Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2505/19.0BELSB-A
Secção:CA
Data do Acordão:09/10/2020
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:PROCEDIMENTO CONCURSAL
ARRENDAMENTO DE IMÓVEL
Sumário:I. A experiência genérica dos candidatos em reabilitação urbana constitui um factor de avaliação da candidatura.
II. Não tendo sido indicada na candidatura a existência de experiência em reabilitação urbana, não pode o candidato vir invocar essa experiência em fase procedimental posterior, por tal importar uma alteração da candidatura inadmissível, violadora dos princípios da igualdade e da concorrência.
III. A decisão de admissão da candidatura apenas confere ao candidato a possibilidade de continuar no procedimento, podendo os vícios dessa decisão ser impugnados com o acto final do procedimento.
IV. Prevendo as normas do procedimento que os concorrentes devem emitir declaração expressa a assumir a obrigação de procederem à instalação da “C...” em metade da área do primeiro andar do prédio e ainda a obrigação de apresentarem um projecto de protocolo com as condições preferenciais e os descontos a conceder aos fregueses, não cumpre tal exigência o concorrente que apresentou uma declaração genérica em que referiu que “as demais condições contratuais terão em consideração o previsto no programa e caderno de encargos do procedimento para arrendamento.”.
V. A verificação de tais vícios, ainda que a título indiciário, como é próprio dos processos cautelares, obsta ao decretamento da providência cautelar peticionada por falta de preenchimento do requisito relativo ao fumus boni iuris previsto no n.º 1 do art.º 120.º do CPTA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul.
A sociedade B..., Ldª, Requerente no âmbito do presente processo cautelar, vem interpor recurso da sentença proferida no TAC de Lisboa que julgou improcedente:
- o pedido de suspensão de eficácia da deliberação de 22/11/2019, tomada pela Comissão de Análise, que propôs que se adjudicasse a proposta apresentada pela contra-interessada “O L... – Imobiliária, Ldª”;
- e ainda o pedido de suspensão de eficácia da deliberação da Junta de Freguesia de Galveias, datada de 03/12/2019, que adoptou tal proposta.
Apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso:

“11. A sentença recorrida deveria ter considerado provados os seguintes factos:
A – A Requerente enviou um e-mail em 18.10.2019, à Junta de Freguesia de Galveias solicitando informações sobre a “C...”:
“1. Qual o alcance do referido no n.º 13 do anúncio? O arrendatário vai reabilitar o imóvel mas não conhece o que o Senhorio pretende instalar nessa metade do 1º andar. Não existe qualquer caderno de encargos desta obra (dentro das obras de reabilitação). Caberá ao arrendatário deixar o espaço em condições do Senhorio entrar em obra e realizar as obras de adaptação ao fim pretendido ou é suposto o arrendatário realizar também estas obras (sobre as quais não são fornecidos dados)?
2. O que se pretende dizer como n.º 14 do anúncio? Pretende-se criar uma fração autónoma nesta metade do 1ª andar? Exclui-se este espaço do arrendamento?
3. Quem ficará responsável pelo espaço “C...”? Quem fica responsável pelos consumos da C...?».
B - A Requerida respondeu à Requerente por e-mail o seguinte:
“ Deverá ficar é um ónus criado sobre tal espaço do 1.º andar”
“A ideia é ser o arrendatário a realizar as obras e a propor uma intervenção para a C... que será coordenada com os serviços da Junta de Freguesia. O facto de não ser apresentado o Caderno de encargos para esse espaço tem a ver com o facto de que dependerá do uso que se pretenda dar ao edifício e da forma e proposta que seja apresentada para o espaço.
A ideia é que o arrendatário possa apresentar uma proposta de integração no projecto da “C...” que poderá ser de utilização comum ou independente. Deverá ficar é um ónus criado sobre tal espaço do 1.º andar
Todos os consumos energéticos e de água/esgotos serão da responsabilidade do arrendatário. Pretende-se que a gestão do espaço seja feita em parceria.” .
2. A fundamentação para estes dois factos consiste no teor dos próprios documentos e no acordo das partes.
3. A sentença recorrida deveria ter ainda considerado provado o seguinte facto:
C – O objecto social da Recorrente é a “Construção, remodelação, restauro, arrendamento e exploração de unidades hoteleiras”, como consta da certidão permanente junta com a sua candidatura ao procedimento concursal.
4. A sentença recorrida deveria ter considerado como não provado o seguinte facto:
«D - A Requerente, B..., Lda., é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à atividade de exploração e gestão hoteleira – acordo;».
5. Com efeito, o objecto social da sociedade comercial é o que consta do título constitutivo e do registo comercial.
6. Este facto só pode ser provado por documento e não admite prova por confissão (sendo certo que a Recorrente tão pouco confessou ter um outro objecto que não o constante no seu pacto. Social).
7. Assim, esse facto não deve ser considerado provado, até porque afronta e é contrariado pelo registo comercial da Recorrente, como consta da certidão permanente junta à candidatura e consta do Processo Administrativo.
8. A sentença recorrida fez incorrectas interpretação e aplicação do art. 120.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPTA ao considerar inexistir o requisito de fumus boni iuris
9. A sentença recorrida decidiu incorrectamente que a Recorrente violou o nº 11 do Anúncio do procedimento.
10. Com efeito, faz parte do objecto social da Recorrente a reabilitação urbana, que, como consta da candidatura, e da sua certidão comercial permanente que integra o PA , consiste em “Construção, remodelação, restauro, arrendamento e exploração de unidades hoteleiras”.
11. Portanto a douta sentença recorrida ao decidir que a proposta da Recorrente violou o ponto 11 do anúncio constitui um erro de qualificação jurídica do facto constante do registo comercial da recorrente e provado pela certidão comercial permanente, e violou os artºs 9º nº 1 –d) do Código das Sociedades Comerciais e do artº1º nº 1, 3º nº 1 – a), 11º e 13º nº 2 do Código do Registo Comercial e do artºs 371º nº 1 do Código Civil
12. Para além do mais, a Recorrente demonstrou na sua proposta que explora o B...hotel L..., num imóvel, cuja reabilitação, licenciamento e obra promoveu, demonstrado a sua experiência na reabilitação de imóveis.
13. Pelo que a experiência em reabilitação urbana da Recorrente (enquanto promotora/ Dona de Obra) foi demonstrada documentalmente na sua proposta contratual.
14. Acresce que o objecto do procedimento concursal é o arrendamento de um imóvel e não de um contrato de empreitada!
