Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 142/04.3BELSB |
![]() | ![]() |
Secção: | CT |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 02/02/2023 |
![]() | ![]() |
Relator: | ANA CRISTINA DE CARVALHO |
![]() | ![]() |
Descritores: | IVA LOCAÇÃO FINANCEIRA PERDA TOTAL DO BEM LOCADO |
![]() | ![]() |
Sumário: | I - No regime da locação financeira, o risco da perda total do bem locado corre pelo locatário; II - Daí que, embora o locador seja o beneficiário do seguro o tomador é o locatário, sendo este o titular do direito à indemnização em caso de perda total do bem locado; III – Nessas circunstâncias, o pagamento das prestações vencidas e não pagas, vincendas e valor residual ´devidas pelo locatário constituem prestações de serviços sujeitas a IVA." |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, as Juízas que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I - RELATÓRIO
O N…, S.A. por sucessão ao B…, S.A. deduziu impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios respeitantes ao ano de 1996. Por sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa a acção de impugnação judicial deduzida foi julgada parcialmente procedente e em consequência foram anuladas parcialmente as liquidações impugnadas. A Fazenda Pública e o N…, S.A, vieram interpor recurso da sentença quanto ao segmento que lhes foi desfavorável. A Fazenda Pública interpôs recurso da sentença quanto ao segmento em que foi anulada a correcção relativa à falta de liquidação de IVA nos casos em que ocorre a perda total do bem locado e determinada a restituição dos respectivos montantes pagos e no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, da LGT. As alegações de recurso apresentadas pela Recorrente Fazenda Pública foram rematadas com as seguintes conclusões: I) Não pode a Recorrente, Fazenda Pública, com o devido respeito, que é muito, conformar-se com a douta sentença, no segmento decisório de que aqui se recorre, que “apesar do erro sobre os pressupostos de facto serem reconhecidos em sede de RG, a AF em vez de deferir a RG, indefere-a com fundamento distinto do utilizado no RIT, o que, constitui fundamento a posteriori e, não pode, como tal ser tido em conta para a apreciação da validade dos atos impugnados (…)”, determinando, em consequência, a anulação parcial da liquidação impugnada, quanto às indemnizações devidas pela perda total do bem locado, por enfermar a mesma de vício de violação de lei, com o consequente pagamento de juros indemnizatórios; II) Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Recorrente, Fazenda Pública, conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera existir erro de julgamento, dado que da prova carreada para os autos não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão de que se recorre; III) Por despacho do Sr. Diretor da Direção de Serviços de Prevenção Tributária, de 02/09/1999, na Ordem de Serviço n.º 135/99, foi determinada a realização de exame à contabilidade da B…, SA, atualmente, N… SA.; IV) Na sequência da inspeção realizada, interna e com incidência no ano de 1996, foi apurado IVA em falta no montante de €156.933,39, com infra se descreve: - Liquidação em falta de IVA, nos termos do art. 4º e 16º do CIVA, relativo à perda total, ocasional dos bens objeto de locação financeira, a qual originou o vencimento antecipado ou atualizado das rendas vincendas, valor residual e juros, em conformidade com o contratado; - Liquidação em falta de IVA inerente à realização de diversas operações ativas, denominadas de pré-finaciamento, realizadas no âmbito da locação financeira; - Liquidação em falta de IVA, aquando de algumas rescisões antecipadas de contratos bem como sobre as rendas vencidas e valores residuais de diversos contratos, quando o bem objeto de contrato fora adquirido com isenção de IVA, ao abrigo do n.º 33 do art. 9º do CIVA; V) Não concordando com a liquidação emitida na sequência da inspeção tributaria realizada, a Recorrida, Impugnante, deduziu reclamação graciosa, a qual foi indeferida por despacho proferido em 12/12/2003, pelo Sr. Diretor de Finanças Adjunto da Divisão de Justiça Administrativa, da Direção de Finanças de Lisboa; VI) No segmento decisório que ora se recorre, entendeu o Tribunal a quo que o relatório final de inspeção junto aos autos, fundamentou as suas correções quanto a esta matéria, no entendimento que “foram pagos pelos locatários à Impugnante no seguimento da perda total dos bens objeto de locação financeira, aos quais, por corresponderem ao vencimento antecipado das rendas vincendas, valor residual e juros de contratos relativos aos bens sinistrados (…)”; VII) Mais entendeu o Tribunal recorrido que, em sede de reclamação graciosa a Recorrida, Impugnante, ao alegar não ter recebido quaisquer quantias dos locatários decorrentes da resolução antecipada de contratos de locação em função de perda total dos bens locados e, tendo a Recorrente, Fazenda Pública, reconhecido que o pagamento dos montantes relativos a tais ocorrências, foi efetuado pelas seguradoras, o indeferimento daquele procedimento constituía uma fundamentação a posteriori, por ser um fundamento distinto do utilizado no relatório final de inspeção, padecendo, por via disso, a liquidação impugnada, ainda que parcialmente, de vício de violação de lei; VIII) Com efeito, do relatório final de inspeção, ao contrário do propalado na sentença recorrida, não se extraí que o pagamento das quantias, decorrentes da resolução antecipada do contrato de locação em função da perda total dos bens, foi efetuado pelos locatários; IX) Conforme podemos verificar do ponto 3.4 do relatório final de inspeção é dito que: “A perda total, ocasional, dos bens objeto de locação financeira, origina o vencimento antecipado (actualizado) das rendas vincendas, valor residual e juros (desde a última renda vencida até ao momento da perda total) em conformidade com o que fora contratado (cfr. n.º 3 da clausula 9º das Condições Gerais do Contrato). Assim, estes recebimentos, resultantes do cumprimento contratual acordado entre a locadora e locatário e que traduzem o vencimento do contrato, de harmonia com os artigos 4º e 16º do CIVA estão sujeitos a IVA (vide informação 1828 de 08/10/99 da DSIVA). Constatei porém, que estas operações não foram sujeitas a IVA. (…)” (negrito e sublinhado nosso) (vide fls. 8 do relatório final de inspeção de fls. 56 a 80 do Processo Administrativo Tributário apenso aos autos); X) O que se pode retirar do que ficou dito em sede de inspeção, é que o pagamento a efetuar, na sequência da perda total dos bens, objeto de locação, é efetuada em conformidade com o que for estabelecido contratualmente entre as partes e não que os pagamentos foram efetuados pelos locatários, como entendeu o Tribunal a quo; XI) É na clausula 9ª, nomeadamente no seu n.º 3, que estabelece ou prevê as responsabilidades entre os contratantes, resultante das perdas totais dos bens locados; XII) A locação financeira sendo um contrato bilateral resultam obrigações para ambas as partes ligadas entre si por um nexo de causalidade ou correspetividade a resolução tem efeitos ex nunc em relação a ambas as partes; XIII) Não raras vezes, antes do terminus da relação negocial em causa, os contratos são resolvidos na sequência da perda total dos bens objeto da locação financeira motivada pelo sinistro, do qual resultam obrigações e respetivos fluxos entre as partes; XIV) No caso sub judice, é a clausula 9ª das condições gerais dos contratos de locação que define as responsabilidades dos contratantes (locador e locatário), nos casos em que haja perda total dos bens locados; XV) A mencionada cláusula consubstancia uma cláusula penal que não visa, pura e simplesmente, estabelecer uma sanção para quem não cumpre as suas obrigações contratuais, mas também fixar previamente a forma de cálculo da indemnização devida em caso de incumprimento determinante da resolução, sendo que esta é um direito potestativo e não um dever acessório; XVI) E, vencendo-se, antecipadamente o contrato, ou melhor dito, com a resolução antecipada deste, a locadora adquire legitimidade para acionar o seu cliente (locatário) para a satisfação do interesse contratual neste caso negativo ou para acionar a seguradora pedido o pagamento das rendas vencidas e vincendas após a resolução do contrato, interesse positivo, dependendo tal alternativa de quem conste no contrato como beneficiário da indemnização. Assim, se a seguradora pagar a indenização diretamente ao locatário, este fica automaticamente obrigado a restituir à locadora o valor que resultar do cálculo determinado pela cláusula penal; XVII) A perda total, ocasional, dos bens locados consubstancia, assim, uma resolução antecipada do contrato, originando o vencimento antecipado, atualizado, das rendas vincendas, valor residual e juros desde a última renda recebida até ao montante da perda total, em conformidade com o contratado; XVIII) A perda total dos bens objeto de locação financeira está prevista contratualmente, sendo que, os recebimentos resultantes do cumprimento contratual acordado entre as partes traduzem o vencimento do contrato, logo das rendas, estando tais valores sujeitos a IVA, de harmonia com os arts. 4º e 16º do CIVA; XIX) A situação controvertida encontra-se, aliás, esclarecida na informação n.º 1828 de 08/10/1999 –para onde remete o relatório final de Inspeção – na qual se refere que aqueles contratos são ocasionalmente resolvidos na sequência da perda total dos bens da locação motivada por sinistro e do qual resultam obrigações e respetivos fluxos financeiros entre as partes; XX) Tal como refere a mesma informação, “(…) Nos termos do n.º 1 do art. 4º do CIVA são consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações; O conceito de prestações de serviços dado pelo Art. 4º tem um caracter residual, sendo consideradas como prestações de serviços as prestações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões ou importações de bens; A qualificação de prestação de serviços é aqui de natureza económica e ultrapassa a definição jurídica dada pelo Art. 1154º do Código Civil, abrange a transmissão de direitos, a obrigação de conteúdo negativo (não praticar determinado acto) e ainda a prestação de serviços coactiva (Art. 6º n.º 1 da Directiva); Todavia o valor da indemnização pago pela seguradora não é o que a locadora exige ao locatário. Assim sendo, o encontro de contas efectuado entre a locadora e o locatário, após o recebimento da indemnização, consubstancia em si mesmo, o cumprimento de duas obrigações distintas, conforme resulta do próprio contrato, designadamente: · O pagamento à locadora, por parte do locatário, do valor das rendas vincendas e valor residual actualizados ao momento da perda total do bem; · Restituição pela locadora ao locatário do valor da indemnização recebida pela seguradora; (…)” XXI) A Recorrida, Impugnante, acionou diretamente a seguradora exigindo desta uma soma que se traduz no pagamento do capital em dívida acrescido de juros e encargos devidos pelos locatários, em razão da resolução do contrato que, no entanto, veio a ser pago pela seguradora; XXII) Tendo a Recorrida, Impugnante, acionado diretamente a seguradora, não pode o valor pago por esta ( e não pelo locatário) deixar de ser qualificado como uma contraprestação de uma prestação de serviços, estando por esse facto sujeito a imposto, nos termos do n.º 1 do art. 4º do CIVA; XXIII) Aliás, em sede de análise do direito de audição prévia, exercida em sede de ação inspetiva, foi dito foi mantida a correção em causa, dado “considerar-se que as operações em causa estão sujeitas a IVA e deles não isentas (…)”; XXIV) O que relatório final de inspeção nos diz é que foram pagos valores em conformidade com o estabelecido contratualmente, remetendo-nos para o disposto na clausula 9ª, n.º 3 das condições gerais do contrato de locação e que, em conformidade com a informação proferida pela DSIVA, tais valores encontravam-se sujeitos a IVA nos termos do art. 4º e art. 16º do CIVA; XXV) E, como bem se pode igualmente ver, a reclamação graciosa não foi indeferida com um fundamento distinto do utilizado no Relatório Final de Inspeção, mas antes pelo mesmo motivo, isto é, em conformidade com o acordado contratualmente entre locador (Recorrida, Impugnante) e o locatário (seu cliente), nos termos da clausula 9ª, n.º 3 das condições gerais do contrato de locação; XXVI) Assim, pelo facto de tais valores serem pagos pela seguradora e não pelo locatário, não podem os mesmos deixar de estar sujeitos a IVA, por ser considerado como uma contraprestação de uma prestação de serviços, nos termos do n.º 1 do art. 4º do CIVA; XXVII) Na parte de que se recorre, a liquidação em causa tem como único e exclusivo fundamento o contratado entre a Recorrida, Impugnante, e o locatário, nomeadamente pelo estabelecido na clausula 9º, n.º 3 das condições gerais dos contratos de locação celebrados, no qual, em caso de resolução antecipada do contrato, adquire a locadora legitimidade para acionar o seu cliente (locatário) a fim de ser indemnizada pelos prejuízos sofridos ou demandar, desde logo, a seguradora pedindo o pagamento das rendas vencidas e vincendas após a resolução do contrato; XXVIII) E, foram para estas situações, em que ambas estão sujeitas a IVA nos termos do art. 4º e art. 16º do CIVA, que o relatório final de inspeção faz referência; XXIX) E, é sobre estas situações que se debruça a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e que a Recorrida, Impugnante sindicou através dos presentes autos; XXX) Sendo que, tal como se conclui em tal procedimento, ainda que, nos termos do n.º 3 da clausula 9ª, a Recorrida, Impugnante, não tenha recebido quaisquer montantes dos seus clientes (locatários) relativamente à resolução antecipada do contrato por via da perda total dos bens locados, mas, tão só, única e exclusivamente da seguradora, também nesse caso, há sujeição a IVA nos termos sobreditos; XXXI) É sabido que o direito à fundamentação, relativamente aos atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, tendo o respetivo princípio constitucional sido densificado nos arts. 124º e 125º do CPA e, posteriormente, nos arts. 77º nºs. 1 e 2 da LGT (ato administrativo tributário); XXXII) E dado que este dever legal de fundamentação tem, a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do ato ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta (ac. STA, de 2/2/2006, rec. nº 1114/05), então, essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio ato (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do ato um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato; XXXIII) Também a decisão em matéria de procedimento tributário exige sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo essa fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os integrantes do relatório da fiscalização tributária, e devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. o art. 77º da LGT), tendo-se como constitucionalmente adequada a fundamentação que respeite os mencionados princípios da suficiência, da clareza, e da congruência e que, por outro lado, seja contextual ou contemporânea do ato, não relevando a fundamentação feita a posteriori (cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. n.