Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:67/23.3BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/25/2023
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:DECISÃO DA FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DE FUTEBOL
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
ATO IMPUGNÁVEL
ATO INSTRUMENTAL
Sumário:I - Perante uma decisão proferida pela Federação Internacional de Futebol, que incumbiu a Federação Portuguesa de Futebol de a transmitir, cabia ao clube visado lançar mão dos meios disponíveis para a impugnar.
II - A transmissão da decisão por parte da Federação Portuguesa de Futebol não configura, para efeitos do disposto no artigo 51.º, n.º 1, do CPTA, um ato impugnável, mas antes ato instrumental, veiculando a decisão da entidade internacional, à qual deve obediência.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO
Clube Desportivo ...... 1930 requereu ao Tribunal Arbitral do Desporto a condenação da entidade demandada a praticar ato que declare nulo o ato administrativo que decretou o impedimento de registo de novos jogadores ao demandante, ou, subsidiariamente, a praticar ato que anule o ato administrativo que decretou o impedimento de registo de novos jogadores ao Demandante, ou, subsidiariamente, caso assim não se entenda, a praticar ato que revogue o impedimento de registo de novos jogadores ao demandante.
Por decisão de 24/02/2023, o TAD decidiu julgar a presente ação como integralmente improcedente por não provada.
Inconformado, o Clube Desportivo ...... 1930 interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral (doravante, Acórdão Recorrido) proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, notificado em 24 de fevereiro de 2023, que julgou integralmente improcedente a ação apresentada pelo ora Recorrente, que correu termos sob o n.º 72/2022.
2. Em suma, entendeu o Tribunal o seguinte (sumário do Acórdão Recorrido):
«1. A expressão "Exmos. Senhores, Remetemos para conhecimento. Cumprimentos." contida num e-mail da Demandada não constitui, per si, um ato decisório concreto que implique a criação, modificação ou extinção de um direito, de um dever, ou de uma determinada situação ou relação jurídica.
2. Não se encontra assim demonstrado nos presentes autos a existência de um ato com elementos suficientes para que seja considerado como um ato administrativo.
3. As pretensões impugnatórias do Demandante não podem proceder uma vez que não existe, ou não foi sequer alegado, um ato administrativo que seja suscetível de declaração de nulidade, anulabilidade ou mesmo revogação, conforme pretendido pelo Demandante com a apresentação da presente ação.».
3. A decisão que ora se impugna é passível de censura porquanto existe erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado, conforme se passará a demonstrar.
4. A decisão que ora se impugna é passível de censura porquanto existe erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado, conforme se passará a demonstrar.
5. Entendeu o Tribunal a quo que «os palavras Exmos. Senhores, Remetemos para conhecimento. Cumprimentos" não constituem, per si, um ato decisório concreto que implique a criação, modificação ou extinção de uma determinada situação ou relação jurídica.». Mais acrescentando que "não existe ou não foi alegado, sequer um ato administrativo que seja suscetível de declaração de nulidade, anulabilidade ou mesmo revogação Concluindo, portanto, aquele tribunal pela inexistência de um ato administrativo suscetível de impugnação, conclusão com a qual não podemos concordar.
6. Resulta da leitura conjugada do artigo 51.º n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do artigo 148.º do Código de Procedimento Administrativo que resultam os dois elementos essenciais que devem revestir um ato administrativo: i) o caráter decisório e ii) a eficácia externa.
7. Ora, salvo melhor e mais fundado entendimento, também no presente caso se encontram presentes os elementos essenciais de um ato administrativo.
8. Quanto à natureza decisória, a frase “Remetemos para conhecimento", constitui uma decisão, a de decretar o impedimento de registo de novos jogadores, a nível nacional.
9. Quanto à eficácia externa da decisão, resulta claro que os efeitos produzidos por esta se repercutirem na esfera jurídica do Recorrente, um particular.
10. Em particular, tal decisão teve o condão de restringir os direitos do Recorrente traduzindo-se na impossibilidade de este proceder à inscrição de novos jogadores, assim produzindo efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.
11. No presente caso, a Recorrida foi notificada pela Fédération Internationale de Football Association de que esta entidade privada sediada na Suíça tinha concluído que o Recorrente era o "s...... successor".
12. Consequentemente, requereu que a Recorrida - a qual não partilhou do entendimento daquela, uma vez que considerou que o Recorrente não era o "s...... successor" do Clube Desportivo ......, pessoa coletiva distinta daquele - decretasse o impedimento de registo de novos jogadores a nível nacional, o que fez.