15. Sendo que o arrendatário se compromete, além do valor de renda, a executar uma obra de reconstrução, podendo recorrer para o efeito recorrer a arquitetos e empreiteiros para executar a obra (como demonstrou que já fez anteriormente com muito sucesso).
16. Não é condição do concurso que os candidatos fossem empresas de construção civil com alvará de construção nem essas empresas têm qualquer nenhum interesse em arrendar este imóvel pois não está sequer no seu escopo o subarrendamento ou exploração turística.
17. O facto de constar do seu objecto social essa actividade (construção, remodelação e restauro de imóveis), não é de per si, habilitante.
18. O anúncio não diz, nem prevê de que forma se demonstra a experiência em reabilitação urbana.
19. Esta condição não é excludente nem é motivo de exclusão, por tal previsão não constar das peças concursais.
20. A Contra-interessada não demonstrou (nem podia) ter experiência em reabilitação urbana (uma vez que não tem qualquer pessoal nos seus quadros).
21. A douta sentença recorrida violou disposto no artº 70º nº 1 – al. a) do CCP, ao não reconhecer tal vício de que padece o acto suspendendo, bem como os artº 75º nº 1 – a) do CCP e o art. 53º nº1 alínea a) da Diretiva 2004/18.
22. A sentença recorrida, violou, finalmente, o artº 13º da Constituição ao não reconhecer que os actos impugnados violaram o princípio da igualdade.
23. O facto de a Recorrente dizer que “As demais condições contratuais terão em consideração o previsto no programa e caderno de encargos do procedimento para arrendamento.”, significa que declarou na sua proposta que aceitava todas as condições decorrentes do anúncio!!
24. A Recorrente diz expressamente que considera/aceita/respeita todas as condições previstas no programa e caderno de encargos do procedimento, sem as concretizar, pois quase todas carecem de definição.
25. A Requerente aceitou todas as condições previstas no programa e caderno de encargos do procedimento, sem as concretizar pois quase todas carecem de definição.
26. Os concorrentes não podem ser excluídos do procedimento concursal por falta de determinação do objecto da cláusula do caderno de encargos e anúncio, referente à “C...”.
27. A sentença recorrida fez incorrectas interpretação da proposta contratual da Recorrente ao decidir que os requisitos enunciados nos pontos 12., 13. e 14. do Anúncio não foram cumpridos, pois não foi feita declaração expressa de aceitação de todas as condições, nem apresentada proposta em respeito pelos termos especificamente determinados nas peças procedimentais, pelo que, também por esta razão, se conclui que a proposta foi validamente excluída.
28. Não foi a Recorrente que se deixou de pronunciar sobre esse parâmetro do caderno de encargos.
29. As peças concursais são totalmente omissas na definição do protocolo para a C....
30. Na resposta ao pedido de esclarecimentos a Recorrida admitiu que a ideia é que o arrendatário (que não se confunde com o candidato) possa apresentar uma proposta de integração do projecto da “C...” … logo poderá vir a determinar-se que ser a Freguesia de Galveias a vir a fazê-lo!
31. Alias, a cláusula 12 do anúncio já referia que deverá ser criado um protocolo com condições referenciais e descontos com a Junta de Freguesia, para residentes na Freguesia de Galveias em caso do destino do edifício ser o alojamento urbano.
32. Portanto esta cláusula é uma cláusula condicional, que aponta para um momento futuro (posterior ao momento da candidatura).
33. A Recorrida não indicou qual o(s) destino(s) aceite(s) para o edifício no procedimento.
34. Cabia à Recorrente tão somente e apenas dizer expressamente que respeitaria as condições previstas no anúncio e procedimento, o que inclui a C....
35. As cláusulas referidas do anúncio nos artigos 13º e 14.º nada estabelecem, quanto ao seu objecto, sendo este absolutamente indeterminado.
36. Esta circunstância afecta a determinabilidade do objecto dessas cláusulas do Contrato, no que respeita ao que se pretende fazer na C....
37. Mas, essa indeterminação, não afecta a validade do mesmo, pelo que o concurso mantém-se válido.
38. O que sucede é que não pode a entidade adjudicante exigir mais do que aquilo que consta das peças concursais.
39. A Recorrida auto-vinculou-se às exigências e requisitos que propôs nas peças concursais.
40. Deste modo, não pode exigir mais aos concorrentes do que aquilo que ela própria estabeleceu.
41. Apenas se consideram nulos os negócios jurídicos de objecto indeterminável, mas não os de objecto indeterminado.
42. Neste contexto, “a determinabilidade subsequente terá de advir da existência de um critério objectivo, legal ou negocial, que permita estabelecê-la, ou seja, que permita fixar ou estabelecer o conteúdo da prestação ou demarcar/individualizar o seu objecto e respectivos termos e limites.
43. Apesar de inexistir vício procedimental, subsiste facto gerador de indeterminabilidade da cláusula, o que apesar de ser válido, não pode servir para prejudicar os concorrentes.
44. Não podia ocorrer a exclusão da Requerente do procedimento concursal, quando a entidade adjudicante é que prevaricou ao não determinar o objecto da referida cláusula procedimental.
45. A sentença recorrida incorreu em violação do art. 120.º, n.º 1, in fine CPTA. ao decidir não ser provável que a pretensão formulada pela Recorrente no processo principal venha a ser julgada procedente, não se considerando verificado o critério de decisão fumus boni iuris consagrado no art. 120.º, n.º 1, in fine CPTA.
46. In casu verifica-se o critério de decisão fumus boni iuris consagrado no art. 120.º, n.º 1, in fine CPTA.
47. Deve ser anulada a sentença recorrida e ser concedida e decretada a providência cautelar uma vez que se verificam em concreto e de forma cumulativa os critérios de decisão periculum in mora e fumus boni iuris.
48. Está verificado, também, o requisito negativo a que se refere o n.º 2 do art. 120.º do CPTA - o critério de proporcionalidade ou ponderação de interesses.
49. Verificando-se em concreto os requisitos legais para a concessão da tutela cautelar peticionada, deve ser anulada a sentença recorrida e ser deferido o pedido de suspensão de eficácia da decisão suspendenda.
50. A sentença recorrida violou os artºs art. 120.º, n.º 1, in fine e nº 2 CPTA, o artº 70º nº 1 – al. a) do CCP, ao não reconhecer tal vício de que padece o acto suspendendo, bem como os artº 75º nº 1 – a) do CCP e o art. 53º nº1 alínea a) da Diretiva 2004/18 e ainda os artºs 9º nº 1 –d) do Código das Sociedades Comerciais e do artº1º nº 1, 3º nº 1 – a), 11º e 13º nº 2 do Código do Registo Comercial e do artºs 371º nº 1 do Código Civil e o artº 13º da Constituição o artº 96.º, n.º 1, alínea c) do CCP, o artigo 280.º, n.º 1, parte final do Código Civil, e os artºs artº 3º, 6º, 8º, 10º, 11º CPA.

