Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10238/13
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:08/14/2013
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:SENTENÇA DE ANTECIPAÇÃO DO JUÍZO SOBRE A CAUSA PRINCIPAL À LUZ DO ARTº 121º DO CPTA, ARTº 40º DO ETAF.
Sumário:I. Proferido despacho que decidiu antecipar o juízo sobre a causa principal, nos termos do artº 121º do CPTA, opera-se a convolação da forma processual, pelo que, a sentença que posteriormente for proferida traduz-se em decisão urgente sobre o mérito da causa.
II. A sentença proferida com antecipação do juízo da causa principal, nos termos do artº 121º do CPTA, mostra-se proferida em processo que, embora mantenha a sua urgência, perdeu já a sua natureza cautelar.
III. Significa isto que não se afigura correcto dizer que a sentença que conhece do mérito da causa, proferida à luz do artº 121º do CPTA, se insira ainda no âmbito da lide cautelar e que, por isso, se aplique o regime processual previsto quanto à interposição do recurso de decisões que assumam essa natureza.
IV. A essa sentença não é aplicável o regime previsto para a acção administrativa especial, porquanto embora se trate de meio processual principal, é o mesmo carecido da urgência que caracteriza a presente instância.
V. A sentença proferida nos presentes autos, porque conheceu do mérito do pedido, assume a natureza de processo principal, mas porque assenta na urgência da resolução do litígio, mantém a sua natureza de processo urgente, tornando-se num processo principal urgente a que não é aplicável o disposto no nº 3 do artº 40º do ETAF, mas antes o estabelecido no nº 1 do citado preceito, cabendo o seu respectivo julgamento ao juiz singular.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

A...PORTUGAL – Comunicações Pessoais, S.A., devidamente identificada nos autos, nos autos de providência cautelar de suspensão de eficácia de norma administrativa, em que foi proferida decisão de antecipação do juízo sobre a causa principal, nos termos do artº 121º do CPTA, instaurados contra o ICP – Autoridade Nacional de Comunicações e os Contra-interessados identificados em juízo, inconformada com o despacho proferido pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datado de 08/05/2013, que não admitiu a reclamação para a conferência apresentada contra a sentença, veio interpor recurso jurisdicional.

Formula a recorrente nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que ora se reproduzem (cfr. fls. 4 e segs. do processo físico):

“1. Na providência cautelar foi proferido despacho para decidir sobre a antecipação do juízo da causa principal, nos termos do artº 121º, nº 1 do CPTA, por referência ao objecto da acção principal, delimitada à análise da invalidade do artigo 12.º, n.º 10, do Regulamento n.º 114/2012, de 13 de Março

2. Sobre o objecto de tal acção principal, foi proferida sentença que decidiu que o momento em que ocorre a conclusão do acordo para a transferência do número, teria de ser objecto de execução no âmbito do RP, pelo ora Réu ICP­ANACOM, que não foi violado o princípio da competência e nem se verificou excesso de poder regulamentar, e que atentas as dificuldades manifestadas pelos vários operadores em sede de procedimento de consulta que antecedeu a emissão do RP/2012, o ICP-ANACOM incluiu no texto do citado nº 10 do artigo 12°, várias excepções, o que revela também a adequação da tarefa interpretativa e concretizadora do bloco da legalidade, realizada pelo Réu ICP­ ANACOM na elaboração do RP.

3. A Recorrente entende que cumpre interpor, em primeiro lugar, e tendo e conta o que dispõe o artigo 27°, nº 2 do CPTA, uma RECLAMAÇÃO PARA O TRIBUNAL COLECTIVO com competência para decidir a acção principal, à luz do previsto no artigo 40°, nº 3, do ETAF.

4. Nesta acção, mais do que à gravidade dos interesses envolvidos, necessário se toma a ponderação de uma matéria efectivamente complexa e difícil.

5. A decisão de antecipar a resolução definitiva do caso, antecipando o juízo sobre a causa principal, fez errada ponderação da situação, pelo que

6. Foi efectivamente violado o ditame do artigo 40º, nº 3 do ETAF dispõe que “nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juí4es, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito”.

