Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1890/05.6BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRC
MÉTODOS INDIRETOS
Sumário:
I. Não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que permite o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação direta.

II. O recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável não pode ter inerente a inércia instrutória da administração tributária.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

L….., S.A. (doravante Recorrente ou Impugnante) veio apresentar recurso da sentença proferida a 09.10.2020, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao exercício de 1999.

A Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

A. A douta sentença recorrida omite a pronúncia sobre o facto provado de a Reclamação Graciosa não ter sido apreciada de fundo, mas indeferida por mera remissão para a decisão tomada em sede de Comissão de Revisão do ato tributário de fixação da matéria coletável;

B. Com efeito, tal como resulta dos autos e da douta sentença recorrida (doc. 3), os fundamentos invocados para o indeferimento da Reclamação graciosa deduzida permitem dar como provado que não foi minimamente apreciada de fundo pelos serviços da AT, que se limitaram, em meras duas páginas, a considera-la destituída de fundamento, o que constitui a postergação do direito material de apresentar a sua defesa, e bem assim do direito de ver apreciada de fundo as suas pretensões, o que não foi feito pela AT.

C. Até porque se socorre de um fundamento especificamente invocado, de que “a quantificação dos valores foi dirimida em sede própria, em seja, em Comissão de Revisão”, o qual não materializa nem corresponde a uma verdadeira apreciação das suas razões, mas um bloqueio de o fazer, como se o decidido em sede de Comissão de Revisão fosse ou seja inibidor do direito de reclamar, ou castrador do direito de ver reapreciadas as suas pretensões, razões e fundamentos específicos.

D. Assim se provando que tal Reclamação foi votada ao indeferimento baseado num determinismo sequencial, processual cuja ilegalidade é manifesta, e cuja sindicância judicial se solicita, por violar a substância do princípio da legalidade, da efetivação da justiça administrativa, da congruência e da substância do ato de apreciação, o qual deve ter também o conteúdo ou a substância que permita uma real efetividade na aplicação dos regimes legais de tutela dessas garantias, o que aqui não se verifica.

E. Assim se prova a omissão de análise dos argumentos de facto e de direito, que retiram, conteúdo prático ao seu direito de reclamar, que é uma garantia material do leque dos direitos fundamentais dos contribuintes, a que a douta sentença recorrida não deu nenhuma tutela, contrariamente ao que se pediu, o que constitui não apenas em parte, omissão de pronúncia como erro de julgamento sobre a lei e os factos, e sobre o conteúdo sobre o dever legal e Constitucional de apreciar as pretensões dos particulares, a violação de direitos fundamentais, estabelecidos na lei e da CRP, tutelados pelo seu art.º 267º, como é sabido.

F. Esta obrigação de pronúncia a que a AT estava vinculada, não foi valorada pelo Tribunal a quo, devendo tê-lo sido como se invocou e requereu, o que constitui uma ilegalidade da douta sentença, que merece e requer reparo.

G. A douta sentença recorrida incorre em comprovado erro sobre a análise dos fundamentos e de aceitação da utilização de métodos de apuramento indireto na fixação da matéria de facto relevante para o apuramento da matéria tributável;

H. Está provado que os motivos e os factos que, alegadamente, justificaram o recurso a métodos indiretos, corretamente descritos na douta sentença recorrida e constantes do elenco dos factos provados que constam dos pontos 6 a 8, fls. 14 a 16, e ponto V da fundamentação de facto, a fls. 16 a 23 resumem-se a um conjunto de correções de valores de alienação de frações autónomas, que é relevante do ponto de vista dos valores envolvidos, e um outro conjunto, de pequeno valor individual e global, de outras correções menores, todas elas corrigíveis individualmente sem necessidade de pôr em causa o apuramento do lucro tributável através da declaração de rendimentos apresentada, conforme foi integralmente confirmado pela testemunha M….., Contabilista Certificado, aos minutos 50 e seg.s do seu depoimento, cuja gravação faz parte integrante dos autos.

I. A impugnante demonstra que, postos em crise os valores de venda das frações autónomas em causa, é possível determinar de forma direta a veracidade do valor de venda das mesmas, cujo valor é pacificamente suscetível de individualização e quantificação, sendo possível, a partir de todas as circunstâncias concretas que influenciaram o negócio entre as partes, confirmar o seu valor efetivo de venda recorrendo a índices ou valores médios por m2 apresentados por associações ou organismos do setor, considerando-se igualmente as demais condicionantes do negócio, as tipologias e o estado de conservação dessas frações, todas elas provadas também por prova testemunhal;

J. O conjunto individualmente identificado de cheques emitidos, no valor de 10 100,18 euros, não aceites como gastos do exercício, muito bem poderiam ter sido objeto de correção direta ao valor global dos gastos declarados, constituindo variações patrimoniais negativas, de acordo com o art.º 41.º do CIRC.

K. E, para além disso, está provado no Relatório de exame aos elementos da escrita, a folhas 7 e seguintes, que os erros e omissões pontuais, que ali se encontram elencados de forma circunstanciada, foram nesse Relatório devidamente quantificados sem qualquer dificuldade pela AT, o que comprova a desnecessidade de recurso a métodos de avaliação indireta.

L. Pelo que é possível efetuar a correspondente correção especificada de toda e cada incorreção, e corrigir a matéria coletável do exercício por método direto, bem como efetuar a respetiva liquidação adicional ou corretiva do IRC a que houvesse lugar, o que se requer.

M. A douta sentença recorrida viola a lei ao aceitar como boas e como meio de prova nos autos, alegadas declarações orais, não provadas e categoricamente repudiadas e desmentidas pelo seu autor, Sr. J…..;

N. Confirma a douta sentença recorrida ter valorado as alegadas declarações não escritas, alegadamente proferidas pelo Sr. J….. (cfr. fls. 20 e 32), bem sabendo que tais alegadas declarações não foram reduzidas a escrito, que não foram testemunhadas por ninguém, e cuja data, lugar e circunstâncias do seu proferimento ou registo, não são informadas pela AT, nem conhecidas – como, de resto, bem o invocou a testemunha M….., aos minutos 38 a 43 da gravação nos autos do seu depoimento.

O. Está provado que tais pretensas declarações foram perentoriamente repudiadas pelo seu alegado declarante e proferidas por si declarações escritas, realmente suas, contrárias, que são, ao mesmo tempo, claras, inteligíveis e dotadas de um sentido inequívoco, e em relação às quais se colocou ao dispor das autoridades para as reiterar integralmente – doc. 4.

P. Este repúdio escrito, junto aos como meio de prova, não motivou o Tribunal a quo a desconsiderar declarações que ao Sr. J….. foram ilegal e abusivamente imputadas, antes somando-as aos demais “fundamentos” como meio de prova da bondade das correções à matéria tributável efetuadas no exame externo à sua contabilidade.

Q. Optou o Tribunal recorrido por dar pleno crédito a meras declarações não escritas, repudiadas pelo próprio como não sendo suas, e que correspondem a factos duvidosos, unilateralmente invocadas pela AT, e elevou-as ao estatuto de matéria de facto provada,

R. Por outro lado, não deu crédito nenhum a estas outras declarações, devidamente escritas, proferidas pela mesma pessoa, de repúdio das declarações que anteriormente lhe foram abusiva e ilegitimamente imputadas, de as primeiras “não correspondem minimamente à verdade” (doc. 4), o que constitui uma outra nulidade da douta sentença.

S. Isto é, o tribunal não valorou a realidade de facto provada e invocada pelo declarante, mas valorou “factos” incertos, formalmente repudiados pelo seu alegado autor, como bem o salientou a testemunha M….., aos minutos 38 a 43 da gravação nos autos do seu depoimento, que afirmou categoricamente que os pagamentos do valor acordado foram integralmente feitos por cheque emitido pelo Banco comprador – cfr. declarações prestadas ao minuto 41 e 42 da gravação do seu depoimento.

T. A douta sentença recorrida deixa de sancionar negativamente a falta absoluta de fundamentação na escolha dos valores médios por m2 apontados pela Revista Confidencial Imobiliário para determinação dos melhores valores por m2 para as frações em causa;

U. Está provado no Relatório de exame que para apuramento dos valores a aplicar às frações em causa, a Administração Fiscal tomou por base os valores médios por m2 propostos pela Revista “Confidencial Imobiliário”, apurando os valores por m2 de cada fração alienada (fls. 23 do relatório), (1) sem qualquer outra fundamentação ou fundamento sobre a escolha destes valores em concreto, (2) desconsiderando outros índices que muito bem poderiam ser aplicados, como é o caso dos índice de valores para a cidade de Lisboa propostos pela APEMI - Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal.

V. Fica provada a absoluta falta de fundamentação desta escolha (vício de forma) (ponto 2.3.3. da p. i), contestando na p. i. que a AT não tenha recorrido aos valores médios por m2 indicados pela APEMI para frações desta tipologia, estado de conservação e localização, não só por ser o índice normalmente usado pela AT, como por ser tecnicamente mais preciso, pelas razões que abaixo se indicam – facto que foi corroborado inteiramente pela testemunha M….., aos minutos 42 e 43 da gravação nos autos do seu depoimento.

W. A douta sentença recorrida sancionou os valores médios por m2 extraídos da Revista Confidencial imobiliário, e que ela mesma considera, a fls. 36, “ter ficado demonstrada a adequação do critério utilizado” para a determinação do valor de mercado das referidas frações, sem fundamentar, e sem esclarecer porque achou bom este índice em detrimento de outros, conforme solicitado pela impugnante, que poderiam ter sido igualmente aplicados, e que apontavam para valores médios mais em linha com os preços praticados pela então impugnante.

X. Ficou também provado que foram tomados como bons para a estimativa de cálculo, valores médios por m2 estimados para outras zonas da cidade, muito distintas, como é o caso das Avenidas Novas, do Príncipe Real ou do bairro da Lapa.

Y. Ficou do mesmo modo provado que o mero confronto de uns e de outros valores propostos por cada um dos índices, sempre teria permitido, quer à AT quer ao próprio Tribunal a quo, perceber que os valores apontados pela Revista Confidencial Imobiliário eram (1) valores por m2 injustificadamente mais elevados, (2) que não discriminavam devidamente a subárea da cidade de Lisboa conhecida por Avenida da liberdade face à grande zona que é a Baixa de Lisboa, e (3), que eram manifestamente exagerados até mesmo para frações em bom estado, ou novas, quanto mais para frações a carecer de remodelação profunda, como está provado nos autos.

