Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1113/18.8BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:12/18/2019
Relator:ALDA NUNES
Descritores:ANTECIPAÇÃO DO JUÍZO SOBRE A CAUSA PRINCIPAL;
NULIDADE DO ACÓRDÃO;
ART 615º, Nº 1, ALS D) E E) DO CPC.
Sumário:I – A nulidade prevista na 2ª parte da al d) do nº 1 deste art 615º relaciona-se diretamente com o estatuído no art 608º nº 2, 2ª parte do CPC, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
II – A nulidade prevista na al e) do nº 1 deste art 615º relaciona-se diretamente com o estatuído no art 609º nº 1 do CPC, nos termos do qual o juiz não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
III – A constatação de erro na qualificação jurídica da situação de urgência na resolução definitiva do caso pelo tribunal recorrido e, nos termos do art 5º, nº 3 do CPC ex vi art 1º do CPTA, a correção oficiosa de tal erro não constitui nulidade da decisão judicial, porque o Tribunal a quo moveu-se dentro dos parâmetros das questões que lhe foram postas pelas partes.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. R........., inconformado com o Acórdão que neste TCA concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério da Defesa Nacional, veio interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art 150º do CPTA, arguindo nulidade do acórdão nos termos do art 615º, nº 1, als d) e e) do CPC.

Sustenta o recorrente que o acórdão recorrido é nulo, por se ter pronunciado em excesso, por duas vias de decisão: (I) ao avaliar o pressuposto da provisoriedade para a antecipação de juízo, não tendo sido alegado em sede de recurso pela recorrente, não sendo pedida ao tribunal superior que sobre a provisoriedade se manifestasse; (II) para decretar a absolvição da instância, remetendo ao afirmado na sentença revogada exatamente ao segmento que revogou, sem que sobre esse pressuposto o requerente tenha exercido contraditório, sendo nulo o acórdão também por errada aplicação do direito no seu segmento decisório da providência.

Contra a arguição de nulidade se manifestou o recorrido.

Sem vistos, por se tratar de processo com natureza urgente, vem o processo à conferência para se aferir se procede a alegada nulidade.

2. Sustenta o recorrente que o acórdão em questão é nulo, em razão do disposto no artigo 615°, nº 1, als d) e e) do CPC que estatui ser causa de nulidade da sentença em processo judicial, além do mais, o conhecimento de questões de que o juiz não podia tomar conhecimento e a condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

A nulidade prevista na 2ª parte da al d) do nº 1 deste art 615º relaciona-se diretamente com o estatuído no art 608º nº 2, 2ª parte do CPC, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”, cumprindo salientar que o art 95º nº 1, do CPTA, tem uma redação idêntica à do art 608º, nº 2 do CPC.

A nulidade prevista na al e) do nº 1 deste art 615º relaciona-se diretamente com o estatuído no art 609º nº 1 do CPC, nos termos do qual o juiz não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.

Ou seja, incorre em nulidade a decisão judicial que não respeite o binómio causa de pedir – pedido, por a causa do julgado não se identificar com a causa de pedir ou o julgado não coincidir com o pedido (obviamente sempre salvaguardadas as situações onde seja admissível o conhecimento oficioso do tribunal).

Pelo que deve considerar-se nula, por vício de ultra petita, a sentença em que o juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).

No caso, o recorrente da sentença proferida no tribunal de 1ª instância alegou erro de julgamento da decisão de antecipação do juízo da causa principal, com fundamento em falta de urgência na resolução definitiva do caso.

Este tribunal, conhecendo desta questão, objeto do recurso de apelação, decidiu:
«O que a decisão recorrida qualifica como situação de urgência na resolução definitiva do caso tem a ver com a característica típica das providências cautelares, decorrente da sua própria natureza, que é a sua provisoriedade.

