Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:108/21.9BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/18/2021
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:TRIBUNAL ARBITRAL DESPORTO -COMPETÊNCIA
Sumário:I - É excluída da jurisdição do Tribunal Arbitral do Desporto, por ser exclusiva das federações desportivas, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares directamente respeitantes à prática da própria competição desportiva (cfr. art. 4º n.º 6, da Lei do TAD).

II – Face ao referido em I tem de concluir-se que a apreciação do pedido de invalidação de decisão sancionatória (em pena de suspensão pelo período de um jogo e em pena de multa de € 714), o qual assenta na incorrecção do juízo (técnico) do árbitro que considerou que o jogador de futebol pontapeou, de forma intencional, o braço de um outro jogador que se encontrava caído no chão, juntamente com a bola – sob a alegação de que, ao pontapear a bola para fora das quatro linhas, acertou de forma inadvertida, isto é, de forma não intencional no braço do referido jogador -, não é da competência do TAD.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: *
I - RELATÓRIO
L ………….. apresentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), nos termos do art. 4º n.º 3, al. a), da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (LTAD), aprovada pela Lei 74/2013, de 6/9, na redacção da Lei 33/2014, de 16/6, recurso do acórdão, proferido em plenário, pelo Conselho de Disciplina (Secção Não Profissional) da Federação Portuguesa de Futebol em 25.6.2021- nos termos do qual foi mantida a decisão proferida em formação restrita pelo Conselho de Disciplina, em 28.5.2021, que o sancionou com a pena de suspensão pelo período de 1 jogo e na pena de multa de € 714, pela prática da infracção disciplinar p. e p. pelo art. 151 n.º 1, al. a), do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional de 2020 (RDLPFP 2020) -, contra a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), indicando como contra-interessadas a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, e no qual peticionou a revogação desse acórdão do Conselho de Disciplina da FPF, com o reconhecimento de que não incorreu em responsabilidade disciplinar.

Por acórdão de 27 de Julho de 2021 do TAD foi determinada a incompetência desse Tribunal para decidir a questão subjacente aos presentes autos - na medida em que a mesma emerge da aplicação das normas técnicas e disciplinares directamente respeitantes à prática da competição desportiva, atento o estatuído no art. 4º n.º 6, da LTAD - e, em consequência, absolvida a FPF da instância.

Inconformado, L ………….. interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul desse acórdão, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
-I-
A. O presente recurso tem por objecto o acórdão arbitral de 27/07/2021 que decidiu determinar a incompetência do TAD nos termos e para efeitos do art, 4.°, n.° 6 da Lei do TAD, o que, por consubstanciar uma excepção dilatória, deu assim lugar à absolvição da Demandada da instância.
B. Para tanto, entendeu o Tribunal a quo que a factualidade em sindicância nos presentes autos integra o conceito de ''questão emergente da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitante à prática da própria competição desportiva", na qual aquela instância não se deve imiscuir. Posição com a qual o Recorrente veementemente discorda, o que motiva assim o presente recurso.
-II-
C. Revela-se indubitável que o Tribunal Arbitral do Desporto tem competência específica para, em Portugal e gozando de jurisdição plena em matéria de facto e de Direito, administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou que estejam relacionados com a prática do desporto (cf. art. I.-2º, 2.° e 3.° da Lei do TAD).
D. A competência do TAD em sede de arbitragem necessária (relativa necessariamente aos litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo) reconduz-se aos litígios emergentes dos actos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito dos correspondentes poderes de regulamentação, organização e disciplina.
E. Poderes esses que deverão ter natureza administrativa, estando, por isso mesmo, disponíveis as modalidades de garantia contenciosa previstas no CPTA que forem aplicáveis (cf. art. 4.°, n.°s 1 e 2, da Lei do TAD). Isto para além das vias de recurso previstas no artigo 4.°-3 daquele Diploma legal.
F. Nesta senda, consagra o n.° 6 do artigo 4.° da Lei do TAD actualmente em vigor que: “É excluída da jurisdição do TAD, não sendo assim suscetível designadamente do recurso referido no n.º 3, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva”.
G. Na esteira daquele que vem sendo o entendimento propugnado pelo próprio Tribunal Arbitral (vide, por outros, Ac. TAD de 23/01/2019, proc. n.° 32/2018), na determinação interpretativo-jurídica do sentido da norma plasmada no art. 4.°-6, da Lei do TAD estarão necessariamente em causa quatro momentos: em primeiro lugar, subsumem-se na norma as '"questões emergentes de normas técnicas e disciplinares'", independentemente do acolhimento formal de tais normas. Valerá, portanto, a natureza, a essência, a substância das mesmas, na indicação do seu conteúdo técnico e disciplinar.
H. Depois, tais normas têm de respeitar "à prática da própria competição desportiva'". Sendo que, na "prática da própria competição desportiva" pode não caber apenas o "jogo" em sentido estrito, mas também a própria "competição" em que o primeiro se integra. Fulcral é que se trate de normas técnicas e disciplinares respeitantes "à prática" efectiva, seja do jogo, seja da competição.
I. Em terceiro lugar, temos de estar perante normas técnicas e disciplinares "diretamente" respeitantes a essa prática. Sendo que, de acordo com a jurisprudência citada, este advérbio de modo é absolutamente determinante para assinalar a exigência de uma postura interpretativa muito criteriosa, senão mesmo restritiva, na determinação/ concretização, em cada caso, das questões que podem integrar a previsão do art. 4.°- 6 da Lei do TAD.
J. Quer isto dizer que não basta uma relação indirecta e/ou mediata das normas técnicas e disciplinares em causa com a prática efectiva do jogo ou da competição para que se opere, automaticamente, a sua exclusão do âmbito de jurisdição do TAD.
K. Por fim, desta previsão do art. 4.°-6 devem excluir-se, pela sua própria natureza, as questões que contendam com direitos fundamentais, direitos indisponíveis ou bens jurídicos protegidos por outras normas jurídicas para além dos estritamente relacionados com a prática desportiva, como as infrações à ética desportiva (maxime, dopagem, corrupção, violência, racismo, xenofobia e intolerância) - algo bem assinalado, entre outros, nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de setembro de 2008 (processo n.° 0120/08) e de 21 de setembro de 2010 (processo n.° 0295/10).
L. Compreende-se que as questões estritamente desportivas, dada a sua natureza essencialmente técnica, constituam matéria a que se reconhece uma autonomia decisória das respectivas entidades desportivas. Mas não pode igualmente deixar de se considerar que este conceito deve ser densificado em concreto à luz de um modelo de interpretação restritiva dada a regra geral de tendencial impugnabilidade dos actos administrativos das entidades desportivas.
M. Sendo que, a necessidade de uma tal interpretação restritiva dessa excepção à regra vem sendo claramente preconizada pela jurisprudência exarada pelo próprio Tribunal Arbitral: veja-se, com inegável importância para o presente caso, a motivação e decisão constantes do paradigmático acórdão proferido pelo TAD em 16/03/2021, no âmbito do processo n.° 4/2021 em que era Demandante o jogador do S…………….., J ………………. e Demandada a Secção Profissional da Federação Portuguesa de Futebol.
N. Tendo aí sido amplamente reconhecidos os poderes de jurisdição daquele Tribunal Arbitral no que concerne à apreciação e julgamento da questão sobre se pode considerar verificada, face à concreta factualidade em causa, a infracção prevista e punida no artigo 164.°, n.° 7, do RDLPFP.
O. Conclusões que podem (e devem) ser extraídas para o presente pleito, devendo, por maioria de razão, também aqui. decidir-se pela competência do Tribunal Arbitral para conhecer do mérito da questão objecto do presente processo.
P. Também com relevância para a questão sub judice veja-se ainda os acórdãos proferidos por este Tribunal ad quem em 16/10/2008 (processo n.° 04293/08) que considerou não integrar o conceito de "questão estritamente desportiva" uma punição disciplinar de um treinador de rugby por uma agressão a um árbitro durante um jogo; e o acórdão de 13/10/2011 (processo n.° 06925/10) que considerou não ser questão estritamente desportiva a condenação de um associado da Federação Portuguesa de Futebol a uma época desportiva de suspensão na Taça de Portugal e nos Campeonatos Nacionais.
Q. Relembre-se que o que aqui está em causa é. exclusivamente, dirimir se a conduta do Recorrente no decurso do jogo realizado a 23/05/2021 é ou não subsumível na infracção disciplinar p. e p. pelo art. 151.°-1, al. a) do RDLPFP - e, em caso afirmativo, definir a concreta pena a aplicar ao infractor.
R. Apreciação e decisão disciplinar que está longe de caber nos poderes atribuídos ao árbitro da partida, e que não tem sequer a virtualidade de contender com a decisão por aquele tomada em campo (ao contrário do que se viu acontecer naquele processo n.° 4/2021 em que era inclusive discutida a correcção da exibição do cartão amarelo ao jogador visado!).
S. Efectivamente, e como bem realça o Sr. Dr. Tiago Bastos no voto de vencido exarado na decisão recorrida, não pode, nesta sede, confundir-se a decisão do árbitro de aplicação do cartão vermelho e ordem de expulsão do arguido, com a decisão do Conselho de Disciplina quanto à subsunção do comportamento na norma disciplinar imputada e, inerente, fixação da sanção disciplinar aplicável.
T. Não se descura que a ratio do disposto no art. 4.°-6 reside na protecção da autoridade do árbitro como pilar de defesa da integridade do jogo (prevalecendo aqui a doutrina do “field of play” como vem sendo amplamente reconhecido). Diferente porém, é a aplicação de uma norma disciplinar a um determinado participante desportivo (ainda que por factos decorridos durante o jogo) cuja apreciação está exclusivamente a cargo do Conselho de Disciplina enquanto órgão disciplinar e que contende com questões eminentemente jurídicas.
U. Desde logo porque a sanção em causa no presente pleito, pese embora tenha origem em factos ocorridos durante o jogo e logo apreciados e decididos pelos próprio árbitro principal da partida, está para além de tais factos e só com estes se relaciona/conexiona de modo mediato e indirecto, tendo natureza assumidamente administrativa.
V. Independentemente até da afectação ou não de direitos fundamentais (maxime do efectivo exercício da profissão livremente escolhida conforme se deixou alegado na providência cautelar apresentada perante o Tribunal a quo), estamos em crer que releva sobretudo na questão sub judice a natureza do sancionamento ora em causa.
W. E, neste ponto, não podem restar dúvidas que a sanção aplicada assenta numa base normativa (em concreto, o art. 151.° do RDLPFP) que está para além “das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva", na expressão do artigo 4.°-6 da Lei do TAD.
X. Sendo liquido que a resolução da questão sub judice não implica a utilização de norma técnica, numa decisão pericial; implica, isso sim. a interpretação e aplicação de norma jurídica, numa decisão materialmente administrativa. Não podendo, como tal, considerar-se excluída da jurisdição do TAD na medida em que não se trata de apreciar e julgar a correcção da decisão do árbitro aplicada segundo as normas técnicas e disciplinares, nem, muito menos, de modificar essa decisão.
Y. Em suma, as normas regulamentares que prevejam uma sanção disciplinar por factos que emergem do jogo, mas que não são reconduzíveis a normas que fundamentam as decisões de árbitros no decorrer de uma competição, não podem integrar o conceito a que se faz referência no art. 4.°-6 da Lei do TAD.
Z. Por ser assim, não obstante se reconhecer que o Tribunal a quo não é, de facto, competente para modificar/ revogar a decisão do árbitro de amostragem do cartão vermelho ao jogador L................, não pode deixar de se concluir que este Tribunal já é competente para sindicar a decisão do Conselho de Disciplina que subsumiu a conduta do jogador na norma prevista no art. 151.°-1, al. a) do RDLPFP, assim lhe aplicando uma pena de suspensão e, acessoriamente, uma pena de multa.
AA. Motivo pelo qual não pode proceder a excepção dilatória declarada pelo Tribunal a quo, antes havendo de reconhecer-se a efectiva jurisdição deste Tribunal Arbitral, em função do disposto no n.° 6 do artigo 4.° da Lei do TAD, para apreciar e decidir a questão de mérito inerente à concreta sanção disciplinar aplicada ao Recorrente à luz da norma do art. 151 .°-l, al. a) do RDLPFP.
Termos em que se requer a V. Exas. seja o presente recurso julgado procedente, reconhecendo-se a legitimidade e competência do Tribunal Arbitral do Desporto para conhecer o mérito da impugnação da decisão condenatória proferida pelo Conselho de Disciplina da FPF, constante do pedido arbitral apresentado pelo Demandante.”.