A Freguesia de Galveias, ora Recorrida, apresentou contra-alegações em que se limita a pedir que seja declarada a improcedência do recurso.


A contra-interessada apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso:
I. O presente Recurso, que por via da presente Resposta às Alegações, subsidiariamente, se amplia nos termos do artigo 636º do CPC, tem por objecto a impugnação da Douta Sentença proferida que indeferiu a providência requerida.
II. Cumpre, primeiro, dizer, quanto ao efeito do recurso que, contrariamente ao requerido pela Recorrente, deverá ao Recurso ser fixado o efeito meramente devolutivo previsto no artigo 143º nº 2 al. b) do CPTA
III. Começa o Recorrente por impugnar a decisão de facto, sustentando uma imprecisão na sentença quanto ao seu objecto social. Ora, desde logo, a experiência em reabilitação urbana não resulta de um objecto social que inclui construção, remodelação e restauro.
IV. O que o procedimento exigia era antes a demonstração (por qualquer meio, não distinguindo as peças do procedimento) da experiência em reabilitação urbana, o que o Recorrente não fez na proposta e a aqui Alegante cuidou de fazer.
V. Sabendo que tal argumento não bastaria vem o Recorrente, de forma confusa, procurar sustentar que a experiência em reabilitação urbana teria de ser alvo de apreciação em sede de habilitação (parece-nos que se pretendia referir a uma fase de qualificação), invocando não ser a experiência um atributo da proposta e ser tal exigência ilegal.
VI. Ora como consta das Peças do Procedimento ao Contrato a celebrar é aplicável o regime do arrendamento Urbano e ao Procedimento é aplicável, com as necessárias adaptações, o Regime do Património Imobiliário Público (artigo 96º a 104 do D.L. n.º 280/2007, de 07 de Agosto, que se aplicam a vendas de imóveis do Estado e Institutos Públicos e não a arrendamentos de Autarquias, sendo o procedimento do arrendamento o do artigo 59º, também ele aplicável apenas ao Estado e Institutos Públicos)
VII. O Contrato a celebrar é assim um contrato de arrendamento (Locação ou oneração de imóvel) que tem por contraprestação do prazo de duração a obrigação de pagar uma renda e realizar e suportar a intervenção de que o prédio necessita, diga-se, urgentemente.
VIII. Daqui resulta, desde logo, que não é aplicável ao contrato a celebrar o código dos contratos públicos, nem ao regime do contrato que não é por isso, administrativo, mas privado, nem ao procedimento de contratação, tudo como resulta do artigo 4º nº 2 al. c), que afirma que o código não é aplicável a contratos de arrendamento ou similares.
IX. A única Lei, especial, aplicável a este procedimento é o regime da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro de onde resulta ser competência da autarquia a definição das condições de oneração de imóveis. Tudo tal como foi aplicado pela Entidade Adjudicante e tal como lhe é imposto pelo artigo 201º nºs 2 e 3 do CPA e seguintes, ou seja, a Entidade Adjudicante era livre de construir o procedimento, desde que respeitasse os princípios do RJPIP e CPA, que, no essencial, são os mesmos e que foram integralmente respeitados.
X. Acresce que, pelo mesmo motivo, não é aplicável a remissão feita pelo artigo 104º nº 2 do RJPIP para a contratação pública pois o diploma para que aquela norma remetia já foi revogada, vigorando hoje o artigo 4º nº 2 al. c) do código dos contratos públicos, que afirma que o código não é aplicável a contratos de arrendamento ou similares .
XI. Assim a Entidade Adjudicante fixou as Condições quanto à execução do arrendamento e empreitada, a que pretendia que os Concorrentes se vinculassem na sua proposta. Nesta medida a Entidade Adjudicante consagrou, como único factor do critério de avaliação o valor de renda a pagar e como especificidades ou condições relativas a aspectos de execução do contrato de arrendamento, com pagamento de preço e obra, não submetidas à concorrência;
i. A realização das obras de reabilitação urbana, em conformidade com o ordenado pela CML e Conservação do Património Classificado.
ii. Para as quais deveria o Concorrente demonstrar experiência em reabilitação urbana;
iii. Destacando ainda a utilização a dar ao primeiro andar, que teria de ficar afecto à C...;
iv. E o Protocolo a celebrar com condições de alojamento para os Fregueses.
XII. Condições estas que, como bem concluiu a sentença em reapreciação, a Junta de Freguesia densificou, de forma bastante nas peças, o que fez fundamentadamente e não de forma arbitrária, como pretende o Recorrente, nos números 1, 2, 11 a 14 do Anúncio, 1, 3, 7, 9 e 9.4 al. a) a e) do Caderno de Encargos, devendo as Propostas incidir sobre tais especificidades da obra de reabilitação e também especificidades e condições do arrendamento referidas no programa e caderno de encargos, como resulta do nº 6 do Programa.
XIII. Condições e especificidades da execução do Contrato que, ao contrário do
pretendido pela Recorrente, se verificaram apenas quanto à Proposta da Contra-Interessada, aqui Alegante, motivo pelo qual a Recorrente foi, e bem, excluída por incumprimento do Ponto 6.1 al. a) do Programa, 2, 10 e 11 do Anúncio e 3.2 e 9.2 e 9.4 do caderno de Encargos e bem andou a sentença recorrida que o confirmou indeferindo o procedimento porque sempre faleceria a acção principal que tivesse tal invalidade por objecto.
XIV. Exactamente por não ter demonstrado a Recorrente na sua proposta a experiência em reabilitação urbana e, mais, porque a proposta propunha uma ligação via um “buraco” no Rés do Chão a ligar ao prédio vizinho e ainda uma ligação à Cave do B... Hotel a levar a cabo no Logradouro do Prédio a concurso violando também, por essa via, o caderno de encargos quando este exige nos pontos 3.2 que seja respeitada a estrutura do edifício, ou no Ponto 9.2 quando este exige que a obra seja realizada sem impacto nos prédios vizinhos, bem como o nº 2 do Anúncio que exige que seja respeitada a traça do edifício e, por fim, o nº 10 que proíbe a cessão de utilização, ainda que os beneficiários efectivos sejam os mesmos.
XV. Assim, contrariamente ao pretendido pelo Recorrente, nem todas as condições têm de corresponder a factores de avaliação da proposta, sendo algumas delas apenas condições, cuja vinculação ou adesão do concorrente teria de constar da sua proposta como exigido no Ponto 6 do Programa.
XVI. Tudo, aliás, como, se aplicável, seria permitido pelo Código dos Contratos Públicos tal como resulta do artigo 70º nº 2 al. a) e 57º nº 1 al. c).
XVII. Mais, no procedimento em análise, não estando este ao abrigo do CCP ou do RJPIP, ao contrário do pretendido pela Recorrente, não haveria que prever obrigatoriamente uma fase de qualificação em que os candidatos demonstrassem a sua capacidade técnica para execução da empreitada.
XVIII. Mesmo em sede de contratação pública, nada impede que um concorrente a um procedimento de arrendamento, em que a obrigação além do pagamento da renda é realizar uma intervenção e conservação do imóvel arrendado, veja a sua proposta excluída se não tiver e não demonstrar na proposta, a experiência necessária para executar o concreto contrato, sendo esta condição de execução do mesmo.
XIX. Neste sentido o Ac. Acórdão Beentjes6 e Ac. Renco 7, assim, a admissibilidade da consagração da experiência e das qualificações do pessoal enquanto fator de densificação do critério de adjudicação (e não só de Qualificação) foi sempre sendo admitida na jurisprudência da União Europeia,
XX. Mais recentemente o Acórdão Lianakis8 não proibiu a avaliação de aspetos relacionados com a experiência, mas apenas e só na medida em que tal experiência respeitasse a uma qualidade do concorrente sem qualquer relação com a proposta. Esta interpretação veio a ser definitivamente consolidada pelo TJUE com o Acórdão Ambisig9.
XXI. São exactamente estas as conclusões espelhadas no artigo 67.º, n.º 2, al. b) da Diretiva 2014/24 e, consequentemente, no artigo 75.º, n.º 2, al. b) do CCP, na
redação conferida pelo DL 111-B/2017, que transpõe aquela.
XXII. Ora resulta claro, no caso em apreço, que considerando estar-se na presença de um imóvel classificado, com elementos patrimoniais a preservar, de relevante interesse público, numa Zona de Protecção (Avenida da L...) e na
presença de uma obra urgente, tinham os concorrentes, nas propostas de execução do contrato, de demonstrar a sua experiência em obras de reabilitação, sendo esta uma condição de execução daquele contrato.
XXIII. Motivo pelo qual, bem andou a sentença recorrida ao concluir que sempre teria de improceder a declaração de ilegalidade da adjudicação provisória com fundamento na exclusão ilegal do Recorrente que, ao contrário do exigido pelo caderno de encargos, nos termos legalmente permitidos, não demonstrou a experiência na sua proposta.
XXIV. Por outra via ainda, vem o Recorrente impugnar a decisão de facto, sustentando que devia ter sido dada por provada ou transcrita, para a matéria assente, o pedido de esclarecimentos por si colocado à Junta de Freguesia. Ora, a resposta dada pela Junta de Freguesia já consta da matéria de facto provada! Não se vê assim, e o Recorrente não explica, qual o relevo de a sua pergunta integrar a matéria de facto, tendo a decisão proferida incluído na matéria assente a resposta da Junta, nada havendo a alterar na decisão proferida.
XXV. Mais, como antes se viu, a Junta de Freguesia desenhou um procedimento concorrencial com um critério de adjudicação (mais alto valor de renda) e várias condições a que pretendeu que os concorrentes se vinculassem uma vez que sendo o prédio classificado como de interesse público, seria fundamental manter a sua estrutura, autonomia, elementos e traça.
XXVI. Condições essas a que exigiu que os concorrentes, de forma expressa, se
vinculassem, o que o recorrente não fez, tendo-se limitado a declarar que: “as demais condições contratuais terão em consideração o disposto no programa e no caderno de encargos”