Z. Desconsidera a douta sentença recorrida de forma ostensiva os valores médios propostos pela APEMI para determinação estimada dos valores por m2 de venda para as frações em causa, comprovadamente mais precisos e melhor especificados por áreas de localização;

AA. A impugnante provou que a base de dados da APEMI é mais fiável, pois:

i. É mais completa e mais discriminada por subáreas / subzonas dentro da cidade de Lisboa, incluindo a Av. da Liberdade;

ii. É melhor por fornecer preços por M2 discriminados pelas diferentes tipologias de frações (T1, T2, T3 e T4 e T5 ou mais divisões), ao contrário do que se verifica com os dados constantes no índice da Revista Confidencial Imobiliário, que não só não fornece valores pelas diferentes tipologias, como não discrimina os valores por subáreas dentro das áreas ou zonas macro da cidade de Lisboa, como, de resto, adicionalmente bem o invocou a testemunha M….., aos minutos 42 e seg.s da gravação nos autos do seu depoimento.

BB. A impugnante demonstrou que, utilizando os dados e valores médios apontados pela APEMI para o ano de 1999, se verifica a falta de aderência para com a realidade do apuramento de valores por m2 efetuado pela AT, ambos não sopesados nem valorados pela douta sentença recorrida, pois nela existem nesta base de dados (APEMI) valores especificamente apurados para a zona concreta onde o imóvel se encontra edificado – Av. da Liberdade -, cuja aplicação ao caso tornaria a avaliação, mais precisa, isto é mais próxima do valor material das frações em causa.

CC. Não logrou, porém, conseguir que a douta sentença recorrida sopesasse estes argumentos, nem que admitisse confrontar os valores médios apontados pela APEMI para determinar o valor das frações com os valores exagerados apurados com base no índice da revista confidencial imobiliário, não se interessando pela descoberta de uma melhor verdade material, e, consequentemente, por uma melhor administração da justiça.

DD. Assim como não logrou considerar relevantes os argumentos de que o índice da APEMI era melhor por discriminar melhor as diferentes zonas da cidade de lisboa, individualizando, inclusive, a Av. da Liberdade, ao invés de tomar como boas médias apuradas para outras zonas circundantes, mas objetivamente diferentes.

EE. A douta sentença recorrida erra na aplicação, às frações em causa, que estavam comprovadamente muito degradadas (doc. 5), inclusive em alguns dos seus elementos estruturais, de valores médios por m2 estimados unicamente para frações novas ou em bom estado de uso, o que comprovadamente não era o caso e constitui um erro grosseiro;

FF. Está provado nos autos – douta sentença a fls. 20 e 21, doc. 5 e prova testemunhal (testemunhas e M….. (minutos 10 e seg.s) e C….. (minutos 25 e seg.s), que as frações em causa não só não eram novas, como estavam muito degradadas e até em risco de ruína parcial de alguns dos seus elementos estruturantes.

GG. Ficou igualmente provado, não tendo sido contestado, que o índice apontado como bom pela Revista Confidencial Imobiliário e aplicado à então impugnante, é válido, segundo a própria Revista textualmente o afirma, apenas para frações em bom estado, ou novas, o que bem se sabia não ser o caso, como o salientou a testemunha M….., aos minutos 42 e seg.s da gravação nos autos do seu depoimento.

HH. Todavia, o Tribunal recorrido deu como bons os valores por m2 calculados a partir dos valores m2 indicativos para a Baixa de Lisboa, na Revista Confidencial Imobiliário, como se de frações novas ou em bom estado de conservação depois de reabilitadas e prontas a usar se tratassem.

II. Quando está inequivocamente provado que se tratava de frações carentes de profunda intervenção tendo em vista a sua total reabilitação e em risco parcial de ruína, embora, como está provado, o estado de degradação das mesmas não tivesse sido tomado em consideração para a determinação do seu valor de mercado (cfr. douta sentença da 12.ª vara cível da Comarca de lisboa, onde se dá como provado o seu estado de degradação conforme provado na vistoria da CML a que o prédio foi sujeito.

JJ. Não obstante a inequívoca prova destes factos, a douta sentença recorrida decidiu no sentido de considerar plausíveis e plenamente aplicáveis às frações em causa os valores médios apontados pela Revista Confidencial Imobiliário, sabendo embora muito bem que esses valores foram estimados para frações novas ou em bom estado de conservação.

KK. Neste respeito, a douta sentença recorrida ocorre ainda num outro erro manifesto sobre a valoração da realidade de facto provada, que foi, de novo, desconsiderada pela douta sentença de que se recorre.

LL. É que foram aplicados valores médios por m2 que a própria Revista Confidencial Imobiliário estimou para frações novas ou em bom estado de uso, tal como se pode ler em nota expressa, escrita, com o seguinte teor: “Estes valores referem-se a usados em bom estado de conservação e novos de gama média.”, facto que foi corroborado pela testemunha M….., no seu depoimento, aos minutos 42 a 44 da gravação nos autos.

MM. Este vício traduz-se na determinação de um valor de mercado apurado a partir de pressupostos de facto que não se verificavam, aplicados a uma realidade material que simplesmente não existe, o que significa o apuramento ou a atribuição de um valor tributável a tais frações que não corresponde às suas caraterísticas reais, isto é, realidade material subjacente.

NN. Razões que, no seu conjunto, evidenciam a manifesta nulidade da douta sentença proferida, os quais, pela sua gravidade, requerem a sua anulação com os fundamentos expostos, já que o decidido se traduz na tributação de valores que não existem, assentes em erro sobre os pressupostos de facto, assim se violando o princípio da legalidade, da igualdade e da justiça na tributação, quando comparados com imóveis semelhantes.

OO. A douta sentença recorrida erra de forma evidente e grosseira ao legitimar a errada aplicação de valores médios por m2 calculados para frações de tipologia muito inferior (T0 a T4) a frações de tipologia muito superior (T5 a T13);

PP. Está provado nos autos que as frações alienadas pela impugnante eram de tipologia que variava entre as cinco e as treze divisões – cfr. Douta sentença a fls. 21 e 22 e escrituras de venda anexas ao Relatório inspeção.

QQ. E está também provado nos autos que os valores médios propostos pela revista Confidencial Imobiliário são valores adequados, segundo a própria revista, para frações com tipologias no máximo até 4 divisões – T0 a T4.

RR. Ora, como é consabido, as frações autónomas com tipologias maiores têm valores de mercado por m2 inferiores, pelo que não se podem aplicar a frações de tipologias maiores (T5 a T13), valores indicativos por m2 relativos a frações com tipologias inferiores (T0 a T4), como foi o caso, sob pena de grave distorção da realidade que se pretende apurar, levando ao apuramento de valores mais elevados, necessariamente distorcidos.

SS. Todavia, dando como provados estes factos, a douta sentença proferida considera legítima a aplicação a estas frações valores médios estimados pra frações de tipologia muito inferior.

TT. O Tribunal a quo não foi sensível a estas caraterísticas estruturantes das frações sob apreço, o que constitui manifesto erro pois que, não o tendo feito, sancionou um erro material fundamental de apuramento desses valores, por terem sido tomados por base para a liquidação do imposto, valores por m2 válidos para frações de tipologias inferiores (T0 a T4).

UU. Há, pois, um manifesto erro de aplicação direta destes valores médios à realidade de facto relevante e provada, gerador de nulidade da douta sentença, visto este como o vício intrínseco da sua formação, taxativamente consagrado no nº 1 dos artºs 607º e 615º do CPC - do Código de Processo Civil (cfr. Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014, p1 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13:dgsi.Net).

VV. Cumpre ao Tribunal fazer o exame crítico das provas apresentadas de que lhe cabe conhecer, identificando e delimitando os factos que importe saber ou delimitar, aplicando a esses factos (frações degradas e a precisar de muitas obras, algumas estruturais) os valores por m2 que melhor se lhes ajustam e não valores por m2 aplicáveis a realidades de facto objetivamente diferentes – novas ou em bom estado de conservação.

WW. Ao decidir no sentido em que o fez, o Tribunal recorrido incorreu num manifesto erro que configura uma nulidade da douta sentença, com impacto direto nos valores estimados de venda, e bem assim na matéria tributável apurada e, consequentemente, no imposto que veio a ser considerado devido, dando acolhimento a uma profunda injustiça na tributação por assentir e validar a tributação de uma riqueza que não existe!

XX. Tal erro de aplicação de critérios aos factos estruturantes viola a lei, gera de vício por erro na aplicação dos valores relevantes para uma realidade diferente à realidade facto apurada, e determina a necessidade da anulação do ato de liquidação impugnado por se traduzir na determinação de um rendimento e de imposto adicional que não têm fundamento nos factos, e cuja exigência gera uma manifesta iniquidade, ilegalidade e da sua própria nulidade.

YY. A douta sentença recorrida incorre em evidente erro sobre a delimitação e valoração dos factos acerca do efetivo estado de conservação das frações autónomas em causa, e errar na valoração das declarações de prova produzidas nos autos pela impugnante neste respeito;

ZZ. A Impugnante invocou e provou nos autos que as frações em causa (e apenas estas, não prédio como um todo) estavam em elevado estado de degradação e que algumas das suas partes estruturantes ameaçavam ruir – p. i. a fls. 30 e 31 e doc. 5.

AAA. A douta sentença recorrida aprecia mal o que foi expressamente invocado, confundindo frações com “o prédio” na sua globalidade, onde tais frações se integram – cfr. fls. 33 e 34 -, entre outras, onde se afirma que: “a impugnante… Afirma nomeadamente que o imóvel estava degradado e que ameaçava ruir…”.

BBB. Afirmação esta que a impugnante nunca produziu nos autos ou fora deles.

CCC. Mas que evidencia a relevância do erro ou a má apreciação das declarações das partes, pela convicção que a partir dele o Tribunal recorrido forma no sentido de que a impugnante exacerbou ou empolou os factos para obter alguma vantagem.

DDD. Ora, ficou provado que tais frações foram vendidas num de avançado estado de degradação, como se prova pela douta sentença anterior da 12.ª Vara Cível do Tribunal, suprarreferida e expressamente citada e parcialmente transcrita na douta sentença recorrida, bem como através da prova testemunhal – ver declarações proferidas pela testemunha J….., minutos 26 a 30 e doc. 5.

EEE. Assim como ficou provado que a recuperação dessas frações exige obras avultadas de recuperação, inclusive de algumas das suas partes estruturais – v. g. testemunha C….., minutos 29 a 36 das gravações nos autos.

FFF. Por consequência, incorre o tribunal recorrido em omissão de pronúncia e erro de julgamento, a apreciação e valoração desta inequívoca prova para a determinação da verdade dos factos essenciais que importa delimitar e valorizar, e para a aplicação do direito e a boa administração da justiça, pelo que deve ser censurada.

GGG. Incorre a douta sentença recorrida em omissão de pronúncia sobre o manifesto exagero da fixação de rentabilidades (RFV – rentabilidade fiscal sobre as vendas) invocado e provado nos autos, absolutamente inaceitáveis por comparação com as médias do seu CAE de atividade económica

HHH. A impugnante invocou que o ato de liquidação de imposto e juros está inquinado pelos vícios de violação de lei imperativa, erros nos pressupostos de facto e de direito e inexistência de facto tributário com fundamento no facto de, para o CAE 70120, onde a impugnante se insere, a AT ter fixado um rácio de margem bruta de comercialização (MBVM) de 17,54, que é 5 vezes superior à margem mediana do setor.