13. Assim, em paralelo com o caso de que tratou o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo acima referido, o ato praticado pela Recorrida traduziu-se, igualmente, numa adesão ao conteúdo constante da notificação, transmitida por e-mail, da Fédération Internationale de Football Association.
14. Tal adesão revestiu a forma de uma decisão que veio, consequentemente, a produzir efeitos jurídicos na esfera do Recorrente, determinando a impossibilidade de este inscrever novos jogadores a nível nacional.
15. Neste sentido, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que as palavras "Remetemos para conhecimento", atento o contexto jurídico-factual em que foram proferidas, não encerram em si uma decisão passível de ser impugnada, devendo, por isso, ser revogado.”
A Federação Portuguesa de Futebol apresentou contra-alegações, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1. O Recorrente vem recorrer da decisão arbitral proferida nos autos, a qual, em suma, e por unanimidade, indeferiu o pedido formulado junto do TAD.
2. O Recorrente veio, em sede de arbitragem necessária, pugnando pela condenação à prática do ato devido pela ora Recorrida, Federação Portuguesa de Futebol, referindo que tal ação tinha por objeto "a omissão de resposta da Demandada ao requerimento apresentado pelo Demandante no dia 07.03.2022 (doravante, o Requerimento), bem como à consequente reclamação datada de 02.06.2022 (doravante, a Reclamação)".
3. Em concreto, o Recorrente alegou - sem razão, como veremos, tendo decidido pelo o TAD - que não foi dada resposta aos Requerimentos apresentados no dia 07.03.2022 e 02.06.2022, sendo que intentou a presenta ação para que a Federação fosse condenada a prestartal resposta.
4. Contudo, afinal, o Recorrente não pretendia obter uma resposta aos Requerimentos formulados, ou seja, não pretendia que a Federação Portuguesa de Futebol fosse condenada a pronunciar-se sobre o requerido; o Recorrente solicitou ao TAD que condenasse a Demandada a praticar ato que declarasse nulo o alegado ato administrativo que decretou o impedimento de registo de novos jogadores ao Recorrente, ou subsidiariamente que o anulasse ou também subsidiariamente revogasse tal impedimento.
5. Andou bem o TAD ao indeferir tal(is) pedido(s), ao entender que nenhum ato foi praticado pela Federação Portuguesa de Futebol, ora Recorrida.
6. O próprio Recorrente sabe e reconhece, por diversas vezes no seu requerimento inicial de arbitragem, que não só foi dada resposta ao pretendido, como não foi praticado nenhum ato pela Federação Portuguesa de Futebol, muito menos aquele que o Recorrente queria ver declarado nulo, anulado ou revogado-assim foi reconhecido pelo Tribunal o quo.
7. Alega o Recorrente, em primeiro lugar, que não foi dada resposta aos dois requerimentos dirigidos à FPF, razão pela qual deve esta ser condenada a praticar o ato devido - o ato de resposta ao requerido, entenda-se.
8. O Recorrente que junta aos autos as respostas dadas aos requerimentos por si apresentados - vejam-se os documentos n.9 8 e n.9 11 juntos com o requerimento inicial de arbitragem.
9. A Recorrida, em relação a ambos os requerimentos, deu a resposta que podia dar: a que a questão em causa deveria ser apresentada junto da FIFA, entidade competente para apreciar o exposto.
10. A Recorrida não tem o dever de se pronunciar sobre matéria cuja competência pertence a outra entidade.
11. Nem muito menos tem o dever de deferir o que vem requerido pelos interessados.
12. Só existe dever de decidir quando a matéria submetida a sua apreciação é da competência do órgão em causa.
13. O Recorrente bem sabe que a FPF não é competente para apreciar o requerimento apresentado porquanto o ato que o mesmo pretendia ver declarado nulo, anulado ou revogado foi praticado pela FIFA e não pela FPF.
14. Aliás, o Recorrente refere esse facto por variadas vezes ao longo do seu requerimento inicial de arbitragem, concretamente nos artigos 8.9, 9.9,10.9 - "a FIFA impediu o ...... de registar novos jogadores"-, 14.g - "a FIFA (...) notificou o aqui Recorrente da decisão decorrente da investigação (...)", e, muito em particular, nos artigos 15.9 e 16.9.