º 01674/13 e de 23/4/2014, proc. n.º 01690/13); XXXIV) No caso concreto, a decisão proferida em sede de reclamação graciosa, confrontada com a justificação para as correções efetuadas ínsita no relatório final de inspeção, assenta, precisamente, no contratualmente estabelecido entre as partes intervenientes no contrato de locação financeira, ou seja, a Recorrida, Impugnante, e o locatário, seu cliente; XXXV) Em sede de indeferimento da reclamação graciosa, a AT, mais não fez, no estrito cumprimento dos seus deveres e vinculações legais, que confirmar e ratificar aquilo que já vinha expendido em sede de fundamentação do relatório final de inspeção, ou seja, a Recorrente, Fazenda Pública, entendeu indeferir tal procedimento fundamentando o seu indeferimento, de igual modo, com recurso a argumentação plasmada no relatório final de inspeção e contemporânea dos atos tributários de liquidação em crise; XXXVI) Contudo, o Tribunal a quo, com o devido respeito, não valorou convenientemente o que é dito no Relatório Final de Inspeção, bem como o contrato de locação financeira celebrado entre a Recorrida, Impugnante, com os seus clientes (locatários), cujos teor dos mesmos não foi impugnado ou por qualquer forma postos em crise, violando, assim, os arts. 77º da LGT e arts. 152º e 153º do CPA (anteriormente arts. 124º e 125º); XXXVII) Razão pela qual, não pode a Recorrente, Fazenda Pública, aceitar, com o devido respeito, que a decisão naquele procedimento proferida é posterior e não contemporânea ao ato tributário; XXXVIII) Devendo a liquidação controvertida manter-se no nosso ordenamento jurídico correspondente às correções efetuadas em sede inspetiva em virtude da não liquidação de IVA, nos termos do art. 4º e 16º, ambos do CIVA, pela Recorrida, Impugnante, nos pagamentos efetuados na sequência do vencimento antecipado dos contratos de locação financeira por perda total, ocasional, dos bens locados; XXXIX) Sendo a liquidação, na parte recorrida legal, não são, igualmente devidos quaisquer juros indemnizatórios; XL) Não obstante, ainda que se entenda que o ato tributário controvertido, é parcialmente ilegal por fundamentação efetuada a posteriori, o que só por mero raciocínio se admite, não são devidos quaisquer juros indemnizatórios; XLI) Há direito ao pagamento de juros indemnizatórios quando se verifiquem os respetivos pressupostos, conforme os arts. 43º e 100º da LGT: ü A existência de um erro num ato de liquidação de um tributo; ü Que esse erro seja imputável aos serviços; ü Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; ü Que desse erro tenha resultado o pagamento de dívida tributária num valor superior ao que é legalmente devido; XLIV) O direito aos juros indemnizatórios nasce da decisão administrativa ou judicial concedendo provimento à reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato tributário de liquidação, desde que o fundamento seja erro imputável aos serviços na liquidação do imposto; XLV) Consubstanciando-se o erro imputável aos serviços na existência de um erro, de facto ou de direito, não imputável ao contribuinte e de que tenha resultado o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido; XLII) A lei quis relevar, para efeitos de concessão dos referidos juros, o erro que tenha levado a AT a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do sujeito passivo, e não os vícios que, embora, de ilegalidade do ato, não impliquem uma errónea definição daquela relação, não impliquem a existência de uma liquidação superior à legalmente devida, o que acontece com os vícios formais ou procedimentais; XLIII) Logo não são todos e quaisquer vícios que tenham a virtualidade de ferir de ilegalidade um ato tributário que têm como consequência, no caso de o imposto já ter sido pago, o pagamento de juros indemnizatórios nos termos expostos; XLIV) Entre os vícios formais e procedimentais, ou seja, quanto aos vícios que, a verificarem-se, não implicam o pagamento de juros indemnizatórios, estão incluídos a falta de fundamentação (vício formal) ou a preterição do exercício de audição prévia (vício procedimental), sendo que in casu, entende o Tribunal recorrido que a liquidação enferma de vício de lei, por fundamentação a posteriori; XLV) Ainda que não estejamos perante uma situação de falta de fundamentação, mas, na perspetiva do Tribunal a quo de uma fundamentação a posteriori, não estamos perante um vício de lei, mas antes um vício formal, logo não há lugar ao pagamento de quaisquer juros indemnizatórios; XLVI) Aliás, é este o entendimento que tem sido sufragado pela jurisprudência dos nossos Tribunais., entre outros, cite-se o Acórdão do STA, proferido em 4/11/2009, no processo n.º 0665/07: “Assim, à face deste n.º 1, o que é relevante para efeitos da atribuição de juros é que haja um erro que seja imputável aos serviços da Administração Fiscal. Aquela expressão «erro», sem qualquer qualificativo, abrange tanto o erro de facto como o erro de direito. Mas, a utilização da expressão «erro», e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se tiveram em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. ( ( ) Sobre o uso desta terminologia, consagrada na doutrina e na jurisprudência, pode ver-se MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, volume I, páginas 564-566. ) Na verdade, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» têm um âmbito mais restrito do que a expressão «vício», que é utilizada legislativamente para referenciar qualquer ilegalidade. Por outro lado, constata-se que no CPPT se utiliza a expressão «vícios» quando se pretende aludir, genericamente, a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença). Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro», tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios. Esta é, aliás, uma restrição que se compreende. Na verdade, a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais e formais dos administrados e, por isso, justifica-se a anulação do acto por estar afectado de ilegalidade. Mas, o reconhecimento judicial de um vício daqueles tipos não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, não implica qualquer juízo sobre o carácter devido ou indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Fiscal com base no acto inválido, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou preterição de formalidade legal ou a falta de competência da autoridade que a exigiu. Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito. Por isso, justifica-se que, nestas situações, não estando em dúvida que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada, através da fixação de juros indemnizatórios a favor do contribuinte. Porém, nos casos em que o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração, aquela nada revela sobre a ilicitude da relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, com base no facto de ter ocorrido a anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação. Por isso se justifica que, nestas situações, não se comprovando a existência de um prejuízo, não se presuma o seu valor, fixando juros indemnizatórios, mas apenas se deva restituir aquilo que foi recebido, por deixar de existir o suporte jurídico da transferência da quantia paga para o erário público, o que poderá constituir já um benefício para o contribuinte, perante a realidade da sua situação tributária. ( ( ) Esta solução de restituição do recebido sem qualquer outra compensação não é mesmo uma peculiaridade do direito fiscal, sendo a prevista na lei civil para os casos de anulação de actos ou negócios jurídicos em que as partes estão de boa fé (arts. 289.º, n.ºs 1 e 3, e 1270.º do Código Civil), que nos casos da existência de uma acto tributário como suporte da deslocação patrimonial do contribuinte para a Fazenda Nacional é de presumir (art. 1260.º, n.º 2, do Código Civil).) Trata-se, assim, de uma solução equilibrada no domínio processual. Na verdade, perante o simples reconhecimento judicial de um vício de forma ou de incompetência fica-se na dúvida sobre se estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito de que a lei faz depender o pagamento de uma prestação tributária; se essa dúvida é um motivo suficiente para não exigir uma deslocação patrimonial do contribuinte para a Fazenda Pública (justificando a restituição da quantia paga) também, por identidade de razão, essa mesma dúvida será suporte bastante para não impor uma deslocação patrimonial efectiva em sentido inverso (pagamento de uma indemnização); verdadeiramente, a regra aplicável, a mesma em ambos os casos, é a de não impor deslocações patrimoniais sem uma prova positiva da existência de uma situação, ao nível da relação tributária, em que elas devem ocorrer. Assim, compreende-se que, nos casos em que há uma anulação de um acto de liquidação por não se verificarem os pressupostos de facto ou de direito em que devia assentar, havendo a certeza de que a prestação patrimonial foi indevidamente exigida, seja atribuída uma indemnização (no caso sob a forma de juros), e não seja feita idêntica atribuição nos casos em que a decisão judicial não implica a antijuricidade material da exigência daquela prestação. Isto não significa, que, na sequência de uma anulação judicial originada em vício de forma ou incompetência, o contribuinte que se sinta lesado nos seus direitos patrimoniais esteja legalmente impedido de exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado não só pela Constituição (art. 22.º da CRP), como pela lei ordinária (Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, e, anteriormente, DL n.º 48051, de 21-11-67, diplomas estes em que se faz equivaler qualquer ilegalidade a ilicitude, como se vê pelos seus arts. 9.º e 6.º, respectivamente). Porém, para obter esta reparação, o contribuinte terá de fazer, em processo próprio, a demonstração da existência do direito a essa indemnização, à face das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, como qualquer outra pessoa que seja lesada nos seus direitos por actos de outrem, não havendo qualquer norma constitucional ou legal que imponha que, em todos os casos de anulação de actos administrativos, se presumam os prejuízos, como está ínsito nas normas que prevêem a atribuição de juros indemnizatórios. ( ( ) Esta questão foi já apreciada, neste sentido, por este Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 5-5-1999, recurso n.º 5557-A, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 487, página 181, relativamente ao regime de juros indemnizatórios previsto no art. 24.º do CPT, que é, no que releva para apreciação do recurso, essencialmente idêntico ao previsto no art. 43.º da LGT. Esta jurisprudência foi reafirmada no acórdão de 29-10-2008, recurso n.º 622/08, relativamente ao art. 43.º da LGT. )”; 5 – No caso em apreço, os actos de liquidação impugnados não foram declarados nulos por qualquer vício próprio, mas sim, como reflexo do vício de falta de fundamentação do acto de avaliação que tiveram como pressuposto. Mas, a situação não se altera substancialmente, pois a invalidade dos actos de liquidação resulta apenas do vício do anterior acto de avaliação que neles se repercute, ao ser tomado como seu pressuposto. Trata-se de situação perfeitamente equiparável, a nível da causa de invalidade, àquelas em que os actos de avaliação anteriores a actos de liquidação não são susceptíveis de impugnação contenciosa autónoma (como é regra para os actos de avaliação indirecta, nos termos do art. 86.º, n.º 3, da LGT), em que é patente, nos casos em que a invalidade apenas afecta o acto de avaliação que antecede a liquidação, que a anulação desta resulta apenas do vício que afecta aquele anterior acto. Por isso, também nos casos em há autonomização da impugnação contenciosa do acto de avaliação, quando a invalidade de um acto de liquidação deriva exclusivamente da invalidade daquele anterior acto, a natureza do vício que afecta o acto consequente é a mesma do vício que afecta o acto pressuposto. Assim, é de concluir que a nulidade dos actos de liquidação impugnados no presente processo resulta apenas de vício de falta de fundamentação que inquina o acto de avaliação e não qualquer erro de facto ou de direito, que a anulação com fundamento naquele vício não revela. Consequentemente, à face das considerações que antecedem, está-se perante uma situação em que não se demonstra ter ocorrido erro de facto ou de direito, em que não está demonstrada antijuricidade a nível da relação tributária substantiva subjacente aos actos de liquidação impugnados e em que, por isso, não se justifica a aplicação da presunção de prejuízos ínsita no n.º 1 do art. 43.º da LGT. Como se referiu, isto não significa que a Impugnante não tenha direito a ser indemnizada pelos eventuais prejuízos que lhe advieram dos actos de liquidação impugnados, que podem mesmo ser superiores ao montante dos juros indemnizatórios, pois tal direito é-lhe reconhecido pela Constituição e pelas normas que estabelecem a responsabilidade civil extracontratual do Estado. Mas, o que a Impugnante não tem é direito a que se presuma ter prejuízo, necessitando, para ver reconhecido esse eventual direito de indemnização, de efectuar a demonstração da verificação pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, como é exigido à generalidade dos lesados por actos de gestão pública, nos casos em que não beneficiam de presunções. Conclui-se, assim, que, não tendo os actos de liquidação que são objecto da presente impugnação sido anulados por qualquer vício qualificável como «erro» para efeitos do n.º 1 do art. 43.º da LGT, não há suporte legal para a atribuição de juros indemnizatórios à Impugnante. (…)”; XLVII) Resulta, assim, que o direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação judicial de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado que tal ato é ilegal por erro, sobre os pressupostos de facto ou de direito, imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido; XLVIII) Ou seja, no caso de se considerar não assistir razão à recorrente, Fazenda Pública, quanto ao ato de liquidação em causa, e se determinar que o mesmo se encontra ferido de ilegalidade por fundamentação a posteriori – vício formal -, não serão devidos juros indemnizatórios; XLIX) Sob pena de se incorrer na violação dos arts. 43º e 100º da LGT; L) Face a todo o exposto, o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, violando o disposto nos arts. 4º e 16º do CIVA, arts. 77º da LGT e arts. 152º e 153º do CPA (anteriormente arts. 124º e 125º do CPA), bem como o art. 43º e 100º da LGT, devendo, nessa sequência, ser a sentença recorrida revogada no segmento decisório ora recorrido, mantendo-se, em consequência, na ordem jurídica a liquidação em causa, na sua integra.
Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo, para tanto, a douta sentença ser revogada e substituída por acórdão que declare a Impugnação Judicial improcedente, com as devidas consequências legais. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA. * Notificado do recurso interposto pela Fazenda Pública, o N…, S.A., apresentou contra-alegações, nas quais sustenta as seguintes conclusões: 1.ª A douta sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de IVA n.º 00007586, no valor de € 156.933,39, e nas respetivas liquidações de juros compensatórios n.os 00007574 a 00007585, no valor total de € 68.507,62, todas referentes ao ano de 1996; 2.ª Considerou a sentença ser procedente a pretensão do Impugnante no que respeita à correção pela falta de liquidação de IVA no montante de € 87.247,83, alegadamente devido com referência aos valores pretensamente pagos pelos locatários em consequência da perda total dos bens objeto de locação financeira, por entender que esta correção se encontra inquinada com o vício de violação de lei ao assentar em factos inexistentes já que não foram pagos ao Impugnante quaisquer valores pelos locatários, mas sim pelas seguradoras, e por a argumentação aduzida no sentido de sujeitar a tributação as indemnizações pagas pelas seguradoras não decorrer do relatório de inspeção tributária, consistindo numa fundamentação a posteriori, a qual não pode ser tida em conta; 3.ª Ademais, a sentença recorrida julgou improcedente a pretensão do Impugnante quanto à correção efetuada com fundamento na alegada falta de liquidação de IVA, no montante de € 35.615,59, sobre os juros cobrados aos clientes do ora Recorrente no âmbito de operações de pré-financiamento, por entender que estas operações constituem prestações de serviços para efeitos de IVA, as quais não estão isentas já que integram o âmbito do contrato de locação financeira; 4.ª A Recorrente deduz o presente recurso arguindo que o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento, porquanto, no entendimento da Recorrente, (i) não se verifica qualquer situação de fundamentação a posteriori – uma vez que a fundamentação aduzida no relatório de inspeção tributária, quanto às indemnizações por perda total dos bens locados, corresponde à vertida no projeto de decisão da reclamação graciosa, já que do primeiro não se retira que o pagamento das referidas indemnizações foi efetuado pelos locatários mas tão-só que foi efetuado nos termos contratualizados com os locatários – (ii) quer os valores em juízo tenham sido pagos pelos locatários quer pelas seguradoras, em ambos os casos estão os mesmos sujeitos a IVA por configurarem contraprestações de prestações de serviços nos termos dos artigos 4.º, n.º 1, e 16.º do Código do IVA e (iii) não são devidos juros indemnizatórios na medida em que o vício de fundamentação a posteriori constitui um vício formal, o qual não dá lugar ao seu pagamento; 5.ª No que concerne à fundamentação, resulta relatório de inspeção tributária que a presente correção foi emitida com fundamento na circunstância de não ter sido liquidado IVA sobre os valores pagos pelos locatários no seguimento da perda total dos bens objeto da locação financeira, não sendo a seguradora, em momento algum, referida no relatório de inspeção tributária (cf. p. 9 do relatório de inspeção tributária); 6.ª Decorre dos artigos 36.º, n.º 2 e 99.º, alínea c), do CPPT e do artigo 77.º, n.º 2, da LGT, que a fundamentação, para além de ter de ser expressa, tem de ser contemporânea do próprio ato, sendo este entendimento unânime na jurisprudência e na doutrina, qual seja o de que a fundamentação deve acompanhar sempre o ato tributário, não sendo possível proceder à emissão ou alteração da fundamentação posteriormente (cf. acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.02.2019 (processo n.º 29/03.7BTSNT), de 27.11.2001, (processo n.º 4975/01) e de 13.05.2003 (processo n.º 07439/02); acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 19.04.2005 (processo n.º 01306/03), de 17.03.2005 (processo n.º 0103/05), e de 19.06.2002 (processo n.º 047787)); 7.ª Logo, decorrendo do relatório de inspeção tributária que a correção sub judice se fundamenta no facto de os valores terem sido pagos pelos locatários ao locador, não se aceita que, em sede de projeto de decisão da reclamação graciosa, venha a administração tributária alterar a fundamentação por forma a sujeitar as indemnizações pagas pelas seguradoras a imposto, na medida em que tal configura uma fundamentação a posteriori, pelo que tendo sido comprovado que o Recorrido não recebeu, nem faturou aos seus locatários, no ano a que respeitam as liquidações adicionais impugnadas, quaisquer quantias pagas a título de indemnização pela resolução antecipada dos contratos de locação financeira em consequência da perda total dos bens locados, não há quaisquer montantes para sujeitar a imposto; 8.ª Efetivamente, se os serviços da administração tributária reconheceram no procedimento de reclamação graciosa que, na verdade, aqueles valores respeitam antes a indemnizações pagas por companhias de seguros, impunha-se-lhes a anulação da correção então reclamada, e não o tendo feito a mesma é ilegal, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao julgar pela sua anulação; 9.ª Quanto ao argumento de que quer os valores em juízo tenham sido pagos pelos locatários quer pelas seguradoras, estão os mesmos sujeitos a IVA por configurarem contraprestações de prestações de serviços, ex vi artigos 4.º, n.º 1, e 16.º do Código do IVA, foi comprovado em sede de impugnação judicial que as indemnizações pagas pelas companhias de seguros ao Recorrido, na qualidade de proprietário dos veículos sinistrados, não visam qualquer compensação de lucros cessantes, mas apenas, como resulta dos recibos de indemnização juntos aos referidos autos, o ressarcimento dos danos sofridos nos veículos sinistrados. Motivo pelo qual, porque não remuneram qualquer operação, nem têm subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços (cf. informação n.º 1828, de 08.10.1999, da Direção de Serviços do IVA), não estando as indemnizações em causa, por conseguinte, sujeitas a IVA; 10.ª O artigo 16.º do Código do IVA, no qual a Recorrente fundamenta a correção, corresponde a uma norma de determinação da matéria tributável, e não uma norma de incidência (cf. PEDRO SOARES MARTINEZ in “Manual de Direito Fiscal” e NUNO DE SÁ GOMES, “Manual de Direito Fiscal”, volume II, p. 57), pois tem como finalidade fixar o valor tributável, i.e., fixar o valor de determinada indemnização sobre o qual incidirá a correspondente taxa de imposto, indemnização a qual, atento o disposto nas normas de incidência (cf. artigos 2.º, 3.º e 4.º todos do Código do IVA), se encontra sujeita a imposto; 11.ª A sujeição ou não a IVA é determinada pelas normas de incidência (ex vi artigos 1.º, 3.º e 4.º do Código do IVA), as quais determinam que uma “indemnização” está sujeita a IVA apenas se tiver carácter remuneratório; 12.ª Atento o disposto nos artigos 483.º e 562.º do CC, o princípio fundamental da obrigação de indemnização assenta na obrigação de reconstituição natural. Não sendo possível a reconstituição natural, a indemnização será fixada em dinheiro, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado e a que teria nessa data se não existissem danos – indemnização por equivalente (correspondente ao valor pecuniário dos danos causados) (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31.12.2012, processo n.º 01158/11); 13.ª No que concerne ao caso especifico das indemnizações, estas apenas são tributadas em sede de IVA se tiverem subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços e que, como tal, configurem uma contraprestação (cf. artigos 1.º, n.º 1, alínea a), e 4.º, n.º 1, do Código do IVA), pelo que, se as indemnizações se limitam a sancionar a lesão de qualquer interesse, sem carácter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA (cf. Clotilde Celorico Palma, in “Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado”, Cadernos IDEFF, N.º I – 5.ª Edição, Almedina, p. 74; Afonso Arnaldo e Pedro Vasconcelos Silva, “O IVA e as Indemnizações” in Fisco, n.º 107/108, Março de 2003, pp. 85 e ss.); 14.ª Atendendo também à noção de contrato de seguro – convenção em virtude da qual uma das partes (seguradora) se obriga mediante uma caução (prémio) paga pela outra parte (segurada) a assumir um risco ou um conjunto de riscos e, caso a situação de risco se concretiza, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado – o bem seguro é apenas e tão só o veículo locado, e não o contrato de locação em si mesmo, sendo a indemnização atribuída, em caso de perda total, em função do valor dos veículos; 15.ª No caso sub judice, as indemnizações pagas pelas companhias de seguros destinavam-se exclusivamente a sancionar a lesão de um interesse, qual seja, a perda do bem locado e, uma vez que o seu valor era determinado em função dos danos concretamente verificados em cada um dos bens locados, não assumiam qualquer caráter remuneratório, sendo evidente que as mesmas não podem estar sujeitas a tributação em sede de IVA (vide, neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 31.10.2012 (processo 01158/11), de 09.10.2019, (processo n.º 0401/14.7BEPRT) e de 27.01.2016, (processo n.º 0331/14), bem como o Despacho do Subdiretor-geral dos Impostos, em substituição do Diretor-geral de 24.07.2007, processo n.º A100 2007113, a Informação n.º 1640, de 03.05.1993 (Proc. L20292008), emitida pelos SAIVA), o Oficio-Circulado n.º 14389, de 26.02.1987, nos despachos concordantes do Subdiretor Geral do IVA de 24.05.1989, de 13.12.1989 e de 03.12.1993 e, bem assim, os despachos do SAIVA de 24.06.1993 (Proc. I 09093002), de 08.11.1993 (Proc. S 29192018), de 16.02.1994 (Proc. 09093001) de 12.05.1994 (Processo I09092013) e de 03.10.1994 (Proc. A10094006), e F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, in “Código do IVA Comentado e Anotado”, Editora Rei dos Livros, 4.ª Edição, pp. 272 e 456 e ss., e, por fim, o acórdão Jurgen Mohr do TJUE de 29.02.1996 (processo C-215/94)); 16.ª Assim, atendendo a uma interpretação teleológica e sistemática do artigo 16.º do Código do IVA, em conjugação com o disposto nos artigos 1.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, daquele diploma, e tendo presente conceito de indemnização, estão, deste modo, excluídas do âmbito de incidência do IVA as indemnizações que tenham carácter meramente ressarcitório, como a do caso sub judice; 17.ª Tal conclusão não surge prejudicada pela circunstância de a locadora, em alguns casos, poder vir a entregar aos locatários parte da indemnização que eventualmente exceda o valor do capital em dívida e o valor residual do veículo. Tal procedimento justifica-se apenas pela circunstância de o contrato de locação financeira ser apenas, em rigor, um contrato de financiamento, sendo o locatário quem suporta os prémios do seguro, o que não transfigura a quantia atribuída pela seguradora numa indemnização por lucros cessantes pois, a indemnização em causa não deixa de ter a natureza de indemnização por danos patrimoniais e, como tal, não sujeita a IVA (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 25.06.2020 (processo n.º 1552/11.5BELRS)), pelo que se impõe a manutenção da sentença recorrida quanto a esta parte; 18.ª Por último, quanto ao argumento da Recorrente de que estando perante um vício de falta de fundamentação – vício procedimental – não há lugar ao pagamento dos juros indemnizatórios, importa distinguir, desde logo, os dois momentos em que assenta a fundamentação da referida correção: um primeiro momento, aquando da notificação do ato tributário que se fundamenta no relatório de inspeção tributária e, um segundo momento, que se reconduz à fundamentação deduzida a posteriori em sede de projeto de decisão da reclamação graciosa; 19.ª Logo, não se afigura razoável que a Recorrente venha aproveitar-se de uma segunda fundamentação, que como vimos é ilegal por ter sido deduzida após a emissão do ato tributário, para obstar ao pagamento dos juros indemnizatórios; 20.