Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:83/22.2BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:08/09/2022
Relator:LINA COSTA
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Sumário:I - As referidas declarações do Recorrido, prestadas em conferência de imprensa na qualidade de dirigente desportivo, para além de apontarem erros técnicos à actuação do árbitro VAR, como defende o TAD e o Recorrido, pressupõem um juízo de valor de premeditação na prática desses erros por parte do mesmo com a intenção de beneficiar não só o clube opositor no jogo que as motivou, mas os demais competidores, intervenientes nos referidos jogos onde também foi VAR;
II - Consequentemente, para além ofensivas da honra e bom nome do referido árbitro, põem em causa a ética, a verdade e o espírito desportivos, consubstanciando a infracção disciplinar prevista e punível pelo artigo 130º, nºs 1 e 2, alínea a), do RDLPFP.
III - E extravasando os limites do exercício do direito à liberdade de expressão.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em sessão do Tribunal Central Administrativo Sul:

Federação Portuguesa de Futebol, devidamente identificada como Demandada na acção arbitral nº 35/2021, instaurada por J..., veio interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), em 25.2.2022, que julgou a presente acção arbitral parcialmente procedente e, em consequência: a) (…); b) Anulou a decisão final de condenação proferida pela Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol em 25.6.2021 no âmbito do Processo Disciplinar nº 71-2020/2021 que aí correu termos; c) (…).
Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem: «