7. Tampouco a decisão recorrida pode ser considerada integrada na categoria de decisão respeitante à adopção de providência cautelar.

8. Na decisão final proferida já o julgador não está no âmbito da acção cautelar, mas proferindo uma decisão final, assumindo a decisão antecipada da acção principal, que de acordo com disposto no artigo 40º do ETAF, cabe ao tribunal colectivo.

9. O próprio CPTA prevê, no seu art° 119º, que em caso de especial complexidade da matéria a decidir (como in casu sucede) o relator pode submeter, ou propor submeter o julgamento à conferência.

10. Aquando da decisão prevista no nº 2 do artº 121°, deve ser verificar a necessidade da aplicação desta regra do artº 119°, nº 3, nomeadamente através da comprovação da efectiva complexidade da matéria a apreciar.

11. O Acórdão n.º 3/2012 do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (in Diário da República, 1.ª série, nº 182, de 19 de Setembro de 2012) veio defender e impor o cumprimento da regra imposta pelo indicado nº 3 do art° 40º do ETAF.

12. Norma que o despacho recorrido efectivamente viciou.”.

Conclui, pedindo que seja concedido provimento ao recurso, revogado o despacho que indeferiu a reclamação para a conferência e que se determine a admissão da reclamação e a sua remessa ao Tribunal colectivo.


*

A recorrida, ICP, apresentou contra-alegações, concluindo do seguinte modo:

“I. Não é possível reclamar para o tribunal colectivo com competência para decidir a acção principal da decisão proferida em sede cautelar;

II. Em especial se a instância para que se reclama se encontra suspensa;

III. A decisão proferida nos termos do Art. 121.º do CPTA é proferida nos autos cautelares, convolando-se aqueles autos num processo principal urgente, e não na acção principal a que os autos estivessem apensados;

IV. Não lhe sendo por isso aplicável nem o n.º 2 nem o n.º 3 do Art. 40.º do ETAF;

V. Mas sim, o Art. 40.º n.º 1 do ETAF que estabelece que quer os processos urgentes quer as providências cautelares serão julgadas de facto e de direito por juiz singular;

VI. Tal decisão é proferida por quem deva decidir o procedimento cautelar que nos Tribunais Administrativos de Círculo será o juiz singular, conforme previsto nos Art.s 20.º n.º 1 do ETAF e 119.º n.º 1 do CPTA, por ausência de qualquer outra disposição especial – salvo o n.º 3 do Art. 119.º do CPTA aqui inaplicável;

VII. Distinguindo o legislador claramente entre “o juiz do processo” e o “relator” no Art. 119.º n.ºs 1, 2 e 3 do CPTA, e

VIII. Verificando-se que, contrariamente ao que sucede nos Tribunais Administrativos de Círculo, existe no STA um relator e uma conferência a quem compete conhecer dos pedidos de adopção de providências cautelares relativos a processos da competência daquele Supremo Tribunal, conforme o disposto no Art. 24.º n.º 1 do ETAF;

IX. Não é aplicável o Art. 27.º do CPTA, sob a epígrafe “Poderes do Relator” a um juiz singular que não seja relator, quanto mais não seja por não haver também conferência para a qual reclamar.”.

Conclui pela manutenção do despacho recorrido.


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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, não emitiu parecer.

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Sem vistos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artºs. 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1, todos do CPC, ex vi, artº 140º do CPTA.

A questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, por violação dos artºs. 27º, nº 2 do CPTA e 40º, nº 3 do ETAF.

III. FUNDAMENTOS

Mostra-se impugnado no presente recurso jurisdicional, o despacho datado de 08/05/2013 que indeferiu, “por inadmissível, atenta a natureza da decisão recorrida – fls. 864 e ss., ainda integrada na categoria de decisão respeitante à adopção de providência cautelar, embora com antecipação da decisão da causa principal, ao abrigo do artigo 121º do CPTA, cuja competência é atribuída ao juiz singular, titular da acção, e não à formação de três juízes prevista para as acções administrativas especiais no artigo 40º, nº 2 do ETAF.”.