Na contra-alegação de recurso apresentada a FPF pugnou pela manutenção do acórdão arbitral recorrido.

O Ministério Público junto deste TCA Sul notificado para os efeitos do disposto no art. 146º n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.
II - FUNDAMENTAÇÃO
Com interesse para a decisão considera-se assente a seguinte factualidade:
1) Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os factos dados como provados no acórdão, proferido em plenário, pelo Conselho de Disciplina (Secção Não Profissional) da FPF em 25.6.2021, onde consta nomeadamente o seguinte:
(…)
2) No dia 23 de maio de 2021, no Estádio Cidade de Coimbra, em Coimbra, realizou-se o jogo oficial n.º …….., entre o …………… – Futebol, SAD e ………….. – Futebol, SAD, a contar para a Final da Taça de Portugal, época desportiva 2020/2021, que terminou com o resultado final de 2-0.
(…)
5) Ao minuto 90+4 do referido jogo oficial, o Recorrente pontapeou o braço do jogador adversário ………….. (n.º 49 no equipamento), que se encontrava caído no chão, juntamente com a bola.
6) Em virtude do supra descrito, o árbitro principal, por considerar que o Recorrente se tornara culpado de conduta violenta, exibiu-lhe cartão vermelho direto.
7) Ao pontapear o braço do jogador adversário …………, que se encontrava caído no chão, juntamente com a bola, o Recorrente agiu de forma livre e voluntária, desconsiderando a integridade física do jogador adversário, bem sabendo que com a sua conduta consubstanciava infracção disciplinar prevista e sancionada pelo RDLPFP, e ainda assim, consciente da natureza ilícita da sua conduta, não se absteve de a realizar.
(…)”.

2) Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da petição inicial apresentada pelo recorrente perante o TAD, onde se consignou designadamente o seguinte:
(…)
6. Sucede que, bastará atentar nas imagens do lance em questão juntas aos autos para facilmente constatar que não existe qualquer tipo de agressão, nem tão pouco contacto físico relevante entre o Demandante e o jogador adversário.
7. De facto, o que sucedeu – e que ali é perfeitamente visível – é que, no seguimento de uma jogada de disputa de bola entre o jogados ………….., o Demandante e o seu colega de equipa R …………., após contacto entre o jogador da S……. e …………. ambos caíram e a bola sobrou para o Demandante que a pontapeou para fora do terreno de jogo.
8. A bola, depois de pontapeada pelo Demandante acabou por resvalar e acertar no braço do jogador da equipa adversária – o que sucedeu sem intenção alguma da parte do Demandante que apenas queria atirar a bola para fora das quatro linhas.
(...)
10. Situação – perfeitamente banal – que, infelizmente, foi mal interpretada pelo jogador adversário, o qual, de seguida, e sem que nada o justificasse, agrediu o Demandante,
11. dando, com essa acção inopinada, origem à confusão verificada perto do final do jogo.
12. Tudo o que levou a equipa de arbitragem a concluir, erradamente, pela necessidade de sancionamento do Demandante com cartão vermelho, e que culminou com a sua condenação no presente processo pelo ilícito previsto no art. 151.º do RD.
(…)
18. Efectivamente, vistas e revistas as imagens, outra não poderá ser a conclusão senão a de que não se mostra preenchido um dos elementos objectivos típicos exigíveis pelo ilícito disciplinar imputado.
(…)
34. estando, como se crê ficar demonstrado pelas imagens juntas aos autos, perante um contacto não intencional que se atém dentro da normalidade do jogo, não há qualquer motivo para sancionar disciplinarmente o Demandante, sempre se impondo concluir pela sua absolvição.
35. Pelo exposto, inexiste qualquer violação do disposto no art. 151º.º-1, al. a) do RDLPFP, padecendo assim a decisão recorrida de erro de julgamento nos pressupostos de facto e de direito, pelo que deve ser revogada.
Termos em que deverá o presente requerimento inicial de arbitragem necessária ser admitido, requerendo-se a V. Exas. se dignem revogar a decisão recorrida e reconhecer que o Demandante não incorreu em responsabilidade disciplinar.”.
*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

A questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se o acórdão arbitral recorrido incorreu em erro ao julgar-se incompetente para decidir a questão subjacente aos presentes autos.

Vejamos.

O Pleno da Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da FPF proferiu acórdão, em 25.6.2021, negando provimento ao recurso que o ora recorrente L …….. interpusera da decisão disciplinar sumária, proferida pela formação restrita daquela Secção, em 28.5.2021, que o sancionou com 1 jogo de suspensão e multa de € 714, pela prática da infracção disciplinar p. e p. pelo art. 151 n.º 1, al. a), do RDLPFP 2020.

A decisão disciplinar fundamentou-se na circunstância de o ora recorrente aos 90+4 minutos do jogo oficial n.º 101.20.001.0, disputado em 23.5.2021, ter pontapeado o braço do jogador A........., o qual se encontrava caído no chão, juntamente com a bola, e de o ter feito de forma live e voluntária, desconsiderando a integridade física do jogador adversário, bem sabendo que a sua conduta consubstanciava infracção disciplinar prevista e sancionada pelo RDLPFP e consciente da natureza ilícita da sua conduta, não se abstendo de a realizar.

Inconformado com a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina em 25.6.2021, o ora recorrente apresentou pedido de arbitragem junto do TAD por considerar tal decisão ilegal, argumentado, para tanto, que não praticou a infracção pela qual foi sancionado, pois não existiu qualquer tipo de agressão, nem contacto físico relevante com o jogador adversário, mas apenas um contacto não intencional que se atém dentro da normalidade do jogo (ao pontapear a bola para fora das quatro linhas acertou inadvertidamente no braço do jogador n.º 47 da equipa adversária).