ª Isto porque, releva para este efeito que os serviços de inspeção tributária incorreram em erro sobre os pressupostos de facto, ao terem concluído que o Recorrido deveria ter liquidado IVA sobre os montantes pagos pelos locatários no seguimento da perda total dos bens objeto da locação financeira, quando não foi efetuado qualquer pagamento pelos locatários. E, neste âmbito, não estamos perante um qualquer vício formal ao contrário do que propugna a Recorrente; 21.ª Como sustenta a doutrina, há que distinguir em matéria de juros indemnizatórios o vício do erro esclarecendo que “(…) enquanto o vício se traduz numa ilegalidade formal no procedimento, em resultado de a administração tributária não ter observado as normas procedimentais previstas na lei, o erro consistiria numa ilegalidade na aplicação das normas de incidência.” (cf. José Maria Fernandes Pires et. al., in “Lei Geral Tributária – Comentada e Anotada”, 2015, Almedina, pp. 360 e 361 (sublinhado nosso) e acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.02.2019, processo n.º 1387/11.5BELRA); 22.ª In casu, estamos perante uma situação de erro dos serviços de inspeção tributária que entenderam que o Recorrido deveria ter liquidado IVA pelos montantes pagos pelos locatários, na sequência da perda total dos bens locados, sem que o Recorrido tenha percebido quaisquer montantes dos locatários, pelo que deverá manter-se a sentença recorrida (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 07.05.2020, processo n.º 137/17.7BCLSB); 23.ª De facto, o Tribunal a quo pronunciou-se efetivamente “sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Fiscal com base no ato inválido”, não se limitando a aferir da ilegalidade da fundamentação a posteriori, mesmo porque, como vimos, tratam-se de momentos diferentes, i.e. por um lado a conclusão errada dos serviços de inspeção tributária, no relatório de inspeção tributária, de que os valores pagos pelos locatários deveriam ter sido sujeitos a IVA pelo Recorrido, quando os locatários não pagaram quaisquer valores ao mesmo, e, por outro lado, a circunstância de no projeto de decisão da reclamação graciosa a administração tributária ter vindo deduzir uma fundamentação nova, que se afigura ilegal por ser posterior ao ato tributário; 24.ª Em face do exposto, também quanto à temática dos juros indemnizatórios deverá a sentença recorrida manter-se. Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, e, nessa medida, manter-se a sentença recorrida na parte ora objeto de recurso, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA! * No seu recurso, o N… S.A. apresenta as seguintes conclusões: 1.ª A douta sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de IVA n.º 00007586, no valor de € 156.933,39, e nas respetivas liquidações de juros compensatórios n.os 00007574 a 00007585, no valor total de € 68.507,62, todas referentes ao ano de 1996; 2.ª O Tribunal a quo julgou procedente a pretensão do Impugnante no que respeita à correção pela falta de liquidação de IVA no montante de € 87.247,83, alegadamente devido com referência aos valores pretensamente pagos pelos locatários em consequência da perda total dos bens objeto de locação financeira por entender que estas correções assentam em factos inexistentes; 3.ª Por outro lado, a sentença recorrida julgou improcedente a impugnação, quanto à correção efetuada com fundamento na alegada falta de liquidação de IVA, no montante de € 35.615,59, sobre os juros cobrados aos clientes do ora Recorrente no âmbito de operações de pré-financiamento, por entender que estas operações constituem prestações de serviços para efeitos de IVA, as quais não estão isentas porquanto integram o âmbito do contrato de locação financeira; 4.ª Entende o Recorrente que a sentença ora contestada se encontra inquinada de erro de julgamento porquanto o Tribunal a quo procura integrar as operações de pré-financiamento no âmbito do contrato de locação financeira; 5.ª As operações de pré-financiamento consistiam em antecipações pontuais, que o Recorrente efetuava antes da formalização dos contratos de locação financeira, do pagamento do preço do bem a locar ao fornecedor e que, por conseguinte, se inseriam numa relação estritamente creditória estabelecida entre o ora Recorrente e os seus clientes, independentemente da formalização de qualquer contrato de locação financeira (cf. Registos contabilísticos das contas 5809011 e 8979001, mencionados no relatório de inspeção tributária, a fls. 9, constante do processo administrativo instrutor, e referidos no facto 8) da factualidade dada como provada pela sentença recorrida); 6.ª Sobre os valores pagos antecipadamente incidiam juros cuja obrigação de pagamento cessava na data de vencimento da primeira renda acordada no âmbito de contrato de locação financeira que viesse a ser celebrado entre o Recorrente e seu cliente (cf. cópia de cash flow previsional por rendas e respetivos recibos juntos ao processo administrativo instrutor); 7.ª Ocorrendo estas operações antes da formalização dos contratos de locação financeira, como reconheceu a própria administração tributária, estas consubstanciavam uma pura operação financeira de crédito (mútuo) a qual se esgotava com o pagamento, pelo cliente (mutuário), dos juros que remuneravam a referida operação, pelo que não se enquadram no âmbito dos contratos de locação financeira (cf. artigo 21.º do projeto de relatório de inspeção tributária referido no facto 11) da factualidade dada como provada pela sentença recorrida); 8.ª Nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho, que estabelece o “Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira”, para que exista uma locação financeira, é necessário que (i) seja celebrado o respetivo contrato e (ii) que seja cedida a coisa, prevendo o artigo 8.º deste diploma que a locação financeira produz efeitos a partir da sua celebração; 9.ª Do texto dos artigos 1.º e 8.º do Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira, será incorreto afirmar que as operações de pré-financiamento que antecedem os contratos de locação financeira são parte integrante dos mesmos, porquanto à data destas operações inexistiam quaisquer contratos de locação financeira; 10.ª O elemento literal, previsto no artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil, constitui o ponto de partida e o limite de toda a interpretação e a doutrina e a jurisprudência têm-lhe atribuído duas funções: (i) uma função negativa ou de exclusão, que consiste em eliminar os sentidos que não tenham apoio na letra da lei; e (ii) uma função positiva ou de seleção, que consiste em favorecer o sentido técnico-jurídico (cf. neste sentido, entre outros, BAPTISTA MACHADO, in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 1987, p. 187; A. SANTOS JUSTO, in “Introdução ao Estudo do Direito”, Coimbra Editora, 5.ª edição, p. 335 e acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.11.2011, proferido no processo n.º 701/10); 11.ª O entendimento segundo o qual as operações de pré-financiamento se enquadram no contrato de locação financeira porquanto o antecedem não encontra na letra da lei o mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso; 12.ª As operações de pré-financiamento efetuadas pelo Recorrente, não constando dos contratos de locação financeira e não implicando a cessão do uso do bem locado são absolutamente marginais e autónomas face a estes (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.11.2014, processo n.º 1410/11.3TJLSB.L1-6 e Diogo de Leite Campos, in “A locação financeira”, AAFDL, 2012, p. 92 e p. 95); 13.ª Ademais, não se perceciona como pode a sentença recorrido sustentar que “(…) o que releva para efeitos de IVA é o momento em que se iniciam as operações materiais. Esta prestação de serviços não está isenta.” (cf. p. 16 da sentença recorrida), uma vez que o contrato de locação financeira só se considera materialmente celebrado/formalizado com a entrega do bem locado, o que à data das operações de pré-financiamento não tinha ocorrido; 14.ª Do ponto de vista substancial, as operações de pré-financiamento apesar de correlacionadas com o contrato de locação financeira (na medida em que, atenta a natureza da entidade locadora, não poderiam existir sem aquele), consubstanciam, em rigor, uma pura operação financeira de financiamento (mútuo) que se esgota com o pagamento, pelo mutuário/locatário, dos juros que a remuneram (cf. artigos 1142.º e 1145.º do Código Civil; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.03.2014, processo n.º 1052/08.0TVPRT.P1.S1); 15.ª A circunstância de as operações de pré-financiamento constituírem mútuos onerosos resulta irrefutável pelo facto de, nas operações desta natureza, o contrato de locação em si mesmo e a consequente entrega do bem ao locatário, só entrar em vigor após o pagamento integral dos juros que remuneram a disponibilidade do capital nesse hiato, facto também reconhecido pela própria administração tributária; 16.ª Constituindo as operações de pré-financiamento mútuos onerosos, encontravam-se isentas de IVA, pelo que bem andou o Recorrente ao não entregar o IVA referente a estas operações (cf. artigo 9.º, n.º 28 [atual n.º 27], alínea a) do Código do IVA); 17.ª Ademais, o artigo 16.º do Código do IVA estipula que o valor tributável na locação financeira é “(…) o valor da renda recebida ou a receber do locatário”, i.e. o valor estipulado no contrato e que constitui a contrapartida devida pelo locatário em resultado da utilização económica do bem locado (cf. Diogo Leite Campos, in op. cit., p. 101), logo, os juros cobrados no âmbito das operações de pré-financiamento não integram o conceito de renda deste artigo porquanto antecedem o contrato e a utilização do bem; 18.ª Não se aceita que estejamos perante uma pré-renda (cf. p. 16 da sentença recorrida), conceito que não encontra qualquer enquadramento legal, pelo que terá de se concluir que os juros das operações de pré-financiamento estão fora do campo de incidência do Código do IVA, de acordo com o princípio da legalidade (cf. artigos 103.º, n.os 2 e 3 e 266.º, n.º 2 da CRP; artigo 55.º da LGT; Alberto Xavier, in “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, Almedina, Coimbra, 1972, p. 328); Diogo Leite de Campos et. al., in “Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada”, 3.ª edição, pp. 235 e 236; José Maria Fernandes Pires et. al, in “Lei Geral Tributária – Comentada e Anotada”, Almedina, 2015, p. 572; Rui Duarte Morais, in “Manual de Procedimento e Processo Tributário”, Almedina, 2012, p. 13; acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 09.06.2016, processo n.º 00063/03); 19.ª Ainda que se entenda que as operações de pré-financiamento integram os contratos de locação financeira, o que apenas se admite por dever de prudente patrocínio, ainda assim afigura-se pacífico que, se em determinado contrato forem convencionadas duas operações tributáveis distintas, a pagar pelo mesmo adquirente, o IVA, desde que faturado separadamente, deverá ser sempre determinado igualmente em separado, tendo em atenção a distinta natureza das duas prestações; 20.ª In casu, até à entrega do bem ao locatário, a única relação estabelecida entre o Recorrente e o cliente, futuro locatário, é uma relação estritamente creditória, a qual, sendo sujeita a IVA nos termos gerais do artigo 4.º do respetivo Código, dela está isenta nos termos do disposto no referido artigo 9.º, n.º 28, alínea a), do Código do IVA; 21.ª Por fim, o facto de a atividade do Recorrente visar sobretudo a celebração de contratos de locação financeira, não implica ao contrário do referido pelo Tribunal a quo (cf. p. 17 da sentença recorrida), que o mesmo esteja impedido de proceder à realização de atividades de financiamento como as sub judice pelo que, estas atividades de pré-financiamento encontram-se perfeitamente enquadradas no âmbito da sua atividade e estão isentas ao abrigo da alínea a), do n.º 28 do artigo 9.º do Código do IVA; 22.ª Para que as operações de pré-financiamento possam beneficiar da isenção basta que as mesmas constituam operações financeiras, o que ocorre in casu, não relevando a natureza das entidades que as praticam (cf. Clotilde Celorico Palma, in “Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado”, Cadernos IDEFF, n.º I – 5.ª Edição, Almedina, p. 168); 23.