Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04101/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/22/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRC. JUROS INDEMNIZATÓRIOS. ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS. AUDIÇÃO.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. Inexiste erro imputável aos serviços da AT fundamentadora do direito a juros indemnizatórios quando a liquidação é integralmente efectuada de acordo com os elementos fornecidos pelo sujeito passivo, ainda que eivados de erro nas respectivas declarações entregues quanto ao ano a que os pagamentos por conta diziam respeito;
2. Em tal liquidação adicional assim efectuada de acordo com esses elementos fornecidos, é dispensada a audição prévia.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 1.ª Unidade Orgânica - que julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide e julgou procedente o pedido de juros indemnizatórios peticionados, na impugnação judicial deduzida por A...– Unidades Turístico-Hoteleiras, SA, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I - In casu, não foi determinado erro na liquidação imputável aos serviços susceptível de obrigar a AF ao pagamento dos juros indemnizatórios a favor da impugnante nos termos do artigo 43.º da LGT;
II - In casu, não houve erro na autoliquidação da impugnante susceptível ser de imputável aos serviços por força do artigo 78.º n.º2 da LGT;
III - Se se admitir que o erro do contribuinte na indicação do exercício nas guias de pagamento por conta é um erro na autoliquidação, a impugnação haveria de ser obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT;
IV - O erro praticado pelo impugnante não é um erro na autoliquidação e não foi demonstrado que houve erro imputável ao serviço susceptível de geral a responsabilidade de pagamento de juros indemnizatórios.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão que julgou procedente a impugnação judicial e consequentemente determinou a condenação da Administração Fiscal ao pagamento de juros indemnizatórios a favor da impugnante, ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente com as devidas consequências legais.
JUSTIÇA


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, ainda que por diversa fundamentação da aduzida na sentença recorrida, por o erro imputável aos serviços no caso ter existido, face aos pagamentos por conta efectuados pela ora recorrida neles ter mencionado, com lapso manifesto, que os mesmos se referiam a 2004 quando se referiam a 2005, tendo em conta as datas em que os mesmos ocorreram, pelo que a AT desde logo os deveria ter conhecido e sem ter, sequer, chegado a efectuar a liquidação adicional que depois veio a anular.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se no caso houve erro imputável aos serviços, causa do direito a juros indemnizatórios por parte da ora recorrida.

3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) A Impugnante efectuou pagamentos por conta em 29/4/2005, 28/6/2005 e 29/9/2005, referentes ao ano de 2004, no valor de € 57305,00 cada - cf. documento de fls. 56 a 60 dos autos;
B) A Impugnante efectuou pagamentos por conta em 28/4/2006, 30/6/2006 e 29/9/2006, referentes ao ano de 2005, no valor de € 48049,51 cada, no montante total de 144148,53, indicando na s respectivas guias de pagamento que o mesmo se reportava ao ano de 2004 – cf. documento de fls. 50 a 54 dos autos;
C) Em 5/4/2007 a Impugnante foi notificada da liquidação de IRC n° 2007 2310009246, referente ao exercício de 2005 que desconsiderou os pagamentos indicados na alínea anterior – cf. fls. 48;
D) Em 228/5/2007 (SIC, lapso manifesto que se corrige para a data verdadeira, e que é de 28-5-2007) a Impugnante deduziu a presente acção neste Tribunal – cf. fls. 4;
E) Em 16/11/2007 foi a Impugnante notificada da demonstração de reacerto financeiro de liquidação de IRC correspondente ao n° 20072310009246 indicando-se o valor zero quanto ao valor apurado – cf. fls. 124 do PAT;
F) Através do oficio n° 104032 de 20/12/2007, foi a Impugnante notificada do despacho que procedeu à revogação parcial da liquidação n° 20072310009246 - cf. fl. 100 do PAT;
G) Através do cheque n° 7540681807, de 12/11/2007 foi pago à Impugnante o valor de € 148 807,62 - cf. fls. 126 do PAT.
*
Factos não provados
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
Motivação da Decisão de Facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico dos documentos não impugnados, constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.


4. Para declarar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide quanto ao pedido de anulação das liquidações em causa e julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a posterior revogação pela AT das liquidações adicionais impugnadas e a restituição do montante por elas pago, fez perder o objecto à presente impugnação no que a tais anulações dizia respeito, sendo devidos os juros indemnizatórios a favor da ora recorrida por se verificarem os requisitos para tanto, como seja o erro imputável aos serviços em tais liquidações e o pagamento das mesmas.