XXVII. Com efeito, o contrato de arrendamento a celebrar e a executar ficaria condicionado a limitações ou ónus, condições essas resultantes dos Pontos 12, 13 e 14 do Anúncio e 9.4 als b) c) e e) que teriam de ser aceites, destacadas e densificadas na proposta. O que o Recorrente não fez!
XXVIII. Resulta claro que “salvaguardar alguns espaços ao nível do 1º andar, atribuindo a utilização para salas de estar ou Biblioteca do Hotel (O B...)”, não é
atribuir espaço no 1º andar à C.... O que, como bem concluiu a sentença em reapreciação, não basta, sendo manifesto que o Recorrente violou o disposto no 6.1 al. b) do Programa, ao não sujeitar o arrendamento às condições (ónus) exigidos pelo contrato de arrendamento a celebrar, a que a proposta se tinha de vincular.
XXIX. O que não fez, não assumindo tal compromisso, não se vinculando a esse aspecto essencial da execução do contrato. Sendo que conhecia as peças, conhecia o testamento e obteve esclarecimentos da Junta a esse respeito que esclareceu que tal teria de constar da proposta.
XXX. Carecendo de sentido, e sendo pouco adequada, a tentativa do Recorrente de interpretar a resposta da Junta como se apenas o arrendatário, depois de celebrado o contrato, devesse apresentar proposta a tanto destinada e não o concorrente na proposta.
XXXI. O mesmo se diga quanto ao Protocolo a celebrar com condições especiais de alojamento para os residentes na Freguesia, caso o destino do prédio fosse o alojamento. Nenhuma vinculação consta da proposta a este respeito, não se vinculando o Recorrente a cumprir uma especificidade ou condição do contrato de arrendamento a executar.
XXXII. Carecendo de sentido o ensaio feito pelo Recorrente a propósito de um Hotel não ser destinar o prédio a alojamento (nesse sentido o que resulta do artigo 2º do Regime Jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março).
XXXIII. Mais, sendo a proposta do Recorrente, de ali, naquele prédio, dedicar-se ao alojamento ( como expressamente declarou), via ampliação do Hotel B..., haveria que incluir na sua proposta, destacando-o e densificando-o, o Protocolo a celebrar, a que ficaria vinculado, o que não fez!
XXXIV. Ainda, como bem concluiu a sentença recorrida, carece de fundamento o recurso ao regime do artigo 280º do Código Civil e artigo 96º do CCP a título de fundamentar a nulidade do procedimento e da exclusão (mas já não, segundo o Recorrente, do contrato dali resultante a celebrar pois aqui já o regime lhe não convém, uma vez que quer celebrar o contrato!) pois, como resulta claro, o caderno de encargos do procedimento (e restantes peças) tem o essencial do contrato de arrendamento a celebrar, de forma perfeitamente inteligível, mediante preço a pagar e empreitada, e sujeição da execução do contrato a um conjunto de condições (experiência, ocupação do 1º andar para a C... e Protocolo de Alojamento).
XXXV. Sustenta ainda o Recorrente o vício do procedimento decorrente de violação do artigo 13º da CRP por, em anteriores procedimentos (que não conduziram à Adjudicação), terem sido admitidas propostas que não demonstravam a experiência ou ter ali sido o Recorrente admitido e ainda por Vícios decorrentes da violação da Protecção da Confiança nos termos do artigo 266º nº 2 da CRP e, ainda, por violação dos artigos 3º, 6º, 8º, 10º, 11º do CPA.
XXXVI. Carece de fundamento tal alegação que é, além do mais, genérica, pois não se entende como, quando e onde entende o Recorrente terem sido tais preceitos violados. No entanto, a verdade é que o não foram, nem princípios, nem
preceitos, nem esses nem os outros a que a Junta estava obrigada. Como se viu, a Entidade adjudicante cumpriu a Lei nos temos do artigo 3º do CPA, não estando
vinculada a qualquer procedimento legal que, por esse motivo construiu por remissão e adaptação de normas.
XXXVII. Mais, a Junta cumpriu qualquer princípio de procedimento aberto ou de concorrência, publicidade, abertura e transparência, tendo publicado anúncio dando a conhecer ao mercado as condições em que se propunha contratar, que esclareceu quando questionada e, por fim, de acordo com estas regras e obrigações, excluiu, em tudo tendo respeitado integralmente o disposto nos artigos 41º e 2º a 10º do RJPIP.
XXXVIII. Lido o anúncio e as peças do procedimento, qualquer confiança a tutelar sempre seria aquela fundada nas peças do concreto procedimento e do concreto contrato a celebrar. Ora, como já se viu, as condições em que a Junta se propunha
contratar foram levadas ao conhecimento de todos, resultando estas do anúncio e
do caderno de encargos. Por fim, a Junta prestou os esclarecimentos solicitados,
sendo manifesta a boa-fé com que a actuou cumprindo os artigos 8º, 10º e 11º do
CPA XXXIX. Logo, a proposta do Recorrente foi excluída porque não cumpriu as condições que resultam das peças e nas quais poderia ter fundado a sua confiança na Administração, razão pela qual carece de sustento a violação do artigo 266º nº 2 da CRP e 8º, 10º e 11º do CPA.
XL. O mesmo se diga do Princípio da Igualdade previsto no artigo 6º do CPA e 13º da CRP. A violação do princípio invocado decorre, na perspetiva da Recorrente, de a situação da Recorrente, definida à luz das normas do procedimento de hoje, aqui
impugnadas, ter sido objeto de um tratamento diferente do conferido a situação que reputa de idêntica, em procedimento anterior, à qual entende que foi aplicado
outro regime.
XLI. Ora a questão da igualdade apenas se coloca no mesmo procedimento, com as mesmas regras, entre concorrentes diferentes e não em procedimentos distintos em anos distintos. Pois, o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, impede que uma dada solução normativa confira tratamento substancialmente diferente a situações, no essencial, semelhantes.
O que não é o caso, motivo pelo qual, também aqui, andou bem a sentença recorrida.
XLII. Pelos motivos que se deixaram expostos não merece a sentença censura na medida em que indefere a providência cautelar requerida. No entanto, entendendo-se que a mesma merece censura e julgando-se procedente o Recurso, a Recorrida, a título subsidiário, ampliou o objecto do recurso, impugnando a decisão proferida quanto à verificação da existência do periculum in mora que a sentença deu por verificado e com o qual, respeitosamente, se não concorda.
XLIII. Desde logo, incumbia ao Recorrente da providência o ónus de alegar e provar a matéria de facto integradora do periculum in mora (através de factos ou circunstâncias suficientemente determinadas que, segundo um juízo de normalidade e pelas regras de experiência comum, abarquem a situação de perigo justificativa da concessão da medida pretendida), não podendo o tribunal substituir-se, a não ser na atendibilidade de factos instrumentais que resultem da instrução e discussão.
XLIV. Ora, da instrução e discussão não resultaram factos instrumentais para o Tribunal concluir como concluiu pela existência de perigo na demora. Desde logo os factos alegados pelo Recorrente (e dados por verificados em sede de fundamentação da sentença recorrida, apenas aqui) não têm acolhimento em nenhum dos 24 factos julgados provados na sentença,
XLV. Assim, não se vê como pode a sentença concluir que “Em causa está, portanto, o planeamento e projeção de um investimento de grandes dimensões, que apenas fará sentido ser executado em prédio confiante e que terá por base a mão de obra e os serviços ao dispor da Requerente à data, não se vislumbrando que a Requerente possa vir a ter oportunidade semelhante em momento posterior”, devendo, como tal, ser revogado este segmento da decisão recorrida por inexistência de matéria de facto e prova que a sustente ( levada a matéria assente).
XLVI. Mais, as afirmações do Recorrente não passam de considerações genéricas ou abstractas sobre prejuízos irreparáveis mas que na realidade não são prejuízos
porque ainda não ocorreram nem ocorrerão, nem pode caber aqui a perda de investimentos ou lucros que o Recorrente não quantificou e, menos ainda, demonstrou.
XLVII. Cabia, pois, ao Recorrente o ónus do oferecimento de prova do prejuízo de que depende a suspensão, o que não fez, inexistindo matéria de facto provada na
sentença a tal respeito, não podendo por isso a sentença dar por verificado o perigo na demora, como deu, devendo por isso ser, nessa parte, revogada.
XLVIII. Por fim, não tendo a sentença em reapreciação apreciado o disposto no artigo 120º nº 2 do CPTA, sempre a providência requerida terá, por esta via, em sede de reapreciação, de ser julgada improcedente pois, como assente na sentença, está pendente processo de intimação para execução, urgente, de obras de conservação do imóvel, existindo risco de aplicação de coima e ainda de tomada de posse administrativa para realização da intervenção necessária e risco de ruína do prédio ou parte dele que acarreta risco de vida para ocupantes arrendatários do prédio e transeuntes (o prédio dá para a Av. Da L...).
XLIX. O que basta para demonstrar o superior interesse da execução imediata do contrato de arrendamento, com execução imediata da empreitada de reabilitação, não sendo estes danos residuais mas reais e atestados por terceiro ao litígio (a CML) e ( estes sim) assentes nos autos, razão pela qual, também por aqui tem de falecer a pretensão de suspensão deduzida pelo Recorrente, sendo os danos que visa acautelar muito inferiores aos que o não deferimento assegura.
Nestes, e nos melhores Termos Doutamente supridos por V. Exas., deve a Decisão de indeferimento da Providência ser mantida, indeferindo-se o presente Recurso, ou, assim não se entendendo, por via da ampliação requerida e de falta de prova do prejuízo ou da apreciação do disposto no artigo 120º nº 2 do CPTA, deve a providência requerida pela Recorrente ser, de novo, indeferida.”