15. Nestes dois artigos, 15.5 e 16.o Recorrente refere, de forma muito clara e direta, que "a FIFA decretou o impedimento de registo de novos jogadores a nível internacional ao aqui Recorrente" e que "por via da mesma mensagem de correio eletrónico, foi a FPF notificada da referida decisão, tendo-lhe sido, igualmente, requerido pela FIFA que procedesse à implementação da sanção de impedimento de registo de novos jogadores, a nível nacional" - destaques nossos.
16. Ou seja, a FPF foi, tal como o Recorrente, através da mesma mensagem de correio eletrónico de dia 11.02.2022, notificada da decisão proferida pela FIFA, em concreto, pelo Piayers' Status Committee.
17. O ato que o Recorrente pretendia ver anulado, revogado, extinto da ordem jurídica, é um ato praticado pela FIFA e não pela FPF, conforme o próprio reconhece.
18. Pelo que nenhum dos órgãos da FPF tem competência para declarar nulo, anular ou revogar um ato praticado pela FIFA.
19. Foi a FIFA que decretou, sem margem para dúvidas, o impedimento de registo de jogadores a nível internacional e nacional.
20. O decretamento do impedimento a nível nacional foi feito pela FIFA e não pela FPF.
21. O que a FIFA solicitou - tal como qualquer entidade internacional que pretenda executar a sua decisão num outro país - foi “the respondents member association (in copy) to immediately implement such ban on Clube Desportivo ...... 1930 at national level" (em tradução livre, que a federação do visado execute imediatamente o impedimento a nível nacional).
22. Os serviços competentes da Recorrida não mais fizeram do que, sem nenhuma outra consideração ou sequer ato adicional, remeter a decisão para Associação de Futebol onde o Recorrente se encontra filiado - no caso a Associação de Futebol do P…...
23. Não mais do que um simples "Exmos. Senhores, Remetemos para conhecimento” - cfr. documento n.s 6 junto pelo Recorrente com o requerimento inicial de arbitragem.
24. Ora, como é bom de ver, tal e-mail não configura, e nunca poderia configurar porque de facto não foi praticado pela Recorrida, um qualquer ato administrativo.
25. A própria jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo citada pelo Recorrente é útil para sustentar esta mesma alegação. Com efeito, o Supremo Tribunal Administrativo refere, no Acórdão citado pelo Recorrente, que "É certo que os despachos de actos que informam, certificam ou mandam certificar situações jurídicas, na medida em que os mesmos apenas encerrem meras declarações de ciência, transcrição ou reprodução do conteúdo de elementos documentais ou a comprovação de factos ou situações jurídicas estabelecidas nõo são inovatórios e, por isso, não têm a externalidade e conteúdo decisório que se exige para a sua impugnabilidade.” - destaques nossos.
26. Precisamente, a atuação da Recorrida com referência ao impedimento imposto pela FIFA ao Recorrente nada traz de inovatório à sua esfera jurídica e a esta situação em concreto. A Recorrida limitou-se a informar de uma decisão tomada por outra entidade, relativamente à qual existem meios impugnatórios disponíveis para a colocar em crise, se assim for o entendimento do Recorrente - desde logo para o Tribunal Arbitral do Desporto de Lausanne.
27. A FPF, na verdade, apenas deu cumprimento ao seu dever de filiação para com a FIFA.
28. Face ao exposto, é evidente que foi dada resposta aos requerimentos submetidos pelo Recorrente e que não se verifica nenhuma omissão.
29. Pelo que, desde logo, não existe nenhum ato devido a que a Recorrida deva ser condenada a praticar.
30. Como é bom de ver, não existe nenhum ato que a FPF possa anular ou revogar, porque não praticou nenhum, e mantém-se em vigor o impedimento efetivamente determinado pela FIFA.
31. Por tudo o acima exposto, andou bem o Tribunal a quo ao determinar improcedente a presente ação.”
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por entender que a decisão de que se recorre procedeu a uma correta apreciação dos factos trazidos ao conhecimento do Tribunal e à sua subsunção ao Direito, evidenciando clara e suficiente fundamentação, sem merecer qualquer censura.
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Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento da decisão recorrida ao considerar que a entidade demandada não proferiu um ato administrativo, com caráter decisório e eficácia externa.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC, ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA, por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Invoca a recorrente erro de julgamento da decisão recorrida, por entender, em síntese, o seguinte:
- a frase ‘Remetemos para conhecimento’ constitui uma decisão, a de decretar o impedimento de registo de novos jogadores, a nível nacional, com efeitos que se repercutiram na esfera jurídica do recorrente;
- a Fédération Internationale de Football Association (FIFA) considerou o recorrente como ‘s...... successor’ do Clube Desportivo ......, com o que não concorda, e requereu à demandada que decretasse o impedimento de registo de novos jogadores a nível nacional, o que esta fez, aderindo ao conteúdo constante da notificação da FIFA, o que configura uma decisão.