A partir do momento em que a cognição do pedido cautelar implique a resolução definitiva do litígio, a pretensão do requerente não se compadece com a provisoriedade que caracteriza a tutela cautelar e, inexistindo «simplicidade do caso ou urgência na sua resolução definitiva», não pode ser antecipada, para o processo cautelar, a decisão sobre o mérito da causa.

E em boa verdade, foi isso que a decisão recorrida reconheceu no caso, quando entendeu que a pretensão do requerente – de intimação da entidade requerida a promover [provisoriamente] o requerente ao posto de capitão-tenente até que seja definitivamente decidida a ação principal – não se compadece com uma definição provisória, porque a conduta pretendida não pode ser adotada a título precário ou provisório. Antes o conhecimento da pretensão exige uma decisão sobre o mérito da causa.

Nessa circunstância, só se pode antecipar, no processo cautelar, a decisão sobre o mérito da causa, nos termos do art 121º, nº 1 do CPTA, designadamente, se se verificar uma situação de urgência na decisão, por não ser suficiente decretar a providência para evitar situação de danos desproporcionados.

Ora, presente que a urgência exigida para antecipação do conhecimento da causa principal deve ser qualificada e aferida, sobretudo, pelos interesses que o requerente cautelar visa proteger com essa antecipação, in casu, como alega o recorrente – al N) das conclusões do recurso – não existe urgência que justifique a antecipação da decisão da causa principal.

E, em consequência, tem de se revogar a decisão recorrida nessa parte, ficando sem efeito o julgamento efetuado sobre o fundo da causa.

Ainda assim, porque, por via da antecipação do julgamento principal, o tribunal a quo não se pronunciou sobre o mérito do peticionado na ação cautelar, cumpre, em face da fundamentação de direito que alicerçou a procedência deste recurso, retirar as devidas ilações da falta de provisoriedade da pretensão cautelar do requerente.
Se a pretensão do requerente – de intimação da entidade requerida a promover [provisoriamente] o requerente ao posto de capitão-tenente até que seja definitivamente decidida a ação principal – não se compadece com uma definição provisória, porque a conduta pretendida não pode ser adotada a título precário ou provisório e, por falta de urgência no julgamento antecipado, não se aplica ao caso o disposto no art 121º, nº 1 do CPTA, resta absolver o requerido e os contrainteressados da instância, por falta de provisoriedade do pedido cautelar».

Como decorre claramente da fundamentação do acórdão recorrido, o Tribunal fez uma leitura jurídica dos factos diversa da sentença de 1ª instância e ao dar provimento ao recurso e revogar a sentença da 1ª instância, na parte em que decretou o julgamento antecipado da causa principal, conheceu e absolveu a entidade requerida e contrainteressados da instância, por falta de provisoriedade do pedido cautelar.

Portanto, o que sucedeu, in casu, tratou-se de uma constatação de erro na qualificação jurídica da situação de urgência na resolução definitiva do caso pelo tribunal recorrido, que de seguida, nos termos do art 5º, nº 3 do CPC ex vi art 1º do CPTA, procedeu à correção oficiosa de tal erro, conhecendo em substituição, em face da fundamentação de direito que alicerçou a procedência do recurso, e retirou as devidas ilações da falta de provisoriedade da pretensão cautelar do requerente.

Assim sendo, o Tribunal a quo moveu-se dentro dos parâmetros das questões que lhe foram postas pelas partes, pelo que o acórdão recorrido não incorreu em pronúncia excessiva nem infringiu os limites da condenação, razão pela qual não existem as nulidades suscitadas pelo recorrente.

3. Termos em que se acorda em indeferir a arguição de nulidade do acórdão.

4. Recurso de revista (art 150º do CPTA):

Verificados os requisitos que a este tribunal cumpre apreciar, admite-se o requerimento de recurso interposto, o qual sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (art 143º, nº 2, al c) do CPTA).

Subam os autos ao STA.

Notifique.

*
Lisboa, 2019-12-18,


(Alda Nunes)


(Carlos Araújo),


(Ana Celeste Carvalho).