Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:767/18.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NECESSIDADE LEGAL DA DECISÃO QUE APLICA A COIMA ESTAR SUJEITA A NOTIFICAÇÃO AO ARGUIDO.
REQUISITOS DA NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA.
ARTº.79, Nº.2, DO R.G.I.T.
ARTº.63, Nº.1, AL.D), DO R.G.I.T.
Sumário:
1. Não havendo, na fase decisória do processo contra-ordenacional que corre termos pelas autoridades administrativas, a intervenção de qualquer outra entidade que não sejam o arguido e a entidade administrativa que aplica a coima, os requisitos previstos no artº.79, do R.G.I.T., para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, o qual só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Com estes pressupostos nos surge a necessidade legal da decisão que aplica a coima, como acto administrativo que é, estar sujeita a notificação ao arguido (artº.268, nº.3, da C.R.Portuguesa; artº.79, nº.2, do R.G.I.T.), sem a qual é ineficaz.
2. Os requisitos da notificação da decisão de aplicação de coima estão previstos no artº.79, nº.2, do R.G.I.T., aplicando-se ao acto de notificação as regras constantes do C.P.P.T. (cfr.artºs.36 e seg. do C.P.P.T.). A notificação é feita pelo serviço tributário que instaurou e instruiu o processo, mesmo quando a competência para a aplicação da coima e sanções acessórias cabe a outra entidade (cfr.artº.79, nº.3, do R.G.I.T.). A notificação da decisão deve conter a globalidade da decisão, além do montante das custas e da advertência de que o arguido deverá efectuar o pagamento ou recorrer da decisão no prazo de 20 dias, sob pena de se proceder à cobrança coerciva. A falta de qualquer destes elementos na notificação constitui nulidade insanável, nos termos do artº.63, nº.1, al.d), do R.G.I.T.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.144 a 146-verso do presente processo de recurso de contra-ordenação, através do qual julgou procedente o salvatério intentado pelo arguido, "M….. & T….. - Consultores Associados de Turismo e Arquitectura, Sociedade Unipessoal, L.da.", mais anulando a notificação da decisão (e os ulteriores termos) de aplicação de coima constante do processo de contra-ordenação nº……-2015/……, o qual corre seus termos no 10º. Serviço de Finanças de Lisboa.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.148 a 151 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-Ao determinar a nulidade da decisão de aplicação de coima, incorreu o douto Tribunal em erro de julgamento;
2-Determinou a juiz do Tribunal a quo: “Daqui resulta, em síntese, que a decisão da aplicação da coima tem de conter, entre o mais, «a coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação» (art.79º, nº 1, al. c) e que a notificação da decisão de aplicação da coima contém os termos da decisão, dos quais faz parte» a coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação (art.79º, n2).” “No caso em apreço, a notificação da decisão de aplicação da coima, não cumpre o art. 79º, nº 2 do RGIT porquanto não identifica o infractor, nem contém os elementos que determinaram a aplicação da coima tal como o exige o art. 79º, nº2 do RGIT.”;
3-Considerou, porém, que “apesar da decisão de aplicação da coima constante dos autos conter esses elementos, a notificação da decisão de aplicação da coima à ora recorrente não contêm os referidos elementos.”;
4-Como resulta da leitura da sentença a decisão de aplicação da coima contem todos os elementos essências e por isso não está ferida de qualquer ilegalidade;
5-No entender da M. juiz do Tribunal a quo, a notificação da decisão de aplicação da coima é que não contém os referidos elementos;
6-Aquando da notificação de aplicação da coima é enviado em anexo ao arguido a decisão de aplicação da coima, donde, como reconhece a M. Juiz, constam todos os elementos descritos no art.º 79º do RGIT;
7-Fazer, ou transcrever todo esse texto para a notificação, parece-nos, para além de um acto inútil, repetitivo, também descabido, uma vez que o arguido tem acesso a toda a informação através da decisão de aplicação da coima, e está na posse de todos os elementos que lhe permitem, caso seja a sua intenção, apresentar defesa competente;
8-Alias, da leitura atenta da petição inicial, fácil se denota que o arguido compreendeu a notificação/decisão da coima que lhe foi aplicada;
9-A ratio da mencionada disposição legal tem como fundamento levar ao conhecimento do arguido todos os dados do processo para que este perceba os critérios valorativos tidos em consideração para a aplicação da referida coima, e, caso assim o entenda, reagir contra os mesmos;
10-Ainda que assim não fosse, ao acompanhar a referida notificação a decisão de aplicação da coima, sempre sanaria a alegada irregularidade da notificação, não se encontrando, o arguido, coactado nos seus direitos de defesa;
11-Neste contexto, entende-se que tendo a decisão recorrida decidido com base nos fundamentos enunciados, violou o disposto no art.º 79º, nº 1, al. c) e nº 2 e 63º, n1, al. d) do RGIT;
12-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que ordene a baixa á primeira instância para apreciação da verificação do próprio ilícito que vem imputado à arguida. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.163 a 165 do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.145 do processo físico):
1-A notificação da decisão de aplicação da coima impugnada nestes autos tem a redacção constante do documento de fls.18 do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido, por uma questão de economia processual, para todos os efeitos legais.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A matéria de facto provada resultou da convicção do Tribunal fundada na análise crítica e conjugada de todos os elementos constantes dos autos, nomeadamente a prova documental junta aos autos, bem como a decisão proferida e a sua fundamentação…”.
