/2021, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “U......, S.A.,”, contra os atos de liquidação de IRC e de juros compensatórios n.º …..352, no montante de € 168.033,16, respeitantes ao exercício de 2005, e contra os actos de liquidação de juros compensatórios n.ºs ......88 e ......89, consubstanciados na nota de compensação n.º ......70 e na demonstração de acerto de contas n.º .......01.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«4.1. Visa o presente recurso reagir contra a Douta decisão que julgou procedente a Impugnação judicial, intentada pela ora recorrida contra as liquidações de IRC e de juros compensatórios n.º .......52, no montante de € 168.033,16, respeitantes ao exercício de 2005, e contra os atos de liquidação de juros compensatórios n.ºs ......88 e ......89, consubstanciados na nota de compensação n.º ......70 e na demonstração de acerto de contas n.º .......01.

4.2. Como fundamentos da impugnação invocou a impugnante, em suma, a ilegalidade das liquidações em questão, decorrente da caducidade do direito à liquidação, a violação de formalidade essencial alegando para tanto não ter sido notificada para se pronunciar previamente à emissão do ato de liquidação propriamente dito, a falta de fundamentação das liquidações impugnadas, bem como afirma a indispensabilidade da perda realizada com a anulação do crédito de suprimentos.

4.3. Conclui peticionando a procedência da impugnação, a anulação dos actos impugnados, mais peticionado a devolução do imposto entretanto paga, acrescido de juros indemnizatórios.

4.4. O Ilustre Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação, anulando as liquidações de IRC impugnadas, bem como as referentes aos juros compensatórios, bem como condenando a Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante do imposto paga pela impugnante, bem como no pagamento das custas processuais da presente impugnação.

Ora,

4.5. A decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice.

Senão vejamos:

4.6. Entendeu o Ilustre Tribunal recorrido, na fundamentação facto da decisão ora em crise, não ter-se provado que, por um lado, que a impugnante tenha sido notificada das liquidações impugnadas anteriormente a 31-12-2009.

Acontece que,

4.7 é entendimento da Fazenda Pública que, à revelia do considerado pelo Ilustre Tribunal a quo, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, a impugnante foi, efectivamente, notificadas das liquidações de IRC, e respectivos juros compensatórios, antes de 31-12-2009. Nomeadamente, pelos factos e pelos motivos descritos na contestação apresentada pela Fazenda Pública nos autos, a impugnante foi notificada das liquidações em questão em 18-12-2009, na pessoa da Sr.ª M........

Pelo que,

4.8. no modesto entendimento da Fazenda Pública, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, o Ilustre Tribunal a quo, ao dar por não provados os factos constantes dos citados pontos 1) e 2) da matéria de facto (não) provada, incorreu em erro no julgamento da matéria de facto.

Pelo exposto,

4.9. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, na parte em que esta determinou a anulação das liquidações impugnadas, com as legais consequências daí decorrentes.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e costumada JUSTIÇA!»

3. A Recorrida, U......, S.A., apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

«A) Veio a Fazenda Pública interpor recurso da Sentença proferida pelo TTL que:

a. julgou a impugnação judicial deduzida quanto às liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios de 2005 totalmente procedente;

b. determinou a anulação dos atos tributários sob discussão e condenou a AT no pagamento de juros indemnizatórios à Recorrida por existência de erro imputável aos serviços;

c. reconheceu, para isso, que a Recorrida não foi notificada dos atos tributários sob discussão dentro do prazo de caducidade de quatro anos estabelecido pelo artigo 45.º da LGT.

B) A Fazenda Pública recorre da Sentença recorrida com base nos seguintes fundamentos:

a. diversamente do que entendeu o Tribunal a quo, a Recorrida foi, efetivamente, notificadas das liquidações de IRC, e respetivos juros compensatórios, antes de 31.12.2009;

b. pelos factos e pelos motivos descritos na contestação apresentada pela Fazenda Pública nos autos (muito embora não se concretize quais os factos nem os motivos), a Recorrida terá sido notificada das liquidações em questão em 18.12.2009, na pessoa da Sr.ª M.......;

c. o Tribunal a quo, ao dar por não provados os factos constantes dos citados pontos 1) e 2) da matéria de facto (não) provada [“que a Impugnante tenha sido notificada para se pronunciar sobre o projeto do relatório final da ação inspetiva”; e “que a Impugnante tenha recebido notificação ou tenha tomado conhecimento das liquidações (…) anteriormente a 31/12/2009], incorreu em erro no julgamento da matéria de facto;

d. deve ser revogada a decisão ora recorrida, na parte em que esta determinou a anulação das liquidações impugnadas, com as legais consequências daí decorrentes.