1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, notificado 25 de fevereiro de 2022, que julgou procedente o recurso apresentado pelo ora Recorrido, que correu termos sob o n.º 35/2021.
2. Em concreto, o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitral (por maioria) em anular a multa e os dias de suspensão aplicados pelo Conselho de Disciplina no processo disciplinar n.º 71 – 2020/2021, que correu termos naquele órgão, por aplicação do artigo 130.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol (daqui por diante “RDFPF”);
3. Em causa nos presentes autos estão declarações produzidas pelo Recorrido, em conferência de imprensa onde livremente compareceu, pós um jogo da Futebol Clube do Porto, Futebol, SAD, a que preside, declarando pretender fazer uma declaração, proferindo, declarações manifesta e objetivamente ofensivas da honra e consideração dos agentes de arbitragem, colocando em causa o núcleo essencial da função da arbitragem, materializado na isenção e imparcialidade que a deve caracterizar, passíveis de ofender o bom nome e reputação dos visados, e bem assim, a integridade, verdade e credibilidade da competição, designadamente e de forma não exaustiva, com o seguinte teor:
“Não é desta forma como se tem vindo a acumular nestes últimos jogos em relação às arbitragens com o Futebol Clube do Porto que nos vão vergar", "São muitos falhanços, demasiados falhanços, para estarmos sempre a levar com este 4.º árbitro – com este VAR, perdão. O que se passou hoje vocês analisem! Analisem bem as jogadas que houve durante todo o encontro para ver a dualidade de critérios que houve!”, e "Nós queremos paz no futebol, mas não provoquem mais, não brinquem mais com o esforço de jogadores, dos treinadores e de todos os adeptos do Futebol Clube do Porto”.
4. O Acórdão recorrido padece de graves erros na aplicação do Direito, com os quais a Recorrente não se pode conformar.
5. Ora, desde logo, conforme bem afirma o Colégio Arbitral, cabe chamar à colação que o bem jurídico a proteger no âmbito disciplinar é distinto daquele que se visa proteger no âmbito penal, ainda que existam normas punitivas semelhantes, por vezes coincidentes, que possam induzir o aplicador em erro. Deste modo, a análise subjacente num e noutro caso tem, também, de ser muito distinto.
6. A afirmação de que a responsabilidade disciplinar é independente e autónoma da responsabilidade penal está, desde logo, presente na Lei e nos Regulamentos Federativos.
7. Assim, quando analisado o artigo 130.º do RDFPF é possível vislumbrar, em abstrato, indícios do ilícito penal correspondente à injúria ou difamação.
8. Por outro lado, não se pode olvidar que o Recorrido tem deveres concretos que tem de respeitar e que resultam de normas que não pode ignorar.
9. O Recorrido tem, nomeadamente, o dever de “[a]gir em conformidade com os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade” (artigo 12.º, n.º 1, do RDFPF); de “[m]anter comportamento de urbanidade entre si, para com o público e entidades credenciadas para os jogos oficiais” (artigo 12.º, n.º 2 do RDFPF); e de « [p]romover os valores relativos à ética desportiva e de contribuir para prevenir comportamentos antidesportivos, designadamente violência, dopagem, corrupção, combinação de resultados desportivos, racismo e xenofobia, bem como quaisquer outras manifestações de perversão do fenómeno desportivo ou ofensivas dos órgãos da estrutura desportiva e das pessoas a eles relacionados» (artigo 12.º, n.º 3 do RDFPF). De igual forma, prevê também o Regulamento da Taça de Portugal Placard, no seu artigo 4.º n.ºs 1 e 2, sob a epígrafe “Princípios Gerais” que «[a] Taça é realizada em observância dos princípios da integridade, união, solidariedade e mérito desportivo», devendo «[t]odos os intervenientes devem colaborar de forma a prevenir comportamentos antidesportivos, designadamente a violência, dopagem, corrupção, racismo, xenofobia ou qualquer outra forma de discriminação».».
10. Naturalmente que as sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir publica e abertamente o que pensam e sentem. Contudo, os mesmos estão adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do RDFPF e do Regulamento da Taça de Portugal Placard.
11. Quando uma pessoa (singular ou coletiva), qualquer que seja, aceita aderir a determinada associação ou grupo organizado, aceita também as suas regras, nomeadamente, as deontológicas, disciplinares e sancionatórias.
12. Com efeito, para que o Recorrido seja condenado pela prática do ilícito disciplinar previsto no artigo 130.º do RDFPF é essencial indagar se as declarações respetivas violam, pelo menos, um dos bens jurídicos visados pela norma disciplinar: a honra e bom nome dos visados ou a verdade e a integridade da competição, particularmente evidenciados pela imparcialidade e isenção dos desempenhos dos elementos das equipas de arbitragem.
13. Ao contrário daquilo que parece entender o TAD, não estamos, obviamente, perante a prática de um ilícito disciplinar que pretende, exclusivamente, proteger a honra e o bom nome dos árbitros visados, nem muito menos perante uma questão que deva ser analisada da perspetiva do direito penal.
14. Em suma, o Acórdão recorrido erra ao analisar a questão sub judice sob a perspetiva do direito penal e não da perspetiva do direito disciplinar, pelo que se impõe que o TCA proceda a uma correta aplicação do direito ao caso.
15. Ademais, a questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto este tipo de casos são cada vez mais frequentes, o que é facto público e notório.
16. O TAD entendeu, no seu aresto, que o conteúdo das declarações em causa não “atinge a bitola da relevância disciplinar”, acrescentando que “tais afirmações contêm apenas uma manifestação de desagrado e de discordância quanto a decisões da equipa de arbitragem relativas aos jogadores da equipa de futebol a que o Demandante preside”, concluindo ser “inequívoco que veiculam uma censura e uma reprovação, mas não se pode afirmar que explicitamente imputem às pessoas nelas visadas comportamentos ilícitos ou condutas dolosas de intencional desvio à ética ou à probidade desportivas, mas sempre tendo por referência às normas penais que sancionam condutas típicas dos crimes de injúria ou difamação.
17. E é aí que reside o grande equívoco dos Exmos. Árbitros. Com efeito, a questão deve ser colocada, como acima se referiu, no âmbito da apreciação no campo disciplinar e não no campo do direito penal, autónomo e distinto deste.
18. Conforme já deixámos bem patente na parte inicial deste recurso, o valor protegido pelo ilícito disciplinar em causa, à semelhança do que é previsto nos artigos. 180.º e 181.º, do Código Penal, é o direito “ao bom nome e reputação”, cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, mas que visa em primeira linha, e ao mesmo tempo, a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play.
19. A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com esta norma (artigo 130.º do RDFPF), são, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem.
20. Atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros encontra fundamento na tarefa de prevenção da violência no desporto, enquanto fator de realização do valor da ética desportiva.
21. O Recorrido sabia ser o conteúdo das suas declarações adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos demais agentes desportivos, na medida em que tais declarações indiciam uma atuação dos árbitros a que não presidiram critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, antes colocando assim e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação.
22. Com efeito ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo e como supra se demonstra, as declarações em crise não se limitam a remeter para erros das equipas de arbitragem, referindo e deixando a entender claramente que tais erros são premeditados, conscientes e com o intuito de beneficiar outros competidores, prejudicando a Futebol Clube do Porto, SAD;
23. Para além de imputar a tal equipa de arbitragem a prática de atos ilegais, as expressões sub judice encerram em si um juízo de valor sobre os próprios árbitros que, face às exigências e visibilidade das funções que estes desempenham no jogo, colocam em causa a sua honra, pelo menos, aos olhos da comunidade desportiva, principalmente quando imputa aos mesmos falta de isenção, imparcialidade e objetividade no exercício das suas funções, ao que faz aliar afirmações de tom ameaçador, tal como quando afirma que “Não é desta forma como se tem vindo a acumular nestes últimos jogos em relação às arbitragens com o Futebol Clube do Porto que nos vão vergar", "São muitos falhanços, demasiados falhanços, para estarmos sempre a levar com este 4.º árbitro – com este VAR, perdão. O que se passou hoje vocês analisem! Analisem bem as jogadas que houve durante todo o encontro para ver a dualidade de critérios que houve!”, e "Nós queremos paz no futebol, mas não provoquem mais, não brinquem mais com o esforço de jogadores, dos treinadores e de todos os adeptos do Futebol Clube do Porto”, estando dessa forma a levantar suspeição sobre a atuação dos agentes de arbitragem intervenientes no jogo em crise nos autos
24. Assim, não podemos deixar de considerar que se é legítimo o direito de crítica do Recorrido à atuação dos árbitros, já a imputação desonrosa não o é, e aquelas expressões usaram esse tipo de imputação sem que se revele a respetiva necessidade e proporcionalidade para o fim visado.
25. Não se tratará nesta sede do legítimo exercício do direito à liberdade de expressão, este deverá ser harmonizado com outro direito fundamental, o direito ao bom nome e à reputação, na esteira do que entende a melhor doutrina do Professor Gomes Canotilho e também do Professor Jorge Miranda, que alerta que deve ter-se em consideração o direito geral de personalidade, bem como a jurisprudência produzida nesta matéria, no sentido de que deve atender-se ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, segundo o qual se deve procurar obter a harmonização ou concordância prática dos bens em colisão, a sua otimização, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível, razão pela qual, afirmamos nós, se é legítimo o direito de crítica por parte do arguido, já a imputação desonrosa não o é;
26. Ora, pela análise da integralidade das declarações, e bem assim, dos excertos referidos, é notório que também nesta sede se verificou um desrespeito dos limites da liberdade de expressão e do direito à crítica, “invadindo” o campo do direito à honra e bom nome dos agentes de arbitragem visados, violando-se assim o princípio da proporcionalidade e adequação no exercício do direito à liberdade de expressão.
27. Com efeito, as declarações são grosseiras e ofensivas da honra e bom nome dos visados, a saber, os agentes de arbitragem visados, ultrapassando manifestamente os critérios de proporcionalidade, necessidade e adequação que devem nortear o livre direito de crítica e liberdade de expressão, sendo que, das declarações sub judice, resulta uma clara imputação de premeditação do erro, em benefício de outros dois competidores e uma generalização dessa conduta por parte dos árbitros.
28. Neste conspecto, no que respeita ao preenchimento dos elementos do tipo de ilícito previstos nos artigos 12.º e 130.º do RD da FPF, regista-se que no caso sub judice: (i) o dirigente desportivo, aqui Recorrido, J... (ii) proferiu, verbalmente, após o final do jogo oficial em causa nos autos, dirigindo-se aos elementos da equipa de arbitragem, em particular ao VAR, (iii) um conjunto de expressões de pendor difamatório, reputando-os como parciais, tendenciosos e imputando-lhes a adoção de decisões, no decurso do jogo, deliberadamente desfavoráveis a uma equipa em benefício da outra equipa, com prejuízo para a verdade desportiva
29. Não se nega que expressões como a usada pelo Recorrido são corriqueiramente usadas no meio desporto em geral e do futebol em particular.
30. 30. Porém, já não se pode concordar que por serem corriqueiramente usadas não são suscetíveis de afetar a honra e dignidade de quem quer que seja ou de afetar negativamente a competição, ademais quando nos referimos a uma suspeita de falta de isenção por parte de agentes de arbitragem, uma vez que tais afirmações têm intrinsecamente a acusação ou pelo menos a insinuação de que eventuais erros dos árbitros são intencionais. Deste modo, vão muito para além da crítica ao desempenho profissional do agente.
31. O facto de os visados serem figuras públicas, sob maior escrutínio não pode legitimar que tudo se diga, não os destituindo do direito à honra e consideração, sob pena de se negar a proteção da honra das figuras públicas, conforme sufragou já o Tribunal da Relação;
32. Em apreço nas declarações em crise, estão afirmações de que os agentes de arbitragem visados erraram intencional e premeditadamente no sentido de beneficiar outros competidores e prejudicar Futebol Clube do Porto, Futebol SAD, remetendo-se para a premeditação intencionalidade de tais erros e dos respetivos agentes, lesando-se o bom nome a reputação dos visados, e bem assim, a integridade e verdade da competição.
33. O futebol não está numa redoma de vidro, dentro da qual tudo pode ser dito sem que haja qualquer consequência disciplinar, ao abrigo do famigerado direito à liberdade de expressão, muito menos se pode admitir que o facto de tal linguarejo ser comum torne impunes quem o utilize e que retire relevância disciplinar a tal conduta.
34. É aliás de salientar que as declarações dos agentes desportivos têm grande relevância e podem fomentar fenómenos de intolerância e violência no mundo do desporto em geral e no futebol em particular, sendo um assunto de grande relevância social e de grande importância na consciencialização dos diversos “atores” desportivos, sobre a sua acrescida responsabilidade junto das massas que notoriamente influenciam.
35. O TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira – limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF.
36. A tese sufragada pelo Colégio de Árbitros e pelo Recorrido é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espetáculos desportivos, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em que serão efetivamente aplicadas sanções, criando-se uma sensação de impunidade em quem pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés – o que é mais preocupante -, criando na comunidade um sentimento de descrédito nas competições e nas autoridades que gerem o futebol português.
37. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 130.º do RDFPF.»

O Recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

«– I –
A. Inconformada com o douto acórdão do Tribunal Arbitral datado de 25.02.2022, o qual julgou procedente o pedido de arbitragem apresentado aos autos, assim revogando a decisão condenatória proferida no âmbito do processo disciplinar n.º 71-2020/2021, veio agora a Demandada interpor recurso dessa decisão, considerando, em suma, que “deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 130.º do RDFPF”.
B. Afigura-se, porém, que não assiste razão à Demandada, ora Recorrente porquanto nenhuma censura ou reparo merece o acórdão recorrido na parte em que decidiu afastar a aplicação, in casu, do normativo ínsito no art. 130.º do RDFPF, assim concluindo pela ausência de responsabilização disciplinar do Demandante, ora Recorrido.
– II –
C. Ao contrário do que pretende fazer valer a Recorrente, nunca foi propósito do Recorrido atentar contra a honra e consideração dos agentes de arbitragem visados, nem, muito menos, atingir as suas “qualidades morais”. Mas, tão só, criticar o seu desempenho profissional – ainda que em termos acintosos de forma a vincar aquilo que se considera serem erros crassos e falta de qualidade profissional.
D. Face a uma concreta arbitragem que esteve longe de ser isenta de censura o Recorrido mais não fez do que expressar publicamente a sua indignação (e saturação) face a falhas da arbitragem nacional que considera como inadmissíveis, e que, evidentemente, alteram/condicionam directamente o resultado dos jogos, influindo assim no são funcionamento da competição desportiva.
E. E, nem se diga, que com as afirmações em apreço quis o Recorrido insinuar que os árbitros visados actuam dolosamente com o intuito de beneficiar outras equipas em competição, prejudicando a Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD.
F. Pois que, como bem entendeu o Tribunal a quo, “só através de um exercício altamente especulativo de exegese de ‘segundos sentidos’ não expressamente verbalizados” se poderia concluir pela imputação implícita de uma vontade persecutória dirigida à equipa do Recorrido – sendo certo que “um tal exercício seria incompatível com o princípio da presunção de inocência manifestado na máxima in dúbio pro reo”.
G. Não podendo admitir-se que o Recorrido se veja confrontado com uma eventual condenação disciplinar não pelo concreto teor/natureza das palavras que objectivamente proferiu, mas pela interpretação (subjectiva) que o órgão disciplinar faz das mesmas!
H. Ao invés do que pretende fazer transparecer a Recorrente, qualquer decisão tomada pelo árbitro contra determinada equipa acaba por, reflexamente, beneficiar a equipa adversária – situação que se torna ainda mais clamorosa (e indiscutivelmente censurável) quando é notória uma dualidade de critérios na tomada dessa decisão em relação a situações concretas e determinadas no decorrer dos eventos desportivos.
I. A “dualidade de critérios” empregue pela equipa de arbitragem no decurso de um jogo – ainda que de forma perfeitamente inadvertida – nunca poderá deixar de ser um facto objectivo e concretizável cuja inevitável consequência lógica é uma equipa ser beneficiada em detrimento da outra.
J. Realidade que se tem por suficiente para que seja lícito suscitar dúvidas acerca da competência e imparcialidade deste – como de outros – profissional de arbitragem: é que não pode considerar-se imparcial quem toma decisões contrárias ao dever que nenhum outro profissional do sector tomaria se colocado nas mesmas circunstâncias.
K. Uma equipa de arbitragem que não age em conformidade com aquele que seria o padrão de comportamento que qualquer outra assumiria no caso não pode escapar a semelhante juízo. Sem que isso tenha a virtualidade de traduzir, automaticamente, um qualquer juízo de censurabilidade disciplinar em virtude da violação das normas que tutelam o direito à honra ou os princípios enformadores do direitos desportivo.
L. Bem andou por isso o Tribunal a quo ao concluir que “o art. 130.º do RDFPF deverá ser interpretado no sentido de apenas se considerar preenchido o elemento objetivo do tipo disciplinar que se prevê nesse preceito regulamentar se estiverem em causa expressões ou afirmações que imputem às pessoas por elas visadas condutas dolosas de subversão intencional das regras desportivas ou comportamentos deliberados de violação da ética ou probidade desportivas ou da legalidade, não relevando para esse efeito os comportamentos que consistam apenas em manifestar a discordância ou o desacordo com decisões tomadas por árbitros e dirigentes da estrutura desportiva, ainda que através da imputação de erros de apreciação ou de decisão ou de desvios não intencionais às boas-práticas ou, em geral, às leges artis da atividade desportiva”.
M. Uma avaliação global do afirmado revela à saciedade que o discurso do Recorrido não tem sequer um carácter grosseiro, indecoroso ou de tal modo inapropriado que se mostre ser apto a lesar a honra e dignidade de quem quer que seja!
N. Por tudo o que vem sendo dito, não merecendo a conduta do Recorrido qualquer censura, não podendo subsumir-se na norma disciplinar imputada, nem em qualquer outra, impõe-se a manutenção in totum do acórdão recorrido, porquanto nenhuma censura ou reparo merece.
– III –
O. Acresce que, ainda que se pudesse considerar a conduta em apreço como típica à luz da norma consagrada no art. 130.º-1 e 2, alínea a), do RDFPF – o que não se consente e apenas por mero dever de patrocínio se equaciona – certo é que a sua ilicitude sempre estará excluída por ser o facto praticado no legítimo exercício do direito à Liberdade de Expressão (art. 37.º, n.º 1, da CRP, art. 10.º, n.º 1 da CEDH e art. 31.º-1 e 2, al. b) do CP).
P. O exercício do legitimo direito à liberdade de expressão tem, necessariamente, de admitir e coadunar-se com o confronto de ideias, emissão de opiniões e apreciação de comportamentos de outrem, ultrapassando as balizas que o delimitam apenas quando importa convicções imotivadas ou pura desconsideração, malquerença e ataque pessoal, assim colidindo com os limites do respeito à honra e reputação alheios.
Q. Se é certo que, conforme afirma a Recorrente, “o futebol não está numa redoma de vidro, dentro da qual tudo pode ser dito sem que haja qualquer consequência disciplinar, ao abrigo do famigerado direito à liberdade de expressão”, não menos seguro se revela que o desempenho das equipas de arbitragem pode – e deve! – ser alvo de críticas, sejam elas positivas sejam negativas, sempre que estribadas em factos que as sustentem, sem que haja necessariamente lugar a sancionamento jus-disciplinar.
R. A tese sufragada pela Recorrente contraria aquilo que vem sendo entendido pelo TEDH quanto à prevalência do direito fundamental à liberdade de expressão face ao bom-nome e à honra de terceiros, sempre que exista uma base factual mínima que suporte as afirmações propaladas.
S. Descurando também a garantia reforçada – no contexto do desporto, em geral, e do futebol, em particular – que deve ser atribuída ao exercício da liberdade de expressão quando estão em causa condutas expressivas adoptadas em contexto futebolístico (TEDH: Axel Springer AG v. Germany, 2012, § 90).
T. A verdade é que, independentemente do desagrado que as afirmações propaladas possam ter causado, a actuação do Recorido enquadra-se, e não extrapola, o âmbito do direito à sua liberdade de expressão, na sua vertente de direito de crítica.
U. Não podendo o carácter, potencialmente, ofensivo de certas palavras ser desligado do concreto “contexto situacional” que as envolve – o que, no presente caso, servirá, certamente, para afastar qualquer ilicitude da conduta levada a cabo.
V. In casu, limitou-se o Recorrido a analisar, criticamente, e expor aquilo que entende serem falhas técnicas graves, formulando meros juízos de valor – ainda que depreciativos, é certo – sempre voltados, em exclusivo, para o desempenho da arbitragem e para a actuação profissional dos visados.
W. Trata-se, portanto, de declarações perfeitamente normais, enquadradas em comportamentos adequados e toleráveis no contexto daquilo que são as relações sociais, e sobretudo desportivas, que estão longe de traduzir um qualquer ataque pessoal gratuito e mesquinho, porquanto não se revelam puramente maledicentes ou desprovidas de base factual que as sustente.
X. Sob a perspectiva da corrente jurisprudencial e doutrinal maioritária, os juízos de valor que possam qualificar-se como típicos sob o ponto de vista do crime de difamação só serão penalmente ilícitos se não detiverem uma qualquer base factual que os suporte.
Y. Mobilizando este parâmetro de aferição da ilicitude típica da infracção p. e p. pelo art. 130.º do RD FPF para as afirmações em apreço nos autos, terá de convir-se que as falhas de arbitragem grosseiras em que os elementos das equipas de arbitragem incorreram nos jogos em apreço – alvo de inúmeros comentários negativos dos mais variados quadrantes, muitos deles sem qualquer ligação à FC Porto – são por si só suficientes para que sobre eles pudesse ser lançado o juízo de suspeição nos termos em que o foi.
Z. Por tudo o que vem sendo dito, impõe-se a conclusão de que a conduta do Recorrido não consubstanciou a prática de qualquer ilícito disciplinar, seja porque nem sequer assumiu relevo típico, seja porque (embora típica) não chegou a ser ilícita uma vez que realizada no exercício legítimo do direito fundamental à liberdade de expressão.
AA. Devendo, portanto, manter-se na íntegra o teor e sentido do acórdão recorrido.»