Como fundamentos do presente recurso, alega a recorrente que instaurou providência cautelar de suspensão de eficácia de norma, a que corresponde o processo nº 1958/12.2BELSB e acção administrativa especial, a que foi atribuído o número 1959/12.0BELSB e que tendo sido proferida decisão final de antecipação do conhecimento da causa principal, nos termos do artº 121º do CPTA, contra a decisão de mérito proferida apresentou reclamação para a conferência, ao abrigo do artº 40º, nº 3 do ETAF, para que fosse proferido acórdão sobre a sentença proferida com antecipação do juízo da causa principal.

Discorda a recorrente do despacho proferido, ora recorrido, mediante alegação de que contra a sentença que decidiu a questão de fundo cabe reclamação para a conferência e não recurso jurisdicional, pois estando em causa uma decisão sobre o mérito da causa, é a mesma passível de impugnação nos termos gerais, daí ter dado cumprimento ao disposto no nº 2 do artº 27º do CPTA.

O despacho ora recorrido entendeu que a reclamação é inadmissível, atenta a natureza da decisão recorrida, que considera integrada na categoria de decisão respeitante à adopção de providência cautelar, mas na decisão proferida o julgador já não está no âmbito da acção cautelar, antes proferindo uma decisão final que assume a decisão antecipada da acção principal que, de acordo com o artº 40º do ETAF, cabe ao tribunal colectivo.

Vejamos.

Embora sob diferente fundamentação, é de manter o despacho que não admitiu a reclamação para a conferência da sentença de antecipação do juízo da causa principal, à luz do artº 121º do CPTA.

O despacho ora sob censura recusou tal reclamação com o fundamento de que a decisão, proferida nos termos do artº 121º do CPTA, ainda se insere na categoria de decisão respeitante à adopção de providência cautelar, citando, em seu abono, a doutrina.

Porém, tal como neste ponto assinala, com razão, a recorrente, tal entendimento assumido pela doutrina refere-se apenas e só quanto ao efeito do recurso jurisdicional que for interposto dessa decisão, no sentido de se justificar, pela razão da urgência evidenciada na decisão de antecipação do juízo da causa principal, o efeito do recurso previsto na lei para as providências cautelares.

Isso não significa, como assume o despacho recorrido, que a decisão proferida de antecipação do conhecimento do mérito da causa, à luz dos requisitos e pressupostos previstos no artº 121º do CPTA, por isso, uma decisão sobre o mérito da causa, se traduza numa “decisão respeitante à adopção de providência cautelar”.

A decisão proferida, de antecipação do conhecimento do mérito da causa, ocorreu em momento em que se já se tinha operado a convolação da forma processual e da sua respectiva tramitação – permitida expressamente pelo artº 121º do CPTA e, em termos gerais, no artº 265º-A do CPC –, nos termos do despacho que decidiu antecipar esse juízo, in casu, proferido em 14/03/2013, em data anterior ao da sentença.

Por outras palavras, é com o despacho datado de 14/03/2013 que se operou a convolação da lide cautelar, em processo principal urgente, pelo que, a sentença de antecipação do juízo da causa principal, nos termos do artº 121º do CPTA, mostra-se proferida em processo que, embora mantenha a sua urgência, perdeu já a sua natureza cautelar.

Significa isto que não se afigura correcto dizer que a sentença que conhece do mérito da causa, proferida à luz do artº 121º do CPTA, se insira ainda no âmbito da lide cautelar e que, por essa razão, se aplique o regime processual previsto quanto à interposição do recurso de decisões que assumam essa natureza, como procede o despacho recorrido.

Por outro lado, também não tem a recorrente razão quando defende que é aplicável à presente lide o regime previsto para a acção administrativa especial, enquanto meio processual principal, porquanto é este meio processual carecido da urgência que caracteriza a presente instância.

A sentença proferida nos presentes autos, porque conheceu do mérito do pedido, assume a natureza de processo principal, mas porque assenta na urgência da resolução do litígio, mantém a sua natureza de processo urgente, ou seja, tornando-se num processo principal urgente.