C) A Recorrente incumpriu o ónus de impugnação da matéria de facto previsto no artigo 640.º do CPC aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT, abstendo-se de indicar quais os meios probatórios com base nos quais os factos constantes dos citados pontos 1) e 2) da matéria de facto (não) provada deveriam ser dados como provados;

D) O recurso deve, em resultado do incumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto, ser liminarmente rejeitado;

E) Ainda que assim não se entenda, o que não se concede, bem andou o Tribunal a quo ao decidir que os atos tributários sob discussão não foram notificados dentro do prazo de caducidade de quatro anos previsto no artigo 45.º da LGT porquanto:

a. nos termos do artigo 41.º do CPPT, as pessoas coletivas e sociedades podem ser citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem;

b. a Exma. Sr.ª M......., a quem foi dirigida uma notificação dos atos em causa em 2009, tinha renunciado ao cargo de administradora em 2005, sendo por isso um terceiro relativamente à Recorrida;

c. não sendo Exma. Sr.ª M....... administradora nem representante legal da Recorrida, esta não se pode considerar notificada;

d. em todo o caso, ao abrigo do princípio previsto no artigo 268.º do CC, era sobre a AT que competia o ónus de confirmar se a Exma. Sr.ª M....... detinha ou não poderes de representação da Recorrida;

e. a Recorrida mudara a sua sede para o Luxemburgo em 2005, facto que era do conhecimento da AT, que ainda assim insistiu em considerar que a notificação feita na pessoa da Exma. Sr.ª M....... permitia considerar notificada a Recorrida;

F) Em suma:

a. concluiu bem o Tribunal a quo no sentido da ausência da notificação da Recorrida, por não poder a notificação desta considerar-se efetuada em resultado da notificação realizada na pessoa de uma antiga administradora;

b. a AT tinha conhecimento da mudança de sede da Recorrida para o Luxemburgo, pelo que ao invés de insistir na notificação de um terceiro, deveria ter realizado as diligências necessárias para notificar a Recorrida na sua nova sede;

G) Em suma, a notificação dos atos tributários em discussão não ocorreu dentro do prazo de caducidade de quatro anos previsto no artigo 45.º da LGT, pelo que deve a Sentença recorrida manter-se, com as demais consequências legais.

TERMOS EM QUE, EM FACE DA FUNDAMENTAÇÃO EXPOSTA E PORQUE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA BEM DECIDIU, DEVE ESTA SER MANTIDA NA ORDEM JURÍDICA E, POR CONSEGUINTE, NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO APRESENTADO PELA FAZENDA PÚBLICA, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.»

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador–Geral Adjunto, foi apresentado parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


*

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto quantos aos factos dados como não provados.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

«A) A sociedade C....... deteve uma participação superior a 10% no capital social da sociedade S....... e efetuou suprimentos nesta sociedade – factos não controvertidos.

B) A sociedade S......., foi titular, até 19/11/2004, de 102.088.705 ações representativas do capital social do “Banco S.......” (“B.......”) – facto não controvertido.

C) Em 19/11/2004, a sociedade S......., na qualidade de Primeira Contraente, e a sociedade C......., na qualidade de Segunda Contraente, celebraram o “Contrato de Compra e Venda”, nos termos do qual se estipulou o seguinte: “Primeira – A Primeira Contraente vende e a Segunda Contraente compra (…) 102.088,75 (…) acções representativas do capital social e dos direitos de voto da sociedade (…) (B.......). Segunda – As acções são vendidas pelo preço global de 980.051.568 (…) acordando os Contraentes que o pagamento será feito por compensação de créditos de suprimentos de igual montante actualmente detidos pela Segunda Contraente sobre a Primeira Contraente. (…).» - cf. documento de fls. 309 a 311 dos autos (numeração do processo físico).

D) Em 15/12/2004, foi elaborado o “Projecto de Cisão da C....... – , S.A.” com o seguinte teor: “5.15. À sociedade a constituir sob a denominação social U......, S.A., serão atribuídos: os seguintes ativos: (…) 1 ação representativa do capital social da S......., com custo de aquisição de 1.000 euros e respetiva provisão de 1.000 euros; (…) um crédito de suprimentos sobre a sociedade S....... no valor de 3.152.080,90 euros e respetiva provisão de 3.149.678,64 euros; (…)” - cf. documento de fls. 109 a 132 dos autos (numeração do processo físico).