O acórdão arbitral recorrido julgou-se incompetente para decidir a questão subjacente aos presentes autos com base na seguinte fundamentação jurídica [e de cujo sumário consta nomeadamente o seguinte: “1. O Tribunal Arbitral do Desporto não tem competência para decidir sobre a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva (Art. 4.°, n.° 6 da Lei do TAD). 2. Tal é o caso quando é aplicada uma sanção de suspensão por um jogo a um jogador de futebol diretamente emergente da amostragem de um cartão vermelho direto face à ocorrência de um “lance de bola corrido" em plenas 4 linhas, durante a plenitude da prática desse mesmo jogo e dentro do tempo regulamentar (90 + 4 minutos), sendo a conduta perpetrada por um dos seus 22 protagonistas máximos: um jogador de campo. (…)”]:

Assim, tendo em consideração a matéria factual em causa e os argumentos esgrimidos pelas partes nos articulados, cumpre apreciar desde já se poderemos estar eventualmente perante uma exclusão da jurisdição do TAD nos termos e para os efeitos do Art. 4.°, n.° 6 da Lei do TAD. Com efeito, tal disposição legal determina que: "E excluída da jurisdição do TAD, não sendo assim suscetível designadamente do recurso referido no n.° 3, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva”. (nosso destaque)
Analisemos então esta questão, começando por um breve exame da factualidade em debate, exame esse que é relevante para efeitos de subsunção, ou não, às atinentes normas jurídicas:
Os factos em causa dizem respeito a uma ocorrência durante o jogo de futebol disputado entre a S………….- Futebol, SAD e a S …………… - Futebol, SAD, a contar para a final da taça de Portugal, época desportiva 2020/2021 no qual o Demandante fez parte da equipa inicial e participou ativamente na partida como jogador efetivo da S……………….- Futebol, SAD. De acordo com os factos provados em sede de processo disciplinar e aqui colocados em crise pelo Demandante, “Ao minuto 90 + 4 do referido jogo oficial, o Recorrente pontapeou o braço do jogador adversário ………………… (n.° 49 no equipamento), que se encontrava caído no chão, juntamente com a bola” sendo que “Em virtude do supra descrito, o árbitro principal, por considerar que o Recorrente se tornara culpado de conduta violenta, exibiu-lhe cartão vermelho direto”. Neste contexto considerou ainda a Demandada que “Ao pontapear o braço do jogador adversário ……………….., que se encontrava caído no chão, juntamente com a bola, o Recorrente agiu de forma livre e voluntária desconsiderando a integridade física do jogador adversário, bem sabendo que com a sua conduta consubstanciava infração disciplinar prevista e sancionada pelo RDLPFP, e, ainda assim, consciente da natureza ilícita da sua conduta, não se absteve de a realizar. Note-se também que a factualidade em causa resultou nomeadamente do relatório do árbitro principal da partida constante da ficha de jogo sob a epígrafe “Ocorrências disciplinares: jogadores” onde relata na descrição da ocorrência aos 90 + 4 minutos: “Motivo: Tornar-se culpado de conduta violenta: Desc: Pontapear o braço de um adversário, provocando um conflito generalizado entre jogadores e bancos de ambas as equipas. Após sofrer uma falta, o jogador 47 B, caído no chão, tentou agarrar a bola com a mão no sentido de recomeçar o jogo rapidamente. Nesse momento o jogador 11 A, não mostrando cuidado com a integridade física do adversário, pontapeou o braço deste, juntamente com a bola. Com essa ação provocou uma reação do jogador 47 B, a que se seguiu um conflito generalizado entre os bancos de ambas as equipas”. Note-se ainda que a equipa de arbitragem confirmou ulteriormente em sede de processo disciplinar, que efetivamente avaliou o lance em toda a sua extensão, tendo reafirmado que o mesmo ocorreu nos termos descritos no relatório do árbitro.
O Demandante discorda da factualidade que lhe foi imputada (…).
Efetuado este curto introito, cumpre então analisar se as principais questões suscitadas nos autos se enquadram, ou não, na exclusão de competência do Tribunal Arbitral do Desporto prevista no já referido Art. 4.°, n.° 6 da Lei do TAD no que respeita à “resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva”.
Desde já adiantamos que sim, ou seja, que a matéria em causa se enquadra efetivamente na referida exclusão de competência. Passamos a explicar porquê:
A questão principal subjacente aos presentes autos reporta-se à controvérsia já amplamente debatida sobre o que são afinal questões apelidadas de forma comum como sendo “de natureza estritamente desportiva". Note-se que a resolução da questão em si não é fácil. Tal deve-se em particular à amplitude dos conceitos jurídicos em causa, mas também, à existência de uma fronteira pouco clara e à consequente tensão sempre existente entre as normas jurídicas de natureza estadual e as normas de natureza desportiva que reclamam para si uma alegada autonomia própria em face da natureza específica da prática do desporto, cujo ritmo muitas vezes não se compadece com os mecanismos e com as delongas dos tribunais estaduais. Assim, a análise da aplicação da norma em causa apenas pode ser efetuada caso a caso, consoante os factos em questão, a natureza concreta da competição desportiva que esteja em causa, e ainda, consoante o escopo das normas técnicas e disciplinares que regem a respetiva prática.
Note-se também que a doutrina e a jurisprudência já se pronunciaram por diversas ocasiões a respeito desta matéria, tendo não raramente demonstrado entendimentos distintos, fruto não só das diferentes matérias em debate, mas também, das alterações legislativas que têm vindo a ocorrer neste domínio, as quais cumpre aqui sumariar para efeitos de mero enquadramento.
Com efeito, o artigo 25.° da antiga Lei de Bases do Sistema Desportivo (Lei n.° 1/90, de 13 de janeiro), sob a epígrafe “Justiça desportiva", estatuía que:
1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as decisões e deliberações definitivas das entidades que integram o associativismo desportivo são impugnáveis, nos termos gerais de direito.
2 - As decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas que tenham por fundamento a violação de normas de natureza técnica ou de caráter disciplinar não são impugnáveis nem suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva.
3 - O recurso contencioso e a respetiva decisão não prejudicam os efeitos desportivos entretanto validamente produzidos na sequência da última decisão da instância competente na ordem desportiva."
Por seu turno, o artigo 47.° da também revogada Lei de Bases do Desporto (Lei n.° 30/2004, de 21 de julho) determinava sob a epígrafe “Questões estritamente desportivas" que:
1 - Não são suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas.
2 - São questões estritamente desportivas aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de caráter disciplinar, nomeadamente as infrações disciplinares cometidas no decurso da competição, enquanto questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respetivas provas.
3 - No número anterior não estão compreendidas as decisões e deliberações disciplinares relativas a infrações à ética desportiva, no âmbito da dopagem, da violência e da corrupção."
Por seu turno, o Art 18.° da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto (Lei n.° 5/2007, de 16 de janeiro), o qual foi entretanto revogado pela alínea b) do artigo 4.° da Lei n.° 74/2013, de 6 de setembro, que criou o TAD, determinava sob a epígrafe “Justiça Desportiva" que:
1 - Os litígios emergentes dos atos e omissões dos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais, no âmbito do exercício dos poderes públicos, estão sujeitos às normas do contencioso administrativo, ficando sempre salvaguardados os efeitos desportivos entretanto validamente produzidos ao abrigo da última decisão da instância competente na ordem desportiva.
2 - Não são suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas.
3 - São questões estritamente desportivas as que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de caráter disciplinar, enquanto questões emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respetivas competições.
4 - Para efeitos do disposto no número anterior, as decisões e deliberações disciplinares relativas a infrações à ética desportiva, no âmbito da violência da dopagem, da corrupção, do racismo e da xenofobia não são matérias estritamente desportivas.
5 - Os litígios relativos a questões estritamente desportivas podem ser resolvidos por recurso à arbitragem ou mediação, dependendo de prévia existência de compromisso arbitral escrito ou sujeição a disposição estatutária ou regulamentar das associações desportivas.''
Ora, apesar das supra referidas provisões legais já não se encontrarem em vigor, continuam a ser relevantes para efeitos de interpretação do atual Art. 4.°, n.° 6 da Lei do TAD, o qual tem também um reflexo no Art. 44.°, n.° 1 do Regime Jurídico das Federações Desportivas com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 93/2014 de 23 de junho, determinando que: “Para além de outras competências que lhe sejam atribuídas pelos estatutos, cabe ao conselho de justiça conhecer dos recursos das decisões disciplinares relativas a questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva”. Neste contexto destaque-se também o teor do preâmbulo do referido Decreto-Lei no qual se esclarece que “adapta-se o âmbito de atuação do conselho de justiça, atento o recurso direto das decisões do conselho de disciplina para o Tribunal Arbitral do Desporto, exceto no que respeita às matérias emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva”.
Efetuado este enquadramento legislativo, e atentando agora de forma detalhada nas questões subjacentes aos presentes autos, destaque-se que nos encontramos perante uma ocorrência durante o período de jogo regulamentar (90 + 4) “dentro das 4 linhas” e plenamente presenciada pela equipa de arbitragem.
Com efeito, in casu, o Demandante - um jogador de campo, e assim, um protagonista do jogo - na sequência de um “lance corrido” de disputa de bola, efetivamente pontapeia a bola de uma forma ostensiva, podendo eventualmente discutir-se a sua intenção, (…) do jogador ……….., o qual nesse momento já se encontrava caído no relvado. O Demandante discorda, alegando que não existe intenção violenta ou sequer contato físico relevante.
Não obstante, certo é que o entendimento da equipa de arbitragem que presenciou o lance foi claro: a conduta do Demandante ocorrida em pleno jogo, consubstanciou uma conduta violenta, e nessa medida, foi-lhe exibido o cartão vermelho direto. Aliás, recorde-se que a equipa de arbitragem subsequentemente confirmou em sede disciplinar, e de forma inequívoca, que efetivamente avaliou o lance em toda a sua extensão, tendo o mesmo ocorrido nos termos descritos no relatório do árbitro.
Ora, face à factualidade em causa, é patente que nos encontramos perante uma questão emergente da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitante à prática da própria competição desportiva, na qual este Tribunal não se deve imiscuir.