A Recorrente veio defender a improcedência do pedido de ampliação do recurso, apresentado pela contra-interessada e terminou pugnando pela procedência do recurso.

O Digníssimo Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 146.° do CPTA, emitiu douto parecer em que conclui no sentido da improcedência do recurso, por entender que não é provável que a pretensão deduzida no processo principal venha a ser julgada procedente.

Objecto do recurso.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º, nº 2, e 146º, nº 4, do CPTA e dos artigos 5º, 608º, nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, ex vi art.º 140º do CPTA.
Há, assim, que decidir, perante o referido nas conclusões das alegações de recurso se:
- é de alterar a decisão da matéria de facto nos termos requeridos;
- a sentença recorrida deve ser revogada por sofrer do erro de julgamento que lhe é imputado por, ao contrário do decidido, se dever dar por preenchido o requisito relativo ao fumus boni iuris.
Verificando-se o referido requisito, haverá que conhecer do pedido de ampliação do recurso deduzido pela contra-interessada, ora Recorrida, em que impugna a sentença recorrida na parte em que deu por preenchido o requisito relativo ao periculum in mora e defende que o decretamento da providência cautelar também não é consentido pela ponderação de interesses a que se refere o n.º 2 do art.º 120.º do CPTA.

Com dispensa de vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, vem o processo à Conferência para julgamento.

Fundamentação.
De facto.
O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

1. A Requerente, B..., Lda., é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à atividade de exploração e gestão hoteleira – acordo;

2. Em 10.10.2019, a presidente da Junta de Freguesia de Galveias tornou público que, em reunião ocorrida em 29.08.2019, esta Junta de Freguesia decidiu proceder ao arrendamento urbano para fins habitacionais e não habitacionais (comércio e serviços) do prédio urbano, propriedade da Freguesia de Galveias, sito na Av. da L..., com os números de polícia 15 a 27, em Lisboa, nos termos constantes do procedimento para arrendamento – constituído pelo anúncio, programa e caderno de encargos, que aqui se dão integralmente por reproduzidos –, mediante anúncio com o seguinte teor:
“(…) 1. O arrendamento será celebrado com prazo certo, pelo prazo de 30 (trinta) anos, tendo o arrendatário preferência na negociação e adjudicação de novo contrato de arrendamento relativo ao mesmo prédio, findo o prazo do mesmo;
2. O referido arrendamento tem como finalidade a reabilitação do edifício para alojamento, exploração turística, lojas para comércio, ou outra finalidade, desde que seja respeitada a traça original do edifício;
3. O valor da renda será de €300.000,00 (trezentos mil euros)/ano, abaixo deste valor não se aceitam propostas;
4. As propostas devem ser apresentadas em carta fechada, na Sede da Junta de Freguesia de Galveias, até às 17H00 do dia 4 de novembro de 2019;
5. A abertura das propostas realizar-se-á no dia 5 de novembro de 2019…
6. O arrendamento será adjudicado à maior oferta;
7. Os candidatos deverão apresentar, como condição para se propor a concurso, cheque bancário visado no montante de €500.000,00… a título de pagamento inicial, à ordem da Junta de Freguesia de Galveias, sendo que aos concorrentes não vencedores o mesmo será devolvido, no prazo de 10 (dez) dias após a adjudicação definitiva; (…)
11. Os concorrentes devem comprovar a existência de experiência em reabilitação urbana;
12. Deverá ser criado um protocolo com condições preferenciais e descontos com a Junta de Freguesia, para residentes na Freguesia de Galveias em caso do destino do edifício ser o alojamento urbano;
13. Por determinação da cláusula testamentária, fica o arrendatário vinculado a instalar “A C...” em metade da área do primeiro andar do prédio;
14. Para o efeito deverá ser destacado o referido na cláusula anterior;
15. As obras de reabilitação do edifício serão acompanhadas pela Junta de Freguesia e por um técnico por si a designar para o efeito;
(…)
18. Ao contrato de arrendamento é aplicável a lei civil, nomeadamente a Lei do Arrendamento Urbano, em conformidade com o disposto no art. 126.º do Decreto-Lei n.º 280/2007, de 07/08 (…)”
– cfr. Anúncio do procedimento para arrendamento do prédio urbano sito na Av. L... n.ºs 15-27, em Lisboa, junto a fls. 93 ss SITAF;

3. O arrendatário fica vinculado, por determinação da cláusula testamentária, a instalar a “C...” em metade da área do primeiro andar do prédio, o que deverá ser destacado, tendo ainda a obrigação de criar um protocolo com condições preferenciais e descontos com a Junta de Freguesia, para residentes na Freguesia de Galveias em caso do destino do edifício seja o alojamento urbano – cfr. ponto 9.4 do Caderno de Encargos junto a fls 216 ss e 400 ss SITAF;

4. Do programa do procedimento por negociação para arrendamento consta, designadamente – e para além do mais que se dá integralmente por reproduzido –, o seguinte:

“(…) 6. PROPOSTAS
6.1. As propostas devem incidir sobre:
a) As obras de reabilitação a realizar pelo arrendatário, custo das mesmas, prazo de execução e outras especificidades referidas no presente programa e caderno de encargos;
b) Arrendamento, nomeadamente, o valor da renda anual proposto e restantes especificidades sobre as condições do arrendamento referidas no presente programa e caderno de encargos.
(…)
7. CRITÉRIOS DE ADJUDICAÇÃO
O arrendamento será adjudicado ao candidato que apresente o melhor valor de renda anual, no cumprimento dos prazos definidos no ponto 12.6 do presente programa.
8. DOCUMENTOS DE HABILITAÇÃO DOS CANDIDATOS
8.1. Todos os candidatos deverão apresentar obrigatoriamente os seguintes documentos, sob pena de exclusão:
a) Declaração, sob compromisso de honra, elaborada nos termos da minuta constante do Anexo II ao programa;
b) Tratando-se de pessoas coletivas sujeitas a registo comercial…certidão permanente do registo comercial…
c) Cópia do cartão de cidadão, bilhete de identidade ou passaporte…para os candidatos pessoas singulares…
10. CAUSAS DE EXCLUSÃO
a) A não apresentação de qualquer um dos documentos exigidos no ponto 8.
b) A prestação de falsas declarações ou a falsificação dos documentos apresentados, sem prejuízo da participação criminal à entidade competente para o efeito.
(…)
22. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
22.1 Ao presente procedimento é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 96.º a 104.º do Decreto-Lei n.º 280/2007, de 07/08…
22.1 Ao contrato de arrendamento é aplicável a lei civil, nomeadamente a Lei do Arrendamento Urbano, em conformidade com o disposto no art. 126.º do Decreto-Lei n.º 280/2007 de 08/07 (…)”
– cfr. Programa do procedimento por negociação para arrendamento do prédio urbano sito na Av. L... n.ºs 15-27, em Lisboa, junto a fls. 47 ss SITAF;
5. Em 18.10.2019, a Requerente enviou e-mail à Junta de Freguesia a solicitar informações sobre a “C...”, tendo-lhe sido comunicado o seguinte:

“(…) A ideia é ser o arrendatário a realizar as obras e a propor uma intervenção para a C... que será coordenada com os serviços da Junta de Freguesia. O facto de não ser apresentado o Caderno de encargos para esse espaço tem a ver com o facto de que dependerá do uso que se pretenda dar ao edifício e da forma e proposta que seja apresentada para o espaço.
A ideia é que o arrendatário possa apresentar uma proposta de integração no projeto da “C...” que poderá ser de utilização comum ou independente. Deverá ficar é um ónus criado sobre tal espaço do 1.º andar… Pretende-se que a gestão do espaço seja feita em parceria (…)”
cfr. ata da reunião da Comissão após audiência prévia as concorrentes sobre o procedimento para arrendamento do prédio urbano sito na Av. da L..., nrs. 15 a 27, junto a fls. 110ss SITAF, que se dão integralmente por reproduzidas;

6. Em 04.11.2019, a Requerente apresentou proposta, no âmbito do procedimento referido no ponto antecedente, da qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…) A proposta é efetuada tendo em consideração o teor do V/ Anúncio de 10.10.2019 e ainda o teor do programa e do caderno de encargos do procedimento para arrendamento.
Proposta de arrendamento:
Obras de reabilitação preconizadas, custo provisional e prazo de execução previsto, encontram-se vertidas na memória descritiva que se anexa à presente proposta.
A Renda anual proposta é de €380.000,00…

O Contrato será celebrado pelo prazo certo de 30 anos.