ª Atento o exposto, deverá a sentença recorrida ser anulada, quanto à correção efetuada às operações de pré-financiamento, porquanto é ilegal. Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida, nesta parte, determinando-se, em consequência, a anulação do ato tributário sub judice nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!» * A Fazenda Pública não usou da faculdade de contra-alegar. * Foi dada vista ao Ministério Público, e neste Tribunal Central Administrativo, o Procurador–Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da procedência do recurso interposto pela Fazenda Pública e no sentido da improcedência do recurso apresentando pela Impugnante. * Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Importa assim, decidir as seguintes questões: i) Saber se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto por errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e apreciação de direito, ao julgar que a decisão da reclamação graciosa procedeu à fundamentação a posteriori dos actos de liquidação impugnados; ii) Saber se se verifica erro de julgamento de direito por ser devido IVA nos termos do disposto nos artigos 4.º e 16.º do CIVA e artigos 77.º da LGT, no caso de pagamento efectuado na sequência da perda total dos bens objecto de locação financeira e se a sentença incorreu em erro de julgamento por errada apreciação de direito aplicável ao caso, ao julgar não aplicáveis ao caso as citadas normas; iii) Saber se a sentença efectuou errado julgamento de direito ao condenar a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios por não ter resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, e a aceitar-se que houve fundamentação a posteriori, por não serem devidos por se tratar de um vício e não de um erro; iv) Saber se a sentença recorrida errou ao julgar que os juros cobrados aos clientes da impugnante, no âmbito do pré-financiamento, integram o contrato de locação financeira e como tal constituem prestações de serviços julgando tais operações sujeitas a IVA e não isentas. * III - FUNDAMENTAÇÃO III – 1. De facto
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida: «1)Pela Ordem de Serviço n.º135/99, a ora Impugnante foi submetida a exame à sua contabilidade, respeitante ao exercício de 1996 - cf. teor de fls.4 do Relatório do exame à contabilidade, de âmbito polivalente, ínsito no Processo Administrativo (PA), cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. * Consta ainda da mesma sentença que «Não existem quaisquer outros factos com relevância para a apreciação da questão controvertida» e que «Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados, na análise dos documentos juntos aos autos, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes, ínsitos no PA e no PRG.». * III – 2. Apreciação do recurso
Tendo presente que o que releva na apreciação da impugnação e bem assim do recurso são as correcções que se mantiveram no relatório final da acção de inspecção e que se mantêm controvertidas, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, procede-se à alteração do ponto 13) dos factos provados que passa a ter a seguinte redacção: 13) No relatório final mantiveram-se as seguintes correcções: «3.4 – IVA - Liquidação em falta A perda total, ocasional, dos bens objeto de locação financeira, origina o vencimento antecipado e actualizado das rendas vincendas, valor residual e juros (desde a última renda vencida até ao momento da perda total) em conformidade com o que fora contratado (cfr. n.º 3 da Clausula 9ª das Condições do Contrato). Assim, estes recebimentos, resultantes do cumprimento contratual acordado entre locadora e locatário e que traduzem o vencimento do contrato, de harmonia com o artigo 4.º e 6.º do CIVA estão sujeitos a IVA (vide informação 1828 de 08/10/99 da DSIVA). Constatei porém, que estas operações não foram sujeitas a IVA. O mesmo procedimento foi tomado (i.é não liquidação de IVA), aquando da realização de diversas operações activas, denominadas de pré-financiamento, realizadas no âmbito da locação financeira e encontram-se devidamente reflectidas contabilisticamente (cfr. c/ 5809011 e c/ 8979001). De facto, dado estarem estas associadas a contratos de locação financeira e serem realizadas apenas no apenas no âmbito dessa actividade, consubstanciam em si mesmo a contraprestação obtida do locatário em consequência de uma prestação de serviços (cfr. art. 4.º do CIVA) no âmbito da locação financeira e por conseguinte sujeitas a IVA. Tal operação não é portanto realizadas apenas no âmbito de um contrato de mútuo, conforme se depreende quer quanto à noção deste (cfr. art. 1142º do C.C.) quer quanto à forma (cfr. art. 1143º do C.C.) e por este facto, não é enquadrável na isenção prevista na alínea a) do nº 28º do art. 9º do CTVA (e como tal não foram inclusivamente sujeitas a imposto do selo, pela empresa, de harmonia com o art. 120-A da T.G. do R.I.S). Constatei ainda a não liquidação de IVA, aquando de algumas rescisões antecipadas de contratos e ainda, sobre as rendas vencida e valores residuais de diversos contratos, quando o bem objecto de contrato fora adquirido com isenção de IVA, ao abrigo do nº 33 do art. 9º do IVA (cfr. c/ 5809011 e c/ 8979001). * 18) A reclamação graciosa referida em 15) foi indeferida com a seguinte fundamentação: «(…) Dessa análise foi possível detectar que a perda total, ocasional dos bens objecto de locação financeira originava o vencimento antecipado (actualizado) das rendas vincendas, valor residual e juros desde a última renda recebida até ao montante da perda total, em conformidade com o que fora contratado (cfr. n.º 3 a clausula 9ª das conduções gerias do contrato); 7. Concluíram então aqueles serviços que esses rendimentos resultantes do cumprimento contratual acordado entre a locadora e locatária e que traduziam o vencimento do contrato, de harmonia com os Artº s 4º e 16º do CIVA estariam sujeitos a IVA, não tendo a reclamante agido em conformidade; (…) No caso concreto, é a clausula 9ª das “Condições Gerais” dos respectivos contratos que prevê as responsabilidades entre os contratantes, resultante das perdas totais dos bens locados; (…) visa (…) fixar previamente a forma de cálculo da indemnização devida em caso do incumprimento determinante da resolução, sendo que esta é um direito potestativo e não um dever acessório o devedor que não cumpriu a prestação a que estava contratualmente vinculado, vê-se na necessidade de reconstituir a situação que existira se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, isto é, deverá satisfazer o interesse que resultaria do cumprimento perfeito do contrato - interesse positivo ou de cumprimento (Mota Pinto, Direito Civil, 1980 - 158); 10. É pois com a resolução antecipada do contrato e em conformidade com as normas referenciadas que a Locadora adquire legitimidade para accionar o seu cliente para satisfação do interesse contratual negativo, i.e., para ser indemnizada dos prejuízos sofridos pelo incumprimento definitivo do contrato ou para accionar a Seguradora pedindo o pagamento das rendas vencidas e vincendas após a resolução do contrato (interesse positivo); 11. Tal alternativa dependerá de quem consta no contrato como beneficiário da indemnização. Assim, se a seguradora pagar a indemnização directamente ao locatário, este fica automaticamente obrigado a restituir à Locadora o valor que resultar do cálculo determinado pela cláusula penal; 12. Mas porque nessa determinação não é indiferente o momento em que ocorre o sinistro (se no inicio do contrato, o bem locado é recente, num momento posterior já terá sofrido alguma depreciação, por outro lado, se no início do contrato terão sido pagas poucas rendas, já não sucederá o mesmo num momento posterior) pode verificar-se que a indemnização paga pelo locatário seja inferior ao valor a que aquele estava obrigado contratualmente, pelo que este terá de ressarcir a Locadora do valor ainda em falta. Mas poderá também ocorrer a situação contrária. Ou seja, a indemnização ser superior ao valor que o locatário deve à Locadora. Neste caso, o locatário paga o valor que deve à Locadora e fica com o excedente para si. 13. Para o enquadramento da questão da sujeição ou não a IVA das quantias recebidas a título de indemnização, há que ter em conta o principio subjacente do IVA, como imposto sobre o consumo, e que corresponde basicamente ao disposto na Sexta Directiva, pretendendo tributar a contraprestação de operações tributáveis e não a Indemnização de prejuízos, que não tenham carácter remuneratório; 14. Sobre esta mesma matéria se pronunciou a Direcção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado mediante a Informação referida no item 5. Apenas por maior facilidade de exposição se transcrevem algumas das considerações nela tecidas: “Nos termos do n° 1 do Art° 4º do CIVA são consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações”; “O conceito de prestações de serviços dado pelo Art° 4º tem um carácter residual, sendo consideradas como prestações de serviços as prestações efectuadas a título oneroso que não constituam transmissões ou importações de bens”; “A qualificação de prestação de serviços é aqui de natureza económica e ultrapassa a definição jurídica dada pelo Art° 1154° do Código Civil, abrange a transmissão de direitos, a obrigação de conteúdo negativo (não praticar determinado acto) e ainda a prestação de serviços coactiva (Art° 6º n° 1 da 6a Directiva)”; “Todavia, o valor da indemnização pago pela seguradora não é o que a locadora exige ao locatário. Assim sendo, o encontro de contas efectuado entre a locadora e o locatário, após o recebimento da indemnização, consubstancia em si mesmo, o cumprimento de duas obrigações distintas, conforme resulta do próprio contrato, designadamente: · O pagamento á locadora, por parte do locatário, do valor das rendas vincendas e valor residual actualizados ao momento da perda total do bem; · Restituição pela locadora ao locatário do valor da indemnização recebida da seguradora; “Em relação à primeira das situações, do carácter residual do conceito de prestação de serviços, contido no n° 1 do Art° 4° do CIVA, resulta a sujeição a IVA de vantagens/realidades económicas, que nem sempre correspondem a uma qualificação jurídica definida.” O valor a pagar à locadora pelo locatário referente ao valor das rendas vincendas e o valor residual actualizado ao momento da perda total do bem configura-se como uma obrigação de conteúdo negativo, na medida em que visa compensar proveitos que deixaram de ser obtidos (lucros cessantes) pelo que deverá entender-se o seu pagamento como contra-prestação de operação sujeita a imposto; Assim, são tributáveis em IVA as indemnizações que tenham subjacente uma transmissão de bens ou prestações de serviços; “No que respeita à restituição ao locatário, do valor da indemnização recebido da seguradora, este visa ressarci-lo dos prejuízos sofridos, não tem subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços, como tal, não configura uma contra-prestação a obter do adquirente de uma operação sujeita a imposto, pelo que não deve ser tributado”; 15. A particularidade do caso em análise resulta da Reclamante ter accionado directamente a Seguradora exigindo desta uma soma cuja natureza não se esgota, como pretende fazer valer, numa indemnização que visa sancionar a lesão de um interesse sem carácter remuneratório; 16. E dizemos que não se esgota porque ela compreende uma parcela que traduz o pagamento do capital em dívida acrescido de juros e encargos, na realidade devidos pelo locatário, em razão da resolução do contrato, mas que veio a ser paga pela Seguradora porque assim foi convencionado; 17. Agora, pelo facto de ter sido pago pela Seguradora e não pelo locatário, não pode esse quantum, deixar de merecer a qualificação de contra-prestação de uma prestação de serviços, tal como vem definida na informação prestada pela DSIVA. Com efeito, ele destina-se ao pagamento integral da dívida resultante da resolução do contrato de locação, estando por esse facto sujeito a imposto, de acordo com o n° 1 do Art° 4º do CIVA;» - cf. documento de fls. 123 do PAT; 19) os recibos emitidos pelas entidades seguradoras mencionam como tomador do seguro ou segurados terceiros identificados e como beneficiária da indemnização a impugnante mostrando-se os recibos assinados por ambos – cf. Documentos n.