Com efeito, cada modalidade desportiva é pautada por um conjunto de regras que rege a sua prática, as chamadas “leis do jogo” (2 O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de dezembro de 2017, Proc. 2141/061BELSB considerou que "devem considerar-se questões estritamente desportivas as questões de facto e de direito emergentes das leis do jogo, que são aquelas que surjam no decurso da prova ou durante a competição, estando, por isso, relacionadas com o seu desenvolvimento, quer do ponto de vista técnico, quer disciplinar. As questões de facto respeitam ao apuramento das concretas circunstâncias relativas à atuação concreta do jogador durante a prova; as questões de direito respeitam à aplicação das leis do jogo aos factos apurados. Ambas têm com comum ocorrerem durante o jogo ou a competição, motivo pelo qual, por respeitarem intrinsecamente à própria competição, estão excluídas do controlo ou de fiscalização pelos tribunais"). In casu, as leis do jogo de futebol de 11 ditam que caso o árbitro considere que um determinado jogador teve uma conduta violenta será admoestado com cartão vermelho e ordem de expulsão do terreno de jogo. Isso mesmo encontra-se refletido no Ponto 3. “Medidas Disciplinares" das “Leis de Jogo 20/21” da International Football Association Board ao determinar que “O árbitro tem autoridade para aplicar sanções disciplinares, desde o momento em que entra no terreno de jogo para a inspeção antes do jogo até que saia após o final do jogo (incluindo pontapés da marca de penálti)". Por seu turno, sob a epígrafe "Infrações Passíveis de Expulsão" encontra-se determinado que: “Um jogador, um suplente ou um jogador que tenha sido substituído deve ser expulso do terreno de jogo quando cometa uma das infrações seguintes: tornar-se culpado de conduta violenta", tal como sucedeu na questão subjacente aos presentes autos de acordo com o relatório do árbitro.
Estamos assim perante questões de facto conexas com as leis do jogo e que motivam a aplicação de normas técnicas e em concreto - disciplinares - respeitantes à prática da própria competição desportiva, in casu, ao futebol sénior de 11 jogadores.
Note-se também, a título de mero raciocínio, que noutras competições desportivas, poderia não ser assim, o que apenas reforça que estamos perante leis concretas do jogo de futebol sénior de 11 jogadores. Com efeito, por exemplo, note-se que algumas modalidades, como o Hóquei em Patins, admitem exclusões temporárias de jogadores que podem ainda retornar ao terreno de jogo (ao invés da ordem de expulsão definitiva). Por outro lado, note-se também que apesar de a violência gratuita ser em geral repelida - e muito bem - pelo espírito desportivo, é sabido existirem determinadas modalidades que admitem um grau elevado de contato físico e mesmo de violência consentida. A título de exemplo cite-se o Rugby que admite expressamente que um jogador que esteja na posse da bola possa ser deliberadamente derrubado por outro jogador (a chamada “tackle”). Por outro lado, as modalidades desportivas de combate (tais como a luta livre, o Karaté, o Kickboxing, o MuayThai pautam-se por e admitem expressamente contatos violentos (naturalmente dentro do respetivo enquadramento regulamentar).
O futebol, por seu turno, pauta-se por leis de jogo diferentes. É um jogo que na sua essência, apesar de admitir amplo contacto físico durante a sua prática, não admite condutas violentas. Esta é assim uma regra técnica que está ligada à prática da própria competição desportiva, sendo a sua infração passível de sanção disciplinar, também ela diretamente conexa com essa mesma prática.
Foi simplesmente isto que sucedeu nos presentes autos: durante um jogo de futebol, em plenas 4 linhas e durante o tempo regulamentar ocorreu um “lance" corrido entre jogadores de campo que o árbitro interpretou como sendo de conduta violenta por parte de um deles. Nessa medida aplicou a correspondente sanção disciplinar prevista nas leis do jogo. Aliás, dúvidas houvesse, a argumentação do próprio Demandante é sintomática de nos encontrarmos plenamente dentro da dinâmica de jogo, ao referir na sua argumentação que “30. Donde resulta tratar-se, pois, de uma pura causalidade que se atém dentro da normalidade dos confrontos que um jogo de futebol envolve (e se tem por inerente os riscos próprios deste desporto), inexistindo qualquer particular intenção ou vontade de atentar contra a integridade física do jogador lesado" e que "34. Estando, como se crê ficar demonstrado pelas imagens juntas aos autos, perante um contacto não intencional que se atém dentro da normalidade do próprio jogo, não há qualquer motivo para sancionar disciplinarmente o Demandante, sempre se impondo concluir pela sua absolvição, (nosso destaque)
E nem se diga que, in casu, cumpre separar o caráter eminentemente desportivo da sanção aplicada pelo árbitro (o cartão vermelho e a ordem de expulsão) do caráter administrativo ou público da sanção aplicada, i.e., do jogo de suspensão e da multa. Na verdade, é importante notar que os factos que deram origem à sanção aplicada brotaram da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática do futebol. Ocorreram em pleno jogo, sendo perpetrados durante a prática desse jogo por um dos seus 22 protagonistas máximos - um jogador de campo. Cumpre também destacar a ligação quase umbilical bem conhecida aliás, entre a decisão do árbitro de mostrar um cartão vermelho direto e a sanção de suspensão de um jogador. Aliás, o artigo 151.°, n.° 1, alínea a) do RDLPFP reflete essa ligação ao prever que a sanção mínima no caso de agressão será sempre de um jogo de suspensão, in casu correspondente à sanção aplicada. Por outro lado, o Artigo 37.° do RDLPFP sob a epígrafe "Sanção de suspensão de jogadores” ilustra também essa ligação ao determinar que: "1. A sanção de suspensão aplicada a jogadores será computada em períodos de tempo ou em jogos oficiais. 2. A sanção de suspensão prevista no número anterior começará a ser cumprida a partir da data em que a decisão que a aplicar se tornar executória, exceto nos seguintes casos: a) os jogadores consideram-se automaticamente suspensos preventivamente até deliberação da Secção Disciplinar sempre que sejam expulsos do terreno de jogo, com exibição do cartão vermelho direto, por acumulação de amarelos ou em resultado de factos ocorridos dentro dos recintos desportivos, antes, durante ou depois de findo o jogo e determinem o árbitro a mencioná-los como expulsos no respetivo boletim, mas sempre com o conhecimento do delegado do seu clube ao jogo, expresso na ficha técnica;” (nosso destaque).
A acrescer, dependendo do caso concreto, tal discussão concernente à separação da componente desportiva da administrativa tornar-se-á eventualmente premente nos casos em que estejam em causa a ofensa direitos fundamentais, direitos indisponíveis ou outros bens jurídicos protegidos por normas que vão para além das estritamente relacionadas com a prática desportiva, (como por ex. a corrupção). Em tais casos poderá porventura ser necessário o respetivo escrutínio jurisdicional, designadamente no que respeita à respetiva vertente pública. Não sendo esse o caso, e apesar de se admitir que o Art. 4.°, n.° 6 da Lei do TAD deve efetivamente ser interpretado de forma restritiva dada a regra geral de impugnabilidade dos atos administrativos das entidades desportivas, tal interpretação não pode ser de tal modo restritiva ao ponto de esvaziar em absoluto o conteúdo da mesma provisão legal no que respeita à exceção de exclusão de jurisdição do TAD que o legislador entendeu ali verter.
Ora, não consideramos que os factos subjacentes ao presente caso motivem tal tipo de escrutínio no que respeita a essa vertente. Com efeito, é patente que não existe nem se encontra em causa qualquer compressão substancial e ilegítima do direito do Demandante de exercer em pleno a profissão livremente escolhida. Sem prejuízo de se admitir que tal questão poderá, dependendo dos factos concretos, ser pertinente em determinadas circunstâncias, a verdade é que a profissão do Demandante e o exercício das suas funções profissionais não se resumem, não começam nem se esgotam num único jogo de futebol, no qual, por uma conduta a si imputável, se viu impossibilitado de participar. Na verdade, o Demandante é um jogador de futebol com um contrato de trabalho desportivo cujo escopo, integrando as respetivas funções, deveres e direitos, vão muito além da participação num único jogo de futebol. Mais, o Demandante integra uma sociedade anónima desportiva que por seu turno integra uma competição desportiva que se pauta por regras regulamentares e disciplinares que foram aceites e aprovadas pelos participantes, e que por seu turno, têm amplo respaldo na lei, in casu no Regime Jurídico das Federações Desportivas. Com efeito, sendo a Demandada uma Federação dotada do estatuto de utilidade pública desportiva, o Art. 10.° do Regime Jurídico das Federações Desportiva atribui-lhe “a competência para o exercício, em exclusivo, por modalidade ou conjunto de modalidades, de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública, bem como a titularidade dos direitos e deveres especialmente previstos na lei”, sendo que tais poderes têm natureza pública (Arts. 11.° do Regime Jurídico das Federações Desportivas) e devem obedecer aos princípios gerais estatuídos no respetivo Art. 53.° do mesmo regime jurídico. Também o Art. 13.° determina que “As federações desportivas têm direito, para além de outros que resultem da lei: i) Ao exercício da ação disciplinar sobre todos os agentes desportivos sob sua jurisdição". E dúvidas houvesse, o Art. 54.°, n.° 1 do mesmo diploma clarifica que “No âmbito desportivo, o poder disciplinar das federações desportivas exerce-se sobre os clubes, dirigentes, praticantes, treinadores, técnicos, árbitros, juízes e, em geral, sobre todos os agentes desportivos que desenvolvam a actividade desportiva compreendida no seu objecto estatutário, nos termos do respectivo regime disciplinar. Em conclusão, não se vislumbrando qualquer tipo de vício no processo sancionatório, estamos assim, somente, perante o exercício legítimo e válido de competências disciplinares determinadas por lei e não perante qualquer hipotética limitação de um direito fundamental.
Em conclusão, face ao supra exposto, o Tribunal Arbitral do Desporto não tem efetivamente jurisdição para decidir sobre a questão subjacente aos presentes autos na medida em que a mesma emergiu da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da competição desportiva, e in casu, durante essa mesma prática. Consequentemente, opera a exclusão de competência prevista no ARt. 4.°, n.° 6 da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto.
A incompetência consubstancia uma exceção dilatória, dando assim lugar à absolvição da Demandada da instância (Art. 89.° n.°s 1, 2 e 4 alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi Art. 77.°, n.° 1, da Lei do TAD).” (sublinhados nossos).