As demais condições contratuais terão em consideração o previsto no programa e caderno de encargos do procedimento para arrendamento.
Acompanha a presente proposta um cheque visado no valor de €500.000,00 à ordem da Junta de Freguesia de Galveias (…)”
– cfr. Proposta de arrendamento junta a fls. 96 ss SITAF;

7. A proposta contratual apresentada pela Requerente é acompanhada de um cheque visado no valor de €500.000,00 à ordem da Junta de Freguesia de Galveias, de uma declaração onde identifica como objeto social sociedade a “construção, remodelação, restauro, arrendamento e exploração de unidades hoteleiras”, bem como de uma memória descritiva, designadamente, com o seguinte teor – para além do mais que se dá integralmente por reproduzido:

“(…) O presente documento refere-se à descrição das obras de reabilitação a levar a cabo, no edifício localizado nos números 15 a 27 da Av. da L... em Lisboa, propriedade da Junta de Freguesia de Galveias…
(…) O estado de conservação do edifício foi classificado na sua generalidade como «mau», contudo «recuperável», de acordo com a informação n.º 2075/EXO/2016 elaborada pela C.M.L.
(…) Propomos implementar no edifício em análise, um programa hoteleiros com a classificação de 4 estrelas, no sentido de ampliar o programa do edifício adjacente noroeste, o B... Hotel.
Tratando-se de um edifício classificado como “Bem de Valor Patrimonial Relevante” no “P.U.A.L.Z.E.” da C.M.L., a intervenção irá procurar integrar o programa proposto de modo a respeitar a preexistência considerando a riqueza de alguns elementos arquitetónicos presentes no edifício.
(…) Pretende-se estabelecer uma ligação ao nível do R/C ao edifício do B... Hotel, para os clientes, na zona do lobby. Propõe-se igualmente a construção de uma escada e monta-cargas de serviço para abastecer a ligação à cave do B... Hotel, construção a ter lugar na zona do logradouro do edifício da J.F. das Galveias de modo a não construir nenhuma zona enterrada n interior deste edifício.
(…) propomos a salvaguarda integral de alguns espaços do 1.º andar, atribuindo a utilização dos mesmos para salas de estar ou biblioteca do Hotel, em memória da vivência do proprietário inicial do edifício.
(…) Estima-se que as obras poderão ascender a €2.000.000,00… Estima-se que o prazo de execução da obra será de 24 meses (…)”.
– cfr. fls. 98 e 100 e 102ss SITAF;

8. Pese embora a Requerente tenha pedido à entidade Requerida o esclarecimento mencionado no ponto 5. e obtido o mesmo, não apresentou qualquer proposta/sugestão para a instalação da Casa Galveias – cfr. Proposta de arrendamento junta a fls. 96 ss SITAF;

9. A Requerente não declarou na sua proposta que aceitava todas as condições decorrentes do anúncio, concretamente, as previstas nos pontos 12, 13 e 14 do anúncio – cfr. Proposta de arrendamento junta a fls. 96 ss SITAF;



10. As únicas concorrentes ao procedimento em apreço foram a Requerente e a C.I., a sociedade comercial O L... – Imobiliária, Lda. – cfr. ato público do procedimento para arrendamento do prédio urbano sito na Av. da L..., nrs. 15 a 27, junto a fls. 106ss SITAF;

11. Em 05.11.2019, no ato público de abertura de propostas, após abertura dos invólucros exteriores e dos que continham os documentos dos concorrentes que apresentaram as propostas, mas antes da abertura das propostas, a Comissão de Análise deliberou admitir os dois concorrentes, porque apresentaram os documentos exigidos, tendo colocado à consideração dos presentes a possibilidade de consulta e, eventual, reclamação quanto a tal decisão, não tendo havido qualquer reclamação – cfr. ato público do procedimento para arrendamento do prédio urbano sito na Av. da L..., nrs. 15 a 27, junto a fls. 106ss SITAF;

12. Na mesma data, após proceder a um exame formal das propostas, a Comissão de Análise decidiu admitir todas as propostas «por se encontrarem em conformidade com o solicitado no Programa do procedimento, na medida em que as duas propostas apresentavam um valor superior valor mínimo exigido e apresentaram o prazo para a realização da sobras dentro dos limites impostos pela Junta de Freguesia de Galveias, indicando igualmente o custo das obras previstas em cumprimento do auto de vistoria n.º 132/AUT/UITC/GESTURBE/2016» – cfr. ato público do procedimento para arrendamento do prédio urbano sito na Av. da L..., nrs. 15 a 27, junto a fls. 106ss SITAF;

13. Na mesma data, após abertura e consulta das propostas, a C.I. apresentou reclamação quanto à admissão da proposta da Requerente, pugnando pela não admissão da respetiva proposta, essencialmente, pelos seguintes motivos:

“(…) A proposta da mesma não comprova a experiência de reabilitação urbana da proponente, que é requisito do procedimento, concretamente do ponto 11. Do anúncio;
A proposta em questão não se vincula à instalação da “C...”, nem tão pouco destaca a forma de instalação da referida “C...”, conforme exigido nos pontos 13 e 14 do anúncio e o ponto 9.4 alíneas b) e c) do Caderno de Encargos (…)” – cfr. ato público do procedimento para arrendamento do prédio urbano sito na Av. da L..., nrs. 15 a 27, junto a fls. 106ss SITAF;

14. Em 06.11.2019, após análise material das propostas, a Comissão de Análise decidiu propor a exclusão da proposta apresentada pela Requerente, por incumprimento das regras impostas no procedimento, por considerar resultar da respetiva proposta que:

“(…) 1. A proponente pretende fazer ligações internas a prédios confinantes perdendo o prédio arrendado a eventual autonomia:
2. A proponente não cumpriu o disposto nos pontos 11, 12, 13 e 14 do anúncio do concurso,
3. Aliás, a proponente não fez qualquer referência na sua proposta à C..., nem comprova a existência de experiência em reabilitação urbana, dever imposto no Anúncio do concurso (…)”
– cfr. ata da reunião da Comissão para análise da reclamação apresentada no procedimento para arrendamento do prédio urbano sito na Av. da L..., nrs. 15 a 27, junto a fls. 110ss SITAF;

15. A Requerente pronunciou-se em sede de audiência prévia, essencialmente, com os mesmos fundamentos apresentados no presente processo cautelar – cfr. ata da reunião da Comissão após audiência prévia as concorrentes sobre o procedimento para arrendamento do prédio urbano sito na Av. da L..., nrs. 15 a 27, junto a fls. 112ss SITAF, que se dão integralmente por reproduzidas;

16. Por deliberação de 22.11.2019, a Comissão de Análise manteve a sua decisão, no sentido da exclusão da proposta apresentada pela Requerente, e propôs que o arrendamento do Prédio urbano sito na Av. da L..., 21 a 27, Lisboa, seja adjudicado à C.I., pelo valor anual de €305.000,00 – cfr. ata da reunião da Comissão após audiência prévia as concorrentes sobre o procedimento para arrendamento do prédio urbano sito na Av. da L..., nrs. 15 a 27, junto a fls. 112ss SITAF, que se dão integralmente por reproduzidas;

17. Em 03.12.2019, a Junta de Freguesia de Galveias deliberou concordar com a deliberação da Comissão de Análise referida no ponto antecedente (Decisão suspendenda) – cfr. ata da Junta de Freguesia de Galveias junta a fls. 105 ss do processo administrativo instrutor apenso aos autos;

18. Foi provisoriamente adjudicado à C.I. o contrato de arrendamento em apreço nos presentes autos – cfr. ata da Junta de Freguesia de Galveias junta a fls. 105 ss do processo administrativo instrutor apenso aos autos;
19. Em 04.12.2019, foi dado conhecimento à Requerente que foi mantida a decisão de exclusão da sua proposta – acordo;

20. Foi devolvido à Requerente o cheque visado prestado, no montante de €500.000,00 – acordo;

21. O prédio urbano sito na Av. da L..., 21 a 27, Lisboa, não apresenta as condições de segurança e de salubridade exigíveis, em virtude da falta de realização de obras periódicas de conservação e à ocorrência de um incêndio, tendo, na sequência da vistoria realizada pela C.M.L, o “Edifício e Outras partes comuns” e as respetivas “Frações” sido avaliados no nível de conservação «Nível 2 – Mau» de conservação e ordenada a realização de obras num prazo determinado, sob pena de tomada de posse administrativa do imóvel – cfr. Auto de Vistoria n.º 132/AUT/UITC/GESTURBE/2016, de 15.01.2016, proc. n.º 2293/RLU/2015, junto a fls. 60 ss SITAF;