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à sessão para julgamento.

A questão suscitada pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, consiste, no essencial, em saber se o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento ao ter anulado a sanção disciplinar de multa e de dias de suspensão aplicada ao Recorrido pelo Conselho de Disciplina no processo disciplinar nº 71 – 2020/2021, que correu termos naquele órgão, por aplicação do artigo 130º, nºs 1 e 2, alínea a) do RDFPF.

O Acórdão do Plenário do Conselho de Disciplina da FPF considerou provados os seguintes factos:

A. O Demandante é Presidente do Conselho de Administração da sociedade desportiva Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD, estando registado nessa qualidade junto da Liga Portuguesa de Futebol Profissional com a licença n.º 1229.

B. A sociedade Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD participa, através da sua equipa principal de futebol sénior, nas competições profissionais, disputando na época desportiva 2020/2021 a Taça de Portugal;

C. No dia 10-02-2021 realizou-se no Estádio Municipal de Braga o jogo oficial n.º 101.19.001, a contar para a Taça de Portugal, disputado pelas equipas das sociedades Sporting Clube de Braga, SAD e Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD;

D. A equipa de arbitragem nomeada para o jogo referido em C. era composta por L...(árbitro principal), R… (árbitro assistente n.º 1), V… (árbitro assistente n.º 2), I…. (4.º árbitro), H… (árbitro VAR) e R… (árbitro assistente de VAR).

E. Após o final do jogo referido em C., o Demandante dirigiu-se à sala de imprensa e, tomando o assento na tribuna perante os jornalistas que aí se encontravam presentes, proferiu as seguintes declarações:
Em primeiro lugar, queria lamentar a lesão sofrida pelo atleta do Sporting Clube de Braga e desejar, em nome de todos nós, as melhoras, rápidas, para o seu regresso ao futebol o quanto antes. Em segundo lugar, queria, em relação às mensagens que todos nós estamos a receber, e que eu recebi muitas com o jogo ainda a decorrer pedindo que a equipa abandonasse o terreno de jogo perante o que se estava a passar, eu quero pedir a todos os associados e adeptos do Futebol Clube do Porto que mantenham a serenidade porque ninguém nos verga. Não é desta forma como se tem vindo a acumular nestes últimos jogos em relação às arbitragens com o Futebol Clube do Porto que nos vão vergar. Não vão! E queria apenas falar em factos, não em intenções, lembrar o seguinte: o sr. H…, que foi o 4.º árbitro de hoje... o VAR do jogo de hoje, foi o VAR no jogo do Porto-Benfica, com o mesmo árbitro precisamente que hoje apitou; quando foi mostrado um amarelo ao T…, ele interveio para pedir um vermelho; todas as agressões que houve nesse jogo e temos mostrado e que vamos continuar a mostrar já amanhã no Porto Canal, não chamou a atenção para nenhuma; hoje voltou a chamar a atenção para um lance perfeitamente casual - lamentável mas casual - chamou a atenção; não chamou a atenção para jogadas bem mais perigosas que hoje aconteceram aqui; e no jogo Sporting com Sporting de Braga, na final da Liga, quando um jogador do Sporting, atingiu a pontapé́ nas partes baixas um jogador do Braga e que levou cartão amarelo, ele também não interveio. São muitos falhanços, demasiados falhanços, para estarmos sempre a levar com este 4.o árbitro – com este VAR, perdão. O que se passou hoje vocês analisem! Analisem bem as jogadas que houve durante todo o encontro para ver a dualidade de critérios que houve! Na expulsão do Uribe toda a gente viu que a vir para fora do terreno, não podia vir sozinho, mas aí ele não viu, nem o VAR interveio. Agora, basta! Nós vamos dizer aqui solenemente, basta! Nós queremos paz no futebol, mas não provoquem mais, não brinquem mais com o esforço de jogadores, dos treinadores e de todos os adeptos do Futebol Clube do Porto! Eu apelo à serenidade, mas volto a dizer: basta! Eu sei que neste país não temos Secretário de Estado do Desporto, não temos! Toda a gente sabe que não temos! Portanto, não posso apelar sequer ao Governo, às autoridades, porque morreu. Não foi enterrado, mas morreu. Anda morto, está morto! Desertou! Portanto, não vale a pena fazer nenhum apelo àquilo que não existe. Agora deixo aqui um aviso: basta! Serenidade total! Apelo à serenidade de todos, mas quero aqui dizer que basta e ninguém nos vai vergar! Muito obrigado