III. E demonstrou ainda que margem bruta de comercialização apurada pela AT é manifestamente exagerada sem que exista qualquer justificação para o facto, porquanto apura uma RFV - Rentabilidade Fiscal s/ vendas de 22,57%

JJJ. Considerando que a RFV mediana para este mesmo CAE de atividade - de 3,82 – fica provado que a mera comparação deste rácio com o RFV apurado à L….. o excede em quase 7 vezes!

KKK. Uma vez mais se mostra que são absurdas as correções efetuadas, que resultaram na fixação de matéria tributável em muito superior à capacidade contributiva revelada e a liquidação de um imposto que não é devido por inexistência de facto tributário – conforme foi integralmente confirmado pela testemunha M….., Contabilista Certificado, aos minutos 48 e seg.s do seu depoimento, cuja gravação faz parte integrante dos autos.

LLL. Omite, todavia, a douta sentença do Tribunal a quo pronúncia quanto a estes factos absolutamente relevantes, por deles se retirar a comprovação do resultado absolutamente distorcido a que se chegou no apuramento da matéria tributável e do imposto adicional apurado à impugnante.

MMM. A douta sentença recorrida omite pronúncia sobre as comprovadas condicionantes concretas do negócio e as limitações impostas por lei aos imóveis classificados pelo IPPAR, afetando-lhes o seu valor;

NNN. A impugnante provou ainda a existência de um conjunto de razões económicas e de ordem negocial determinantes para a alienação das frações aos valores por que foram alienadas.

OOO. Desde logo porque as frações em causa integravam o acervo dos bens imobiliários da L….. desde 1996, não tendo os detentores do capital na data da alienação nenhuma intervenção no valor de compra inicial das mesmas, seja do ponto de vista dos valores seja das demais condições negociais contratadas.

PPP. Como porque se goraram as expetativas de adquirir as restantes frações do prédio, impossibilitando a reabilitação integrada do prédio, fazendo perder o interesse que havia estado na base da aquisição da sociedade, tendo-se procurado minimizar os prejuízos alienando pelo melhor preço possível as frações em causa, facto adicionalmente provado pela provou através do depoimento da testemunha M….. aos minutos 46 a 48 arroladas e doc. 7.

QQQ. Por outro lado, foi provado que o imóvel em causa estava abrangido por servidão administrativa da área do património cultural, nos termos dos artºs 17.º, 18.º ou 23.º da Lei 13/85, de 6 de julho, o que inviabiliza ou reduz a possibilidade de não se praticarem os valores de mercado, pois a lei não só obriga à consulta prévia ao IPPAR e da Câmara Municipal, como lhes permite o exercício do direito de preferência na transmissão (doc. 7).

RRR. Pelo que assim se prova a má valoração, por parte do Tribunal recorrido, desta condicionante sobre o valor de mercado das frações em causa.

SSS. A douta sentença recorrida desconsidera em absoluto a prova feita sobre a manifesta idoneidade do BIC – Banco Internacional de Crédito, contraparte no negócio, como fator de confiança na veracidade dos valores declarados de venda;

TTT. Foi provada a manifesta idoneidade do BIC, não só em razão da estrita sujeição da atividade bancária a escrutínio permanente a apertado do Banco de Portugal e da CMVM, como pelas inequívocas declarações da testemunha S….., antigo Diretor da área imobiliária, ouvido nos autos, como se retira, de forma inequívoca, do seu depoimento aos minutos 10 e seguintes da prova gravada, quando afirmou categoricamente que não era uso comercial do BIC, por ser contrário ao seu Código de Ética, a prática de preços simulados ou o recebimento de valores não declarados.

UUU. Embora a prova tão inequívoca produzida, não logrou a douta sentença recorrida aceita-la, conhecendo muito embora o teor das afirmações produzidas pela testemunha em causa e não desconhecendo, certamente, que a atividade bancária e suas instituições é altamente regulada e controlada, estando sujeita a apertados mecanismos de controlo interno e a uma severa disciplina do Banco de Portugal e da CMVM, conferindo à mesma um rigor e um escrutínio sem paralelo.

VVV. Sendo embora livre para apreciar a prova produzida, o tribunal a quo não o fez, omitindo de todo, a apreciação do teor a prova produzida no sentido da demonstração da veracidade dos termos em que a operação de permuta foi contratada com esta instituição de crédito, porque a prova, neste respeito, não só se auto impunha, como foi clara e pacificamente corroborada pela testemunha em causa.

WWW. Denega, sem qualquer fundamento, o Tribunal recorrido, a realização de Peritagem Colegial, independente, solicitada pela impugnante e aceite pela demandada AT para determinação do valor de mercado das frações em causa, o que equivale a denegação de justiça, por impedir a realização de meio colegial de perícia que as partes haviam solicitado ou assentido realizar e que, no caso, se revelava estruturante para a descoberta da verdade material;

XXX. Está provado nos autos que a ora recorrente solicitou (artºs 467.º e seg.s do Cód. Proc. Civil) que fosse realizada uma peritagem colegial como método para alcançar a determinação mais próximo possível da realidade do valor das frações autónomas em causa – cfr. requerimentos junto aos autos.

YYY. Tal pretensão veio a ser inicialmente acolhida pelo tribunal, mas, estranhamente, e sem que hajam sido dados conhecimento às partes – e que se saiba, sem fundamentar -, o Tribunal a quo interrompeu a marcha deste recurso processual, o que materializa um manifesto erro de julgamento.

ZZZ. A Peritagem teria permitido, de forma independente e com rapidez, determinar colegialmente e com recurso a peritos independentes, o valor das referidas frações, e, assim, habilitar o Tribunal com informação adicional muito precisa sobre o valor de mercado dessas frações ao tempo dos factos.

AAAA. Que lhe teria permitido verificar, de forma independente, que os valores médios propostos pela Revista Confidencial imobiliário não eram ajustados para as frações em causa.

BBBB. E teria constituído uma ferramenta muito útil no auxílio à formação da convicção do tribunal acerca das qualidades materiais dessas frações, do seu efetivo estado de conservação, das demais condicionantes do negócio, fundamentais para que o Tribunal pudesse avaliar as pretensões das partes e realizar uma boa administração da justiça.

CCCC. Constitui entendimento (inclusive jurisprudencial) de que devem ser levados ao probatório todos os factos relevantes para a decisão da causa à luz das diversas teses jurídicas plausíveis [cfr. art. 511.º, n.º 1, do Código de Processo Civil anterior, aplicável em sede de impugnação judicial ex vi da alínea e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)], incluindo o uso da Peritagem como uma solução plausível da questão de direito – cfr. Acórdão de 7 de outubro de 2015, proferido no processo n.º 1219/13-30

DDDD. Por outro lado, como é consabido, a atividade instrutória, conforme o decidido pelo Acórdão de 7.10.2015, do STA, proferido no processo n.º 1219/13-30, “designadamente a produção da prova requerida pelo impugnante, apenas poderá ser dispensada pelo juiz caso este, mediante a formulação de um juízo objetivo e fundamentado, conclua sem margem para dúvidas pela inutilidade das diligências de instrutórias, quer porque não existe factualidade a demandar prova, quer porque a factualidade que se pretende provar já está provada por outros meios de prova, quer porque se encontram já provados factos em sentido contrário, insuscetíveis de ser infirmados pelas diligências requeridas, o que não é o caso dos autos.”

EEEE.  O que não era o caso, como se demonstra pelo facto de o Tribunal recorrido haver valorado erradamente ou desconsiderado indevidamente os factos relevantes e ter, com isso, produzido douta sentença injusta e ilegal.

FFFF. Sendo como é fora de dúvida que o tribunal tem obrigação de fixar toda a matéria de facto relevante à face das várias soluções plausíveis de direito e não apenas da posição jurídica que adote [art. 511.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável, por força do art. 2.º, alínea e), do CPPT] e que, por força do direito à tutela judicial efetiva, reconhecido pelo art. 20.º, n.º 1, da CRP, e do princípio da proibição da indefesa que dele emana, o STA entende no Ac. supra identificado que não se pode coartar aos interessados a possibilidade de discussão das questões de direito que pretendem discutir devendo -se proporcionar às partes o uso de meios processuais que sejam necessários para defenderem judicialmente as suas posições.

GGGG. Todos estes aspetos sobre os factos são, não apenas argumentos, mas verdadeiras e próprias questões, isto é, assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que a impugnante fundamentou as suas pretensões e sobre as quais o Tribunal não se pronuncia embora elas tenham relevância para a decisão de mérito, e / ou incorreu em erro de julgamento, ambas com fundamento em erro sobre os factos, sobre a valoração dos factos, sobre o direito gerador de violação de lei, denegação de justiça por impedir a realização de meio colegial de perícia que as partes haviam solicitado ou assentido, pelo que merece censura devendo ser integralmente anulada ordenando-se a sua destruição com repetição da apreciação dos factos face ao direito aplicável.

HHHH. Termos em que assim se demonstra que a douta sentença proferida padece de vício de forma por falta de adequada e suficiente de fundamentação, de erro nos pressupostos de facto e de direito, de omissão de pronúncia sobre factos estruturantes, invocados e provados, viola lei imperativa e incorre em vício por erro na aplicação de valores calculados para uma realidade diferente da realidade facto apurada, e de erro de julgamento por inexistência de facto tributário.

IIII. Todos estes factos determinam a necessidade da anulação integral da fixação de valores de matéria tributável que não foram obtidos, do ato de liquidação impugnado e seus acréscimos, por não estar alicerçado numa realidade sólida, definitivamente assente e adequadamente valorada pelo tribunal recorrido, como é de lei.