O recorrente defende que o acórdão arbitral recorrido incorreu em erro ao julgar o TAD incompetente para apreciar a questão em causa nestes autos, ao abrigo do art. 4º n.º 6, da LTAD, mas a verdade é que não se divisa tal erro, pois, face aos argumentos aduzidos no mesmo (e ora transcritos), os quais são claros, acertados e rebatem os argumentos do recorrente, só se pode concluir no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional.

E quanto ao acórdão do TAD de 16.3.2021, ao qual se alude na conclusão M), cumpre esclarecer que tal aresto foi recentemente revogado por Ac. deste TCA Sul de 7.10.2021, proferido no proc. n.º 40/21.6 BCLSB, no qual se escreveu o seguinte (com total pertinência para o caso sub judice):
No âmbito do processo nº 19-20/21, o Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol proferiu acórdão, datado de 29.01.2021, negando provimento ao recurso hierárquico (impróprio) que o ora Recorrido ………………… interpusera da decisão disciplinar sumária, proferida pela formação restrita daquela secção, a 27.01.2021, que o sancionou com suspensão de 1 (um) jogo e multa de € 153,00 (cento e cinquenta e três euros), à luz do disposto no artigo 164.º, n.º 7, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal (RDLPFP).
A decisão disciplinar fundamenta-se na circunstância de o ora Recorrido ter sido sancionado com um cartão amarelo no jogo de futebol de 11 da 15.ª jornada da época 2020-2021 da Liga NOS, com o n.º .. (…………), disputado em 26 de janeiro de 2021, entre a equipa da ………….Futebol Clube, Futebol SAD e a equipa da ………………… – Futebol, SAD, sendo que, com a exibição deste cartão amarelo, acumulou a exibição de cinco cartões amarelos em jogos diferentes da época desportiva 2020/2021 da Liga NOS.
Inconformado com a decisão proferida pelo Conselho Disciplinar, o ora Recorrido apresentou pedido de arbitragem junto do TAD, apelidando-a de ilegal, essencialmente por duas ordens de razões:
- primeiramente, por razões procedimentais, por alegadamente não ter sido ouvido em momento prévio ao seu sancionamento em processo sumário;
- de seguida, por razões de substância, por alegadamente não ter praticado a infracção pela qual foi sancionado.
A Demandada, ora Recorrente, contestou a pretensão do Recorrente, pugnando pela sua improcedência, sendo que, quanto à segunda - prática da infração prevista e punida no artigo 164.º, n.º 7, do RDLPFP -, começou por suscitar a falta de jurisdição do TAD para conhecer da mesma.
Por acórdão de 16.03.2021, o TAD:
a) Declarou improcedente “o recurso quanto à alegada invalidade da decisão disciplinar sancionatória recorrida por preterição dos direitos de audiência e defesa do arguido, ora Demandante; ficando assim consumida a apreciação, qua tale, da exceção perentória implicitamente invocada nesta matéria pela Demandada”;
b) Declarou improcedente “a exceção dilatória de ausência de jurisdição do TAD, deduzida pela Demandada à luz da norma do n.º 6 do artigo 4.º da Lei do TAD, para apreciar e decidir a questão de mérito do cometimento, in casu, da infração prevista e punida no artigo 164.º, n.º 7, do RDLPFP e, assim mesmo, da validade da decisão disciplinar sancionatória recorrida”;
c) Declarou “procedente o presente recurso quanto ao invocado não cometimento pelo Demandante da infração disciplinar prevista e punida no artigo 164.º, n.º 7, do RDLPFP, por ausência na concreta situação sub judice do pressuposto factual objetivo típico de que depende tal cometimento, anulando, consequentemente, a decisão disciplinar sancionatória recorrida, com absolvição do Demandante da infração por que foi disciplinarmente sancionado com suspensão de 1 (um) jogo e multa de € 153,00 (cento e cinquenta e três euros)”.
A ora Recorrente não se conforma com a decisão constante das alíneas b) e c).
Naturalmente, importa começar por conhecer da alegada “ausência de jurisdição do TAD” para apreciar e decidir a questão de mérito do cometimento, in casu, da infração prevista e punida no artigo 164.º, n.º 7, do RDLPFP (1).
(…)
A Recorrente imputa ao referido acórdão erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 4º, nº 6 da Lei do TAD.
Vejamos.
A Lei nº 74/2013 de 06.09 criou o Tribunal Arbitral de Desporto (TAD) - com competência específica para administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto – e aprovou a respectiva lei, entretanto alterada pela Lei nº 33/2014 de 16.06.
O artigo 4º da Lei do TAD regula a arbitragem necessária e os artigos 6º e 7º a arbitragem voluntária.
Para o caso, tem interesse o artigo 4º, na redacção dada pela Lei nº 33/2014 de 16.06, que estabelece que:
“1 - Compete ao TAD conhecer dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina.
2 - Salvo disposição em contrário e sem prejuízo do disposto no número seguinte, a competência definida no número anterior abrange as modalidades de garantia contenciosa previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos que forem aplicáveis.
3 - O acesso ao TAD só é admissível em via de recurso de:
a) Deliberações do órgão de disciplina ou decisões do órgão de justiça das federações desportivas, neste último caso quando proferidas em recurso de deliberações de outro órgão federativo que não o órgão de disciplina;
b) Decisões finais de órgãos de ligas profissionais e de outras entidades desportivas.
4 - Com exceção dos processos disciplinares a que se refere o artigo 59.º da Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto, compete ainda ao TAD conhecer dos litígios referidos no n.º 1 sempre que a decisão do órgão de disciplina ou de justiça das federações desportivas ou a decisão final de liga profissional ou de outra entidade desportiva não seja proferida no prazo de 45 dias ou, com fundamento na complexidade da causa, no prazo de 75 dias, contados a partir da autuação do respetivo processo.
5 - Nos casos previstos no número anterior, o prazo para a apresentação pela parte interessada do requerimento de avocação de competência junto do TAD é de 10 dias, contados a partir do final do prazo referido no número anterior, devendo este requerimento obedecer à forma prevista para o requerimento inicial.
6 - É excluída da jurisdição do TAD, não sendo assim suscetível designadamente do recurso referido no n.º 3, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.
Como se lê no acórdão em crise “Temos assim, no âmbito desta arbitragem necessária, e no que respeita aos recursos das deliberações dos órgãos de disciplina das federações desportivas, erigido um sistema de delimitação recíproca de competências necessárias e exclusivas entre o TAD e os conselhos de justiça (ou equivalentes) das federações desportivas, que assim pode enunciar-se:
a) As deliberações dos órgãos de disciplina das federações desportivas só são recorríveis para o TAD, se não estiverem em causa “questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva”; e, naturalmente, como se viu já, sem prejuízo da impugnação administrativa necessária que efetivamente se imponha a montante do recurso para o TAD;
b) As deliberações dos órgãos de disciplina das federações desportivas só são recorríveis para os conselhos de justiça (ou equivalentes), se estiverem em causa “questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva”; (…)”
Em conformidade, dispõe o artigo 287.º do RDLPFP, sob a epígrafe “Formas de recurso”, que:“ 1 – As decisões finais proferidas pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, em pleno, são impugnáveis apenas por via de recurso para o Tribunal Arbitral do Desporto.
2 – Sem embargo do disposto no número anterior do presente artigo, as decisões finais proferidas pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, em pleno, respeitantes a matérias estritamente desportivas são apenas impugnáveis por via de recurso para o Conselho de Justiça. (…)”
Da mesma forma, dispõe o n.º 1 do artigo 44.º do regime jurídico das federações desportivas, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23.06, que “Para além de outras competências que lhe sejam atribuídas pelos estatutos, cabe ao conselho de justiça conhecer dos recursos das decisões disciplinares relativas a questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.”
Assim, o TAD é incompetente para conhecer do recurso de decisões que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas, sendo as mesmas recorríveis para o órgão de justiça das respectivas federações desportivas.
Donde, o presente litígio centra-se na interpretação a dar ao disposto no nº 6 do artigo 4º da Lei do TAD e em saber se o caso em apreço se subsume ou não na sua previsão.
O que são, pois, “questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva”?
Para dar resposta a esta pergunta, mostra-se útil chamar à colação os diplomas que anteriormente regularam esta temática.
A antiga Lei de Bases do Sistema Desportivo – a Lei n.º 1/90, de 13.01 -, dispõe no nº 2 do artigo 25º que “As decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas que tenham por fundamento a violação de normas de natureza técnica ou de caráter disciplinar não são impugnáveis nem suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva.”
Aquela lei foi revogada pela Lei de Bases do Desporto – a Lei nº 30/2004 de 20.07- que, no seu artigo 47º, epigrafado “Questões estritamente desportivas”, preceitua que “Não são susceptíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas.” (nº 1). E esclarece que são questões estritamente desportivas “aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, nomeadamente as infracções disciplinares cometidas no decurso da competição, enquanto questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas.” (nº 2); sendo que nestas não “estão compreendidas as decisões e deliberações disciplinares relativas a infracções à ética desportiva, no âmbito da dopagem, da violência e da corrupção.”
Por sua vez, a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto – a Lei n.º 5/2007, de 16.01 -, estabelece, no seu artigo 18º (revogado pela alínea b) do artigo 4.º da Lei n.º 74/2013, de 06.09), o seguinte:
“(…)
2 – Não são suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas.
3 – São questões estritamente desportivas as que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de caráter disciplinar, enquanto questões emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respetivas competições.
4 – Para efeitos do disposto no número anterior, as decisões e deliberações disciplinares relativas a infrações à ética desportiva, no âmbito da violência, da dopagem, da corrupção, do racismo e da xenofobia não são matérias estritamente desportivas.
5 – Os litígios relativos a questões estritamente desportivas podem ser resolvidos por recurso à arbitragem ou mediação, dependendo de prévia existência de compromisso arbitral escrito ou sujeição a disposição estatutária ou regulamentar das associações desportivas.