Para a recorrente Fazenda Pública é contra parte desta fundamentação que se vem a insurgir, concretamente no tocante aos juros indemnizatórios, que entende não ter havido erro imputável aos serviços, já que se o erro deriva do contribuinte ter indicado incorrectamente nas guias de pagamento o ano de 2004 quando era o de 2005, o que em todo o caso deveria o mesmo ter deduzido a competente reclamação, ao não tê-lo feito não pode conferir o direito aos mesmos; e não sendo erro na autoliquidação, também não foi demonstrado o erro imputável aos serviços que originasse o direito a tais juros.

Vejamos então.
Nos termos do disposto no art.º 43.º da Lei Geral Tributária, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento a dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, direito que encontra regulamentação processual na norma do art.º 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Juros indemnizatórios que mais não são do que a outra face da mesma moeda em relação aos juros compensatórios a favor do contribuinte, visando retribuir o desembolso indevido por certo lapso de tempo de quantias pecuniárias que, por facto imputável à parte contrária, não são entregues em devido tempo ao seu credor, no fundo, entroncam nos princípios gerais da responsabilidade civil contidos nas normas dos art.º 483.º e segs e 804.º do Código Civil, de que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, e em que nas obrigações pecuniárias tal reparação consiste nos juros a contar do dia da constituição dessa mora, nos termos do disposto no art.º 806.º do Código Civil.

No caso, como se não encontra em causa, a AT procedeu à liquidação adicional do IRC relativo ao exercício de 2005, conforme consta na matéria fixada na alínea c) do probatório e se pode colher de fls 48 e 73 destes autos, nele apurando um imposto e juros a pagar de € 148.807,62, mas indevidamente, porque a ora recorrida já havia feito os correspondentes pagamentos por conta ao longo do ano de 2006 e que não foram tomados em conta nessa liquidação adicional, porque, por erro da mesma, esta havia mencionado em tais modelos P1 que tais pagamentos por conta se destinavam ao exercício de 2004, quando na realidade se destinavam ao exercício seguinte, o que só foi corrigido após a comunicação da Direcção de Justiça Contenciosa para o Director de Serviços da Direcção dos Serviços de Cobrança do Imposto sobre o Rendimento, de Novembro de 2007, e anulada a liquidação em causa, como se pode colher de fls 78 do PAT apenso, e mesmo assim, tal erro da ora recorrida só terá sido detectado pela AT, por ter sido alertada pela impugnante, como na mesma se refere.

Que se não trata de nenhum erro em autoliquidação do IRC por parte da ora recorrida a que haja de ter lugar a reclamação prevista no art.º 131.º do CPTT, dúvidas não podem restar, já que o acto donde resultou o imposto a mais pago, não resultou, directamente, de nenhuma liquidação de imposto por banda da mesma, mas sim da própria AT, ainda que, por arrastamento de um erro cometido pela mesma, a montante dessa liquidação adicional, tenha levado a que a AT tenha efectuado tal liquidação com esse quantitativo indevido, como bem se pronuncia o Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer.

Os pagamentos por conta em sede de IRC, previstos nos art.ºs 83.º e 84.º do CIRC, reportam-se ao montante do imposto liquidado no exercício anterior àquele em que tais pagamentos são efectuados e, nos termos do disposto no art.º 33.º da LGT, constituem pagamento por conta do imposto devido a final, que não autoliquidação do imposto devido para esse exercício em que esses pagamentos estão a ocorrer, que no caso, nenhum erro foi apontado como tendo ocorrido nessa quantificação de imposto entregue por conta, mas sim que a mesma indicou, em erro, que tais pagamentos se destinavam ao exercício de 2004, quando na realidade se destinavam ao exercício de 2005, ao contrário do entendido na sentença recorrida, que entendeu que tais erros ocorreram nas autoliquidações desses pagamentos por conta, abrigando-se no disposto no art.º 78.º, n.º2 da mesma LGT, para considerar tal erro imputável aos serviços, o que, salvo o devido respeito, se nos afigura não defensável.

O IRC é de autoliquidação pelo contribuinte nos termos do disposto no art.º 82.º, alínea f) do CIRC, sem prejuízo sem prejuízo do seu controlo pela AT nos termos do n.º10, do art.º 83.º do mesmo Código, e, neste âmbito, verificando a AT que a autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2005 não correspondia com os montantes constantes do controlo automático dos pagamentos por conta, despoletou a correspondente liquidação adicional sem ter em conta tais pagamentos assim efectuados, eivados do aludido erro cometido pela ora recorrida, que neles declarava destinarem-se a exercício diferente.

Mas será que por a AT dispor em seu poder de todos os elementos que lhe permitiam conhecer do invocado erro cometido pela ora recorrida em tais declarações de pagamentos por conta, ao não utilizá-los e a deles extrair as devidas consequências, autoriza a concluir como faz o Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, que desta forma cometeu conduta susceptível de integrar no apontado erro imputável aos serviços?