JJJJ. Ao decidir nos termos em que decidiu, violou o Tribunal “a quo”, entre outras, e com o Mui Douto suprimento desse Venerando Tribunal, as normas dos artºs 17.º e seg.s e 41.º e 57º e seg.s do Código do IRC e dos artºs 5º, 8º e 9º, 55.º e 54.º, 55.º, 56.º n.º 1, 76º, 85.º n.º 1, 87.º, 88º, 90.º n.º 1 al. a) da LGT e 114.º do CPPT

Nestes termos, e nos do Mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a Douta sentença recorrida, sendo a mesma substituída por Acórdão que conheça e declare a procedência da Impugnação, com todos os seus legais efeitos, como é de JUSTIÇA”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir
a) Verifica-se nulidade da sentença, por omissão de pronúncia?
b) Há erro de julgamento, na medida em que não se reúnem os pressupostos de recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável (onde se inclui a valoração indevida de declarações orais não demonstradas)?
c) Verifica-se erro de julgamento, quanto à quantificação efetuada por recurso a métodos indiretos e quanto à respetiva fundamentação constante do relatório de inspeção tributária (RIT)?
d) Há erro de julgamento, quanto à decisão proferida em sede de reclamação graciosa, dado que a mesma não se pronunciou sobre o alegado?
e) Houve violação do princípio do inquisitório, por falta de realização de prova pericial?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1) A Impugnante exerce a atividade de compra e venda de bens imobiliários, enquadrada no regime normal de tributação sob o CAE 070120 - fls.4 do relatório de inspeção tributária (RIT) ínsito no processo administrativo tributário (PAT) apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

2) Encontra-se enquadrada no regime geral no âmbito do IRC e no regime normal de periodicidade trimestral no âmbito do IVA - cf. fls.4 do RIT, ínsito no PAT apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

3) Relativamente aos exercícios de 1998 e 1999 a elaboração de toda a contabilidade é materializada por meio de processamento informático - cf. fls.4 do RIT, ínsito no PAT apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

4) Nos exercícios designados em 3) a estrutura contabilística da empresa está alicerçada nos seguintes diários: CAIXA, BANCOS e OPERAÇÕES DIVERSAS - cf. fls.5 do RIT, ínsito no PAT apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

5) A contabilidade da ora Impugnante “… é elaborada por um Técnico de Contas que não é funcionário da empresa, é uma contabilidade simples com poucos documentos registados, embora este facto não impeça de apresentarmos correcções de irregularidades nela detectadas e termos verificado outras anomalias no âmbito declarativo que serão descritas em ponto próprio do relatório” - cf. fls.5 do RIT, ínsito no PAT apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

6) Os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) efetuaram “… uma análise circunstanciada aos factos relacionados com a firma e desenvolvidas todas as diligências com o intuito do esclarecimento cabal das situações denunciadas ou verificadas durante a acção inspectiva.

No que concerne aos elementos constitutivos da estrutura contabilística da empresa, relativamente aos exercícios de 1998 e 1999, foram verificadas com particular incidência, as rubricas de Proveitos – Vendas e a Variação de Produção, e de Custos – Consumos e Fornecimento e Serviços Externos, que são as que evidenciam valores materialmente mais relevantes, sendo que também foram analisadas todas as outras contas que relevam valores significativos como Caixa, Bancos e Inventários, tendo sido observada a coerência dos valores, bem como analisados criteriosamente os registos na conta de Empréstimos de Sócios (Accionistas).” -

cf. fls.7 do RIT, ínsito no PAT apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

7) Análise efetuada aos PROVEITOS

“Foram observadas todas as contas movimentadas e examinados os documentos que relevam os valores registados. Foram analisados os procedimentos da contabilização e verificada a coerência entre os documentos e os registos.

O exercício de 1999 é significativo na vida da empresa pelo volume de “Vendas de Mercadorias” de €3.566.404, 96 (715 000 contos), que respeitam à venda de um prédio na Calçada da Glória por €2.992.787,38 (600 000 contos), e de fracções noutro prédio na ….. por € 573.617,58 (115 000 contos). Estas vendas estão suportadas por contratos de Compra e Venda e de Permuta.

Por outro lado, a conta “Trabalhos p/ Própria Empresa “movimentada por €1.283.982,37 (257 415 353$00) respeita à Variação de Produção do exercício, incorretamente contabilizada na conta referida …

Foram testados (analisados) os preços de venda praticados na permuta e na venda das fracções do prédio da Avª da Liberdade, verificando-se neste caso que os preços praticados não estavam em conformidade com os preços de mercado praticados, nem com uma sã actividade comercial cujo objectivo é o lucro, pois verifica-se uma venda inferior ao seu custo em cerca de 68% (custo de €1.770.732,54 (355 000 contos)) em 1992, venda por €573.617,58 (115 000) registados em 1999), nem foram tomadas medidas de constituição de provisões para depreciação de existências que os princípios contabilísticos da prudência aconselhavam.

Questionados os responsáveis da empresa através de notificação e diligenciadas acções junto a moradores e compradores das fracções, para o esclarecimento desta situação, resultou haverem indícios de uma prática incorrecta nos valores declarados e registados.

Em consequência do exposto e da análise efectuada aos custos que a seguir referiremos, resultaram correcções em sede de IRC que iremos tratar posteriormente.

3.1.2.2 Análise efetuada aos CUSTOS

3.1.2.2.1 - DESLOCAÇÕES E ESTADAS. Conta 62227.

O contribuinte contabilizou na conta Deslocações e Estadas pelo documento nº23 de Caixa de Dezembro/99, 5 passagens de avião para o Brasil no valor de € 8 953,42 (1 795 000$00), relativamente ao qual não se reconhece qualquer relação com a actividade da empresa … . Assim, este registo não é comprovadamente indispensável para a realização dos proveitos pelo que nos termos do Artº 23º do CIRC não é considerado custo fiscal no exercício de 1999.

3.1.2.2.2 - PUBLICIDADE E PROPAGANDA, Conta 62233.

Encontram-se registados como custos do exercício de 1999, da L….., na conta Publicidade e Propaganda, anúncios publicados no Diário de Notícias referentes à venda de lotes de terreno para construção na ….., …

(…) Face ao exposto, não se aceita o custo do anúncio na importância de 21,59 Euros (4 329$00) por não se comprovar que o custo registado na escrita tenha a haver com bens da empresa, logo da sua actividade, pelo que infringe o Artº 23º do CIRC.

(…)

3.1.2.2.3 – AQUISIÇÃO INTRACOMUNITÁRIA DE BENS – VIATURA.

Encontra-se registada no VIES – Informação de Aquisições Intracomunitárias de Bens, nos registos informáticos da DGCI, conforme anexo-3 folhas 1 a 32, a aquisição de uma viatura no 4º trimestre de 1999 por parte da L….., ao fornecedor alemão A….. pelo valor de €74 819,68 (15 000 000$00).

Da análise aos registos contabilísticos da L….., constata-se que em 1998 e 1999 não se verifica qualquer aquisição de Imobilizado para a empresa.

(…)

Evidencia-se assim, uma omissão nos registos contabilísticos da L….. ao nível do Activo Imobilizado da empresa, pois embora a referida viatura tenha sido adquirida em nome da empresa e com os meios financeiros desta, a mesma não foi registada no respectivo Imobilizado/Existências, violando assim o preceituado na alínea b) do nº3 do Artº 17º do CIRC.

3.1.2.2.4 – MOVIMENTOS FINANCEIROS DE BANCOS ATRAVÉS DE CAIXA E VICE-VERSA

dada quanto à movimentação das contas, que referiram o seguinte: Relativamente à análise e certificação dos fluxos financeiros da empresa constatou-se o seguinte:

1 – Inexistência de documentação de suporte relativa a fluxos financeiros (saídas de Caixa).

2 – Omissão de parte dos registos.

A adopção desta prática consubstancia a efectiva ocultação de operações, sendo os próprios responsáveis, Técnico de Contas e ROC, que o afirmam na explicação

(…)

De referir que se verificou esta situação relatada, através dos cheques movimentados pela conta 11.9 – Caixa Transferências em 1998 e 1999, de que são exemplos os cheques e Ordem de Pagamento anteriormente referidos e os abaixo enumerados, pelo que a empresa foi objecto de notificação para o seu completo esclarecimento e justificação.

- Movimentos sujeitos a tributação autónoma.

(…)

No que concerne ao exercício de 1999, a L….., foi questionada sobre quem foram os beneficiários dos cheques n.ºs:

Ch. nº 06346711

Ch. nº06346905

Ch. nº0025920645

Ch. nº06347196

Movº extracto 17

Ch. nº 06347487

Ch. nº06347798

No valor global de €10.100,18

O contribuinte emitiu os cheques anteriormente mencionados que movimentou pela conta 11.9 – Caixa Transferências, e assim dar entrada em Caixa. Porém, questionado quem foram os beneficiários dos mesmos e a justificação da sua emissão. O contribuinte, conforme Termo de Declarações que constitui o referido anexo-4, respondeu…”que os cheques mencionados deram entrada em Caixa para fazer face a pagamentos efectuados a entidades, também a T….., Lda, que serão regularizados em Caixa com a apresentação dos recibos de Prestações de Serviços ou outras despesas pagas. No caso, dos justificativos serem inferiores aos cheques que foram emitidos, a diferença vai influenciar a regularização do saldo de Caixa, por contrapartida das contas de suprimentos”. Ora, questionado cheque a cheque, o representante do contribuinte afirmou que não tinha meios contabilísticos e documentais de poder justificar os cheques referidos.

Assim, confirma-se que o contribuinte efectuou pagamentos de despesas com os meios financeiros da empresa no valor …e de €10.100,18 (2.024.904$00) em 1999, que embora não estejam contabilizados, constituem Variações Patrimoniais Negativas nos termos do Artº 24º do CIRC mas, como não se encontram documentadas, não podem ser aceites fiscalmente como encargos nos termos do nº1 do Artº 42º do CIRC (antigo Artº 41º nº1 alínea h), devendo por isso ser sujeitas a Tributação Autónoma à taxa de 30% em 1998 e de 32% em 1999, nos termos do nº1 do Artº 4º do Decreto Lei nº192/90 de 9 de Junho, do que resulta o valor de:

(…)

3.1.2.2.5 – MOVIMENTOS NA CONTA SUPRIMENTOS

(…) Salienta-se a falta de transparência destes movimentos, porque, atendendo aos documentos de Bancos em que se encontram reflectidos os valores movimentados, o titular da conta indicada nos extractos do Banco “BIC” nº001510600110, é, segundo resposta a uma notificação efectuada, anexo-1 folhas 1 e 4, o Sr. V….. e os movimentos referidos de suprimentos/empréstimos beneficiam os seus filhos os Srs. A….. e J…...

(…)

Salienta-se a falta de transparência destes movimentos, porque, atendendo aos documentos de Bancos em que se encontram reflectidos os valores” - cf. fls.7 e segs. do RIT, ínsito no PAT apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

8) IV - MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

Ficaram descritas, ao longo deste relatório, diversas situações que no seu conjunto não permitem atribuir credibilidade à contabilidade da empresa, conforme estabelecem as alíneas a) e b) do nº3 do Art° 17° e os nºs 1 e 3 do Artº 115º (antigo Artº 98º) ambos do CIRC e que passamos a enumerar resumidamente:

1. Impossibilidade de controlo dos movimentos financeiros da empresa e das respectivas operações económicas subjacentes. Sendo exemplo o referidodo nos pontos 3.1.2.2.4 - Movimentos financeiros de BANCOS através de CAIXA e vice - versa, de que resulta uma complexa movimentação financeira que envolve as contas de SUPRlMENTOS dos accionistas e as contas de CAIXA e BANCOS, que não tem o respectivo suporte documental adequado.

2. Omissão do registo das operações comerciais praticadas e não reflectidas na sua escrita, como são exemplos o referido nos 3.1.2.2.3 -Aauisicã Mercedes Benz S 500 L com a matrícula ….., no valor de € 125796,38 (25.219.909$00), e o referido no ponto

3.1.2.2.4 -Movimentos financeiros de BANCOS através de CAIXA e vice - versa, no que concerne à aquisição da fracção autónoma designada pela letra K, ou seja o 2° andar, letra B - Bloco A - destinado a habitação no valor de € 199 519,16 (40 000 000$00), também não_ registado na escrita da empresa, no exercício de 1999, ano do movimento financeiro.