Por este motivo, não tem sentido aplicar o regime previsto para a acção administrativa especial, já que esta não tem carácter urgente.

Em suma, em sequência do despacho proferido em 14/03/2013, que decidiu antecipar o conhecimento do mérito da causa, ao abrigo do disposto no artº 121º do CPTA, a sentença que posteriormente foi proferida, em 19/04/2013 e sobre que recaiu a reclamação para a conferência, que não foi admitida pelo despacho ora recorrido, assume as vestes de decisão proferida em processo principal urgente.

Tal como acentua a doutrina, “Cumpre, na verdade, notar que a previsão do artigo 121º constitui um sucedâneo em relação ao funcionamento dos processos (principais) urgentes, que o CPTA institui nos seus artigos 97º e segs., e através dos quais procura dar resposta a situações típicas de urgência na obtenção de pronúncias sobre o mérito da causa.” – cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, pág. 620.

Assim sendo, visto estar em causa uma sentença que, embora proferida em processo principal, assume natureza urgente, não tem aplicação o disposto no nº 3 do artº 40º do ETAF, valendo a regra prevista no nº 1 do mesmo preceito legal, ou seja, a decisão por juiz singular.

Em consequência, por falta de fundamento, será de julgar improcedente o presente recurso jurisdicional.


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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Proferido despacho que decidiu antecipar o juízo sobre a causa principal, nos termos do artº 121º do CPTA, opera-se a convolação da forma processual, pelo que, a sentença que posteriormente for proferida traduz-se em decisão urgente sobre o mérito da causa.

II. A sentença proferida com antecipação do juízo da causa principal, nos termos do artº 121º do CPTA, mostra-se proferida em processo que, embora mantenha a sua urgência, perdeu já a sua natureza cautelar.

III. Significa isto que não se afigura correcto dizer que a sentença que conhece do mérito da causa, proferida à luz do artº 121º do CPTA, se insira ainda no âmbito da lide cautelar e que, por isso, se aplique o regime processual previsto quanto à interposição do recurso de decisões que assumam essa natureza.

IV. A essa sentença não é aplicável o regime previsto para a acção administrativa especial, porquanto embora se trate de meio processual principal, é o mesmo carecido da urgência que caracteriza a presente instância.

V. A sentença proferida nos presentes autos, porque conheceu do mérito do pedido, assume a natureza de processo principal, mas porque assenta na urgência da resolução do litígio, mantém a sua natureza de processo urgente, tornando-se num processo principal urgente a que não é aplicável o disposto no nº 3 do artº 40º do ETAF, mas antes o estabelecido no nº 1 do citado preceito, cabendo o seu respectivo julgamento ao juiz singular.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e em manter o despacho recorrido, embora com diferente fundamentação.

Custas pela recorrente.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Maria Cristina Gallego Santos)