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Levando em consideração que a factualidade em análise se baseia em prova documental, este Tribunal julga provado mais o seguinte facto que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.431, al.a), do C.P.Penal (“ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10):
2-Do acto de notificação identificado no nº.1 do probatório consta, além do mais, o seguinte:
“(…)
1-Fica notificado, de acordo com o estatuído no nº.2 do artº.79 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) para, no prazo de 20 (vinte) dias a contar da presente notificação, efectuar o pagamento da coima aplicada no processo supra referido por despacho de 2017-11-28, do Chefe do Serviço de Finanças, que se anexa (…);
(cfr.documento junto a fls.18 do processo físico).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou procedente o salvatério intentado pelo arguido, mais anulando a notificação da decisão (e os ulteriores termos do processo) de aplicação de coima constante do processo de contra-ordenação nº……-2015/…… (cfr.nº.1 do probatório), tudo em consequência da violação dos requisitos legais de notificação consagrados no artº.79, nº.2, do R.G.I.T.
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Antes de mais, diremos que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.412, nº.1, do C.P.Penal, “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que no entender do Tribunal “a quo” a notificação da decisão de aplicação da coima não contém os elementos consagrados no artº.79, nº.2, do R.G.I.T. Ora, com a notificação da decisão de aplicação da coima é enviado ao arguido, em anexo, cópia da decisão de aplicação da coima, da qual constam todos os elementos descritos no artº.79, do R.G.I.T. Que o arguido tem acesso a toda a informação através da cópia da decisão de aplicação da coima que lhe foi enviada. Que a decisão recorrida violou o disposto no artº.79, nºs.1, al.c), e 2, e no artº.63, nº.1, al.d), do R.G.I.T. (cfr.conclusões 1 a 11 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo concretizar, supomos, um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Conforme mencionado acima, a sentença do Tribunal “a quo” anulou a notificação da decisão (e os ulteriores termos do processo) de aplicação de coima constante do processo de contra-ordenação nº…..-2015/….. (cfr.nº.1 do probatório), tudo em consequência da violação dos requisitos legais de notificação consagrados no artº.79, nº.2, do R.G.I.T.
Não havendo, na fase decisória do processo contra-ordenacional que corre termos pelas autoridades administrativas, a intervenção de qualquer outra entidade que não sejam o arguido e a entidade administrativa que aplica a coima, os requisitos previstos no artº.79, do R.G.I.T., para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, o qual só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão (cfr.Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.517).
Com estes pressupostos nos surge a necessidade legal da decisão que aplica a coima, como acto administrativo que é, estar sujeita a notificação ao arguido (artº.268, nº.3, da C.R.Portuguesa; artº.79, nº.2, do R.G.I.T.), sem a qual é ineficaz.
Os requisitos da notificação da decisão de aplicação de coima estão previstos no artº.79, nº.2, do R.G.I.T., aplicando-se ao acto de notificação as regras constantes do C.P.P.T. (cfr.artºs.36 e seg. do C.P.P.T.), tudo conforme estatui o artº.70, nº.2, do R.G.I.T.
A notificação é feita pelo serviço tributário que instaurou e instruiu o processo, mesmo quando a competência para a aplicação da coima e sanções acessórias cabe a outra entidade (cfr.artº.79, nº.3, do R.G.I.T.). A notificação da decisão deve conter a globalidade da decisão, além do montante das custas e da advertência de que o arguido deverá efectuar o pagamento ou recorrer da decisão no prazo de 20 dias, sob pena de se proceder à cobrança coerciva. A falta de qualquer destes elementos na notificação constitui nulidade insanável, nos termos do artº.63, nº.1, al.d), do R.G.I.T. (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/05/2015, proc.8616/15; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.521; Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, nº.5, 3ª. edição, Almedina, 2010, pág.144 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, conforme se retira do probatório (cfr.nº.2 da matéria de facto), juntamente com o ofício de notificação o Serviço de Finanças remeteu à sociedade arguida e ora recorrida, em anexo, cópia da decisão de aplicação de coima, a qual o Tribunal “a quo” reconhece que contém os elementos que devem constar do acto de notificação.
Assim sendo, deve concluir-se que a sociedade arguida teve acesso a toda a informação que a lei exige através da cópia da decisão de aplicação da coima que lhe foi enviada, tal sendo confirmado pelo teor do articulado de recurso junto a fls.20 a 22 do processo físico.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se procedente o presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, a qual padece do vício de erro de julgamento de direito que se consubstancia na violação do regime previsto nos artºs.63, nº.1, al.d), e 79, nº.2, do R.G.I.T., ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1-CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO;
2-REVOGAR A SENTENÇA RECORRIDA E ORDENAR A BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL DE 1ª. INSTÂNCIA, para que conheça dos fundamentos do recurso de decisão de aplicação de coima, se nenhuma outra nulidade, excepção ou questão prévia a tal obstar.
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Sem custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 14 de Março de 2019



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Vital Lopes - 2º. Adjunto)