3. Apresentação dos registos contabilísticos duma forma complexa, incorrectamente documentadas, não se conseguindo saber duma maneira clara e inequívoca a quem se destinam e quais os beneficiários das operações efectuadas, são exemplos os movimentos de BANCOS transferidos para a conta 11.9 -Transferências de CAIXA; que deram origem a notificações para esclarecimento desses registos e de que resultou o apuramento das omissões anteriormente relatadas.

4. Custos contabilizados na sua escrita, designadamente, os anúncios publicados no Diário de Notícias, de venda de lotes de terreno para construção com licença paga em nome L….., sem que os conseguíssemos identificar nem localizar, quer fisicamente, ou através de visita ao local ou na sua escrita.

5. Registo contabilístico das operações de venda de mercadorias por um valor inferior ao seu custo, na ordem dos 70%. Concretamente é o caso da venda das fracções do prédio da ….., havendo para estas operações, informações e registos, de que o valor efectivo das operações foi superior ao registado nas escrituras contabilizadas.

6. Informações e registos da APEMl e Confidencial lmobilíário dos valores transaccionados superiores aos declarados.

Deste modo, não se encontrando a contabilidade da empresa organizada de forma a possibilitar a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável de harmonia com as disposições do Art° 52° nº 1 do CIRC. com observância dos Art°s 87° alínea b) e Art° 88º alínea a) da Lei Geral Tributária e cujo apuramento do resultado tributável obedecerá aos requisitos dos Artºs 54º do CIRC e Artº nº 1 alínea d) da Lei Geral Tributária.

V - CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

Com base nos fundamentos apresentados no ponto 4 do relatório, para efeitos de aplicação dos métodos indirectos na determinação do resultado tributável no ano de 1999, pelo facto, de ser este ano o de actividade significativa e por isso, recorreu-se aos seguintes pressupostos:

VENDAS DE MERCADORIAS

No exercício de 1999, a sociedade vendeu ao Banco lnternacional de Crédito ' 'BIC`` as fracções, F, G e H, destinadas a Habitação, do prédio sito na …..                     por Permuta vendendo cada fracção mencionada por € 93.524,61 (18.750.000$00) num total de € 374.098,42 (75.000.000$00), através do documento 25 Cx de Dezembro 1999, suportado pela Escritura de Permuta datada de 18/03/99 realizada no 24° Cartório Notarial de Lisboa.

A fracção C, destinada a Escritórios, do mesmo prédio, foi vendida pela L….. à firma R….., LDA por € 199.519,16 (40.000.000$00)-operação suportada pelo documento 35 de Bancos de Dezembro de 1999, conforme Escritura de Compra e Venda junta, datada de 16 de Março 2000 realizada no 24º Cartório Notarial de Lisboa.

O correspondente apuramento de resultados destas operações, está indicado no mapa seguinte:

De acordo com o mapa exposto e com base nas diligências efectuadas retiram-se as seguintes ilações:
§ Não foi esclarecida nem foi valorizada a participação do Sr. V….. e dos filhos como accionistas e responsáveis da sociedade L….., com plenos poderes na mesma, embora tenha sido solicitado o esclarecimento dessa questão em notificação, anexo-l folhas 3 e 5. Em resposta, foi expresso que sendo a L….. uma sociedade anónima, não existiu escritura de aquisição por tomada de posição mas sim uma transferência de acções.
§ Por informações verbais de um inquilino do prédio, fomos informados de que as fracções vendidas pertencentes à L….., através do Sr V….., o foram por cerca de € 1187.139,00 (238 000 contos), tendo discriminado o seu valor da seguinte forma € 448.918,11 (90 000 contos), € 199.519,16 (40 000 contos), € 169.591,29 (34 000 contos), € 194.531,18 (39 000 contos) e € 174.579,26 (35 000 contos) valores pedidos pelo Sr. V….. para a venda das fracções que lhe pertenciam (L…..).

Acrescentou ainda, que a administração do prédio, accionou uma acção em tribunal, que ainda decorre, contra o Sr. V…../ L….., pela não comparticipação nos custos das obras realizadas para a recuperação do prédio, que eram devidas.

Quanto às entidades adquirentes das fracções o Banco lnternacional de Crédito "BIC`` e a R….., LDA., fomos informados que:

Na verdade, é pública a relação do Sr. V….. com o BIC, conforme notícias veiculadas nos media, sendo que no que corresponde à R….., LDA., na sequência das diligências efectuadas à firma, não foi possível contactar com o responsável ou sócio gerente, pela inexistência de conhecimento da firma na morada indicada como sede da mesma. Porém, o Técnico de Contas da sociedade forneceu-nos informações e comprovação documental de que se salienta o seguinte:

1 - As questões colocadas, quanto à forma de pagamento da aquisição da fracção C do prédio da ….., respondeu-nos que não podia comprovar com o cheque ou cheques emitidos, visto que a contabilidade não apresentava os movimentos de bancos, estes movimentos passam por CAIXA, tendo sido desta forma, em dinheiro, pago os € 199.519,16 (40 000 contos) pela aquisição da referida fracção.

Nota – Face ao exposto, encontramos uma contradição com o afirmado pelo Sr. V….. em nome da L….., em resposta à notificação, anexo-1 folhas 2, 5, 9 e 10, sobre este assunto, que nos afirmou que recebeu em cheques as importâncias de € 122.205,48 (24 500 contos) e € 52373,78 (10 500 contos) e em dinheiro o restante € 19.951,92 (4 000 contos), tendo os cheques sido depositados.

Por outro lado, os representantes, procuradores do BIC, na comercialização das fracções E, F, G e H do referido prédio, os Srs. J….. e P…... Por coincidência, em algumas das fracções adquiridas pelo BIC à L….., que são posteriormente vendidas à R….. no início de Janeiro de 2000, aparece nas escrituras de venda do BIC à ….., como representante da R….., o Sr. J…...

As aquisições e as vendas feitas pela R….., foram verificadas através das respectivas escrituras bem como os intervenientes anteriomente focados.

Reafirmamos que as operações registadas estão suportadas por escrituras públicas. Porém, esse facto não é razão para não se pôr em dúvida a valorização das mesmas, pois os valores inscritos nessas escrituras são feitas com base nas informações transmitidas ao Notário, e que podem não ser verdadeiras .

Na verdade, a força probatória dos documentos autênticos limita-se aos factos verificados directamente pelo Notário, íncluindo as afirmações das partes, não abrangendo factos que estas declaram ter-se verificado, mas que o Notário não pôde atestar.

O Acordão do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de Novembro de 1999, recurso número 24.124, entenderia em conformidade que, por na escritura de compra e venda, as partes afirmarem que o preço foi de determinado montante, não fica demonstrado tal preço, mas apenas que tal foi afirmado pelos contraentes perante Notário, pelo que a Administração Fiscal pode, sem prévia declaração judicial de simulação, proceder às necessárias correcções para efeitos de IRC (para efeitos de Sisa essa declaração está condicionada ao prazo do Artº 57º do CIMSISD).

Importa salientar que da análise efectuada aos registos da 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, no que concene às fracções do prédio em foco, verificou-se a existência dos seguintes registos de hipotecas voluntárias sob as ditas fracções:

É obvio e normal que as entidades bancárias a quem foram solicitados os empréstimos, só os concedam quando os valores dados como garantia, cubram os valores dos empréstimos pedidos, pelo que se presume que os valores das fracções em causa tenham, aproximadamente, o valor comercial das hipotecas efectuadas e anteriormente indicadas.

Assim, em virtude de estarmos perante a acumulação de factos que indiciam que a transmissão das fracções ocorreu por valor superior ao que foi registado e considerando que não é legítimo que uma empresa comercial privada, cujo objectivo é o lucro, apresente o prejuízo indicado, não se aceitam como credíveis os valores indicados nas escrituras de VENDA e de PERMUTA das referidas fracções, pelo que se procederá , através de recurso a Métodos lndirectos, ao apuramento do presumível valor de venda de acordo com o seguinte método:

O presumível valor de venda a atribuir às referidas fracções e constante do quadro seguinte, teve em conta determinados vectores, nomeadamente a área, objecto e localização das mesmas e foi extraído de dados constantes do "Confidencial Imobiliário ", visto ser esta uma publicação credível.

De referir que a área coberta é de 417 m2 e a total de 512,60 m2, sendo que os referidos dados bem como a permilagem das fracções em causa foi obtida através dos registos da 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa.

1 -No que respeita à fracção C que de acordo com a escritura de venda se destina a Escritórios, o preço por m2 foi retirado da revista "Confidencial Imobiliário", conforme anexo-9 folhas 1 a 4, e foi obtido com base numa zona similar e próxima à Avenida. da Liberdade no sector Escritórios, designadamente Lisboa/Baixa cujo valor, reportado a Dezembro de 1999, ascende a € 1.541,29/m2 (309.000$00).

2- Relativamente ao preço a aplicar às restantes fracções destinadas a habitação, foi -adoptado o mesmo critério, tendo sido seleccionadas da revista "Confidencial Imobiliário ", as seguintes zonas e preços por metro quadrado à data da escritura, Março 1999:

Lapa (€ 1.536,30/m2), Avenidas Novas ( € |.406,61/m2) e Príncipe Real (€ 1.411,60/m2), tendo sido obtido um valor médio de € 1.451,50/m2(291.000$00).

De acordo com o exposto, os proveitos a tributar no montante de € 1.279.651,04, obtém-se pela diferença entre o valor de venda das referidas fracções aplicado através de métodos indirectos e o valor de venda que foi declarado, conforme expresso nos mapas seguintes (que aqui se dão por reproduzidos, para todos os efeitos legais):- cf. fls.19 a 24 do RIT, ínsito no PAT apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

9) No exercício de 1999, a ora Impugnante vendeu ao Banco Internacional de Crédito (“BIC”) as frações E, F, G e H, destinadas a habitação, do prédio sito na …..por permuta.

10) O Sr. J….. falou com os inspetores tributários acerca dos valores pedidos pelas frações - cf. doc. 4 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

11) A R….. alienou parte das frações correspondentes ao prédio sito na Avª da Liberdade em meados de 2000 - cf. anexo 7 do RIT, fls.222 a 243 do PAT, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

12) Como se pode comprovar pela sentença da 12ª vara cível da comarca de Lisboa (anexo 6 à p.i.), o prédio em causa foi sujeito a vistoria da Câmara Municipal de Lisboa em 1995 que emitiu o parecer : o prédio é recuperável, que os elementos estruturais que se presume em risco maior são os vigamentos dos pavimentos submetidos a infiltrações, a laje do tecto da marquise do 1º andar, sendo ainda o risco de aluimento de zonas de estuque dos tectos, apontando como prioridade a reparação das canalizações, o isolamento da cobertura e terraço posterior, a consolidação dos pavimentos e dos estuques dos tectos e a limpeza e desinfestação dos pavimentos das varandas e do saguão posterior.