A expressão “questões estritamente desportivas” que mais não é do que um conceito indeterminado, está amplamente tratada na jurisprudência e na doutrina.
António Bernardino Peixoto Madureira e Luís César Rodrigues Teixeira consideram como questões estritamente desportivas as questões de facto e de direito emergentes das leis do jogo, ou seja, aquelas questões que tenham surgido durante a prática de uma competição e que, portanto, estejam relacionadas com o seu desenvolvimento, quer no seu aspecto técnico quer no aspecto disciplinar. Questões de facto, serão, por exemplo, aquelas que têm a ver com o apuramento de que se determinado jogador rasteirou ou não outro, se determinada bola ultrapassou ou não a linha da baliza, se determinado jogador agrediu ou não outro, etc. Questões em relação às quais o árbitro é soberano (…). Questões de direito são as que contendem com a aplicação das leis do jogo aos factos apurados. São questões relacionadas com os chamados erros de arbitragem …”. - in Futebol - Guia Jurídico, Almedina, 2001, fls. 1602.
Os nossos Tribunais foram já, em diversas situações e à luz da legislação acima referida, chamados a pronunciar-se sobre o que se deve entender por “questões estritamente desportivas”.
Decidiu o Supremo Tribunal Administrativo que:
- “Não constituem decisões sobre questões estritamente desportivas os actos de órgãos de uma federação desportiva, a que foi atribuído o estatuto de utilidade pública, pelos quais foi decidido o cancelamento de licença desportiva atribuída a determinado desportista, por alegada falta de requisitos para tal atribuição e determinada a respectiva suspensão preventiva, por incumprimento da ordem de entrega daquela licença e participação em competição sem autorização da autoridade desportiva nacional.” - em acórdão de 07.06.2006, proferido no âmbito do processo nº 262/06, disponível para consulta em www.dgsi.pt, assim como os demais arestos infra citados;
- “Não é uma questão estritamente desportiva a deliberação que, nos termos do art. 38º, 1, d) do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol, reordenou a classificação final de um campeonato de futebol, na sequência da desclassificação de um outro clube, designadamente no que respeita à questão de saber se tal preceito viola ou não o 30º, n.º 4 da Constituição e 65º do Código Penal, isto é, se tal preceito viola o princípio, segundo o qual só pode haver pena se houver ilicitude e culpa.” - acórdão de 10.09.2008 (proc. nº 120/08);
- “não eram estritamente desportivas as questões relacionadas com a sanção disciplinar de um praticante por atitudes incorrectas ou injuriosas assumidas nos serviços de atendimento da respectiva federação ou com o acerto de se condicionar, ao depósito de certa caução, a admissibilidade do recurso que ele deduziu da decisão sancionatória para uma outra instância da justiça desportiva.” - acórdão de 15.10.2009 (proc. 527/09);
- “É questão estritamente desportiva a questão de saber se um jogador de "golf" violou as disposições sobre a comunicação do seu "handicap" nas competições em que participou, e donde resultou a aplicação de uma pena disciplinar de suspensão de seis meses.” - acórdão de 21.09.2010 (proc. nº 0295/10).
O Tribunal Central Administrativo Sul decidiu que:
- “II - O acto de cancelamento de uma licença desportiva e o acto de suspensão preventiva de um desportista, são materialmente administrativos, praticados ao abrigo de normas de direito público administrativo, pelo que a apreciação da respectiva validade cabe no âmbito da jurisdição administrativa. III - Só as infracções disciplinares cometidas no decurso da competição, envolvendo questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas, ou seja, as questões estritamente desportivas - desde que não integradas na previsão do n.º 3 do art.º 47º da Lei de Bases do Desporto -, estão sujeitas ao controlo privativo das instâncias competentes na ordem desportiva.” - acórdão de 26.01.2006 (proc. nº 1270/05);
- “Compete aos tribunais administrativos, nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1, 2, 3 e 4, do artigo 18º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (Lei n.º 5/2007, de 16.01) a apreciação do pedido de suspensão da eficácia do acto, praticado pelo Conselho de Jurisdição da Federação Portuguesa de Rugby, que puniu disciplinarmente um treinador daquela modalidade desportiva por uma agressão a um árbitro, no decorrer de um jogo.” - acórdão de 16.10.2008 (proc. nº 4293/08);
- “II - São apenas as decisões federativas que correspondem à actuação no âmbito desportivo ou seja, as decisões sobre questões desportivas relativas às “leis do jogo”, incluindo a punição das infracções ao que nestas se estabelece que são inimpugnáveis, dado que, em rigor, elas não aplicam regras jurídicas mas regras técnicas. III - Estando em causa uma sanção disciplinar que puniu um comportamento ofensivo do recorrente na delegação Norte da FPAK não se está perante uma infracção às “leis do jogo” nem, consequentemente, perante uma questão estritamente desportiva.” - acórdão de 22.01.2009 (proc. nº 4036/08);
- “A desclassificação de um par por infracção da etiqueta do jogo, é uma questão estritamente desportiva. Tem a ver com as regras próprias desse jogo, não tem a ver com decisões materialmente administrativas.” - acórdão de 03.11.2011 (proc. nº 534/07);
- “VII. Estando em causa apurar se o recurso aos tribunais administrativos como forma de impugnar o ato de recusa de inscrição de jogador profissional de futebol por parte de órgão desportivo constitui uma infração, sancionada com a descida de divisão do clube, exige que se conheça das condições de acesso à justiça e aos tribunais para a composição dos diferendos de natureza desportiva, assim como os limites da reserva de jurisdição das instâncias jurisdicionais desportivas, importando o seu enquadramento à luz da noção de questão estritamente desportiva.
VIII. A Lei de Bases do Desporto prevê, por um lado, a regra geral de impugnabilidade, nos termos gerais de direito, dos atos administrativos praticados pelos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais, no âmbito do exercício de poderes públicos (artigo 46.º), mas, por outro, uma exceção à regra da impugnabilidade, por não serem suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes da ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas (n.º 1 do artigo 47.º).
IX. Na delimitação do enquadramento normativo aplicável ao litígio importa atender ao direito de fonte legal, mas também ao direito privativo das instâncias desportivas, enquanto conjunto de normas emanadas e aplicáveis no universo das organizações desportivas.
X. Atenta a multiplicidade de fontes de direito aplicável, de fonte legal, mas também regulamentar desportiva, e considerando a concessão de poderes públicos às federações desportivas através da atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, é de recusar a submissão da atuação dos órgãos federativos a um quadro normativo exclusivo de direito privado, baseado na sua natureza jurídica de associação privada.
XI. Quando no exercício dos poderes públicos, a atuação dos órgãos federativos traduz-se na prática de atos administrativos ou na aprovação de regulamentos administrativos, cuja impugnação está atribuída constitucionalmente à jurisdição administrativa, cabendo a competência material aos tribunais administrativos, segundo o n.º 3 do artigo 212.º e o n.º 4 do artigo 268.º, ambos da Constituição, e os artigos 1.º e 4.º do ETAF.
XII. O facto que está na origem da aplicação da sanção disciplinar desportiva, traduzido na apresentação pelo clube de um processo cautelar junto dos tribunais administrativos, contra o ato de recusa de inscrição e registo de um jogador como profissional de futebol ao serviço de um clube, é um ato que se situa antes ou a montante da competição, tendo como consequência ou por efeito a impossibilidade do jogador participar na competição desportiva.
XIII. Não se pode falar em atuação que decorra ou imane da qualidade de jogador ou sequer da sua participação em competição desportiva, pois foi vedado o acesso do jogador à própria participação na competição, não sendo possível subsumir a atuação do clube desportivo em recorrer aos tribunais, à violação das regras do jogo ou próprias da competição desportiva.
XIV. Não existindo infração à ética desportiva, decorrente de atos de dopagem, violência ou corrupção, nem estando em causa uma questão técnica ou que possa ser considerada uma decorrência da participação na competição, não está integrada no conceito de questão estritamente desportiva.
XV. Para efeitos de determinação do conceito de questão estritamente desportiva não releva a aplicação de qualquer regulamento desportivo, mas apenas os regulamentos relativos à organização das provas e da competição.
XVI. Deve considerar-se questões estritamente desportivas as questões de facto e de direito emergentes das leis do jogo, que são aquelas que surjam no decurso da prova ou durante a competição, estando, por isso, relacionadas com o seu desenvolvimento, quer do ponto de vista técnico, quer disciplinar, delas se excluindo as ofensas constitucionais e legais destinadas a proteger valores e interesses estranhos ao fenómeno desportivo, como no caso da afetação de direitos indisponíveis ou de direitos, liberdades e garantias.
XVII. Excluído o enquadramento da situação factual no conceito de questão estritamente desportiva, está afastada a reserva da jurisdição desportiva, vigorando a regra geral de recurso às instâncias jurisdicionais estaduais, fora das instâncias desportivas, para dirimir o litígio gerado pelo ato de recusa de inscrição de um jogador de futebol profissional, pois salvo no tocante às questões configuradas como estritamente desportivas, não decorre da lei ou dos regulamentos desportivos um monopólio da auto-justiça ou da justiça privada desportiva.
XVIII. O ordenamento jurídico consagra um sistema de justiça desportiva híbrido ou mitigado, que tanto prevê a jurisdição das instâncias próprias desportivas, como admite o recurso aos tribunais estaduais, consoante a natureza do litígio.em acórdão de 06.12.2017, no âmbito do proc. nº 2141/06;
- “Os tribunais administrativos são competentes para conhecer de pedido de impugnação da decisão da Associação de Futebol de Angra do Heroísmo homologatória da classificação final da Liga Meo Açores/Campeonato de Futebol dos Açores, época 2013/2014, no qual é atribuído ao ora Recorrente o 4.º lugar, motivada na interpretação feita das disposições do Regulamento Técnico do Campeonato de Futebol dos Açores para a época 2013/2014, concretamente das normas contidas nos seus pontos 50.02, 50.04 e 50.05 respeitantes à modulação do campeonato em duas fases, consequente graduação e regras de desempate.” - acórdão de 24.05.2018 (proc. nº 192/14).