(Benjamim Barbosa) - Declaração de voto

Discordo da fundamentação exarada no acórdão por entender que a urgência a que se refere o art.° 121.° do CPTA não pode implicar, necessariamente, a anulação das garantias que a tramitação típica da acção principal assegura para os titulares dos interesses envolvidos, autor(es), réu(s) e, eventualmente, contra-interessado(s), que a submissão a um regime de urgência e o correspondente encurtamento de prazos pode acarretar, ern tudo o que diz respeito à ponderação e reflexão das decisões que no processo sejam proferidas.
O art.° 121.° do CPTA não faz depender a antecipação da decisão da causa principal (no processo cautelar) apenas do requisito da existência de uma urgência qualificada, excepcional, e que de resto não pode consumir a urgência que está na base do processo para Intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, previsto nos artigos 109.° e ss. do CPTA.
Embora a aplicabilidade do art.° 121.° do CPTA dependa da necessidade urgente de uma decisão e da insuficiência do decretamento de uma providência cautelar, a antecipação depende ainda de outros dois íncontornáveis requisitos de natureza processual:
— Existirem no processo todos os elementos necessários;
— Terem sido ouvidas as partes.
Basta que um destes dois requisitos não se mostre preenchido para que a antecipação não seja possível.
Portanto, a apelidada tutela final urgente vale o que vale em termos de urgência, já que não é aplicável a todas as situações em que é detectada uma necessidade de antecipação da decisão sobre o mérito da causa.
Aliás, se o critério fosse exclusivamente o da urgência na decisão o legislador teria, certamente, densificado com mais detalhe o regime em causa, à semelhança de outros casos em que impõe urgência na decisão, como sucede, por exemplo, nos artigos 100.° e seguintes do CPTA.
A "urgência" do art.° 121.° é pois, a meu ver, uma urgência relativa, que só funciona se se mostrarem reunidos os requisitos de que o preceito faz depender a antecipação da decisão da causa principal. É mais um princípio orientador para o julgador no sentido de, com razoabilidade e bom senso, poder solucionar definitivamente a questão, pondo termo à situação de indefinição jurídica que a demora da decisão na acção principal implica, do que a consagração de um tertium genus processual, situado algures entre a acção principal e o processo cautelar.
Partindo aparentemente de um pressuposto que se me afigura correcto - de que a antecipação retira pertinência ao prosseguimento do processo cautelar Em sentido contrário, marlene sennewald, O instituto da convolação da tutela cautelar em tutela final urgente consagrado no artigo 121.° do CPTA, Revista de Direito Público e Regulação, n.° 5, CEDIPRE, Março de 2010, p. 67. - a fundamentação do acórdão interpreta o preceito em causa em termos do processo "manter" a urgência do processo cautelar mesmo depois de proferida a decisão final antecipada, conclusão que se me afigura inaceitável.
Em primeiro lugar porque nada permite dizer que o processo principal tenha de ser julgado unicamente pelo juiz singular do processo cautelar, como parece decorrer da argumentação aduzida. Não só os processos cautelares, mesmo em primeira instância, podem ser julgados em conferência (art.° 119.°, n.°2 e 3, do CPTA), como a referência a "tribunal", constante do art.° 121.° permite dizer que o legislador teve em vista o tribunal (singular ou colectivo) competente para julgar a causa em função do respectivo valor.
Em segundo lugar, uma leitura atenta do preceito e nomeadamente no tocante às referências à "natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos" leva à conclusão de que é duvidosa a admissibilidade de intervenção do juiz singular, mesmo ao abrigo do disposto na al. i) do n.° 1 do art.° 27.° do CPTA.
Na verdade, o fundamento de aplicação do art.° 27.°, n.° 1, al. i), do CPTA, é o da simplicidade da questão, o que não nos parece quadrar bem nos casos que envolvam questões de especial natureza e de peculiar gravidade quanto aos interesses envolvidos, que são o pressuposto de aplicação do art.° 121.° do CPTA.
Em terceiro lugar, é o próprio legislador do CPTA que sinaliza inequivocamente que a única urgência que perspectivou foi a da urgência na decisão e não uma urgência que se estende a todos os termos e fases do processo, ao estabelecer que a decisão de antecipar a causa deve ser notificada às partes no prazo regra de dez dias, ou seja, o prazo geral supletivo para as partes praticarem actos processuais (cfr. art.° 29.°, n.° 1, do CPTA). Se a opção do legislador fosse em sentido diferente por certo teria lançado mão de um prazo mais curto, como fez, v. g., no artigos 115.°, n.°4 e 119.°, n.° 1, do CPTA.