13) Algumas das frações do prédio em causa estavam a ser utilizadas quer pelos seus proprietários, quer por inquilinos – no rés do chão do n.º….. funciona a Pastelaria V….. como se comprova pelas fotos (fls. 71 e 74 dos presentes autos) e no n.º…..  a sociedade P…...

14) Os adquirentes das frações E e G (J….. e P….. respetivamente) fixaram o seu domicílio fiscal nas referidas frações (2º esq. e 3º esq. respetivamente) e que M….. adquirente da fração H (entretanto novamente alienada em 2003), também aí teve residência (4º dtº).

15) Descrição do prédio: “Prédio composto de 4 pavimentos e águas furtadas sendo as lojas destinadas a comércio, o 1º andar a uma associação de classe de médicos, e os restantes andares a habitação, de boa construção e bem conservada [em 1986, data da constituição em propriedade horizontal], e tendo por pavimento 7 vãos, sendo as vigas deste vão, em ângulo agudo, tem uma cave para arrecadações e um pequeno quintal a parte posterior; frente pintada a óleo, superfície coberta 417 e total 512,60”.

16) A fracção C “primeiro andar direito e esquerdo (Ordem dos Médicos) com treze divisões, arrumos, despensas, casas de banho e no logradouro a tardoz, duas dependências destinadas a arquivo situadas ao nível do rés do chão”. Concluímos assim que a fracção C ocupa todo o primeiro andar. Adquirida por em 1992 pelo valor declarado de 145.772.106$00 (727.108,20€), foi alienada em 1999 por permuta, tendo-lhe sido atribuído o valor de 40.000.000 (199.519,16€) - cf. cópia da escritura, fls.165 e quadro de fls.20 do RIT, fls.136 do PAT apenso aos autos.

17) A fração E corresponde ao “segundo andar esquerdo, composto de sete divisões, cozinha, casa de banho, arrumos e um terraço a tardoz, existente ao mesmo nível”. Adquirida em 1992 à sociedade L….., Investimentos Imobiliários SA por 67.552.927$ (336.952,58€), tendo a escritura de alienação sido outorgada por 18.750.000$ (93.524,60€) - cf. fls.20 do RIT, fls.136 dos PAT apenso aos autos.

18) A fração F: “terceiro andar esquerdo, composto de seis divisões, cozinha, casa de banho, despensa, arrecadação e arrumos.”. Adquirida em 1992 por 53.331.258$ (266.015,19€), tendo a escritura de alienação sido outorgada por 18.750.000$ (93.524,60€) - cf. quadro de fls.20 do RIT, fls.136 do PAT apenso aos autos.

19) A fração G: “terceiro andar esquerdo composto de oito divisões, cozinha, casa de banho, despensa, arrecadação e arrumos”. Adquirida em 1992 por 49.775.841$00 (248.280,85€), foi outorgada escritura de venda por 18.750.000$ (93.524,60€), cf. quadro de fls.20 do RIT, ínsito a fls.136 do PAT apenso aos presentes autos.

20) A fração H: “quarto andar direito, composto de cinco divisões, casa de banho, cozinha, despensa, arrecadação e arrumos” foi adquirida igualmente em 1992 por 39.109.589$00 (195.077,81E€) e alienada por escritura com valor declarado de 18.750.000$ (93.524,60€).

21) As frações E,F, G e H foram hipotecadas pelos adquirentes por valores substancialmente superiores aos valores referidos na escritura de permuta - cf. fls.22 do RIT, correspondente a fls.138 do PAT apenso a este processo.

22) Da fixação da matéria tributável com recurso a métodos indiretos recorreu a ora Impugnante para a Comissão de Revisão da Matéria Tributável, nos termos previstos no artigo 91.º da LGT.

23) Conforme Acta n.º82/2002, folhas 72 a 86 do PAT, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, por impossibilidade de conciliar os argumentos expendidos pelo Vogal da Fazenda Pública e Representante da ora Impugnante, foram mantidos os valores determinados na ação inspetiva.

24) A Impugnante apresentou reclamação graciosa (RG) à qual foi atribuído o n.º3239-04/400015.3. - cujo teor aqui e dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

25) A RG foi indeferida por despacho de 17.06.2005 - cf. fls.107 e 108 do PRG.

26) Do qual foi a Impugnante notificada em 30.06.2005 - cf. fls.107 e 108 dos processo de reclamação ínsito no PAT apenso a estes autos.”

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não existem outros factos provados ou não provados com relevância para a apreciação das questões em apreço”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“É importante em sede de motivação da matéria de facto considerada provada por este tribunal, deixar clara a base da convição do tribunal na consideração dos factos provados.

O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise critica e conjugada do RIT e demais documentos juntos aos autos e ao PAT que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (artigo 74.° da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (artigos 75.°, n.º1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC) identificados em cada um dos factos.

Para a matéria de facto julgada provada relevou ainda o depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante, que não se mostrou relevante para a descoberta da verdade, pois, no essencial, as testemunhas, limitaram-se a corroborar os argumentos plasmados pela Impugnante na sua petição inicial.

O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (artigo 74°, n.º1, da LGT).

Os depoimentos das testemunhas conjugados com a referida prova material não foram suficientemente consistentes para convencer o tribunal da tese da Impugnante.

A convicção do Tribunal foi adquirida pela análise da prova documental e testemunhal produzida, conforme referido a propósito de cada facto considerado provado.

A testemunha J….., engenheiro civil, que, trabalhou para a Impugnante, afirmou com convicção perante este Tribunal que visitou o prédio em causa e, que o mesmo se encontrava em estado de deterioração, que afetava o valor das frações e, que o prédio necessitava de uma reparação dispendiosa, mas não referiu que o prédio ameaçava ruir.

E não o podia ter dito, pois foi junta prova aos autos que, comprova que o prédio não ameaçava ruir e, que nem sequer se apresentava com o estado de degradação que teria aquando da sua aquisição em 1992.

O prédio em causa foi sujeito a vistoria da Câmara Municipal de Lisboa de 1995, que emitiu o parecer de que o prédio é recuperável (cf. doc.6, junto com a petição inicial).

De salientar que, pelo menos algumas das frações estavam a ser utilizadas pelos seus proprietários ou pelos inquilinos, factualidade que foi confirmada pela testemunha J…...

No rés do chão do n. ….. funciona a Pastelaria V….. e no n.º….. a sociedade P…...

Resulta ainda da matéria de facto provada que os adquirentes das frações E, G e H aí fixaram o seu domicílio fiscal.

Pelo que, não poderíamos estar perante um prédio em risco de derrocada, pois, estava a ser utilizado/habitado.

Pelo que, a Impugnante não foi capaz de fazer prova cabal e convincente da sua tese.”

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda­‑se alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração[1].

Assim, a redação do facto 10) passa a ser a seguinte:

10) J….. falou com os inspetores tributários acerca dos valores pedidos pelas frações, tendo, em documento escrito, datado de 08.07.2002, declarado o seguinte:




(cfr. doc. 4 junto com a petição inicial, nunca posto em causa).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da omissão de pronúncia

Considera, desde logo, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia, em diversos momentos, a saber:
a) Nada disse quanto à circunstância de a reclamação graciosa não ter sido apreciada de fundo, mas indeferida por mera remissão para a decisão tomada em sede de Comissão de Revisão do ato tributário de fixação da matéria coletável;
b) Nada disse quanto à circunstância de as frações exigirem obras avultadas de recuperação;
c) Nada disse sobre o manifesto exagero na fixação de rentabilidades;
d) Nada disse sobre as comprovadas condicionantes concretas do negócio e das limitações impostas por lei aos imóveis classificados pelo IPPAR.

Vejamos.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

A este propósito cumpre sublinhar a diferença entre questões e argumentos suscitados pelas partes, porquanto apenas o não conhecimento das questões se configura como omissão de pronúncia.

Assim, para os efeitos do art.º 608.º, n.º 2, do CPC, questões são os pontos de facto ou de direito, atinentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções. Já os argumentos são os motivos ou razões que fazem sustentar a pretensão inerente às questões. “As questões (…) reportam-se aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes”[2].

A dicotomia questões / argumentos, nos termos sumariamente descritos, implica, pois, que o julgador tenha de conhecer todas as questões que lhe são colocadas (exceto se o conhecimento de umas resultar prejudicado pelo conhecimento de outras), já não lhe sendo exigível que se pronuncie sobre todos os argumentos esgrimidos[3].

Feito este enquadramento, apliquemos os conceitos ao caso dos autos, apreciando separadamente cada uma das alegadas omissões de pronúncia.

Quanto à identificada supra com a al. a), desde já se refira que a mesma não se verifica.

Com efeito, do discurso fundamentador da sentença resulta que:

“Visto o direito que releva para a presente lide, importa transpor para o caso vertente, relevando, desde já, que não assiste razão à Impugnante, porquanto a decisão da correção da matéria tributária por métodos indiretos, como a decisão de indeferimento da RG encontram-se, devidamente, fundamentadas, em nada se podendo considerar obscura, contraditória ou omissa a sua fundamentação.

(…)

A RG convoca, desde logo e fazendo uso da fundamentação por remissão, os argumentos aduzidos na reclamação apresentada em sede de comissão de revisão e aí devidamente debatidos (cf. resulta da acta junta a fls.75 a 86 do PAT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.)

(…)

Mais importa sublinhar que o aludido despacho de indeferimento da RG, e contrariamente ao propugnado pela Impugnante, procede por remissão à descrição do trâmite do procedimento de revisão, com concreta alusão ao entendimento do perito da Administração Tributária e ao perito do contribuinte e aos fundamentos em que assentaram os seus juízos de valoração, posteriormente enumeram-se os pressupostos que legitimaram o recurso aos métodos indiretos, explicitando-se a quantificação dos valores em falta e método utilizado.

Pelo que, como é bom de ver, não resta qualquer dúvida sobre a validade formal da fundamentação da decisão proferida pelo Diretor de Finanças, tendo sido adotada uma fundamentação clara, suficiente e congruente que permitiu ter perfeita perceção sobre o iter cognoscitivo adotado para a determinação da matéria coletável por recurso aos métodos indiretos, respetivo enquadramento normativo, metodologia e quantum apurado, e que permitiu à Impugnante defender-se em toda a sua plenitude”.

Como tal, o Tribunal a quo considerou ser admissível a fundamentação por remissão constante da decisão proferida em sede de reclamação graciosa, entendendo ainda que tal decisão não padece de qualquer vício desse ponto de vista.

Questão diferente é se existe erro de julgamento, cuja apreciação será feita infra, caso a mesma não resulte prejudicada pela solução dada aos autos.

No tocante à nulidade mencionada em b), o alegado também não se configura como nulidade, mas, eventualmente, como erro de julgamento.