F. As declarações referidas em E. foram amplamente reproduzidas nos meios de comunicação social durante os dias seguintes.

G. Os técnicos de observação de árbitros designados pela Demandada para assistir ao jogo referido em C. atribuíram ao desempenho da equipa de arbitragem nesse mesmo jogo as notações: L…, insuficiente; R…, bom; V…., bom.

H. A Secção de Classificações do Conselho de Arbitragem da Demandada atribuiu ao árbitro H…., pela sua prestação enquanto árbitro VAR no jogo referido em C., a classificação de “7 – Suficiente.”

I. Na edição do jornal “A Bola” de 11-02-2021 foi publicado, a pág. 8, o artigo de opinião “Sentido proibido”, da autoria de D…, em comentário à atuação da equipa de arbitragem do jogo referido em C., cujo teor que consta de fls. 171 do Processo Administrativo e se dá aqui por integralmente reproduzido.

J. Na edição do jornal “Record” de 11-02-2021 foi publicado, a pág. 32, o artigo de opinião “Demasiado mau!”, da autoria de B…., em comentário à atuação da equipa de arbitragem do jogo referido em C., cujo teor que consta de fls. 173 do Processo Administrativo e se dá aqui por integralmente reproduzido.

K. Na edição do jornal “O Jogo” de 11-02-2021 foi publicado, a pág. 32, o artigo de opinião “Terra sem lei”, da autoria de J…., em comentário à atuação da equipa de arbitragem do jogo referido em C., cujo teor que consta de fls. 175 do Processo Administrativo e se dá aqui por integralmente reproduzido.

L. Em 12-02-2021 o Presidente da Contrainteressada APAF dirigiu ao Conselho de Disciplina da Demandada um correio eletrónico do seguinte teor: “Vimos por este meio enviar a V. Ex.a link que contém declarações do Sr. J... Presidente Futebol Clube Porto em relação à arbitragem, tendo em conta a gravidade das acusações e insinuações solicito a sua melhor atenção. [§] Pedimos a sua melhor análise de possível conteúdo jurídico-disciplinar.

M. Em 12-02-2021 o Conselho de Disciplina da Demandada deliberou instaurar processo disciplinar ao Demandante para apurar a relevância disciplinar das declarações referidas em E., que veio a ser autuado sob o n.º 71-20/21.

N. Em 17-02-2021 o sítio de Internet “Notícias ao Minuto” publicou o artigo noticioso intitulado “CA [Conselho de Arbitragem] reconhece erro: Expulsão de L… não é para vermelho”, cujo teor que consta de fls. 176 do Processo Administrativo e se dá aqui por integralmente reproduzido.

O. Em 26-04-2021 a instrutora do processo disciplinar referido em M. deduziu acusação contra o Demandante pela prática de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo art. 130.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do RDFPF imputando-lhe, entre outros, os seguintes factos:

16.º
O arguido J..., ao ter utilizado expressões como "Não é desta forma como se tem vindo a acumular nestes últimos jogos em relação às arbitragens com o Futebol Clube do Porto que nos vão vergar", "São muitos falhanços, demasiados falhanços, para estarmos sempre a levar com este 4.o árbitro – com este VAR, perdão. O que se passou hoje vocês analisem! Analisem bem as jogadas que houve durante todo o encontro para ver a dualidade de critérios que houve!”, e "[...] não provoquem mais, não brinquem mais com o esforço de jogadores, dos treinadores e de todos os adeptos do Futebol Clube do Porto", agiu de forma livre, consciente e voluntária, com a intenção de ofender a dignidade da equipa de arbitragem, do Conselho de Arbitragem da FPF e a ética desportiva, o que efetivamente logrou.
17.º
O arguido bem sabia que, com a sua conduta, violava os deveres previstos no RDFPF, nomeadamente os de probidade, urbanidade e lealdade, bem como os princípios da ética e da defesa do espírito desportivo e, ainda assim, consciente da natureza ilícita da sua conduta, não se absteve de a realizar.

P. Em 8-06-2021 a instrutora do processo disciplinar referido em M. elaborou o relatório final no qual concluiu pela proposta de aplicação ao Demandante das sanções de suspensão por 15 dias e de multa no valor de €510,00 pela prática da infração disciplinar prevista e sancionada pelo art. 130.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do RDFPF.

Q. Em 25-06-2021 o Conselho de Disciplina da Demandada proferiu a Decisão Impugnada, julgando a acusação procedente e condenando o Demandante pela prática da infração disciplinar prevista e sancionada pelo art. 130.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do RDFPF nas sanções de suspensão por 21 dias e de multa no montante de €612,00 e da qual resulta a invocação, entre outros, dos seguintes factos que nela se dão como provados:
17) O arguido J..., ao ter utilizado expressões como "Não é desta forma como se tem vindo a acumular nestes últimos jogos em relação às arbitragens com o Futebol Clube do Porto que nos vão vergar", "São muitos falhanços, demasiados falhanços, para estarmos sempre a levar com este 4.o árbitro – com este VAR, perdão. O que se passou hoje vocês analisem! Analisem bem as jogadas que houve durante todo o encontro para ver a dualidade de critérios que houve!”, e "[...] não provoquem mais, não brinquem mais com o esforço de jogadores, dos treinadores e de todos os adeptos do Futebol Clube do Porto", agiu de forma livre, consciente e voluntária, com a intenção de ofender a dignidade da equipa de arbitragem, do Conselho de Arbitragem da FPF e a ética desportiva, o que efetivamente logrou.
18) O arguido bem sabia que, com a sua conduta, violava os deveres previstos no RDFPF, nomeadamente os de probidade, urbanidade e lealdade, bem como os princípios da ética e da defesa do espírito desportivo e, ainda assim, consciente da natureza ilícita da sua conduta, não se absteve de a realizar.