Também o Tribunal Constitucional se pronunciou já sobre questões semelhantes, nos seguintes termos:
- no acórdão n.º 730/95, II Série do DR de 6-2-1996, entendeu-se ser de natureza pública e admitindo recurso para os tribunais administrativos a questão da inconstitucionalidade de um preceito do regulamento disciplinar de uma federação desportiva sobre violência ou distúrbios praticados em recinto desportivo;
- no acórdão 473/98, II Série do DR de 23-11-98, negou provimento ao recurso de um acórdão do Conselho de Arbitragem (que mandara depositar preparo para despesas) com o fundamento de não se terem esgotado os meios de recurso nos termos gerais de direito, pois de tal decisão cabia recurso para os tribunais.
Atentos estes ensinamentos, retornemos ao caso em apreço, tendo presente que, apesar de a Lei do TAD usar expressão formalmente distinta, ela tem o mesmo alcance, com a pretensão de o seu significado ser mais cristalino.
O Demandante, ora Recorrido, impugnou uma sanção de suspensão automática por um jogo, aplicada em virtude da exibição de um cartão amarelo, que constituía o quinto na mesma época desportiva (2).
Em causa está o artigo 164º do RDLPFP, epigrafado “cartões amarelos e vermelhos” e que, no nº 7 estabelece que O jogador que, na mesma época desportiva e em jogos diferentes, acumular uma série de cartões amarelos é punido com a sanção de suspensão por um jogo e, acessoriamente, com a sanção de multa de valor correspondente a 1,5 UC assim que atingir o quinto, o nono, o 12.º e o 14.º cartões amarelos dessa época desportiva.(3).
O artigo 165º do RDLPFP, que estabelece o regime especial das sanções por acumulação de cartões amarelos, preceitua que:
1. As sanções de multa e de suspensão decorrentes da aplicação do disposto no artigo anterior serão aplicadas automaticamente, e sem dependência de qualquer formalidade, mediante o preenchimento dos pressupostos aí previstos, sem prejuízo de subsequente deliberação confirmativa da Secção Disciplinar.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, o árbitro deverá, no final do jogo, dar sempre conhecimento dos jogadores advertidos e expulsos aos delegados dos respetivos clubes, que rubricarão a ficha técnica.
3. As sanções referidas no n.º 1 não podem ser modificadas por efeito de aplicação de circunstâncias agravantes ou atenuantes, nem a aplicação dessas sanções pode servir para o preenchimento de circunstância agravante ou do conceito de reincidência para efeitos de determinação das sanções aplicáveis em virtude da prática de outras infrações disciplinares.
4. A suspensão decorrente da acumulação de cartões amarelos, nos termos previstos no artigo anterior, é cumprida exclusivamente nos jogos das competições I Liga e II Liga, na época desportiva em curso.
5. Os cartões amarelos exibidos em jogos da Taça de Portugal, Supertaça e Taça da Liga não são contabilizados para o efeito a que se alude no número anterior.
Reagiu o Demandante contra a aplicação da sanção, arguindo, entre o mais, a inexistência de qualquer infracção disciplinar. Afirma que não cometeu qualquer facto passível de ser sancionado com a amostragem de cartão amarelo e, por conseguinte, “não se verifica um dos elementos objetivos do tipo disciplinar imputado, o que determina necessariamente, a impossibilidade de qualquer agente desportivo ser sancionado nos termos da concreta noma que se tiver por não preenchida” (4).
O TAD julgou-se competente para conhecer do litígio fazendo corresponder o thema decidendum não à correcção ou não da exibição do cartão amarelo - que afirmou não haver dúvidas de que emerge exclusiva, directa e imediatamente da aplicação das normas técnicas e disciplinares respeitantes à prática da própria competição desportiva – mas à questão de saber da relevância, enquanto dado de facto assente, das afirmações do árbitro reconhecendo, formalmente e em sede de sancionamento disciplinar, que, após visionar as imagens da jogada em causa, a exibição de tal cartão amarelo “não foi adequada”, para aferição da questão de mérito, que é uma questão de direito, sobre se pode considerar-se verificada, in casu, a infração prevista e punida no artigo 164.º, n.º 7, do RDLPFP (5).
Não podemos acompanhar o entendimento do TAD, antes aderindo àquela que foi a posição exarada no voto de vencido.
O que vem invocado pelo Demandante, ora Recorrido, é que o comportamento alegadamente subjacente à exibição do cartão amarelo não ocorreu e que, nessa medida, não pode manter-se a sanção aplicada de forma automática, em decorrência de cinco cartões amarelos (6).
E para sustentar a sua alegação (de que tal comportamento não ocorreu), o Demandante apela à analise das imagens do lance em questão (7) (…).
Assim, na situação sub judice, o litigio submetido ao TAD reside em saber se, no jogo de futebol em causa, a conduta do jogador – o ora Recorrido – era, à luz das leis do jogo aplicáveis, merecedora de cartão amarelo (8).
O que o TAD apelida de thema decidendum é, quanto a nós, apenas um argumento, uma razão para que, em sede de processo disciplinar, se conclua pela inadequação do cartão amarelo com vista ao não preenchimento da previsão do artigo 164.º, n.º 7, do RDLPFP.
Ao consagrar o disposto no art. 4º, nº 6 da Lei do TAD, o legislador quis excluir da jurisdição deste Tribunal não (só) a decisão técnica/disciplinar do árbitro durante o tempo do jogo, porquanto esta é-lhe naturalmente alheia, mas (também) as questões que daí possam emergir, como seja no plano disciplinar.
No caso, é inegável que o núcleo fáctico essencial da situação jurídica que o Demandante pretende fazer valer em tribunal assenta num juízo técnico produzido pelo árbitro do jogo colocando-se, assim, à apreciação do TAD matéria directamente ligada às “regras do jogo”.
A sanção automática em causa – suspensão e multa referente à acumulação de cinco cartões amarelos na competição, na mesma época desportiva – encontra-se directamente ligada às questões técnicas (“leis”) do jogo e da competição (9).
Por “leis de jogo” tem vindo a entender a nossa jurisprudência que se trata do “ conjunto de regras que, relativamente a cada disciplina desportiva, têm por função definir os termos da confrontação desportiva e que se traduzem em regras técnico - desportivas que ordenam a conduta, as ações e omissões, dos desportistas nas atividades das suas modalidades e que, por isso, são de aplicação imediata no desenrolar das provas e competições desportivas.” – cfr., entre outros, acórdãos do STA de 07.06.2006 (proc. nº 262/06), de 10.09.2008 (proc. nº 120/08) e de 21.09.2010 ( proc. nº 0295/10); acórdão do TCA Sul de 13.10.2011 (proc. nº 6925/10); e acórdão do TCAN de 09.11.2018 (proc. nº 248/18), disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
Tal como o voto de vencido junto ao acórdão recorrido, socorremo-nos aqui das palavras de Pedro Gonçalves:
As “leis do jogo(10), visando identificar e regulamentar a prática do jogo e desconhecendo qualquer eficácia no ordenamento jurídico, não incorporam regras jurídicas, mas regras técnicas. A situação não se apresenta diferente no caso das regras (disciplinares) que sancionam o desrespeito das “leis do jogo”, resultante da prática de infracções (faltas) no “decurso do jogo”: também aqui está envolvida a apreciação de factos ou condutas segundo critérios técnicos e não jurídicos. Num sentido rigoroso, a regulação do jogo não é de direito público, nem de direito privado, posto que não se trata de uma regulação jurídica.” - in, “A soberania limitada das federações desportivas”, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 59, pág. 59.
Para o mesmo Autor, “(…) seria inconsequente pedir a um Tribunal do Estado tribunal administrativo ou outro, que decide questões de direito e procede à aplicação de normas jurídicas, uma pronúncia sobre os termos de aplicação de normas técnicas ou sobre se um certo jogador cometeu, no decurso do jogo, a falta x ou y ou nenhuma das duas. Há, nesta matéria, um imperativo natural de contenção da ingerência da justiça estadual.”
Como se diz no voto vencido “por maior recorte que se faça do thema decidendum trazido à ponderação deste Colégio Tribunal, as declarações do árbitro do jogo quanto à amostragem de determinado cartão amarelo, e ao erro incorrido sobre esse facto, passarão, inevitavelmente, pelo crivo (apreciação e juízo decisório) deste Tribunal, não obstante tal matéria respeitar, inequivocamente, às “regras do jogo” e se encontrar, por essa via, excluída do âmbito de jurisdição do TAD, conforme assinalado anteriormente.”
Está em causa uma ocorrência, durante o período de jogo regulamentar, “dentro das 4 linhas”, e presenciada pela equipa de arbitragem que entendeu exibir um cartão amarelo (11); no caso, o quinto, na mesma competição desportiva.
Ainda que o TAD tenha procurado direccionar ou circunscrever o litígio, centrando-o na relevância das afirmações do árbitro reconhecendo, formalmente e em sede de sancionamento disciplinar, que, após visionar as imagens da jogada em causa, a exibição de tal cartão amarelo “não foi adequada”, para aferição da questão sobre se pode considerar-se verificada, in casu, a infração prevista e punida no artigo 164.º, n.º 7, do RDLPFP, consideramos que o verdadeiro cerne do litígio reside em aferir do acerto ou não da decisão de exibir o cartão amareloconcretamente por ter o arguido agarrado um adversário, anulando um ataque prometedor (12).
O arguido/Demandante/Recorrido não pede formalmente a anulação do cartão amarelo exibido durante o jogo. Todavia, pretende-o efectivamente, não quanto aos efeitos a produzir no jogo (já decorrido) mas na competição e em sede disciplinar. A invalidação que formalmente peticiona – da sanção automática – assenta na alegada incorrecção dessa exibição, concretamente no juízo sobre a ocorrência de um “ataque prometedor” (13).
Ora, se o fundamento, a razão de ser da invalidade da sanção é a inadequação da exibição do cartão amarelo – por não estar em causa um “ataque prometedor” (14) -, sempre será de analisar se o árbitro errou ou não na sua análise. Ou, o mesmo será dizer, sempre se imporá um juízo sobre as regras do jogo e/ou as regras da competição.
Estamos, pois, perante questão emergente da aplicação de normas técnicas e disciplinares directamente respeitante à prática da própria competição desportiva, na qual o TAD não tem jurisdição, por ser exclusiva das federações desportivas.
Nestes termos, dando razão à Recorrente, concluímos pela ausência de jurisdição do TAD para apreciar e decidir a questão do cometimento da infracção prevista e punida pelo artigo 164º, nº 7 do RD LPFP.” (sublinhados nossos).