º 14 a 22 juntos com a reclamação graciosa, fls. 42, 46, 50, 54, 55, 62 66, 67, 70 e 74; 20) Os montantes indicados nos recibos emitidos nos termos referidos no ponto anterior foram pagos mediante a emissão de cheque à ordem da impugnante – cf. Documentos n.º 14 a 22 juntos com a reclamação graciosa, fls. 43, 47, 51, 55, 59, 63 e 71; * Comecemos pela apreciação do recurso apresentado pela Fazenda Pública. A recorrente alega que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por errónea apreciação dos factos relevantes, ao julgar que a decisão da reclamação graciosa procedeu à fundamentação a posteriori do acto de liquidação impugnado, entendimento com o qual não se conforma, por não resultar da prova dos autos que a decisão da reclamação graciosa foi indeferida com fundamentação diversa da constante do relatório de inspecção. Alega que do relatório final de inspeção, ao contrário do propalado na sentença recorrida, não se extrai que o pagamento das quantias decorrentes da resolução antecipada do contrato de locação, em função da perda total dos bens foi efectuado pelos locatários. Mais, «do ponto 3.4 do relatório final de inspeção é dito que: “A perda total, ocasional, dos bens objeto de locação financeira, origina o vencimento antecipado (actualizado) das rendas vincendas, valor residual e juros (desde a última renda vencida até ao momento da perda total) em conformidade com o que fora contratado (cfr. n.º 3 da clausula 9º das Condições Gerais do Contrato). Assim, estes recebimentos, resultantes do cumprimento contratual acordado entre a locadora e locatário e que traduzem o vencimento do contrato, de harmonia com os artigos 4º e 16º do CIVA estão sujeitos a IVA (vide informação 1828 de 08/10/99 da DSIVA). Constatei porém, que estas operações não foram sujeitas a IVA. (…)”». Alega ainda que, o que se pode retirar do que ficou dito em sede de inspeção, é que o pagamento, na sequência da perda total dos bens, objeto de locação, é efectuado em conformidade com o que for estabelecido contratualmente entre as partes e não que os pagamentos foram efectuados pelos locatários, como entendeu o Tribunal a quo. E assim é. O que resulta do relatório de inspecção, conforme decorre do ponto 13 da matéria de facto provada é o seguinte: «A perda total, ocasional, dos bens objeto de locação financeira, origina o vencimento antecipado e actualizado das rendas vincendas, valor residual e juros (desde a última renda vencida até ao momento da perda total) em conformidade com o que fora contratado (cfr. n.º 3 da Clausula 9ª das Condições do Contrato). Assim, estes recebimentos, resultantes do cumprimento contratual acordado entre locadora e locatário e que traduzem o vencimento do contrato, (…) estão sujeitos a IVA». Argumenta a recorrida que o relatório de inspecção alude a valores pagos pelos locatários no seguimento da perda total dos bens objecto de locação financeira, não sendo a seguradora em momento algum referida. Ora o relatório de inspecção alude aos recebimentos, montantes recebidos pela ora recorrida sem referir de quem recebe, na medida em que, o que era relevante para a qualificação da operação bem como para saber se estava ou não sujeita a IVA era determinar a natureza jurídica das prestações e não quem efectua o pagamento. Na verdade, conforme resulta dos pontos 19 e 20 aditados oficiosamente ao probatório, o tomador do seguro é o locatário sendo o valor correspondente à indemnização paga pela seguradora pela perda total do veículo entregue à locadora ora recorrida. Tal entrega e recebimento não constitui a atribuição tout court de natureza indemnizatória ao valor recebido pela locadora, nem o reconhecimento pela AT de que «tais valores respeitam antes a indemnizações pagas por companhias de seguros» à locadora sem mais como melhor veremos. É neste sentido que se refere na decisão da reclamação graciosa o seguinte: «pelo facto de ter sido pago pela Seguradora e não pelo locatário, não pode esse quantum, deixar de merecer a qualificação de contra-prestação de uma prestação de serviços, tal como vem definida na informação prestada pela DSIVA. Com efeito, ele destina-se ao pagamento integral da dívida resultante da resolução do contrato de locação, estando por esse facto sujeito a imposto, de acordo com o n° 1 do Art° 4º do CIVA» isto dito na sequência da constatação de que no âmbito da acção de inspecção ter sido averiguado que «a perda total, ocasional dos bens objecto de locação financeira originava o vencimento antecipado (actualizado) das rendas vincendas, valor residual e juros desde a última renda recebida até ao montante da perda total, em conformidade com o que fora contratado (cfr. n.º 3 a clausula 9ª das conduções gerias do contrato); 7. Concluíram então aqueles serviços que esses rendimentos resultantes do cumprimento contratual acordado entre a locadora e locatária e que traduziam o vencimento do contrato, de harmonia com os Artº s 4º e 16º do CIVA estariam sujeitos a IVA, não tendo a reclamante agido em conformidade; (…) No caso concreto, é a clausula 9ª das “Condições Gerais” dos respectivos contratos que prevê as responsabilidades entre os contratantes, resultante das perdas totais dos bens locados;» O facto de a Impugnante ora recorrente não ter recebido quaisquer quantias dos locatários, e não ter emitido recibos nada diz sobre as operações em causa. A referência na reclamação graciosa à particularidade do caso resultante do facto de ter sido a reclamante a acionar «directamente a Seguradora exigindo desta uma soma cuja natureza não se esgota, como pretende fazer valer, numa indemnização que visa sancionar a lesão de um interesse sem carácter remuneratório» não constitui fundamentação a posteriori na medida em que constitui a apreciação dos argumentos invocados pela reclamante e a apreciação dos documentos juntos com a reclamação no âmbito do dever de decisão. Assim, analisando a fundamentação que consta do relatório de inspecção concluímos que, nos casos em que ocorre a perda total do bem objecto de locação financeira, as quantias pagas ao ora recorrido decorrentes do vencimento antecipado (actualizado) das rendas vincendas, valor residual e juros desde a última renda recebida até ao montante da perda total, foram qualificadas como prestações de serviço tributáveis nos termos do artigo 4.º, n.º 1 do CIVA. Na decisão da reclamação graciosa tais quantias também foram qualificadas como prestação de serviços «destina-se ao pagamento integral da dívida resultante da resolução do contrato de locação, estando por esse facto sujeito a imposto, de acordo com o n.º 1 do Artº 4º do CIVA.» Tudo o mais que consta da referida decisão, quanto a esta questão, constitui a citação da informação n.º 1828 de 08/10/1999 na qual se analisa em termos genéricos a questão objecto de apreciação tendo em conta a especificidade do caso concreto conforme resulta do ponto 18) da matéria de facto aditada. Assim, a reclamação graciosa não foi indeferida com fundamentação distinta da que consta do relatório final de Inspeção, porquanto o que se refere é que em conformidade com o acordado contratualmente entre locador (Recorrida, Impugnante) e o locatário (seu cliente), nos termos da clausula 9ª, n.º 3 das condições gerais do contrato de locação, os valores pagos não podem os mesmos deixar de estar sujeitos a IVA, por ser considerado como uma contraprestação de uma prestação de serviços, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do CIVA. O facto de tais valores serem entregues pela seguradora e não pelo locatário não desqualificam a operação. O que se deixou dito permite-nos concluir que assiste razão à recorrente, na medida em que não ocorre a fundamentação a posteriori. Donde, assiste razão à recorrente Fazenda Pública, impondo-se a revogação da sentença nesta parte, por errada apreciação dos factos relevantes e na sua apreciação jurídica. * Importa agora apreciar se o pagamento efectuado na sequência da perda total dos veículos objecto de locação constitui uma prestação de serviços tributável em sede de IVA nos termos do artigo 4.º e 6.º do CIVA. No caso dos autos estão, portanto, em causa vários contratos de locação financeira, em que a Impugnante, figura na qualidade de locadora de veículos que sofreram danos dos quais resultou a sua perda total. Da acção inspectiva resultou a seguinte apreciação: «A perda total, ocasional, dos bens objeto de locação financeira, origina o vencimento antecipado e actualizado das rendas vincendas, valor residual e juros (desde a última renda vencida até ao momento da perda total) em conformidade com o que fora contratado (cfr. n.º 3 da Clausula 9ª das Condições do Contrato). Assim, estes recebimentos, resultantes do cumprimento contratual acordado entre locadora e locatário e que traduzem o vencimento do contrato, de harmonia com o artigo 4.º e 6.º do CIVA estão sujeitos a IVA (vide informação 1828 de 08/10/99 da DSIVA). Constatei porém, que estas operações não foram sujeitas a IVA.» O Tribunal a quo julgou a impugnação procedente quanto a esta correcção, no entendimento de que ela assenta em factos inexistentes, já que não foram pagos ao Impugnante quaisquer valores pelos locatários, mas sim pelas seguradoras e uma vez que a sujeição das indemnizações a tributação não decorre do relatório de inspecção constitui fundamentação a posteriori inadmissível. A impugnante não nega que efectua, em cada caso de perda total do bem locado, o cálculo do valor das rendas vincendas e valor residual actualizado ao momento do sinistro (cf. Artigo 10º da petição inicial). O que sucede no caso dos autos, como parece ser prática corrente noutras locadoras, é que, apesar do locatário ser o tomador do seguro, isto é, o titular do direito à indemnização, as partes acordam que quem recebe o valor da indemnização devida pela seguradora ao segurado (locatário) é a locadora com vista à garantia de que o locatário efectua o pagamento integral e pontual das prestações devidas pela resolução do contrato que tem por consequência o vencimento antecipado e actualizado das rendas vincendas do valor residual, dos juros e de rendas vencidas e não pagas até ao momento da perda total do bem locado, evitando assim a existência de contencioso associado ao incumprimento. Daí que, se o montante pago pela seguradora a que o locatário tem direito em consequência do sinistro que origina a perda total do veículo for superior ao montante que este deve pela resolução do contrato, é-lhe restituído o valor remanescente. O facto de a locadora receber o montante correspondente à indemnização devida ao tomador do seguro (locatário) não a erige em titular da indemnização paga. O que sucede é que a locadora imputa tal valor que recebe, ao pagamento das prestações devidas pelo locatário como se o contrato tivesse sido cumprido pontualmente até ao termo final contratualmente previsto. Assim se explica a razão pela qual os segurados/locatários também assinam os recibos de pagamento da indemnização e declaram autorizar o pagamento à locadora, dando total quitação à segurado, sub-rogando-a em todos os direitos contra eventuais responsáveis pelo sinistro e exonerando-a ou renunciando a direitos ou acções judiciais e indemnizações relacionados com o sinistro. Neste contexto factual, vejamos o enquadramento jurídico da questão. Estão sujeitas ao IVA, nos termos do artigo 1.º n.º 1 alínea a), do CIVA «as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal.» Dispõe o n.º 1 do artigo 16.º do CIVA, com a epígrafe: «Valor tributável nas operações internas», que «o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.» Ainda com interesse para a questão sub judice dispõe o n.º 2, da referida norma que «Nos casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável será: (…) h) Para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário». A alínea a) do n.º 6, da citada disposição legal, estabelece que do valor tributável referido no número anterior são excluídos «os juros pelo pagamento diferido da contraprestação e as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações». A obrigação de indemnização pela reconstituição natural da situação que existiria se não ocorresse a condição resolutiva, ou, não sendo possível, a indemnização pelo equivalente pecuniário decorre dos artigos 483.