R. O Demandante tem o registo disciplinar desportivo que consta de fls. 82 dos autos do processo disciplinar referido em I. e aqui se dá por integralmente reproduzido.

FACTOS NÃO PROVADOS:

Inexistem quaisquer outros factos alegados pelas Partes ou do conhecimento oficioso que, de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão de direito, sejam relevantes para a decisão da presente causa.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

Para a decisão da matéria de facto dada como provada relevou, desde logo, a prova documental junta aos autos, em especial o Processo Administrativo instrutor junto com a contestação da Demandada Federação, relevando muito particularmente o teor de fls. 108 (facto A.), fls. 14-17 (factos C e D.), fls. 3-5, 84-99 e 112-123 (facto F.), fls. 36-43 (facto G.), fls. 209 (facto H.), fls. 171 (facto I.) fls. 173 (facto J.), fls. 175 (facto K.), fls. 2 (facto L.), fls. 1 (facto M.), fls. 176 (facto N.), fls. 129-145 (facto O.), fls. 225-252 (facto P.), fls. 254-306 (facto Q.) e fls. 82 (facto R.) dos referidos autos.

O facto E. do probatório foi dado como provado pela visualização do registo videográfico, cuja cópia foi oferecida juntamente com a contestação da Demandada e consta igualmente de fls. 101 do Processo Administrativo. Já o facto B. do probatório foi dado como provado por ser facto notório e do conhecimento da generalidade do público.».


Alega a Recorrente que o TAD incorreu em erros de julgamento ao anular a sanção disciplinar de multa e de dias de suspensão, aplicada ao Recorrido por força do disposto do artigo 130º, nºs 1 e 2, alínea a) do RDFPF, por referência às declarações, que prestou em conferência de imprensa, na sequência do jogo disputado para a Taça de Portugal pelas equipas do Sporting Clube de Braga, SAD e Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD, manifesta e objectivamente ofensivas da honra e consideração dos agentes de arbitragem que intervieram no referido jogo, colocando em causa o núcleo essencial da função da arbitragem, materializado na isenção e imparcialidade que a deve caracterizar, passíveis de ofender o bom nome e reputação dos visados, e bem assim, a integridade, verdade e credibilidade da competição, porquanto: o bem jurídico a proteger no âmbito disciplinar é distinto daquele que se visa proteger no âmbito penal, conforme resulta da Lei e nos Regulamentos Federativos, mormente do indicado artigo 130º do RDFPF, de cujo teor é possível vislumbrar, em abstracto, indícios do ilícito penal correspondente à injúria ou difamação, mas que, em primeira linha, visa a protecção de valores que se prendem com os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspectiva da defesa da competição desportiva em que se inserem; ao Recorrido cumpre observar estes deveres; o Recorrido sabia que o conteúdo das declarações que prestou é adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos demais agentes desportivos, na medida em que indicia uma actuação dos árbitros a que não presidiram critérios de isenção, objectividade e imparcialidade, antes colocando assim e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação; ao contrário do decidido pelo TAD, as declarações em causa não se limitam a remeter para erros cometidos pela equipa de arbitragem, referindo e deixando a entender claramente que tais erros são premeditados, conscientes e com o intuito de beneficiar outros competidores, prejudicando a Futebol Clube do Porto, SAD; o direito à critica à actuação dos árbitros é legítima, já a imputação desonrosa, como a efectuada, não o é; da análise das declarações prestadas – grosseiras, ofensivas, com clara imputação de premeditação no erro para beneficiar outros competidores - resulta evidente que também se verificou um desrespeito dos limites da liberdade de expressão e do direito à crítica, “invadindo” o campo do direito à honra e bom nome dos agentes de arbitragem visados, violando-se assim o princípio da proporcionalidade e adequação no exercício desse direito; o futebol não está numa redoma de vidro, dentro da qual tudo pode ser dito sem que haja qualquer consequência disciplinar; as declarações dos agentes desportivos têm grande relevância e podem fomentar fenómenos de intolerância e violência; o TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira – limites legais à discricionariedade da actuação do Conselho de Disciplina; a tese sufragada pelo TAD e o Recorrido é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espectáculos desportivos, com diminuição do número de casos em que serão efectivamente aplicadas sanções, criando-se uma sensação de impunidade em quem pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e um sentimento de descrédito da comunidade nas competições e nas autoridades que gerem o futebol português.