Consta da decisão recorrida a seguinte fundamentação:
[T]oda a tese do Demandante plasmada no seu Requerimento Inicial de Arbitragem assenta na convicção de que o e-mail enviado pela Demandada em 11.02.2022 (vide Artigo 4.° da matéria provada e o Doc. 6 junto com o Requerimento Inicial de Arbitragem) constitui um ato administrativo, in casu praticado sem o respetivo procedimento e garantias administrativas conexas. E perante tal convicção, o Demandante pretende que a Demandada seja condenada a praticar um novo ato que declare nulo ou anulável o ato anterior, ou subsidiariamente, que revogue o ato anteriormente praticado.
Sucede que, desde logo, o e-mail de 11.02.2022 não contém em si elementos suficientes para que seja considerado como um ato administrativo. Com efeito, e recordando o seu teor, a Demandada referiu apenas"Exmos. Senhores, Remetemos para conhecimento. Cumprimentos."
Nas palavras do Supremo Tribunal de Justiça: "I - O acto administrativo art. 120.° do CPA oré-viaente e ari 148.° do actual CPAI é definível como um acto proferido por um órgão da Administração pública, no exercício de um poder de autoridade regulado por normas de direito público, de natureza reguladora, que visa a criação, modificação ou extinção de um direito ou de um dever, ou seja, a criação, modificação ou extinção de uma determinada relação jurídica. com eficácia externa, isto é, produtor de efeitos jurídicos externos, atingindo a esfera jurídica de terceiros. O acto destina-se a regular um caso ou situação concreta através da aplicação do ordenamento jurídico. II - Ao Invés de um regulamento administrativo - que tem uma dimensão normativa, geral e abstracta -, o acto administrativo é uma decisão individual e concreta, sendo que a generalidade de um e a individualidade do outro têm a ver com os destinatários dos comandos jurídicos; por outro lado, o carácter abstracto ou concreto tem a ver com a abrangência de um e de outro, o âmbito de aplicação de cada um deles, as realidades que visam regular."5 [nosso sublinhado]
E nas palavras do Tribunal Central Administrativo Norte: “I. O conceito legal de "ato impugnável" inserto no art. 51.° do CPTA tem como pressuposto o estar-se em presença dum ato que encerre em si uma definição de situações jurídicas art. 120.° do CPA), pelo que ficam excluídos automaticamente daquele conceito todos os atos, mesmo que procedimentais, que não envolvam ou não possuam qualquer segmento decisório."6 [nosso sublinhado].
Ora, as palavras “Exmos. Senhores, Remetemos para conhecimento. Cumprimentos" não constituem, per si, um ato decisório concreto que implique a criação, modificação ou extinção de um direito ou de um dever, ou seja, a criação, modificação ou extinção de uma determinada situação ou relação jurídica. Tal apenas seria suscetível de ocorrer caso a Demandada, ou a Associação de Futebol do P…., tivessem proferido algum ato que concretamente decretasse o impedimento de inscrição dos jogadores, ou por ex., recusasse uma tentativa de inscrição de um determinado jogador. Ora, tal não aconteceu, ou pelo menos não foi alegado pelo Demandante.
Assim, as pretensões impugnatórias do Demandante não podem proceder uma vez que não existe, ou não foi alegado, sequer um ato administrativo que seja suscetível de declaração de nulidade, anulabilidade ou mesmo revogação, conforme pretendido pelo Demandante na presente ação.
Esclareça-se também que o TAD não teria naturalmente qualquer jurisdição ou competência para declarar a nulidade, a anulabilidade ou a revogação de um ato da FIFA, uma entidade estrangeira que emanou uma decisão fora do território nacional. Caso o Demandante pretendesse a impugnação de tal decisão, deveria certamente fazê-lo junto das instâncias internacionais competentes e não junto do TAD. Contudo, note-se que não é isso que o Demandante pretende com a ação que apresentou. O Demandante pretende apenas que as suas garantias administrativas fossem/sejam asseguradas a nível interno, o que de acordo com a sua argumentação, não ocorreu. Contudo, tal argumentação improcede porquanto não se encontra presente nos presentes autos sequer um vislumbre de um ato administrativo que tenha de alguma forma lesado o Demandante.