E) Em 28/12/2004, foi outorgada escritura pública de «Cisão de Sociedade, Dissolução e Constituição de Novas Sociedades» com o seguinte teor:

“(…) compareceu como outorgante: Ca....... (…) S........ (…) o qual outorga na qualidade de administrador e em representação da sociedade anónima sob a firma C....... , S.A. (…). Pelo outorgante foi dito: Que a administração da sociedade elaborou um projecto de cisão na modalidade de cisão, prevista na alínea b), número 1 do artigo 118º do Código das Sociedades Comerciais, mediante o destaque de todo o seu património, para com ele constituir treze novas sociedades, com a respectiva dissolução da sociedade cindida. (…). Que, assim, em execução do deliberado, procedem à criação de treze novas sociedades e à dissolução da sociedade cindida. Que as novas sociedades resultantes da cisão são as seguintes: (…); sociedade anónima que adopta a firma U......, S.A., com sede em Lisboa (…) cujo objeto é a gestão de participações sociais noutras sociedades (…) Que, a operada cisão produz efeitos contabilísticos, a partir de hoje.” - cf. documento de fls. 90 a 101 dos autos (numeração do processo físico).

F) Em 07/12/2005 a sociedade S....... apresentava um ativo de zero e um passivo no valor de € 106.994.635,39 – cf. documento a fls. 316 dos autos (numeração do processo físico).

G) Aquando da constituição da Impugnante, M....... era Presidente do respetivo Conselho de Administração e, em 07/12/2005, renunciou ao cargo, tendo esta cessação de funções sido registada em 29/12/2005 – cf. documento a fls. 465 do PAT.

H) Em 22/12/2005, reuniu a assembleia geral extraordinária da sociedade S......., na qual a Impugnante participou por ser acionista, tendo sido deliberado o seguinte: «O representante da sócia detentora da maior fracção de capital, apresentou a seguinte proposta: “Considerando que a sociedade não se encontra neste momento em actividade nem se prevendo que venha a retomá-la e que a mesma não tem activo, nem recursos para liquidar o passivo para com os accionistas, proponho a sua dissolução e liquidação, nos termos do artigo centro e quarenta e um, número um, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais”. (…) foi colocada à votação a proposta apresentada (…) a qual foi aprovada por unanimidade.» - cf. documento de fls. 320 a 322 dos autos (numeração do processo físico).

I) Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI200905969, a Impugnante foi alvo de ação inspetiva interna, com referência ao exercício de 2005, com vista à análise da sua situação tributária em sede de IRC, tendo sido efetuadas correções aritméticas no montante de € 3.138.696,02, que os serviços consideraram como custo fiscalmente não aceitável e que, por essa razão, teria de ser acrescido ao Campo 225 do Quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22 do exercício de 2005, extraindo-se do respetivo relatório de inspeção tributária (“RIT”) o seguinte teor:

Da análise aos ativos recebidas pela U…. S.A. destaca-se um crédito de suprimentos no montante de € 3.152.080,90, sobre a sociedade S....... e respetiva provisão no montante de € 3.149.478,64.
No entanto, o valor do crédito (…) foi considerado custo no exercício de 2005, pelo valor de € 3.138.696,02, tendo sido debitada a conta 69882 – Outros custos e perdas extraordinárias – Outros não especificados – Liquidação S….. SA em contrapartida da conta 254101 – Accionistas – Empréstimos – S....... SA pelo valor de € 3.137.696,02 e da conta 411301.1 – Investimentos Financeiros – Partes de Capital – Outras empresas – S....... – Valor Aquisição pelo valor de € 1.000,00.
Quanto ao montante da provisão associada a este crédito, a mesma foi anulada por contrapartida das contas 298401 – Provisões (…) a débito, e da 782 – Ganhos em Empresas Grupo (…), a crédito, no montante de € 3.149.025,89 (…)
O valor da provisão (…) foi deduzido ao campo 235 do quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC.
(…)
Na data da cisão da C....... , SA, esta detinha um crédito de suprimentos na S......., no valor de € 107.501.103,74. Na sequência da partilha da C....... , SA, a U...... , SA ficou com um crédito de € 3.152.080,90, sobre a S....... (…)
Da análise à declaração anual de informação contabilística e fiscal constante do sistema informático da DGCI verificou-se que foi contabilizado na conta 69 - Custo e Perdas Extraordinárias no montante de € 3.274.724,15. Para verificar a proveniência destes custos e comprovar a indispensabilidade dos custos para a obtenção dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, foi notificado o sujeito passivo, através do ofício n° 066932 de 07/08/2009 (ver anexo IV, folhas. 2 a 3) para apresentar os seguintes elementos e esclarecimentos relativos ao exercício de 2005:
(…)