º e 562.º e seguintes do Código Civil enfatizando a doutrina e a jurisprudência que tal norma deverá ser interpretada de forma cautelosa, já que não se pode considerar que apenas as indemnizações em que houve um reconhecimento judicial expresso não são sujeitas a IVA, ao invés, verificados os demais requisitos, importa abranger também as indemnizações não declaradas judicialmente, especialmente no domínio da responsabilidade contratual, sob pena de violação das regras e princípios consagrados na Sexta Directiva. Neste sentido se pronunciou o STA no Acórdão datado de 31/10/2012 proferido no processo n.º 01158/11. No caso dos autos, a locadora obriga-se por efeito do contrato de locação financeira a prestar um serviço traduzido na disponibilidade do veículo ao locatário recebendo como contrapartida uma prestação. Em caso de acidente com perda do veículo, este evento implica a resolução automática do contrato de locação e, por conseguinte, deixa de se verificar a relação sinalagmática existente entre locadora e locatário. Importa assim, distinguir na prestação que o locatário paga à locadora respeitante a eventuais rendas vencidas e não pagas e a respeitante à rendas vincendas e valor residual actualizado. No primeiro caso - rendas já vencidas - estamos perante uma prestação que tem como fonte a relação contratual de prestação de serviços que existia entre locador e locatário, nos termos da qual era devida pelo locatário uma retribuição pelo gozo temporário do veículo, constituindo as rendas vencidas a contra-prestação pelo uso do veículo que já havia ocorrido, estando sujeita a IVA. As rendas vincendas e valor residual actualizado decorrem da remuneração que a Impugnante esperava obter com o cumprimento integral do contrato e que por via da destruição total do veículo locado, não deixam de existir, operando-se a antecipação do capital contratualizado em consonância com o regime da locação financeira nos termos do qual, ao contrário da locação prevista no artigo 1022.º do Código Civil em que o risco de perecimento da coisa corre por conta do locador, na locação financeira é o locatário que o suporta, daí que figure como tomador do seguro, conforme resulta do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, regime aplicável à data dos factos, permanecendo a obrigação de efectuar o pagamento das rendas vincendas que correspondem ao capital financeiro contratado para a aquisição do bem que é pago em prestações. Nos presentes autos, como já fizemos referência, estão em causa montantes decorrentes da resolução do contrato de locação financeira em resultado da perda total de veículos, cuja fonte constitui o contrato de locação financeira, nos termos das condições gerais do contrato referidos no relatório de inspecção, conforme resulta do ponto 13 do probatório. Ora, a perda total do veículo determina, como já referimos, a resolução do contrato de locação financeira donde emerge a obrigação de pagamento pelo locatário das rendas vincendas no momento em que ocorreu o acidente, do valor residual actualizado e das rendas vencidas e não pagas àquela data pelo locatário, fundadas ainda no contrato de locação financeira, já que as primeiras (rendas vincendas e valor residual) emergem do capital financeiro contratado para a aquisição do bem, pago em prestações, que por efeito da resolução do contrato são antecipadas, isto é vencem-se, donde se conclui que tais quantias devidas à locadora, aqui Impugnante, correspondem a prestações de serviços e nessa medida correspondem a operações sujeitas a IVA na sua totalidade. O facto de a locadora receber o valor pago pela seguradora não a erige em titular do direito à indemnização que como vimos, é o locatário que é o titular de tal direito na medida em que, por força do regime da locação financeira é sobre si que incorre o risco e é por tal facto que é o tomador do seguro. O recebimento pela locadora do valor da indemnização devida ao locatário pela seguradora, constitui apenas uma questão operacional que não interfere na definição dos feixes de direitos e obrigações que a cada contratante cabe, nos termos referidos e que as partes fizeram constar do contrato. Daí que o apuramento da diferença positiva entre os montantes devidos pelo locatário à locadora e o valor da indemnização paga pela seguradora a que o locatário tem direito, que a impugnante calcula emerge da compensação a que a Impugnante procede entre o valor da indemnização recebida da seguradora, já que constitui obrigação do locador proceder à entrega ao locatário da indemnização que venha a receber da seguradora. Esta obrigação está conexa com a exigência do pagamento das rendas vincendas e do valor residual do contrato, que se venceriam periodicamente, durante o período de vigência previsto no contrato se o mesmo decorresse normalmente, e que são antecipadas, ou seja, vencem-se por efeito da resolução do contrato em resultado da perda total do veículo, como se o contrato tivesse sido cumprido integralmente. Dito de outro modo, por efeito da perda total do veículo, o locatário é obrigado a efectuar o pagamento de todas as prestações vincendas, incluindo o valor residual actualizado, que se vencem com a verificação da condição resolutiva do contrato de locação, porque se operou a impossibilidade natural do locatário optar entre adquirir a viatura, pagando o valor residual ou entregar a viatura, caso em que não pagaria o valor residual. A única opção que é dada ao locatário, pela natureza das circunstâncias decorrentes do sinistro é a opção de efectuar o pagamento integral do contrato como se optasse por adquirir o veículo, no entanto, em vez de adquirir a viatura, devido à sua perda total, obtém o equivalente pelo seu valor pecuniário que corresponde ao valor da indemnização, uma vez que o risco de perda ou deterioração do bem corre, como deixámos dito, por conta do locatário. Assim sendo, na realidade o que sucede é que a Impugnante procede à compensação dos montantes em causa, isto é, não entrega ao locatário o valor que recebe da seguradora a título de indemnização pela perda do veículo, a qual não constitui uma operação e como tal não é tributável e não sujeita a IVA, e não exige a totalidade do valor em dívida correspondente às rendas vincendas, vencidas e não pagas e correspondente valor residual actualizado, daí que afirme que não recebe quantias do locatário e não emita recibos. Contudo, estes factos não definem a qualificação das prestações impondo-se analisá-las pela sua substância. A não ser entendido o caso dos autos, nestes moldes não tem justificação a prática da recorrida, como afirma na petição inicial (ponto 10), após «proceder ao acerto de contas com os locatários, atribuindo-lhes, se necessário for, a proporção da indemnização recebida que eventualmente exceda o valor das rendas vincendas e valor residual actualizado ao momento do sinistro». A este propósito v.g. o acórdão do STA já citado: «a tributação de uma dada operação, em sede de IVA, é feita com base na existência de um contraprestação associada a uma transmissão de bens ou prestação de serviços, enquanto expressão da actividade económica de cada agente. No contexto apontado, a doutrina converge que “o pagamento de uma indemnização constitui um facto não sinalagmático, ou seja, não há qualquer interdependência entre a prestação indemnizatória e uma outra prestação que caiba ao lesado efectuar. Assim, existe apenas uma prestação a fazer, não podendo ser reclamado do lesado o cumprimento de uma eventual obrigação a que este se encontrasse adstrito” (...) Neste sentido, AFONSO ARNALDO E PEDRO VASCONCELLOS E SILVA (Ibidem.) ponderam que “(…) atentas as especificidades do sistema de IVA vigente na União Europeia, o qual tem a sua base estruturante na denominada Sexta Directiva do Conselho 77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977, há que considerar que o desiderato tributário reside apenas em abranger as operações que são remuneradas através de uma contrapartida e não as meras compensações ressarcitórias. Assim, pode concluir-se com segurança que as puras indemnizações não levantam quaisquer implicações ao nível da liquidação de IVA”. No mesmo sentido, pondera CLOTILDE PALMA (Cfr.”Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado”, Cadernos IDEFF, nº 1, 5ª ed., Almedina, Coimbra, 2011, p 197.) que no caso de as indemnizações sancionarem “(…) a lesão de qualquer interesse sem carácter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, «Não havendo qualquer interdependência entre a prestação indemnizatória e uma outra prestação à qual o lesado se encontre adstrito, uma vez que a obrigação nasce ex novo no momento em que é causado o dano, a entrega de uma indemnização, por não pressupor qualquer nexo sinalagmático com uma determinada transmissão de bens ou prestação de serviços, não tem carácter oneroso. Segundo este modo de ver as coisas, serão tributadas em IVA as indemnizações que correspondam, directa ou indirectamente, à contrapartida devida pela realização de uma actividade económica, isto é, que visem remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços. (…)» Segundo ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO (Cfr. Manual de Direito Bancário, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, pp. 671 ss.), a “Locação financeira é o contrato pelo qual uma entidade – o locador financeiro – concede a outra – o locatário financeiro - o gozo temporário de uma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário.” A locação financeira caracteriza-se, assim, como uma fórmula destinada a proporcionar crédito bancário. Com efeito, pretendendo adquirir um bem para o qual não tenha disponibilidade financeira imediata, “o interessado dirige-se a um banqueiro” que vai adquirir o bem em causa e dá-lo ao interessado em locação. Por sua vez, o locatário irá pagar uma ”retribuição que traduza a amortização do bem e os juros; no final, o locatário poderá adquirir o bem pelo valor residual ou celebrar novo contrato; poderá , ainda, nada fazer” (ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, ob cit., p. 671.). (…) No âmbito dos citados contratos o locatário é obrigado a segurar o veículo locado contra o risco da sua perda ou deterioração, nos termos da alínea j) do nº 1 do art. 10º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho. O contrato de seguro é celebrado com o locatário (tomador do seguro), o qual paga os prémios respectivos, sendo beneficiária a locadora (art. 10º nº1, al. j), Decreto-Lei nº 149/95, 24 Junho). Em caso de perda total do veículo, verificando-se a condição resolutiva do contrato, a companhia seguradora paga à locadora beneficiária as quantias correspondentes às indemnizações, de acordo com o capital constante das apólices. Por conseguinte, em ambas as situações a responsabilidade pelo seguro pertence ao cliente, mas contratualmente a indemnização é paga directamente pelas seguradoras à locadora que, posteriormente, procede ao encontro de contas com o locatário, restituindo ou exigindo a diferença, caso o valor da indemnização recebida seja respectivamente superior ou inferior ao capital afecto. Do quadro jurídico exposto, verifica-se que a locadora obriga-se a prestar um serviço traduzido na disponibilidade do veículo ao locatário recebendo como contrapartida uma prestação. Em caso de acidente com perda do veículo, este evento implica a resolução automática do contrato de locação e, por conseguinte, a interrupção da relação sinalagmática existente entre locadora e locatário. Neste caso, há que distinguir entre a prestação que o locatário paga à locadora e que respeita ao montante de eventuais rendas vencidas e não pagas e respectivos juros de mora e aquela que vai ser paga pela seguradora. Na primeira situação, a prestação em causa ainda tem a sua fonte no contrato (rendas já vencidas e respectivos juros) e, por conseguinte, na relação sinalagmática que existia entre locador e locatário, que está normalmente sujeita a IVA, porquanto a locação financeira configura a cedência, mediante retribuição, do gozo temporário de uma coisa móvel ou