Com efeito, resulta da sentença recorrida:

“A Impugnante contesta a sua aplicação e nomeadamente o valor alcançado para o prédio situado na Avenida da Liberdade, “único empreendimento na altura comercializado pela L…..”. Afirma nomeadamente que o imóvel estava degradado e que ameaçava ruir, que se viu impossibilitada de adquirir a totalidade do imóvel e por isso se viu obrigada a vender por um valor substancialmente mais baixo do que o valor de aquisição. Afirma ainda, que, eram reduzidas as hipóteses de venda do imóvel, em virtude do adiantado estado de degradação e que o mesmo não era passível de utilização.

Resulta da matéria de facto provada por este tribunal, que, na sentença da 12ª vara cível da comarca de Lisboa (anexo 6 à p.i.), o prédio foi sujeito a vistoria da Câmara Municipal de Lisboa em 1995 que emitiu o parecer: “o prédio é recuperável, que os elementos estruturais que se presume em risco maior são os vigamentos dos pavimentos submetidos a infiltrações, a laje do tecto da marquise do 1º andar, sendo ainda o risco de aluimento de zonas de estuque dos tectos, apontando como prioridade a reparação das canalizações, o isolamento da cobertura e terraço posterior, a consolidação dos pavimentos e dos estuques dos tectos e a limpeza e desinfestação dos pavimentos das varandas e do saguão posterior.”.

Tais factos considerados provados na referida sentença, demonstram que o prédio em causa estava longe de ruir e que era recuperável. De salientar que, pelo menos algumas das frações estavam a ser utilizadas quer pelos seus proprietários, quer por inquilinos – no rés do chão do n.º….. funciona a Pastelaria V….. como se comprova pelas fotos (fls. 71 e 74 dos presentes autos) e no n.º….. a sociedade Pereira & Companhia Irmãos. Sabe-se que os adquirentes das frações E e G (J….. e P….. respetivamente) fixaram o seu domicílio fiscal nas referidas frações (2º esq. e 3º esq. respetivamente) e que M….. adquirente da fração H (entretanto novamente alienada em 2003), também aí teve residência (4º dtº).

Deste modo, não estamos perante um prédio em risco de derrocada, mas de um prédio que não só era passível de utilização como inclusive estava a ser utilizado e veio a ser utilizado pelos seus adquirentes sem que tenha sido necessário demoli-lo como defendeu a ora Impugnante.

O valor pago em 1992 pela ora Impugnante pelas frações adquiridas diz respeito a um prédio com necessidade de sofrer obras de reparação e manutenção.

Pelo que, não é aceitável a versão da Impugnante, que, alega que o prédio sofreu uma desvalorização pelo estado em que se encontrava”.

Logo, também aqui o Tribunal a quo se pronunciou expressamente quanto ao alegado.

No tocante à invocada omissão de pronúncia sobre “o manifesto exagero na fixação de rentabilidades”, também aqui não assiste razão à Recorrente.

Assim, e chamando novamente à colação o teor da sentença recorrida, resulta que ali é afirmado:

“Adotando como correto o entendimento da Administração Fiscal, plasmado na fundamentação encontrada no RIT que, aqui se dá por totalmente reproduzido o seu teor, conclui este tribunal, que, o valor obtido não é excessivo, considerando as condições de mercado, a localização do imóvel, as suas características e, o tempo decorrido desde a sua aquisição”.

Logo, também aqui, mesmo que o Tribunal a quo não se tenha pronunciado sobre todos os argumentos esgrimidos, houve pronúncia sobre a questão discutida, a saber o excesso de quantificação.

Sobre as condicionantes específicas do negócio e, bem assim, as limitações decorrentes da classificação do IPPAR, trata-se, mais uma vez, de argumentos atinentes ao excesso de quantificação. Ora, como já referimos, para que haja omissão de pronúncia, necessário se torna que o Tribunal não se pronuncie sobre questões. Ainda que não se tenha pronunciado sobre estes argumentos esgrimidos, a questão aos mesmos respeitante foi conhecida, não existindo, pois, omissão de pronúncia.

Assim sendo, não assiste razão à Recorrente, não padecendo a sentença recorrida de omissão de pronúncia.

Refira-se, paralelamente, que, ao longo das alegações, a Recorrente foi invocando nulidades inominadas da sentença, mas que, face ao alegado, se configuram como erros de julgamento. Como tal, será nessa perspetiva que irão ser apreciadas infra.

III.B. Do erro de julgamento, por não se reunirem os pressupostos para recurso a métodos indiretos de fixação da matéria coletável

Entende a Recorrente que a decisão sob apreciação padece de erro de julgamento, em virtude de não se reunirem os pressupostos para recurso a métodos indiretos de fixação da matéria coletável, considerando que os factos que, no entender da administração tributária (AT), o justificaram são, todos eles, factos pontuais e concretos, suscetíveis de apuramento direto.

In casu, como resulta provado, a Recorrente foi objeto de ação inspetiva, relativa aos exercícios de 1998 e 1999, sendo apenas este último exercício aquele que está ora em apreciação.

Antes de mais refira-se que, apesar de a Recorrente, ao longo das suas alegações, ir fazendo menção a alguns meios de prova, não se pode considerar que tenha impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Com efeito, considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão[4].

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida ]cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­‑se-lhe os ónus já mencionados[5].

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus não foram cumpridos.

Com efeito, durante as suas alegações, verifica-se que a Recorrente não indica quaisquer pontos de facto incorretamente julgados (quer porque foram dados como provados indevidamente quer porque não tenham sido indevidamente considerados) nem que decisão de facto deveria ter sido tomada, sendo sim indicadas conclusões, o que implica que não se possa considerar que tenha havido efetiva impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Como tal, a matéria de facto a considerar é a fixada pelo Tribunal a quo, com a correção que este Tribunal fez, nos termos do art.º 662.º do CPC.

Assim, e passando à análise do caso concreto, do RIT decorreram, no que respeita ao exercício de 1999:
a) Correções aritméticas, que não foram objeto de impugnação;
b) Correções por métodos indiretos, no valor de 1.279.651,04 Eur.

Foi apresentado pedido de revisão, no qual não foi obtido acordo, motivo pelo qual se mantiveram os valores fixados no RIT.

Cumpre, antes de mais, referir em que situações é legítimo lançar mão a métodos indiretos de fixação da matéria coletável.

É desiderato constitucionalmente consagrado o de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. art.º 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – CRP).

Com efeito, nos termos do art.º 104.º, n.ºs 1 e 2, da CRP:

“1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.

2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

O princípio da igualdade, evidenciado, desde logo, nos n.ºs 1 e 2 do supracitado art.º 104.º da CRP, abrange quer a vertente da igualdade perante a lei fiscal, no sentido de não haver discriminação dos cidadãos face à referida lei, quer a vertente da igualdade tributária ou igualdade de sacrifícios; esta encontra-se estreitamente ligada ao princípio da capacidade contributiva, enquanto reflexo da igualdade material.

Como referido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 127/2004, de 03.03.2004:

“A tributação segundo o rendimento real é, numa certa dimensão, uma decorrência necessária do princípio da capacidade contributiva. É ele que justifica que a Constituição estabeleça que o sistema fiscal não pode deixar de assegurar “uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza” (art.º 103º, n.º 1) e que especifique, posteriormente, que os impostos devem ter em conta as “necessidades e os rendimentos [concretos] do [de cada] agregado familiar” e, finalmente, que a “tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

Mas o rendimento real fiscalmente relevante não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreensível, mas antes um conceito normativamente modelado e contabilisticamente mensurável, sendo constituído, simpliciter, “pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas [previstas na lei e] verificadas no mesmo período” (…) - o saldo entre os proveitos ou ganhos provenientes das mais diversas fontes, como vendas, bónus, comissões, rendimentos de imóveis, rendimentos de carácter financeiro, prestações de serviços, mais-valias realizadas, subsídios, etc., menos os custos ou perdas, como os encargos relativos à produção, distribuição e venda, encargos de natureza financeira e de natureza administrativa, encargos fiscais e parafiscais, reintegrações e amortizações, etc., acrescido das variações patrimoniais positivas ou diminuído das variações patrimoniais negativas, previstas na lei”.

O princípio da tributação pelo rendimento real admite, no entanto, exceções ou desvios (veja-se que o n.º 2 do art.º 104.º da CRP utiliza o advérbio “fundamentalmente”), devidamente fundados e justificados[6].

Reflexo do respeito pelo princípio da tributação pelo rendimento real é a circunstância de o recurso à aplicação de métodos indiretos de avaliação da matéria coletável ser subsidiária em relação à avaliação direta (cfr. art.º 85.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária – LGT).

A este propósito, e para melhor densificação dos termos em que se admite o recurso a um ou outro método de determinação da matéria coletável, há que apelar, desde logo, ao art.º 81.º da LGT, nos termos do qual:

“1 - A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei”.

Por seu turno, o art.º 83.º do mesmo diploma determina que:

“1 - A avaliação direta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação.

2 - A avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha”.

A avaliação direta tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros – cfr. o art.º 75.º, n.º 1, da LGT. No entanto, como decorre do mesmo art.º 75.º, mas do seu n.º 2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “… omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

Veja-se, não obstante, que não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que justifica o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação direta.

Assim, se, apesar de haver irregularidades contabilísticas, for possível quantificar diretamente a matéria coletável, deve-se lançar mão de métodos diretos. Ou seja, sendo certo que a avaliação direta parte das declarações dos contribuintes ou dos dados constantes da contabilidade, pode fundar-se noutros elementos objetivos, desde que os mesmos permitam, com segurança, concluir no sentido da ocorrência do facto tributário e da sua quantificação concreta.

A aplicação de métodos diretos de avaliação da matéria coletável redunda nas chamadas correções técnicas ou meramente aritméticas[7].

Apelando às palavras de Casalta Nabais[8], “as correcções técnicas, são as correcções que a administração tributária faz à matéria tributável determinada no âmbito da avaliação directa, como a correcção concretizada, por exemplo, na não consideração de determinadas verbas como custos fiscais assim qualificadas na declaração de rendimentos (…) [;] (…) as correcções aritméticas ou correcções meramente aritméticas, têm lugar quando a administração tributária se limita a corrigir erros de cálculo das declarações-liquidações”.

Já a avaliação indireta deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos art.ºs 87.º a 89.º da LGT.

Para que seja legítimo o recurso à tributação por via dos métodos indiretos, cabe à AT o ónus da prova de que se reúnem os pressupostos da sua aplicação, consubstanciando­‑se tal ónus probatório na demonstração da existência de situações fáticas, designadamente irregularidades contabilísticas, que assumam alcance tal que impossibilitam o recurso a métodos diretos de avaliação[9].

Assim, nos termos do art.º 87.º da LGT (redação à época):

“A avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de:

(…) b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”.

A situação prevista na alínea b) supratranscrita remete-nos para o art.º 88.º da LGT, nos termos do qual:

“A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:

a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;

b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;

c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.

d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada”.