A notificação referida veio devolvida pelos CTT, assim, foi remetida uma segunda notificação, através do ofício n.° 072032, de 21/08/2009 (ver anexo IV, folhas 4 e 5), que também veio devolvida pelos CTT, com a indicação de “não atendeu”. Pelo que foi remetida pelo ofício n.° 079462, de 17/09/2009 (ver anexo IV, folhas 6 e 7), a mesma notificação para o domicílio fiscal da Presidente da empresa, a Senhora M........
(…)

Na sequência das notificações efetuadas, o sujeito passivo veio em 28/09/2009, referir relativamente aos pontos 1.4, 1.5.1 e 1.5.2 atrás descritos, que (ver anexo V, folhas. 1 a 6): Ponto 1.4) “O montante de € 3.353.530,33 contabilizado na conta 69 - Custos e perdas extraordinárias decompõe-se em diversos custos, entre esses custos encontra-se o montante de € 3.138.696,02, correspondente ao valor da anulação da participação da U...... na sociedade S....... ......., SA (€ 1.000,00) e, ao valor do abate do crédito de suprimentos da U...... sobre a mesma (€ 3.137.696,02), ambos resultantes da liquidação da S........ A perda do referido crédito de suprimentos é efeito legal da extinção da S........ A constituição desse crédito foi considerada indispensável para vir a gerar ganhos sujeitos a imposto, na medida em que contribuindo para a viabilização da atividade da S......., proporcionou a realização de resultados positivos geradores de dividendos, sujeitos a imposto na esfera da U......”.
(…)

O sujeito passivo (ver anexo VI, folhas. 1 a 6), justifica a incobrabilidade do crédito sobre a S....... com o resultado da liquidação desta, uma vez que os ativos recebidos eram inferiores ao passivo, conforme se atesta no balancete da S....... após encerramento.
(…)
No entanto, o sujeito passivo não apresentou quaisquer outros elementos que suportem a tentativa de obter por parte da S....... o reembolso dos suprimentos, nem este crédito resulta de qualquer processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência.
(…)
VIII. DIREITO DE AUDIÇÃO
Para cumprimento do previsto no artigo 60.° da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60.° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), foi o sujeito passivo notificado do projecto de Relatório de Inspecção Tributária, pelo n/ofício n.° 098405 de 16-11-2009 (anexo VII - folha 2/4), e, concedido o prazo legal de 10 (dez) dias para o exercício do direito de audição.
A notificação foi devolvida pelos correios com a indicação de “objecto não reclamado”.
Deve referir-se que foram também enviadas por correio registado, duas notificações para ser exercido o direito de audição, uma enviada para a morada fiscal da Senhora M......., na qualidade de Presidente da sociedade (anexo VII, folha 3/4) e outra para a PLMJ - Dr. N......., na qualidade de procurador da senhora M....... (anexo VII — folha 4/4). Foi recebido nestes Serviços, com entrada sob o registo n.° 125461, de 30 de Novembro de 2009 (anexo VIII), na sequência da notificação efetuada ao abrigo dos artigos 60.° da LGT e do RCPIT, um requerimento remetido pela PLMJ - Dr. N........
Nesse requerimento, é referido que em 7 de Dezembro de 2005, a Senhora M....... renunciou ao cargo de Presidente do Conselho de Administração da U...... SA, tendo esta cessação de funções sido registada em 29 de Dezembro de 2005, data em que a referida sociedade mudou a sua sede social e direcção efectiva para o Luxemburgo, não sendo por isso administradora, desde 2005, não tendo sido entretanto e não sendo, -igualmente sua procuradora ou gestora de negócios, não é gestora de bens ou direitos da U...... SA, nem sua representante fiscal.
Naquele documento, o procurador da Presidente da sociedade, não se pronunciou sobre as correcções propostas, tendo apenas invocado a renúncia ao cargo da Presidente do Conselho de Administração da U...... SA, desde Dezembro de 2005. No entanto em 2006-06-26, como representante fiscal, a Senhora M....... fez a entrega da Declaração Modelo 22 de IRC, do exercício de 2005 (anexo IX - folha 2/6).
De referir que, não foi indicado, nesse documento, qual/ais os representantes da sociedade, não obstante indicar que a notificação para o exercício do direito de audição deva ser promovida na pessoa de um dos seus actuais administradores ou eventuais (sublinhado nosso) representantes.
De acordo com o artigo 19.°, n.° 4, da LGT, “Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas coletivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a actividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional. Dos registos informáticos da DGCI, nomeadamente o cadastro (anexo IX - folha 6/6), não consta a identificação de qualquer representante legal.
Pelo exposto e pelo facto do sujeito passivo não se ter pronunciado sobre as correcções do projecto de Relatório de Inspecção, as correcções propostas deverão ser mantidas.” – cf. documento de fls. 353 a 368 do PAT.
J) Em 30/11/2006, foi apresentada declaração de cessação de atividade da Impugnante no Serviço de Finanças de Cascais, com efeitos a 29/12/2005, com o manuscrito “MH.......”, aposto no Quadro 30 sob a linha “Nome e assinatura do técnico oficial de contas”, e com o manuscrito “M.......”, aposto no Quadro 30, na linha “Assinatura do sujeito passivo ou do seu representante legal” – cf. documentos a fls. 225 dos autos (numeração do processo físico) e a fls. 340 do PAT.