22. Está pendente processo de intimação para execução, urgente, de obras de conservação do imóvel – acordo.

23. Não faz parte do objeto social da Requerente a reabilitação urbana – confissão;

24. A presente providência cautelar foi intentada em 20.01.2020 – cfr. fls. 1 SITAF.

*
Da alteração da matéria de facto.
A matéria de facto que importa ter em consideração é a que assume relevância para a tomada da decisão, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.
Defende a Recorrente que o pedido de esclarecimento que dirigiu à entidade adjudicante através do e-mail de 18/10/2019, em que solicitou informações sobre a “C...”, bem assim como a resposta que recebeu, devem ser aditadas à matéria de facto.
Verifica-se que tal resposta já se encontra transcrita, na parte que se mostra relevante, no ponto 5 da matéria de facto da sentença recorrida.
A entidade adjudicante vincula-se no procedimento através dos esclarecimentos que aí prestou, pelo que é a estes que há que atender.
Não se vê, assim, perante a transcrita resposta, qual é o interesse da Recorrente em levar o teor do pedido de esclarecimento à matéria de facto, nem a Recorrente indica qual é esse interesse.
Por tais razões, improcede o referido pedido de aditamento à matéria de facto.

Alega ainda a Recorrente que tem como objecto social a “construção, remodelação, restauro, arrendamento e exploração de unidades hoteleiras”. Defende que o mesmo deve ser aditado à matéria de facto fixada na sentença recorrida e deve eliminar-se o ponto 1. da matéria de facto, em que se escreveu que “A Requerente, B..., Lda., é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à atividade de exploração e gestão hoteleira – acordo”.
O objecto social estabelece as actividades económicas que a sociedade pode desenvolver.
Porém, na prática, nada obsta que a sociedade exerça apenas alguma ou algumas das actividades aí previstas.
O ponto 1. da matéria de facto resulta do alegado pela Recorrente no art 1° do douto r.i., em que declara que “de acordo com o seu objeto social, se dedica a actividade de exploração hoteleira.”.
Não se vê, assim, que a fixação da matéria de facto que consta do referido ponto 1 sofra de qualquer erro que imponha a sua alteração. Trata-se aí da indicação das atividades económicas por ela efetivamente desenvolvidas e que ela própria declarou exercer.
No âmbito do procedimento a que se referem os presentes autos, exigia-se que os concorrentes provassem que tinham experiência em reabilitação urbana de edifícios.
Discutem as partes se a Recorrente tem essa experiência.
A Recorrente invoca em favor da sua tese o teor do seu objecto social, defendendo que as actividades económicas aí previstas demonstram que tem experiência em reabilitação urbana de edifícios e diz que promoveu a reabilitação do edifício em que funciona o hotel que actualmente explora.
Assim e porque não é totalmente impertinente para a sustentação da tese que a Recorrente defende, adita-se o seguinte facto à matéria assente:
24. A Requerente tem como objecto social a “construção, remodelação, restauro, arrendamento e exploração de unidades hoteleiras”.”.
*
Direito.
O presente “procedimento por negociação para arrendamento” tem por objecto seleccionar a melhor proposta com vista à celebração do contrato de arrendamento de um edifício do domínio privado da entidade adjudicante, que necessita de obras de reabilitação urbana, as quais, nos termos do disposto no procedimento, devem ser realizadas pelo adjudicatário, futuro arrendatário, que, para esses efeitos, deve indicar a actividade que se propõe vir a exercer no imóvel (e, por conseguinte, o fim do arrendamento) e apresentar a concreta solução urbanística de reabilitação a adoptar, no respeito das limitações decorrentes dos documentos que instruem o procedimento, nomeadamente as decorrentes da vistoria realizada pela Câmara Municipal de Lisboa.
Nos termos do disposto nos pontos 9 e 12 do P.P., os documentos de “habilitação” dos concorrentes e a proposta devem ser entregues simultaneamente.
Prevê-se a realização de um acto público destinado a analisar, num primeiro momento, os documentos de habilitação e a decidir sobre a admissão e exclusão dos concorrentes. Só posteriormente se procederá à abertura das propostas.
O ponto 22.1. do P.P., estatui que o presente procedimento rege-se, “com as necessárias adaptações”, pelo disposto nos artigos 96º a 104.º do regime jurídico do património imobiliário público, que consta do DL n.º 280/2007, de 7 de Agosto.
Os artigos 96º a 104.º do referido regime jurídico preveem os termos a que obedece o procedimento por negociação, com publicação prévia de anúncio, que apresenta as seguintes fases: a) a publicação de anúncios; b) a entrega, a apreciação e a selecção de candidaturas; c) a apresentação, a apreciação e a negociação de propostas; d) a escolha do adjudicatário (cfr. art.º 97.º).
Prevê-se aí a realização de um acto público para a abertura das propostas [art.º 98.º, al. f)], a tomada de decisão sobre a admissão ou das exclusão candidaturas que não preencham os requisitos previstos no anúncio, a formulação de convite à apresentação de propostas [art.º 100.º, n.ºs 1, 2 e 5], a abertura das propostas apresentadas, a fase de negociação e apreciação do mérito das propostas, a elaboração de um relatório final que inclui a identificação das propostas excluídas e a classificação das admitidas [artigos 101º, 102.º e 103.º].
Estatui o n.º 2 do art.º 104.º do mesmo regime jurídico que são aplicáveis subsidiariamente à negociação, com publicação prévia de anúncio, as disposições reguladoras do concurso público para a celebração de contratos de prestação de serviços ou fornecimento de bens móveis, os princípios gerais da contratação pública e o Código do Procedimento Administrativo.”.
Trata-se de uma norma de remissão formal ou dinâmica – cfr. Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, 1984, 65 ss; José Dias Marques, Introdução ao Estudo do Direito, 1970, 166, 274. Significa isso que se aplicam, em matéria de negociação, as normas para que o referido n.º 2 do art.º 104.º remete, que estejam em vigor à data da sua aplicação.
À data em que o DL n.º 280/2007, de 7 de Agosto, entrou em vigor, o procedimento concursal destinado à aquisição de serviços e de bens móveis, encontrava-se previsto no DL 197/99, de 8 de Junho, tendo este diploma sido revogado pelo DL 18/2008, de 29 de Janeiro (com excepção dos artigos 16.º a 22.º e 29.º), que aprovou o CCP e que considerou que as remissões legais efectuadas para a legislação por ele revogada, se consideram efectuadas para as correspondentes disposições do CCP (cfr. o respectivo art. 15.º e ainda o art.º 8.º do DL n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto).
O art.º 4.º, n.º 2, al. c) do CCP, exclui, em geral, a aplicação deste código aos contratos de arrendamento de bens imóveis (cfr. sobre o alcance da norma, Pedro Gonçalves, “Direito dos Contratos Públicos”, vol. 1, Almedina, 2ª ed., pág. 246), pelo que só se aplica na parte abrangida pelas referidas remissões.
Entende a Recorrente que a sentença recorrida sofre de erro de julgamento ao ter decidido que não se verifica o requisito relativo ao fumus boni iuris, a que se refere o n.º 1 do art.º 120.º do CPTA.
Começa por defender que, contrariamente ao decidido, tem experiência em reabilitação urbana de edifícios, o que, desde logo, diz resultar do seu objecto social e da circunstância de ter promovido a reabilitação do edifício em que está instalado o hotel que actualmente explora. Alega ainda que o Anúncio em que se publicitou o procedimento nada refere quanto à forma como se demonstra a experiência em reabilitação urbana, nem as peças deste exigem que os concorrentes tenham de ser construtores civis, pelo que entende que é lícito o recurso a arquitectos e empreiteiros capazes de proceder às obras de reabilitação.
Nos termos do ponto 11 do Anúncio do procedimento, os concorrentes devem demonstrar que têm experiência em reabilitação urbana.
Contrariamente ao defendido pela Recorrente, a experiência em reabilitação urbana não pode ser reconhecida nem resultar da mera circunstância do seu objecto social prever que pode dedicar-se à actividade de “construção, remodelação, restauro, arrendamento e exploração de unidades hoteleiras”.
Tal experiência só pode advir de obra de reabilitação urbana concretamente realizada.
A Recorrente não indica, nem na candidatura, nem na proposta que apresentou, qualquer obra de reabilitação urbana que tenha realizado e que fosse susceptível de demonstrar essa experiência.
Apenas o fez em sede da audiência prévia que lhe foi facultada para se pronunciar sobre o projecto de decisão de exclusão da sua proposta, isto é, em fase procedimental posterior à destinada à apresentação da candidatura e da proposta (cfr. ponto 4 do Anúncio e ponto 6.2 do P.P.).
O que obsta a que se considere o então alegado, pois tudo indicia que tal importa uma alteração da candidatura inadmissível, por violadora dos princípios da igualdade e da concorrência, uma vez que a completaria no que se refere a um factor de avaliação (genérica) da sua capacidade técnica. Não podem os candidatos, na referida fase, suprir omissões que determinam a exclusão da candidatura.
Alega ainda a Recorrente que a experiência em reabilitação urbana “é um requisito de habilitação da concorrente e não do mérito da sua proposta" e que tal requisito “não é excludente, nem é motivo de exclusão, por tal previsão não constar das peças concursais”, pelo que defende que o acto de adjudicação viola o art.º 70.º, n.º 1, al. a) do CCP.
A aferição da experiência em reabilitação urbana de cada um dos candidatos traduz-se, no presente procedimento, na avaliação de uma qualidade genérica destes, relacionada com a sua capacidade técnica.
É um factor a avaliar com a candidatura.
Estatui o n.º 2 do art.º 100.º do regime jurídico do património imobiliário público, que consta do DL n.º 280/2007, de 7 de Agosto, aqui aplicável por expressa remissão das peças do procedimento, que “na apreciação e selecção das candidaturas, a comissão exclui os candidatos que não preencham os requisitos previstos no anúncio e admite os restantes”.
No presente procedimento, a demonstração da experiência em reabilitação urbana é imposta pelo ponto 11 do Anúncio.
Assim, tudo indicia que a decisão que admitiu a candidatura violou o n.º 2 do art.º 100.º do regime jurídico do património imobiliário público, que consta do DL n.º 280/2007, de 7 de Agosto.
Essa decisão não constitui “caso julgado”, contrariamente ao defendido pela Recorrente. A admissão da sua candidatura apenas lhe confere a possibilidade de continuar no procedimento. Por constituir um vício do procedimento, pode ser impugnada com o acto final do mesmo (cfr. art.º 51.º, n.º 3 do CPTA).
Pelo que tudo indicia que, no procedimento em questão, ainda que, por mera hipótese, viesse a ser retomado, não poderia vir a ser tomada decisão que adjudicasse a proposta da Recorrente, dado que esta não demonstrou que tem experiência em reabilitação urbana de edifícios.
Por outro lado, a decisão da entidade adjudicante que excluiu a proposta da Recorrente por esta não conter qualquer referência à experiência em reabilitação urbana, em nada interferiu com a aplicação do critério de adjudicação, pois este apenas manda atender ao valor anual da renda proposto.