Pese embora a pertinência da sua argumentação e a ponderação dos interesses em presença, a nossa resposta não pode deixar de ser, salvo o devido respeito, negativa.

Desde logo não nos pudemos alhear que a AT compreende, dezenas, senão centenas, de serviços, repartições, direcções, etc., pelo que o conhecimento do Serviço onde tais entregas dos pagamentos por conta são efectuados não têm de coincidir com os Serviços que procedem à liquidação do imposto, como no caso aconteceu, em que a mesma liquidação teve lugar apenas perante a ausência de tais pagamentos por conta no sistema informático da DGCI, sem ter diante de si as mesmas declarações, que tais declarações hão-de ser remetidas por centenas ou milhares de empresas, tratando-se assim de actos em massa, onde desde logo o próprio contribuinte legalmente, lhe cabe apresentar as mesmas de acordo com todos os elementos reais, tanto mais que de uma empresa se tratava, com contabilidade organizada, onde as suas declarações apresentadas dentro do prazo legal se presumem verdadeiras e de boa fé – art.ºs 75.º da LGT e 59.º do CPPT – que a liquidação em causa teve lugar em 26-3-2007, passados que foram cerca de um ano a contar da data em que tais erros ocorreram, sem que a contribuinte tivesse, ela própria, vindo alterar tais elementos dessas declarações como também lhe cabia – cfr. n.º 3 do art.º 59.º do CPPT – pelo que tal liquidação acabou por ser efectuada, ao cabo e ao resto, de acordo com os elementos fornecidos pela ora recorrida e não substituídos, ainda que eivados do citado erro (aliás, um erro em apenas uma quadrícula relativa ao exercício, numa folha completa, crê-se, que facilmente poderá passar sem ser detectado).

Como igualmente escreve Jorge Lopes de Sousa(1), fora dos casos de autoliquidação, a liquidação é feita pelos serviços e, por isso, os erros de direito, consubstanciados na aplicação da lei a determinados factos, serão imputáveis à Administração tributária. Porém, mesmo nestes casos, poderá suceder que a errada interpretação e aplicação da lei tenha por base uma errada informação do sujeito passivo e, nestes casos, não poderá imputar-se à Administração Tributária a responsabilidade pelo erro que afecte a liquidação.

Invoca também o Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, que a AT tivesse exercitado o direito de audição prévio da ora recorrida, logo teria sido possível detectar tal erro e permitir verificar da falta de fundamentos para proceder à liquidação adicional em causa. Porém, sendo tal liquidação efectuada integralmente de acordo com os elementos fornecidos pelo sujeito passivo, como foi, eivados ou não de erros, mas foi, não havia lugar a tal audição prévia nos termos do n.º2 do art.º 60.º da LGT, pelo que da sua invocada falta, que não existe, também se não pode partir para lhe imputar a falta de percepção de tais erros, e logo o erro imputável aos serviços, base do direito à percepção pela ora recorrida dos tais juros indemnizatórios (erro imputável aos serviços que, em todo o caso, não poderia arrancar de tal vício formal de falta de audição prévia, já que o que legitima tal direito aos juros não é um qualquer vício formal, mas sim um erro de facto ou de direito, como constitui jurisprudência corrente, designadamente do STA (2).

Assim e em suma, o erro da ora recorrida produzido em tais declarações de pagamentos por conta, quanto ao ano, que a AT fez transportar para tal liquidação, enfermando-a de vício conducente à sua anulação como se não encontra em causa, assumiu uma relevância nunca inferior ao eventual erro da própria AT que deveria(á) em termos da diligência exigível a ter na recepção e tratamento de tais declarações, pelo que não poderá haver lugar a tais juros a favor da parte a quem o mesmo também seja imputável, mesmo face aos princípios gerais da mora contidos nas normas dos art.ºs 804.º e segs do Código Civil.


É assim de conceder provimento ao recurso e de revogar a sentença recorrida, na parte sob recurso, ainda que por fundamentação jurídica distinta da avançada pela recorrente.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida quanto aos juros indemnizatórios peticionados, os quais se julgam não devidos.


Custas pela ora recorrida, mas só na 1.ª Instância, já que não contra-alegou.


Lisboa, 22/02/2011

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
LUCAS MARTINS



1- In Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado, 2.ª Edição revista e aumentada, VISLIS, pág. 311, nota 6.
2- Cfr. entre muitos outros, os acórdãos de 21-1-2009, 2-12.2009 e 16-6-2010, recursos n.ºs 945/08, 892/09 e 205/10, respectivamente.