K) A Impugnante não nomeou representante fiscal em Portugal – facto não controvertido.

L) Em 06/08/2009, da síntese cadastral da Impugnante na DGSI, constava como domicílio fiscal a seguinte morada: “R. .......Dt Lisboa C. Postal 1070-….. S. Sebastião da Pedreira” – cf. documento a fls. 340 do PAT.

M) Em 07/08/2009 e 21/08/2009, foram emitidos, respetivamente, os ofícios n.ºs 066932 e 072032, endereçados à Impugnante e remetidos para a morada “R. ....... DT 1070-Lisboa”, solicitando elementos e esclarecimentos no âmbito da ação inspetiva mencionada em I) - cf. documentos a fls. 141 e 139 dos autos (numeração do processo físico).

N) Em 17/09/2009, foi emitido o ofício n.º 079462, endereçado a “M......., na qualidade de Presidente da U......, SA” e para a morada “Av ....... Quinta Patino”, solicitando elementos e esclarecimentos no âmbito da ação inspetiva mencionada em I) - cf. documento a fls. 137 dos autos (numeração do processo físico).

O) Em 29/09/2009, e em resposta ao pedido mencionado na alínea que antecede, M....... apresentou requerimento com documentos em anexo respeitantes à Impugnante – cf. documento a fls. 145 a 148 dos autos (numeração do processo físico).

P) Em 16/11/2009, foi emitido o ofício n.º 098405, endereçado à Impugnante, para a morada “R ....... Dt Lisboa 1070-....... Lisboa”, informando de que dispunha de 10 dias para exercer o direito de audição sobre o projeto de correções do RIT – cf. documento a fls. 471 do PAT.

Q) Em 16/11/2009, foi emitido o ofício n.º 098406, endereçado a “PLMJ – Dr. N......., procurador de M......., na qualidade de Presidente da U...... , S.A.”, para a morada “Avenida da ......., n.º … 1250-… Lisboa”, informando de que dispunha de 10 dias para exercer o direito de audição sobre o projeto de correções do relatório de inspeção em anexo – cf. documento a fls. 473 do PAT.

R) Em 16/11/2009, foi emitido o ofício n.º 098407, endereçado a “M......., na qualidade de Presidente da U...... , SA”, para a morada “Av ….. Quinta Patino 2645-…… Alcabideche”, informando de que dispunha de 10 dias para exercer o direito de audição sobre o projeto de correções do relatório de inspeção em anexo – cf. documento a fls. 475 do PAT.