imóvel, pelo que constitui uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do nº 1 do art. 4º do CIVA. Na verdade, aplicando ao caso o que ficou dito sobre o critério identificador do conceito de indemnização remuneratória, vemos que nas relações entre locador e locatário havia uma relação sinalagmática e onerosa enquanto a locadora propiciava ao locador, no âmbito do contrato de locação, o uso do veículo. (…) Assim sendo, por força da sua natureza é evidente que os montantes recebidos a título de indemnizações de risco coberto por contrato de seguro, na parte em que se destinem a reparar o dano consubstanciado na perda do veículo (ou do capital utilizado para a sua aquisição) não podem estar sujeitos a IVA (No sentido de que a indemnização a pagar pela seguradora ao lesado e, em princípio, não sujeita a IVA, uma vez que visa reparar um dano causado pelo tomador de seguro, que não tem associado qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços, cfr. ANA RITA COSTA MACHADO, IVA nas indemnizações, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Publicações on line, 2011, p. XIX. ), uma vez que não tem associado qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços (relação sinalagmática), mas tão só carácter ressarcitório (No Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27/3/2012, proc nº 3385/09, decidiu-se, que o valor entregue pela seguradora ao locador não tem a natureza de indemnização paga para reparar o prejuízo sofrido na sequência da perda do bem, porque sobre o locatário recaía «o pagamento antecipado das rendas ou ao vencimento antecipado da dívida de capital actualizado (incluindo rendas vincendas e juros)».) … Em face de tudo o que vai exposto, somos de concluir, em conformidade com o consignado no douto Parecer do Ministério Público, segundo o qual é preciso distinguir: a) A indemnização paga pela seguradora, “(…) destinada à compensação do dano causado pela perda do bem”, a mesma deve considerar-se excluída da incidência objectiva de IVA, “na medida em que não assume a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço (arts. 1º n.º 1, 4º n.º 1 e 16 n.º 1 CIVA)”; b) As quantias pagas pelo locatário à locadora, sendo pagas “complementarmente à locadora pelos locatários não revestem natureza ressarcitória (porque não se destinam à compensação de perdas e danos) antes radicam no cumprimento de obrigações contratualmente assumidas (em cada uma das categorias de contratos em causa). Tendo estes contratos a natureza de contratos de prestação de serviços, aquelas quantias representam, ainda, contraprestações de operações tributáveis em IVA…” – em suporte do entendimento evidenciado neste excerto cfr. também Acórdão STA, de 27/01/2016, processo n.º 0331/14, ambos os acórdãos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt. » Importa ter em conta a jurisprudência que emana do citado Acórdão, que apontara o raciocínio que nos permite distinguir a natureza jurídica das prestações em causa, apesar da situação subjacente ser diferente. No caso apreciado no referido Acórdão estavam em causa prestações vencidas e não pagas e juros de mora não sendo exigido pela locadora o pagamento do valor residual actualizado. Assim sendo, naquele caso, a indemnização recebida da seguradora correspondia à reparação do dano ocorrido no activo que constituía o veículo e questionava-se a qualificação das prestações exigidas pela Locadora a título de rendas vencidas e não pagas. No caso dos autos a situação fáctica é diferente porque é exigido ao locatário o pagamento das rendas vincendas e o valor residual actualizado, como se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido com a opção de aquisição do veículo pelo locatário, pelo que não se pode concluir que, no caso dos autos, a indemnização que o seguro paga constitua a reintegração do activo perdido na esfera jurídica da Impugnante. Traduz antes o ressarcimento pela perda do veículo, na esfera jurídica do locatário, sob pena de enriquecimento sem causa da locadora se obtivesse a indemnização correspondente ao valor do veículo já que obtém todas as contraprestações contratualizadas como se o locatário adquirisse o veículo no final do contrato. Assim sendo, a sentença recorrida ao julgar que as liquidações, na parte acabada de apreciar, assentam em factos inexistentes incorreu em erro de julgamento, não se podendo manter. Em consequência, importa, julgar improcedente a impugnação quanto a tal correcção, mantendo-se as liquidações na parte correspondente. Tendo por referência a mesma correcção, face ao decidido quanto ao imposto, desde já se adianta que cai por terra o decidido quanto aos juros indemnizatórios correspondentes. * Vejamos agora o recurso interposto pela impugnante relativamente ao segmento da sentença que julgou a acção improcedente quanto à correcção relativa a falta de liquidação de IVA no montante de € 35 615,59 sobre juros cobrados aos clientes no âmbito de operações de pré-financiamento. O Tribunal recorrido julgou a questão improcedente, por entender que tais operações constituem prestações de serviços para efeitos de IVA, não isenta por integrarem o âmbito do contrato de locação financeira, assumindo natureza meramente acessória do negócio jurídico principal. A recorrente imputa ao julgado, a verificação de erro de julgamento porquanto o Tribunal procura enquadrar a operação de pré-financiamento no âmbito do contrato de locação financeira. Alega que as operações de pré-financiamento constituem «antecipações pontuais que a recorrente efectuava antes da formalização dos contratos de locação financeira, do pagamento do preço do bem a locar ao fornecedor e que, por conseguinte, se inseriam numa relação estritamente creditória estabelecida entre o ora Recorrente e os seus clientes, independentemente da formalização de qualquer contrato de locação financeira (cf. Registos contabilísticos das contas 5809011 e 8979001, mencionados no relatório de inspeção tributária, a fls. 9, constante do processo administrativo instrutor, e referidos no facto 8) da factualidade dada como provada pela sentença recorrida)». O discurso fundamentador da sentença é o seguinte: «não existem dúvidas de que os juros visam remunerar o capital a favor dos clientes. Na operação de leasing, que é desencadeada mesmo antes da formalização do respetivo contrato, temos um financiamento, que assume natureza meramente acessória do negócio jurídico principal. Aqui a prestação de serviços já não é o financiamento, mas a locação financeira, independentemente de ainda não estar formalizada contratualmente. A noção de prestação de serviços acolhida pelo art.4.º do CIVA, tem natureza económica, ultrapassando a definição jurídica dada pelo art.1154.º do Código Civil (CC). Deste modo, o que releva para efeitos de IVA é o momento em que se iniciam as operações materiais. Esta prestação de serviços não está isenta. Resulta do disposto na alínea h) do n.º2 do art.16.º do CIVA, que, o valor tributável para as operações resultantes de um contrato de locação financeira é o valor da renda recebida ou a receber do locatário, sendo esta a contraprestação ou remuneração da prestação de serviços. Não existindo contrato, não se pode falar em renda, mas antes em pré-renda. Resulta do disposto no n.º3 do art.7.º do CIVA que nas prestações de serviços de caráter continuado, resultantes de contratos que deem lugar a pagamentos sucessivos, considera-se que as prestações de serviços são realizadas no termo do período a que se refere cada pagamento, sendo o imposto devido e exigível pelo respetivo montante. A alínea c) do n.º 1 do art .8.º do CIVA, estabelece que o imposto se torna exigível logo que a prestação de serviços der lugar a pagamento ainda que parcial anteriormente à emissão de fatura ou documento equivalente no momento do recebimento desse pagamento. Acresce que, a atividade da Impugnante, delimitada pelo seu objeto social encontra-se sujeita a imposto e dele não isenta. As operações por si realizadas têm de enquadrar-se no âmbito da sua atividade e merecer o tratamento fiscal determinado por lei. Pelo que, quanto a este fundamento terá a impugnação que improceder.» Vejamos. Embora estas operações ocorram antes da formalização dos contratos de locação, a verdade é que lhe estão umbilicalmente ligados na medida em que se destinam ao pagamento do bem ao fornecedor, bem esse que será objecto do contrato de locação. Constituem assim, adiantamentos colocados à disposição do locatário para que possa ter lugar a operação de leasing, como operações preparatórias da formalização do respetivo contrato, sendo o financiamento inicial ligado a esta operação destinado à obtenção da cedência do uso do bem adquirido. Não se trata de uma pré-renda ou de incluir a operação no contrato de locação, antes como uma operação prévia e necessária à concretização do contrato e daí o seu carácter acessório definido na sentença. No que se refere à violação do princípio da legalidade, importa ter presente que no relatório se refere o seguinte enquadramento da operação: De facto, dado estarem estas associadas a contratos de locação financeira e serem realizadas apenas no apenas no âmbito dessa actividade, consubstanciam em si mesmo a contraprestação obtida do locatário em consequência de uma prestação de serviços (cfr. art. 4.º do CIVA) no âmbito da locação financeira e por conseguinte sujeitas a IVA. Tal operação não é portanto realizadas apenas no âmbito de um contrato de mútuo, conforme se depreende quer quanto à noção deste (cfr. art. 1142º do C.C.) quer quanto à forma (cfr. art. 1143º do C.C.) e por este facto, não é enquadrável na isenção prevista na alínea a) do nº 28º do art. 9º do CTVA (e como tal não foram inclusivamente sujeitas a imposto do selo, pela empresa, de harmonia com o art. 120-A da T.G. do R.I.S).» O enquadramento da operação foi efectuada nos termos das normas referidas e tanto assim é que a própria recorrente assim concretizou a operação em termos fiscais. Sendo de destacar, a este propósito que, caso a operação tivesse o enquadramento referido pela recorrente como mútuo, teria sido sujeito a Imposto do Selo, o que não se verificou, conforme se apurou no relatório de inspecção e não foi objecto de impugnação pela recorrente. Ora, não tendo a própria recorrente concretizado na prática aquele enquadramento que defende, tendo tratado a operação como acessória, ela estava sujeita a IVA, nos termos das disposições invocadas no relatório de inspecção, pelo que não se verifica a apontada violação e assim sendo improcede o recurso deduzido pela impugnante. Importa por fim, conforme já antes adiantámos, em congruência com o julgamento efectuado dos recursos revogar a sentença na parte em que condenou ao pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que não se verificam os seus pressupostos quanto à verificação de erro imputável aos serviços, decorrente da improcedência total da acção de impugnação. * No que se refere às custas, o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual custas são pagas pela parte que lhes deu causa. Vencida na acção, considera-se que foi a sociedade recorrente quem deu causa às custas do presente processo (cf. n.º 2), e, portanto, deve ser condenado nas respectivas custas (cf. n.º 1, 1.ª parte). Tendo em conta que nesta instância de recurso e que a Fazenda Pública na qualidade de recorrida não apresentou contra-alegações não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça atento o disposto conjugado nos artigos 529.º, n.º 2 e 530.º n.º 1 do CPC e 6.º, n.º 1 do RCP, nos termos dos quais a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente, sendo apenas devida enquanto demandes (Acórdão do STA de 13/12/2017). * IV - DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso jurisdicional, apresentado pela Fazenda Pública e revogar a sentença julgando a impugnação improcedente quanto à correcção relativa a IVA na perda total do bem locado e negar provimento ao recurso deduzido pela sociedade impugnante mantendo a decisão recorrida nesse segmento.
Custas pela impugnante, também aqui Recorrente, em ambas as instâncias. Lisboa, 2 de Fevereiro de 2023. Ana Cristina Carvalho - Relatora Hélia Gameiro – 1ª Adjunta Catarina Almeida e Sousa – 2ª Adjunta |