Também nada indicia que a entidade adjudicante tenha violado o princípio da igualdade por ter corrido um anterior procedimento, em 2018, com o mesmo objecto e requisitos dos ora previstos no P.P. e do C.E., mas em que não se impunha que os candidatos apresentassem experiência em reabilitação urbana. Tal circunstancialismo nada pode relevar no âmbito do presente procedimento.

Diz ainda a Recorrente que a contra-interessada também não demonstrou no procedimento ter a necessária experiência em reabilitação urbana, pelo que o acto de adjudicação não poderia ter recaído sobre a sua proposta.
Tal questão não foi suscitada no r.i.. Trata-se de questão nova que poderia ter sido colocada ao Tribunal a quo e que não é de conhecimento oficioso, pelo que não pode ser conhecida no âmbito do presente recurso – cfr. Ac. do STA de 27.4.2016, proc. n.º 0288/15, Ac. do TCA Sul de 22.9.2016, proc. n.º 13594/16, in www.dgsi.pt.

A Recorrente alega ainda que, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, declarou na sua proposta que aceitava todas as condições previstas no P.P. e no C.E. e que essa declaração tem o alcance de aceitar todas as condições impostas pelo Anúncio, nomeadamente as previstas nos seus números 12, 13 e 14, que preveem a criação de um protocolo com condições preferenciais e descontos para o alojamento dos fregueses e a instalação da “C...” em metade da área do primeiro andar do prédio.
Defende ainda que tais condições estão previstas nas peças do procedimento de forma genérica, sendo inválidas por falta de objecto, ou, pelo menos, carecem de melhor concretização por parte da entidade adjudicante para os concorrentes as poderem ter em consideração nas respectivas propostas, pelo que defende que não tinha de ter apresentado uma proposta de protocolo, nem ter concretizado os termos em que se propõe proceder à instalação da C..., o que diz só poder vir a fazer depois da adjudicação e com a concordância da entidade adjudicante.

Nada indicia que tais normas sofram dos vícios que a Recorrente lhes aponta.
O arrendamento do edifício pode destinar-se a habitação, comércio ou serviços, devendo o adjudicatário indicar a finalidade do mesmo na proposta e apresentar uma proposta de reabilitação do edifício.
O critério de adjudicação é o valor da renda anual, que não pode ser inferior a 255.000,00€.
Tudo, conforme previsto no art.º 1.º do P.P, artigos 1.1., 1.2.. 3., 9.1., 9.2, 9.4, al. b) do C.E.
A obrigação de apresentação de um projecto de protocolo com condições favoráveis para os fregueses e a relativa à afectação de metade da área do primeiro andar do prédio para utilização pela Junta de Freguesia, a fim de ser aí instalada a C..., encontram-se suficientemente evidenciadas nos números 12, 13 e 14 do Anúncio do procedimento, que apresentam a seguinte redacção:
“12. Deverá ser criado um protocolo com condições preferenciais e descontos com a Junta de Freguesia, para residentes na Freguesia de Galveias em caso do destino do edifício ser o alojamento urbano;
13. Por determinação da cláusula testamentária, fica o arrendatário vinculado a instalar “A C...” em metade da área do primeiro andar do prédio;
14. Para o efeito deverá ser destacado o referido na cláusula anterior;”.

Perante tais normas, tudo indicia que o referido ponto 12, na parte em que refere que “deverá ser criado um protocolo…”, impõe aos concorrentes a obrigação de instruírem a sua proposta com um projecto de protocolo em que indiquem as condições preferenciais e os descontos que estão dispostos a conceder aos fregueses, caso afectem o edifício a alojamento.
A proposta apresentada pela Recorrente deveria ter observado tal exigência, uma vez que se propõe instalar um hotel no edifício, ou seja, vir a desenvolver ali uma actividade que tem por objecto o alojamento urbano (artigo 11.º n.ºs 1 e 2, a) do DL n.º 39/2008, de 7 de Março, com a redacção atribuída pelo Decreto-Lei n.º 80/2017, de 30 de Junho).
Acresce que a assunção da obrigação de proceder à instalação da “C...” em metade da área do primeiro andar do prédio, devia ser “destacada” na proposta.
Isto é, tudo indicia que não basta, perante o determinado nos pontos 13 e 14 do Anúncio, que a Recorrente tivesse declarado que “as demais condições contratuais terão em consideração o previsto no programa e caderno de encargos do procedimento para arrendamento.”.
A entidade adjudicante impôs que os concorrentes emitissem declaração expressa sobre essa condição de execução do contrato, o que a Recorrente deveria ter sido cumprido.
Repare-se que a proposta, para além do mais, deve indicar, nos termos do disposto no ponto 6.1.b) do P.P., o valor anual da renda e as restantes especificidades sobre as condições do arrendamento.
É, assim, de concluir que a sentença recorrida não sofre do erro de julgamento que lhe é apontado ao considerar que não se verifica o requisito relativo ao fumus boni iuris a que se refere o n.º 1 do art.º 120.º do CPTA.
E não se verificando tal requisito, não pode ser decretada a providência requerida, o que prejudica o conhecimento do demais peticionado.
Decisão
Face ao exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 10 de Setembro de 2020

Jorge Pelicano

Celestina Castanheira

Ricardo Leite