Em quarto lugar, um outro sinal do legislador consta do n.° 2 do art.° 121.° que estabelece que a decisão de antecipar o juízo sobre a causa principal é passível de impugnação nos termos gerais, e não nos termos dos processos urgentes. A expressão nos termos gerais, frequentemente utilizada em técnica legislativa, significa uma referência aos termos mais comuns que por via de regra são usados a propósito de um instituto jurídico, o que no caso em apreço traduz uma remissão para o regime de recursos ordinários.
Deste modo, partindo do pressuposto de que o legislador consagrou a solução mais acertada (art.° 9.°, n.° 3, do Código Civil), a conclusão óbvia é de que o regime relativo à impugnação da decisão final é todo ele o regime-regra e não uma mescla entre este regime e o regime dos recursos urgentes, como sucederia caso se pretendesse impugnar simultaneamente a decisão final propriamente dita e a decisão que determinou a sua antecipação.
De qualquer modo, mesmo que se perfilhe o entendimento de que o processo mantêm a urgência mesmo depois de proferida a decisão final antecipada, isso não significa que se lhe possa fazer amputações de actos e trâmites processuais que consubstanciem formas de reacção contra decisões desfavoráveis, de que a reclamação para a conferência é exemplo como lembra o acórdão uniformizador de jurisprudência, do STA, de 05-06-2012 (rec. n.° 0420/12). De resto, são razões semelhantes, ligadas às garantias das partes, que justificam que o julgamento da matéria de facto e de direito no âmbito do art.° 121.° do CPTA deva ser idêntico ao que (presumivelmente) ocorreria se a antecipação não fosse decretada Neste sentido, isabel celeste M. fonseca, Processo têmpora/mente justo e urgência, Coimbra, Coimbra Ed.a, 2009, p. 1025 e s..
Por último, a supressão de actos próprios da acção principal na fase posterior à decisão da causa, isto é, na fase impugnatória dessa decisão - como sucedeu ín casu com a recusa de reclamação para a conferência -, com o argumento do processo manter a urgência cautelar olvida que o art.° 112.°, n.° 1, do CPTA, estabelece que o processo cautelar apenas visa "assegurar a utilidade da sentença a proferir" no processo principal.
Por isso, como se diz no acórdão do TCAN de 18-03-2011 Proc. n.° 01924/10.2BEPRT, a decisão antecipada "é própria de acção principal, e não de acção cautelar, pois é daquela que são próprios os seus efeitos". Aliás, o art.° 121.° do CPTA tem por epígrafe, precisamente, "decisão da causa principal".
A tutela jurisdicional efectiva não justifica a obliteração de actos ou o encurtamento de prazos, visto que tal princípio não se esgota na prolação de uma decisão em prazo razoável. Ora, se o valor da causa para efeitos de recurso é o da causa principal, pois "só assim se garante que não haja qualquer encurtamento das garantias dos interessados" Assim, marlene sennewald, c/t., p. 72, apoiando-se na doutrina de carlos F. cadilha e M. aroso de almeida, então por maioria de razão não poderá ocorrer eliminação de actos que corporizem tais garantias. Por outro lado, a circunstância do recurso ter efeito suspensivo não significa que o requerente da providência fique desprotegido, visto que a suspensão automática prevista no art.° 128.°, n.° 1, do CPTA se deve considerar salvaguardada pelo disposto na alínea f) do n.° 1 do art.° 123.° do mesmo diploma legal. Em todo o caso, há sempre possibilidade de aplicação do disposto no art.° 143.°, n.° 3, do CPTA.
Em jeito de remate, a tese dominante acaba por introduzir situações de manifesta desigualdade como sucede, por exemplo, em dois casos semelhantes que reclamem uma decisão antecipada, se num deles estão reunidos todos os elementos de prova necessários para a decisão final e no outro não. No primeiro caso e de harmonia com a tese que fez maioria, o processo segue a toda a brida, qual comboio foguete. No segundo, lá se foi a urgência e as vicissitudes processuais podem ser calmamente apreciadas e reflectidas pelas respectivas partes. Tal discrepância pode por em causa os direitos, liberdades e garantias pessoais (art.° 20.°, n.° 5, da CRP), através de um tratamento desigual (art.° 13.°, n.° 1, da CRP), sem fundamento material bastante.
Dito isto, tendo em conta que no caso sub judice a sentença foi proferida sem invocação do disposto no art.° 27.°, n.° 1, al. i), do CPTA, isto é, arrogando-se o juiz da causa de uma competência própria sem intermediação desta norma, o meio de reacção adequado contra a decisão não é a reclamação para a conferência mas sim o recurso. Isto é, a decisão proferida no acórdão está correcta e como tal merece a minha concordância, embora como principiei por dizer não concorde com a fundamentação que a ela conduziu. _______ (Benjamim Barbosa)