S) Em 30/11/2009, M....... apresentou perante a DGCI – Direção de Finanças de Lisboa, requerimento de cujo teor se extrai o seguinte:

«M......., (…) notificada, por Ofício n.° 98406, de 16 de Novembro de 2009, “de que no prazo de 10 dias poderá, querendo, exercer o direito de audição, por escrito ou oralmente, sobre o Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção, que se anexa, nos termos previstos no artigo 60.° da Lei Geral Tributária e artigo 60.° do Regime Complementar de Procedimentos da Inspecção Tributária”(cf. Doc. 1), vem, expor e informar o seguinte:
1. Conforme supra referido, a ora Exponente foi notificada para se pronunciar em sede de audiência prévia sobre o Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção, elaborado no quadro de uma acção inspectiva de âmbito interno à sociedade U...... , SA, que incidiu sobre o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, do exercício de 2005.
2. Os Serviços da Inspecção Tributária promoveram a notificação da Exponente “na qualidade de Presidente da U...... , SA".
3. Sucede, porém, que a ora Exponente não é Administradora da supra referida sociedade, nem da mesma é a qualquer título representante ou gestora.
4. Com efeito, em 7 de Dezembro de 2005, a ora Exponente renunciou ao cargo de Presidente do Conselho de Administração da U...... , SA, tendo esta cessação de funções sido registada em 29 de Dezembro de 2005, data em que a referida sociedade mudou a sua sede social e direcção efectiva para o Luxemburgo (cf. Doc. 2).
5. Desde a sua cessação de funções enquanto Presidente do Conselho de Administração da U...... , SA, a Exponente não mais exerceu quaisquer funções de representação, ou, agiu por conta e no interesse da referida sociedade, seja em seu nome, seja em nome desta.
6. Importa, portanto, clarificar, neste momento, que a Exponente apenas prestou os esclarecimentos solicitados por v/ Ofício n.° 79462, de 17 de Setembro, ao abrigo do princípio da colaboração consagrado no artigo 59.° da Lei Geral Tributária, em defesa do seu legítimo interesse pessoal considerando o regime da responsabilidade subsidiária dos corpos sociais prescrito no artigo 24.° da Lei Geral Tributária.
7. Como tal, essa colaboração não deverá nem poderá ser entendida como uma qualquer forma de representação ou gestão de negócios da U...... , SA.
8. Em suma, a ora Exponente não é administradora da U...... , SA, desde 2005, não tendo sido entretanto e não sendo, igualmente, sua procuradora ou gestora de negócios, em particular para os efeitos do disposto no artigo 27.° da Lei Geral Tributária não é gestora de bens ou direitos da U...... , SA, nem sua representante fiscal.
9. Pelo que qualquer notificação da U...... , SA, incluindo a notificação para se pronunciar em sede de audiência prévia sobre o presente Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção, deverá ser promovida na pessoa de um dos seus actuais Administradores ou eventuais representantes.» - cf. documento a fls. 457 a 459 do PAT.
T) Ao requerimento mencionado na alínea que antecede, foram, pela (ali) Requerente, juntos dois documentos, sendo que um deles é o averbamento no registo comercial, solicitado em 29/12/2005, da mudança de sede da Impugnante para o Luxemburgo – cf. documento a fls. 461 a 463 do PAT.

U) Em 02/12/2009, na base de dados da DGSI “Visão do contribuinte Relações inter-sujeito passivo” respeitante à Impugnante, constava a seguinte informação: “Nac. Port. Resid. Estrg.” – cf. documento a fls. 449 do PAT.

V) Em 16/12/2009, foi emitida a demonstração de compensação de liquidação de IRC n° .......70, respeitante ao exercício de 2005, no montante de € 193.222,93 que inclui a liquidação de IRC n° .......52, a liquidação de juros compensatórios n° .......88 e a liquidação de juros compensatórios por recebimento indevido n° .......89 – cf. documento a fls. 335-339 do PAT

W) Em 18/12/2009 foi emitido mandado pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, ordenando “notifique a empresa U...... SA, com sede na R. Marques de Subserra, n.º 9 r/c Dt, em Lisboa (…) para efetuar o pagamento do IRC e respetivos juros compensatórios (…)”, tendo sido, nessa sequência, emitida “Certidão de notificação”, de cujo teor se extrai o seguinte: “Eu (…) Inspetor Tributário (…) notifiquei hoje, dia 18 de dezembro de 2009, a empresa U...... SA, (…), na pessoa de M....... (…), na qualidade de Administradora para efetuar o pagamento do IRC e respetivos juros compensatórios, conforme descrito no quadro abaixo indicado, de acordo com a Ordem de Serviço n.º OI200905969 (…):

(…)

Por não se encontrar presente no domicilio fiscal sito em Av……., Quinta Patino, 2645-…., Alcabideche, fica notificado o Senhor A......., (…) ficando o mesmo ciente que a deve entregar à referida Administradora.” – cf. documento a fls. 450 e 451 do PAT.