Os fundamentos do presente recurso já foram invocados pela aqui Recorrente com as devidas adaptações às então declarações prestadas pelo também aqui Recorrido e ao acórdão do TAD, igualmente de anulação da sanção disciplinar que lhe foi aplicada, então ao abrigo do disposto no artigo 112º, nº 1, ex vi artigo 136º, nºs 1 e 4, ambos do RDFPF em vigor na época desportiva de 2019/2020, e apreciados por este Tribunal, no âmbito do recurso tramitado sob o nº 21/20.7BCLSB, no acórdão de 9.9.2021 e de cuja fundamentação de direito, à qual aderimos, se extrai:
«O n.º 1 do art.º 112.º, aplicável por força da remissão operada pelo art.º 136.º, ambos do RDLPFP, prevê a punição do uso de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas, assim como os comportamentos que incitem à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina.
A Recorrida defende o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento ao ter anulado o acórdão de 09/07/2019, proferido pelo CD da FPF, que havia condenado o Recorrido na sanção disciplinar de noventa dias de suspensão e em multa, no montante de 11.480.00€.
Defende que o Recorrido praticou a infracção disciplinar por que foi punido por ter insinuado e criado a suspeita de que os erros que aponta aos árbitros foram cometidos de forma intencional e, dessa forma, ter ofendido a honra e consideração destes, bem assim como os valores da ética e fair play que devem nortear as competições desportivas.
O Recorrido, alega que não praticou a referida infracção disciplinar. Defende que se limitou a formular críticas sobre o desempenho dos árbitros visados, a qual encontra fundamento nos erros grosseiros que diz terem sido cometidos estes nos jogos de futebol em causa, tendo agido no exercício do direito à liberdade de expressão.
No acórdão recorrido entendeu-se que “(…) no caso em apreço, e mesmo no que concerne às afirmações mais contundentes e mais tenuemente ligadas aos factos concretos que foram invocados, a intenção do Demandante parece ter sido a de justificar a classificação da sua equipa e do seu principal rival, a de criticar a organização e o funcionamento da estrutura organizativa do futebol português e em particular da arbitragem, e porventura até, a de influenciar a atuação desta última, mais do que a de atentar contra a honra e o bom nome dos árbitros envolvidos nos casos individuais. Não há uma carga valorativa ultrajante, insultuosa e ofensiva da honra e dignidade dos árbitros. É uma crítica dura, sim, mas como bem se observa no Acórdão do TAD proferido no caso 23/2019, "...a liberdade de expressão engloba o direito à crítica - aliás, muitíssimo comum no domínio desportivo, como no domínio político — e, como é natural, as críticas pressupõem sempre a produção de um incómodo para o visado; não são neutras. (…)”.
Vejamos.
O ilícito disciplinar em causa, resulta da violação de qualquer dos deveres previstos no n.º 1 do art.º 112.º do RDLPFP. Visa-se aí a protecção da honra, bom nome e reputação dos titulares dos órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos e punir ainda os comportamentos que incitem à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina.
Sobre a referida infracção disciplinar, o STA tem vindo a entender que o uso de expressões que não se limitam a enunciar factos objectivos ou a exprimir opiniões acerca da sua qualificação à luz das regras do jogo e que afectam a honra e reputação dos árbitros, não se encontram justificadas pelo exercício do direito à liberdade de expressão, constituindo, antes, ilícitos disciplinares.
Nesse sentido, decidiu-se no ac. do STA de 11/03/2021, proc. n.º 053/20.5BCLSB, acessível em www.dgsi.pt, o seguinte: “(…) Atendendo à factualidade dada como provada, inexistem dúvidas que foram proferidas e noticiadas declarações que preenchem o tipo de infracção disciplinar previsto no artº 112º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP), como aliás tem vindo a ser repetido por acórdão proferidos neste STA – cfr. Acórdãos de 26.02.2019, in proc. nº 066/18.7BCLSB, de 04.06.2020, in proc. nº 0154/19.2BCLSB, de 21.05.2020, in proc. nº 0139/19.9BCLSB, de 10.09.2020, in proc. nº 038/19.4BCLSB, de 02.07.2020, in proc. nº 0139/19.9BCLSB e, de 29.02.2019, in proc. nº 66/18.7BCLSB.
Com efeito, consignou-se, a este propósito, num caso similar ao dos presentes autos, no Acórdão proferido em 10.09.2020, in proc. 038/19.4BCLSB de que fomos relatora, o seguinte:
«(…) estamos no âmbito de uma responsabilidade disciplinar, que não depende do preenchimento dos tipos legais de crime de difamação ou de injúrias, mas apenas da violação dos deveres gerais e especiais a que estão adstritos os clubes, e respectivos membros, dirigentes e demais agentes desportivos em relação a órgãos da Liga ou da FPF, respectivos membros, e elementos da equipa de arbitragem, entre outos, no âmbito dos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável à realização das competições desportivas.
Estes deveres resultam exclusivamente, da conjugação dos artºs 19º e 112º do citado RDLPFP, não sendo necessário o recurso ao Código Penal para preencher o respectivo tipo disciplinar.
No nº 1 do artº 19º do RD em questão, estabelece-se que todos os clubes e agentes desportivos que, a qualquer título ou por qualquer motivo, exerçam funções ou desempenhem a sua actividade no âmbito das competições organizadas pela Liga Portugal «devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e rectidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social».
E no nº 2 da citada norma, prevê-se de forma explícita a inibição daqueles mesmos sujeitos de «exprimir publicamente juízos ou afirmações lesivos da reputação de pessoas singulares ou colectivas ou dos órgãos intervenientes e seus agentes, nas competições organizadas pela Liga».
Ora, as declarações proferidas pelos arguidos visando os árbitros intervenientes, as decisões do Conselho de Arbitragem, designadamente do seu Presidente, não podem, nem devem considerar-se dentro da liberdade de expressão, nem constituir somente um excesso de linguagem “permitida” no mundo do futebol; ao invés, violam o bom nome e a reputação dos visados – árbitros e Presidente do Conselho de Arbitragem – quer perante a comunidade desportiva, quer perante toda a demais comunidade que ouviu e/ou leu as expressões proferidas, tentando ainda fazer uma pressão inadmissível sobre a arbitragem e seus agentes.
Com efeito, a denominada “linguagem desportiva” não permite que se profiram insultos e se façam difamações dirigidas aos árbitros e muito menos a quem os nomeia.
Mal seria que as expressões utilizadas pelos arguidos, se enquadrassem numa crítica meramente opinativa no seio do fervor desportivo, dado que não se limitam a enunciar factos objectivos ou a exprimir opiniões acerca da sua qualificação à luz das regras do jogo; pelo contrário, são de molde, a colocar em crise, quer objectiva, quer subjectivamente, a arbitragem em Portugal, a honra e reputação dos árbitros em questão e, em particular, a do Presidente do Conselho de Arbitragem, configurando insultos, injúrias e difamações em relação aos visados, que extravasam o direito de liberdade de expressão [artº 37º da CRP].
Veja-se a propósito da integração deste género de imputações, o que se deixou consignado no Ac. de 26.02.2019, in proc. nº 066/18.7BCLSB, onde se refere:
«Imputações estas, que atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa».
E ainda o que se deixou consignado, a propósito da liberdade de expressão e informação, no Acórdão proferido em 04.06.2020, in proc. nº 0154/19.2BCLSB:
«(…)
Naturalmente, a liberdade de expressão e de informação não protege tais imputações, quando as mesmas não consubstanciem factos provados em juízo, ou objetivamente verificáveis, pois aquelas liberdades não são absolutas e tem de sofrer as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos fundamentais, como são os direitos de personalidade inerentes à honra e reputação das pessoas, garantidos pelo nº 1 do art.º 26.º da Constituição.
O disposto nos artigos 19.º e 112.º do RDLPFP não é, por isso, inconstitucional, nem os mesmos podem ser interpretados no sentido de que a liberdade de expressão e de informação se sobrepõe à honra e reputação de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, nomeadamente a dos respetivos árbitros, tanto mais que não está em causa a liberdade de expressão e de informação de órgãos de comunicação social independentes, mas da imprensa privada do próprio clube – cfr. art.º 112.º/4 do RDLPFP.
Acresce ainda, na linha do que se decidiu no Acórdão desta Secção, de 26 de fevereiro de 2019, atrás citado, que o respeito estrito pelos deveres de lealdade, probidade, verdade e retidão inerentes ao regime disciplinar estabelecido pelas normas em apreciação é indispensável à prevenção da violência no desporto, que é também um valor constitucional legitimador da compressão da liberdade de expressão e de informação dos clubes desportivos, nos termos do n.º 2 do art.º 79.º da CRP. O que nos permite responder afirmativamente à questão colocada no Acórdão Preliminar proferido nestes autos, sobre «(…) até que ponto se pode disciplinarmente reagir – com base em normas disciplinares, aliás similares às do estrangeiro – contra declarações dos clubes que, para além de excitarem anormalmente os ânimos dos seus adeptos e assim induzirem comportamentos rudes, contribuam para o descrédito das competições desportivas e do negócio que as envolve». Não só se pode, como se deve reagir sempre que os clubes extravasem o âmbito estrito da mera informação ou opinião, e ofendam a honra e a reputação dos árbitros e de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional».