Inerente às próprias caraterísticas da avaliação indireta, o legislador criou um procedimento próprio de reação à mesma, como resulta do disposto no art.º 86.º da LGT. Assim, se as liquidações de imposto decorrentes da avaliação direta são suscetíveis de impugnação direta (cfr. art.º 86.º, n.º 1, da LGT), já quando haja recurso a métodos indiretos a situação é distinta. Com efeito, estando em causa o erro na quantificação ou nos pressupostos, é exigido que se desencadeie o procedimento de revisão previsto no art.º 91.º da LGT, procedimento esse de cariz sobretudo pericial.

Logo, quando se verificarem os pressupostos de recurso à avaliação indireta é possível o recurso a métodos presuntivos de determinação da matéria coletável, surgindo como mecanismo de reação contra a fraude e evasão fiscal, dando resposta, por esta via, à incumbência do Estado, prevista no art.º 81.º, al. b), da CRP[10] [segundo o qual “[i]ncumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social: (…) b) Promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal”].

O recurso a estes meios de avaliação não é discricionário, como se conclui do que viemos expondo: estão legalmente definidas, de forma circunscrita, as situações em que é admissível à AT a sua utilização. Ademais, a presunção de rendimento que venha a funcionar é ilidível, podendo o contribuinte, desde logo, demonstrar o excesso na quantificação[11].

Portanto, e em suma, o nosso ordenamento prevê que a avaliação da matéria tributável se possa realizar direta ou indiretamente, sendo que o recurso à avaliação indireta funciona como ultima ratio, só podendo ocorrer quando se revele impossível o recurso à avaliação direta[12]. Posto isto, o recurso a uma ou outra das formas de avaliação não é uma opção arbitrária da AT: ou se verificam condições para a avaliação direta ou, não existindo, nos termos já assinalados supra, é possível recorrer à avaliação indireta.

Feito este introito, cumpre apreciar.

In casu, como resulta do RIT, foram elencados os seguintes circunstancialismos para se entender justificar-se o recurso a métodos indiretos de fixação da matéria coletável:

“1. Impossibilidade de controlo dos movimentos financeiros da empresa e das respectivas operações económicas subjacentes. Sendo exemplo o referido do nos pontos 3.1.2.2.4 - Movimentos financeiros de BANCOS através de CAIXA e vice-versa, de que resulta uma complexa movimentação financeira que envolve as contas de SUPRlMENTOS dos accionistas e as contas de CAIXA e BANCOS, que não tem o respectivo suporte documental adequado.

2. Omissão do registo das operações comerciais praticadas e não reflectidas na sua escrita, como são exemplos o referido nos 3.1.2.2.3 -Aauisicã Mercedes Benz S 500 L com a matrícula ….., no valor de € 125796,38 (25.219.909$00), e o referido no ponto 3.1.2.2.4 -Movimentos financeiros de BANCOS através de CAIXA e vice - versa, no que concerne à aquisição da fracção autónoma designada pela letra K, ou seja o 2° andar, letra B - Bloco A - destinado a habitação no valor de € 199 519,16 (40 000 000$00), também não_ registado na escrita da empresa, no exercício de 1999, ano do movimento financeiro.

3. Apresentação dos registos contabilísticos duma forma complexa, incorrectamente documentadas, não se conseguindo saber duma maneira clara e inequívoca a quem se destinam e quais os beneficiários das operações efectuadas, são exemplos os movimentos de BANCOS transferidos para a conta 11.9 -Transferências de CAIXA; que deram origem a notificações para esclarecimento desses registos e de que resultou o apuramento das omissões anteriormente relatadas.

4. Custos contabilizados na sua escrita, designadamente, os anúncios publicados no Diário de Notícias, de venda de lotes de terreno para construção com licença paga em nome L….., sem que os conseguíssemos identificar nem localizar, quer fisicamente, ou através de visita ao local ou na sua escrita.

5. Registo contabilístico das operações de venda de mercadorias por um valor inferior ao seu custo, na ordem dos 70%. Concretamente é o caso da venda das fracções do prédio da ….., havendo para estas operações, informações e registos, de que o valor efectivo das operações foi superior ao registado nas escrituras contabilizadas.

6. Informações e registos da APEMl e Confidencial Imobiliário dos valores transaccionados superiores aos declarados”.

Como decorre deste elenco, o mesmo apresenta uma formulação conclusiva em alguns dos casos, designadamente em termos de movimentos financeiros, uma vez que o constante do RIT não faz uma interconexão entre as dificuldades sentidas pela AT e as concretas operações que viriam a ser objeto de correção através de métodos indiretos. Esta limitação revela-se de grande importância, porquanto, como referimos, não é pelo facto de existirem erros ou limitações na contabilidade que está legitimada a utilização de métodos indiretos. Pode dar-se, aliás, o caso de a contabilidade ter limitações que abrangem apenas uma parte da atividade. Ora, nada disto encontra resposta no RIT.

Olhando agora para os indícios que, na verdade, respeitam expressamente à venda das frações, os mesmos circunscrevem-se ao facto de a venda ser inferior ao valor do custo e à comparação entre tais valores com as informações e registos da APEMl e da Confidencial Imobiliário.

Ora, em relação às frações cuja venda foi objeto de correção através de métodos indiretos, reconhece-se, tal como a AT, que a diferença entre o preço de custo e o preço de venda, prima facie, suscita dúvidas em termos de veracidade do preço efetivo de venda. Complementarmente, as informações que terão sido colhidas junto de um inquilino do prédio poderiam ser consideradas como um elemento adicional no mesmo sentido – ainda que se reconheça a fragilidade de tal elemento, considerando 10) do probatório e a circunstância de tais declarações nunca terem sido reduzidas a escrito.

No entanto, verifica-se que as diligências a realizar pela AT ficaram aquém do exigível (mesmo que se tivessem como bons todos os elementos contidos no RIT), porquanto a administração queda-se por afirmações conclusivas, mas nunca demonstra em que termos as situações identificadas impedem a realização de correções técnicas, passo fundamental em matéria de tributação por métodos indiretos, dado o seu caráter de subsidiariedade.

Especificando, no que respeita aos adquirentes, a administração limita-se a afirmar que é pública a relação de Vítor Santos com o BIC, nada resultando no sentido de terem sido feitas diligências junto do mesmo com o objetivo de apurar o preço efetivo da venda.

Mesmo em relação à R….., Lda, as diligências ficaram aquém do exigível, porquanto, como resulta do RIT, a AT conformou-se com a circunstância de não encontrar ninguém na sede daquela sociedade, nada decorrendo no sentido de envidar mais esforços para a localização dos seus gerentes ou sócios. Neste caso, do contacto que a AT fez com o técnico oficial de contas, o valor constante da contabilidade coincidia com os valores declarados da venda da fração C (40 mil contos), ainda que haja, aparentemente, divergência entre o que é afirmado pelo TOC e o que é afirmado pelos representantes da Recorrente quanto à forma como tal pagamento foi efetivado.

Ademais, as situações de irregularidades em termos de movimentos financeiros, com as limitações a que já nos referimos supra, foram relatadas com base na análise contabilística, não havendo quaisquer diligências adicionais, designadamente análise das contas bancárias, que permitam, de alguma forma, concluir pela efetiva impossibilidade de se corrigir tecnicamente a realidade em causa.

Como já mencionamos, a mera existência de irregularidades na contabilidade não implica, per se, que se lance mão de métodos indiretos de avaliação da matéria coletável. Da mesma forma não o justifica, per se, a suspeita de que os valores declarados não corresponderam aos reais.

Teria sido necessário ir mais longe na demonstração de que não era possível a correção aritmética da matéria coletável, cabendo, como referimos, à AT demonstrar tal impossibilidade.

No entanto, como já mencionado, a AT limitou-se, face aos indícios que recolheu, concluir pela admissibilidade de recurso a métodos indiretos de avaliação, sem demonstrar que as limitações encontradas na contabilidade da Recorrente implicam a impossibilidade de se proceder a correções aritméticas.

Aliás, do próprio RIT resulta, de um lado, o elenco das situações que conduzem à falta de credibilidade da contabilidade da Recorrente para daí se passar de imediato à quantificação dos valores, considerando os dados da publicação “Confidencial Imobiliário”.

Não é, pois, cabalmente explanado por que motivo não foi possível o recurso a correções técnicas, como refere a Recorrente.

Além disso, e como já salientamos, não se verifica, por exemplo, que tenham sido analisadas as contas bancárias da Recorrente, o que se revelaria imprescindível para verificar se as correções poderiam ou não ser aritméticas.

Portanto, a AT limitou-se a analisar os elementos que conseguiu coligir, por análise à contabilidade da Recorrente, considerando, de forma conclusiva, que se reuniam os pressupostos para aplicação de métodos indiretos, mas sem que tenha lançado mão de outros meios de que dispunha para efeitos aferição da possibilidade de determinação direta da matéria coletável.

Esta circunstância implica a existência de fragilidades em termos de uso de métodos presuntivos de determinação da matéria coletável, porquanto não está cabalmente sustentada a impossibilidade de se proceder a correções aritméticas, o que não se compadece com o carater subsidiário deste tipo de método.

Portanto, pela ausência de diligências adicionais que estava ao seu alcance fazer, desde logo fica demonstrado que não está cabalmente suportado o recurso a métodos indiretos.

Como tal, assiste razão à Recorrente, resultando prejudicada a apreciação dos demais fundamentos do recurso.

Vencida a Recorrida é a mesma responsável pelas custas em ambas as instâncias (art.º 527.º do CPC), sem prejuízo de não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado (art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais).

Cumpre ainda, atento o valor dos autos, considerar o disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

Assim, nos termos desta disposição legal, “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

No caso, considerando quer a conduta das partes, que se revelou sem mácula, quer a complexidade das questões, entende-se dever haver lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgar a impugnação procedente, com a decorrente anulação dos atos impugnados;
b) Custas pela Recorrida em ambas as instâncias, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 25 de março de 2021

[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Susana Barreto e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha

___________________
[1] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p. 727.
[3] Cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 320; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, pp. 219 e 220.
[4] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
[5] V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
[6] V. a este propósito o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 84/2003, de 12.02.2003.
[7] Para uma noção de correções meramente aritméticas, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.09.2013 (Processo: 00120/03 – Porto).
[8] Direito Fiscal, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2009, p.389.
[9] Neste sentido, v., exemplificativamente, os Acórdãos deste TCAS de 17.10.2019 (Processo: 487/11.6BECTB), de 25.05.2017 (Processo: 06473/13), de 17.03.2016 (Processo: 06556/13) e de 13.03.2014 (Processo: 07216/13).
[10] V. a este propósito o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 84/2003, de 12.02.2003.
[11] Cfr. a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.07.2000 (Processo: 022428).
[12] V. a esse respeito José Maria Fernandes Pires (Coord), Maria João Menezes, José Ramos Vidal e Gonçalo Bulcão, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 867 e 888.