X) Em 23/12/2009, foi emitido o ofício n.º 110887, endereçado à Impugnante para a morada “R. ....... Dt.”, por carta registada, com o seguinte teor:

Comunica-se a V. Ex.a que se procedeu à notificação nos termos do n.º 3 do art. 240.º do Código do Processo Civil, no dia 2009/12/18 da liquidação n.º .......52 e das liquidações de juros compensatórios n.ºs .......88 e .......89, referente a IRC, do exercício de 2005, na pessoa do Sr. A......., por não se encontrar presente no seu domicílio fiscal a Administradora M....... da U...... SA o que se encontrava presente, comprometendo-se o mesmo a entregar-lhe a liquidação. Da liquidação em causa poderá reclamar ou impugnar nos termos do artigo 70.º e 102.º do Código de Processo e Procedimento Tributário” – cf. documento a fls. 170 dos autos (numeração do processo físico).

Y) Em 29/12/2009, a carta mencionada na alínea que antecede, foi devolvida com a menção “Mudou-se” – cf. documento a fls. 454 do PAT.

Z) Em 23/12/2009, foi emitido o ofício n.º 110888, endereçado a “M....... Administradora da Empresa U...... SA” para a morada “Av …… Quinta Patino 2645-…….– Alcabideche” - por carta registada, com o seguinte teor:

Comunica-se a V. Ex.a que se procedeu à notificação nos termos do n.º 3 do art. 240.º do Código do Processo Civil, no dia 2009/12/18 da liquidação n.º .......52 e das liquidações de juros compensatórios n.ºs .......88 e .......89, referente a IRC, do exercício de 2005, na pessoa do Sr. A......., por não se encontrar presente no seu domicílio fiscal a Administradora M....... da U...... SA o que se encontrava presente, comprometendo-se o mesmo a entregar-lhe a liquidação. Da liquidação em causa poderá reclamar ou impugnar nos termos do artigo 70.º e 102.º do Código de Processo e Procedimento Tributário” – cf. documento a fls. 174 dos autos (numeração do processo físico).

AA) Em 27/01/2010, por funcionário do Serviço de Finanças Lisboa – 10, foi extraída certidão, a pedido da Impugnante e a esta entregue, de cujo teor se extrai o seguinte: “(…) encontra-se em pagamento nota de compensação n.º .......70 em 2009-12-16, com a data limite de pagamento em 2010-01-27, no montante total de € 193.222,93, referente ao imposto de IRC do período de 2005-01-01 a 2005-12-29 (…)” – cf. documento 2 junto com a p.i.

BB) Em 27/01/2010, a Impugnante efetuou o pagamento do montante mencionado em V) – cf. documento a fls. 201 dos autos (numeração do processo físico).

A) Em 19/04/2010, foi apresentada a petição inicial da presente ação – cf. documento a fls. 2 dos autos (numeração do processo físico).

Não resultou provado:

1) Que a Impugnante tenha sido notificada para se pronunciar sobre o projeto do relatório final da ação inspetiva mencionada em I).

2) Que a Impugnante tenha recebido notificação ou tenha tomado conhecimento das liquidações mencionadas em V), anteriormente a 31/12/2009.

Não existem outros factos alegados relevantes para a decisão, em face das possíveis soluções de direito, que importe referir como provados ou não provados.

MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A decisão da matéria de facto fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nos documentos juntos aos autos, conforme referido em cada alínea do probatório, bem como na posição expressa pelas partes, tendo sido considerados os factos relevantes para a decisão dentro das várias soluções plausíveis das questões de direito [nos termos conjugados do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, este último preceito aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT].»


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2. DO MÉRITO DO RECURSO

Do erro de julgamento da matéria de facto

A sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela Recorrida, por ter entendido em resumo, que a liquidação do IRC do ano de 2005, não foi validamente notificada anteriormente a 31/12/2009 e tendo tido a Impugnante conhecimento da liquidação em 27/10/2010, caducou o direito à liquidação.

A única questão que importa apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento sobre a matéria de facto quanto aos factos dados como não provados.