Pelo exposto, cabe negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a decisão de incompetência constante do acórdão arbitral recorrido.
*
Tendo …………………, ora recorrente, ficado vencido nesta instância recursiva, deverá suportar as respectivas custas (cfr. art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA, e art. 80º, al. a), da LTAD).
III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:
I – Negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, manter a decisão de incompetência constante do acórdão arbitral recorrido.
II – Condenar ……………, ora recorrente, nas custas do presente recurso jurisdicional.
III – Registe e notifique.
*
Lisboa, 18 de Novembro de 2021



(Catarina Gonçalves Jarmela - relatora)



(Alda Nunes – 1ª adjunta)



(Lina Costa – 2ª adjunta)

(1) In casu no art. 151º n.º 1, al. a), do RDLPFP.
(2) No caso sub judice o recorrente impugna a sanção de suspensão pelo período de 1 jogo e a pena de multa de € 714, aplicada em virtude de ter pontapeado o braço do jogador ……………..
(3) No caso vertente está em causa o art. 151º, do RDLPFP, o qual, sob a epígrafe “Agressões a jogadores”, estatui o seguinte: “1. As agressões praticadas pelos jogadores contra outros jogadores são punidas: a) no caso de agressão, com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de um e o máximo de 10 jogos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 10 UC e o máximo de 100 UC; (…)”.
(4) In casu o recorrente alega que não existiu qualquer tipo de agressão, nem contacto físico relevante com o jogador adversário, mas apenas um contacto não intencional que se atém dentro da normalidade do jogo (ao pontapear a bola para fora das quatro linhas acertou inadvertidamente no braço do jogador n.º 49 da equipa adversária).
(5) No caso em apreciação o TAD julgou-se incompetente para decidir a questão subjacente aos presentes autos na medida em que a mesma emerge da aplicação das normas técnicas e disciplinares directamente respeitantes à prática da competição desportiva.
(6) No caso sub judice, e como acima referido, o recorrente invoca que não existiu qualquer tipo de agressão, nem contacto físico relevante com o jogador adversário, mas apenas um contacto não intencional que se atém dentro da normalidade do jogo (ao pontapear a bola para fora das quatro linhas acertou inadvertidamente no braço do jogador n.º 49 da equipa adversária).
(7) O mesmo ocorrendo no caso ora em apreciação – cfr., neste sentido, maxime os artigos 6º [“6. Sucede que, bastará atentar nas imagens do lance em questão juntas aos autos para facilmente constatar que não existe qualquer tipo de agressão, nem tão pouco contacto físico relevante entre o Demandante e o jogador adversário.” (sublinhado nosso)], 7º [“7. De facto, o que sucedeu – e que ali é perfeitamente visível – é que, no seguimento de uma jogada de disputa de bola (…)” (sublinhado nosso)], 18º [“18. Efectivamente, vistas e revistas as imagens, outra não poderá ser a conclusão senão a de que não se mostra preenchido um dos elementos objectivos típicos exigíveis pelo ilícito disciplinar imputado.” (sublinhado nosso)] e 34º [“estando, como se crê ficar demonstrado pelas imagens juntas aos autos, perante um contacto não intencional que se atém dentro da normalidade do jogo (…)” (sublinhado nosso)], da petição inicial apresentada perante o TAD.
(8) In casu o litígio submetido ao TAD reside em saber se, no jogo disputado em 23.5.2021, o recorrente pontapeou de forma intencional o braço de jogador ………….., o qual se encontrava caído no chão, juntamente com a bola, ou se, pelo contrário, ao pontapear a bola para fora das quatro linhas acertou inadvertidamente no braço desse jogador.
(9) No caso vertente a sanção – suspensão e multa decorrentes de, no jogo disputado em 23.5.2021, o recorrente ter pontapeado de forma intencional o braço de jogador ………., o qual se encontrava caído no chão, juntamente com a bola - encontra-se directamente ligada às questões técnicas (“leis”) do jogo e da competição.
(10) As quais são definidas pelo referido autor (Pedro Gonçalves, cit., pág. 56) nos seguintes termos: «Como se sabe cada modalidade desportiva tem as suas próprias regras (as chamadas “leis do jogo”); são, aliás, tais regras que permitem distinguir, entre si, as várias modalidades./ Prevê-se nelas, por exemplo, que “as equipas jogam com cinco jogadores”, que “a vitória vale três pontos”, que “a bola é redonda” ou que o jogador “não pode entrar de carrinho”.».
(11) No caso em apreciação um cartão vermelho.
(12) No caso sub judice o cerne do litígio reside em aferir do acerto do juízo (técnico) que considerou que o recorrente pontapeou de forma intencional o braço de jogador ……….., o qual se encontrava caído no chão, juntamente com a bola.
(13) No caso em apreciação, e como supra referido, a invalidação que o recorrente solicitou na petição inicial apresentada junto do TAD assenta na incorrecção do juízo (técnico e não jurídico) sobre a sua intencionalidade ao pontapear o braço do jogador ………, o qual se encontrava caído no chão, juntamente com a bola (pois o recorrente defende que, ao pontapear a bola para fora das quatro linhas, acertou de forma inadvertida no braço do referido jogador).
(14) In casu o fundamento, a razão de ser da invalidade da sanção assenta na afirmação de que o recorrente acertou de forma inadvertida, isto é, de forma não intencional no braço do jogador ………….. quando pontapeou a bola.