*
Sufragando esta jurisprudência, e tendo por base a factualidade de facto dada como provada, [em que são usadas expressões como “sucedem-se erros de arbitragem sempre em benefício da mesma equipa e por equipas de arbitragem que estiveram ligadas na época anterior a muitos desses erros que deram pontos…”, é evidente que a recorrida não pode deixar de ser responsável pelos juízos de valor tecidos acerca dos erros de arbitragem que identifica, uma vez que, deste modo, põe em causa a credibilidade e, imparcialidade das pessoas em questão.
E do teor da restante matéria de facto provada, é evidente o lançamento de suspeitas sobre o trabalho dos árbitros ali identificados e Var, tendo por base acontecimentos futebolísticos, bem como, a intencionalidade de extrair conclusões de benefício de uma equipa em detrimento de outra.
Ora, estes considerandos, publicados na newsletter oficial do clube não se enquadram na liberdade de expressão ou de opinião, uma vez que se apresentam como lesivos da reputação dos árbitros e VAR em questão, enquanto profissionais imparciais, objectivos e isentos, criando inclusive um clima de suspeição sobre um dos agentes desportivos, a equipa de arbitragem e desta forma pondo em causa, de forma repetida, o ambiente sadio que deve existir nas competições desportivas, tudo em detrimento dos deveres constantes das citadas normas do RDFPFP e do disposto no artº 35º, nº 1, al. h), do referido diploma. (…)”.

Tal doutrina é inteiramente aplicável ao caso dos presentes autos.
O Recorrido declarou que “Infelizmente, parece que por vezes é mais fácil para o F… ter êxito nas competições europeias, frente a rivais mais difíceis, do que em Portugal, onde muitas vezes os adversários vestem de preto, andam com um apito ou estão sentados em frente a ecrãs de televisão. Triste o país onde abundam as paixões vermelhas e os pinheiros pouco iluminados, sempre disponíveis a subverter a classificação do campeonato, como agora o fizeram, demonstrando que o crime compensa e que não há camião de coação que não continue a dar resultados (…)”.
De seguida passa a enumerar várias situações alegadamente ocorridas em jogos de futebol onde, em seu entender, foram cometidos vários erros pelos árbitros cujo nome foi indicando e que terão beneficiado o B….
Através de tais declarações o Recorrido refere que os árbitros em causa são parciais e estão “sempre disponíveis a subverter a classificação do campeonato, como agora fizeram, demonstrando que o crime compensa (…)”, o que afecta a honra e reputação dos árbitros envolvidos e viola os deveres previstos no n.º 1 do art.º 112.º do RDLPFP.
Pelo que há que concluir que se verifica a infracção disciplinar por que o Recorrido foi punido.» [consultável in www.dgsi.pt].

Deste acórdão foi interposto recurso de revista para o STA que viria a não ser admitido por acórdão de 18.11.2021 porquanto: «(…)
O TCA Sul, para o qual a FPF recorreu, concedeu provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e mantendo a decisão condenatória proferida no processo disciplinar n°73/18/19.
Para tanto, socorreu-se o acórdão recorrido, do acórdão proferido por este STA em 11.03.2021, no Proc. n° 053/20.5BCLSB, no qual se indica abundante jurisprudência deste STA no sentido preconizado no acórdão recorrido quanto à interpretação do n° 1 do art. 112° do RD.
Assim, e porque o acórdão recorrido está de acordo com a mais recente jurisprudência deste Supremo nesta matéria, não se justifica o recebimento do recurso do Recorrente, para reanálise do assunto. (…).
Assim, perante a aparente exactidão do acórdão recorrido, através de um discurso fundamentado e plausível, sobre matérias que já foram apreciadas por diversas vezes por este STA, seguindo aquele aresto tal jurisprudência, não deve ser admitido o recurso, não se justificando postergar a regra da excepcionalidade da revista.» [idem].

No caso em apreciação no presente recurso, são aplicáveis [e aplicados no processo disciplinar em referência] os artigos 12º [que consagra os deveres gerais a que, designadamente, o Recorrido se encontra adstrito enquanto dirigente de um clube desportivo] e 130º [a infracção disciplinar por ameaças e ofensas à honra, consideração ou dignidade por dirigente de clube] do RDLPFP, em vigor à data dos factos tidos por assentes no acórdão recorrido [e de teor idêntico aos referidos artigos 19º, 112º e 136º].
E estão em causa as declarações do Recorrido prestadas em conferência de imprensa, no dia 10.2.2021, a seguir ao jogo para a Taça de Portugal entre o Sporting Clube de Braga, SAD e Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD, na qualidade de dirigente deste, mormente, as evidenciadas no correspondente processo disciplinar: Não é desta forma como se tem vindo a acumular nestes últimos jogos em relação às arbitragens com o Futebol Clube do Porto que nos vão vergar", "São muitos falhanços, demasiados falhanços, para estarmos sempre a levar com este 4.º árbitro – com este VAR, perdão. O que se passou hoje vocês analisem! Analisem bem as jogadas que houve durante todo o encontro para ver a dualidade de critérios que houve!”, e "Nós queremos paz no futebol, mas não provoquem mais, não brinquem mais com o esforço de jogadores, dos treinadores e de todos os adeptos do Futebol Clube do Porto”.
As quais para além de apontarem erros técnicos à actuação do árbitro VAR, como defende o TAD e o Recorrido, pressupõem premeditação na prática desses erros por parte do mesmo com a intenção de beneficiar não só o clube opositor no jogo em referência, mas os demais competidores, intervenientes nos referidos jogos onde também foi VAR.
Declarações que, consequentemente, para além ofensivas da honra e bom nome do referido árbitro, da isenção, imparcialidade e seriedade da sua actuação, põem em causa a ética, a verdade e o espírito desportivos.
E extravasam, nesses precisos termos, o que o exercício do direito à liberdade de expressão permite.
Em face do que, seguindo a jurisprudência pacífica do STA, designadamente a indicada no reproduzido acórdão, cujos fundamentos aqui reiteramos por plenamente aplicáveis à situação em apreciação, é de concluir pela procedência do recurso.

Por tudo quanto vem exposto acordam em sessão os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, mantendo a decisão final de condenação proferida pela Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol em 25.7.2021 no âmbito do Processo Disciplinar nº 71-2020/2021.

Custas pelo Recorrido.

Registe e Notifique.

Lisboa, 9 de Agosto de 2022.


(Lina Costa – relatora)

(Maria Cardoso)

(Ana Cristina Lameira)