Alega a Recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto ao dar como não provada a factualidade indicada nos pontos 1) e 2) dos factos não provados, porquanto a Impugnante foi notificada das liquidações de IRC e respectivos juros compensatórios em 18/12/2009, na pessoa da Sra. M......., pelo que antes de 31/12/2009, nomeadamente, pelos factos e pelos motivos descritos na contestação apresentada pela Fazenda Pública nos autos (cfr. pontos 4.7 e 4.8 das conclusões da alegação de recurso).

Vejamos.
A alteração pela 2.ª instância da decisão da matéria de facto fixada em primeira instância pressupõe, não só a indicação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, como também, os concretos meios de prova constantes do processo e/ou da gravação dos depoimentos das testemunhas, que imponham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, nos termos dos artigos 640.º e 662.º do CPC (vide neste sentido, entre muitos outros, Acórdão do TCA Sul de 13/03/3012, processo n.º 05275/12, disponível em www.dgsi.pt).

A falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º 1, alíneas a), b) e c) do artigo 640.º do CPC implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada.

Com efeito, os n.ºs 1 e 2 do artigo 640.º, dispõem o seguinte:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

António Santos Abrantes Geraldes, sintetiza o sistema que agora vigora, que concretizou de forma mais efectiva a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto, alargando os poderes de cognição do tribunal de segunda instância, sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, da seguinte forma:

a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos e facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;

b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;

c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)

e) O Recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interpretação de recursos de pendor genérico ou inconsequente; (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, pág.165 a 166).

Os ónus a cargo do Recorrente previstos no artigo 640.º do CPC integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objecto do recurso e fundamentar a impugnação da matéria de facto.

Para legitimar o TCAS a corrigir a matéria de facto dada como não provada na primeira instância seria necessário que os meios de prova indicados determinassem decisão diversa da que foi proferida.

Analisadas as conclusões e alegações de recurso constata-se que a Recorrente não cumpre com o referido ónus que lhe é imposto por lei, uma vez que não indica os meios de prova, remetendo de forma genérica para os factos e motivos descritos na contestação apresentada pela Fazenda Pública.

Assim, não podemos deixar de concluir que a Recorrente não concretizou por referência a cada facto que pretende eliminar dos factos não provados e ver aditados ao probatório, quais os concretos meios probatórios que, no seu entender, imporiam decisão diversa daquela que foi dado pelo Tribunal de 1.ª instância, antes se limitando a remeter para a contestação.

Nesta conformidade, por a Recorrente não ter cumprindo o ónus primário exigido pelo artigo 640.º, n.º 1, alínea b) do CPC, rejeita-se o pedido de impugnação da decisão da matéria de facto.

Só assim não seria se os elementos fornecidos pelo processo impusessem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, de acordo com o previsto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, o que ocorreria se o Tribunal a quo tivesse desrespeitado a força probatória plena de certo documento ou de certo meio de prova.

Porém, tal situação manifestamente não acontece, porquanto a Mma. Juiz a quo estribou a respectiva convicção em meios de prova que se encontram sujeitos à livre apreciação do julgador.

Dir-se-á, por último, que M…….. por requerimento apresentado em 30/11/2009 informou a AT que em 07/12/2005 renunciou ao cargo de Presidente da Administração da U......, , SA, tendo essa cessação de funções sido registada em 29/12/2005, conforme resulta das alíneas S) e T) dos factos dados como provados e que não vêm impugnados.

Mais, as questões suscitadas pela Fazenda Pública em sede de contestação relativas à notificação das liquidações impugnadas foram devida e detalhadamente apreciadas na sentença, cujos fundamentos não foram atacados no recurso.

Dai que na improcedência das conclusões de recurso, impõe-se negar provimento ao presente recurso jurisdicional.


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Conclusões/Sumário:

I. A alteração pela 2.ª instância da decisão da matéria de facto fixada em primeira instância pressupõe, não só a indicação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, como também, os concretos meios de prova constantes do processo e/ou da gravação dos depoimentos das testemunhas, que imponham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, nos termos dos artigos 640.º e 662.º do CPC.

II. A falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º 1, alíneas a), b) e c) do artigo 640.º do CPC implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada.

III. Só assim não seria se os elementos fornecidos pelo processo impusessem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, de acordo com o previsto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, o que ocorreria se o Tribunal a quo tivesse desrespeitado a força probatória plena de certo documento ou de certo meio de prova


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 13 de Julho de 2023.



Maria Cardoso - Relatora
Lurdes Toscano – 1.ª Adjunta
Ana Cristina Carvalho– 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)