De resto, note-se também que não seria a Demandada quem deveria praticar algum ato que “declarasse nulo", “anulasse" ou “revogasse" um ato anterior, conforme consta dos pedidos apresentados pelo Demandante. Com efeito, tais competências cabem aos tribunais e não à Demandada, pelo que também por esta razão os pedidos do Demandante improcederiam necessariamente.
Face ao exposto, a presente ação improcede, não havendo necessidade de demais considerações.”
Vejamos então.
Mostra-se assente que, no dia 11/02/2022, a FIFA notificou por e-mail o demandante e a entidade demandada de uma decisão proferida na sequência de uma investigação levada a cabo para efeitos de estabelecimento da figura do sucessor desportivo (‘s...... succession’), na qual concluiu que o aqui demandante era, de facto, o sucessor desportivo do clube português ......, razão pela qual a sanção de impedimento de registo de novos jogadores que fora anteriormente aplicada ao ...... deveria ser imposta ao Demandante (Documentos 4 e 5 juntos com o Requerimento Inicial de Arbitragem).
Constando da notificação que: “[C]omo consequência queira por favor ser informado que a proibição de registar novos leitores - inicialmente aplicada ao ...... - será agora aplicada ao Clube Desportivo ...... 1930. Como tal, pedimos gentilmente à associação membro do inquirido (em cópia) que implemente imediatamente tal proibição ao Clube Desportivo ...... 1930 a nível nacional” (Documentos 4 e 5 juntos com o Requerimento Inicial de Arbitragem).
Na sequência do que a entidade demandada enviou um e-mail à Associação de Futebol do P…., no dia 11/02/2022, com a mera referência “Exmos. Senhores, Remetemos para conhecimento. Cumprimentos.” (Documento 6 junto com o Requerimento Inicial de Arbitragem).
E a questão a decidir passa então por saber se este e-mail configura, para efeitos do disposto no artigo 51.º, n.º 1, do CPTA, um ato impugnável, aí se estatuindo como tal a decisão proferida no exercício de poderes jurídico-administrativos que vise produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, incluindo a proferida por autoridade não integrada na Administração Pública e por entidade privada que atue no exercício de poderes jurídico-administrativos.
A resposta é evidentemente negativa.
Está em causa um ato praticado pela FIFA e não pela entidade demandada, que carece de competência para declarar nulo, anular ou revogar um ato daquela.
A FIFA pretendeu que a entidade demandada executasse o impedimento de inscrição no estrito âmbito nacional, pelo que esta se limitou a dar conhecimento da apontada proibição, decidida a nível internacional.
E como salienta a entidade demandada, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15/03/2018 (proferido no processo n.º 0814/17, disponível em www.dgsi.pt) assinala-se que “os despachos de atos que informam, certificam ou mandam certificar situações jurídicas, na medida em que os mesmos apenas encerrem meras declarações de ciência transcrição ou reprodução do conteúdo de elementos documentais ou a comprovação de factos ou situações jurídicas estabelecidas não são inovatórios e, por isso, não têm a externalidade e conteúdo decisório que se exige para a sua impugnabilidade.”
Ora, é precisamente esta a situação dos autos, sendo que a entidade recorrida se limitou a transmitir a decisão tomada pela entidade internacional, cabendo ao recorrente lançar mão dos meios disponíveis para a impugnar.
O que a entidade recorrida fez em cumprimento dos respetivos Estatutos, veja-se o artigo 2.º, n.º 2, al. e), cabendo-lhe “[r]espeitar e prevenir qualquer violação dos Estatutos, Leis do Jogo, regulamentos, diretivas e decisões da FIFA, da UEFA e da FPF, envidando os melhores esforços para que os mesmos sejam cumpridos pelos seus Sócios” e os artigos 13.º e 78.º, n.º 2, que a obrigam a fazer cumprir, pelos seus Sócios e agentes desportivos, as decisões finais da FIFA.
Conclui-se, pois, que não estamos perante ato administrativo, mas antes ato instrumental, veiculando a decisão da entidade internacional, à qual deve obediência.

Em suma, impõe-se negar provimento ao presente recurso e manter a decisão recorrida.
*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 25 de maio de 2023
(Pedro Nuno Figueiredo)

(Ana Cristina Lameira)

(Ricardo Ferreira Leite)